Projecto de Resolução N.º 3/XIV/1ª

Propõe medidas para garantir a universalidade e gratuitidade no acesso a creches a todas as crianças até aos 3 anos

1. O PCP defende que as crianças e as famílias em Portugal carecem urgentemente da criação duma rede pública de creches, ou soluções equiparadas, que deve cobrir todo o território nacional. Independentemente do espaço próprio das organizações e estruturas sociais no presente e no futuro, no imediato e até à concretização da resposta pública, o PCP considera que devem ser adotadas soluções transitórias utilizando as diversas possibilidades existentes que garantam, a partir de 2020, a gratuitidade de frequência das crianças dos 0 aos 3 anos.

A criação de uma rede pública de creches gratuitas é uma opção que não pode mais ser adiada. As crianças necessitam desta resposta social, com qualidade. A sua existência será um elemento de confiança para quem pondera ter filhos.

As creches devem ter como função conjugar as necessidades essenciais das crianças, garantindo segurança aos pais, mas assumindo igualmente uma função pedagógica, que vise o crescimento e desenvolvimento integral da criança, em complementaridade com o papel das famílias.

Esta é cada vez mais a visão de diversas entidades que associam o direito à creche (1) como um importante apoio às famílias no período em que os seus membros trabalham, mas igualmente porque a creche deve constituir um serviço educativo, com um valor intrínseco para o desenvolvimento da criança neste grupo etário, matéria que esteve no centro da Recomendação nº 3 de 2011 sobre a Educação dos 0 aos 3 anos por parte do Conselho Nacional de Educação.

Trata-se de uma responsabilidade social ampla, que tem de assumir a universalidade própria de um serviço público que seja efetivamente acessível a todas as crianças e famílias que dele queiram beneficiar, entendida como um direito da criança. Tal só será possível com a garantia de gratuitidade de frequência.

2. Portugal tem um grave défice demográfico. O envelhecimento da população por si mesmo, enquanto aumento da esperança de vida, não é um aspeto negativo, muito pelo contrário, mas a queda de natalidade, sendo o nosso País um dos países da Europa com menor índice de fecundidade, estando abaixo do limiar que assegura a renovação das gerações (2), já o é.

A baixa natalidade é acompanhada de uma enorme contradição entre esta realidade e o que todos os estudos revelam: que os portugueses em idade fértil gostariam de ter mais filhos e não os têm por falta de condições. O direito de ser pai ou ser mãe não pode depender das condições económicas e financeiras de cada um.

Portugal precisa de mais crianças. Para tal é preciso assegurar simultaneamente que as famílias têm condições para assumir o papel central na vida das crianças e que, tal como a Constituição da República Portuguesa consagra, a sociedade e o Estado garantem o direito das crianças ao seu desenvolvimento integral.

Para o PCP, as crianças devem estar no centro da atenção da sociedade e quanto maior for o desenvolvimento integral que lhes possamos oferecer melhores perspetivas de desenvolvimento e progresso pode ter o nosso País. (3)

3. Na atualidade, a valência de creche abrange as crianças dos 4 meses aos 3 anos, é da tutela da Segurança Social e é considerada resposta socioeducativa. Existem creches da rede solidária (IPSS) e privadas, bem como amas, quer da Segurança Social, quer ligadas a IPSS (caso das creches familiares). É incalculável o número de soluções informais e ilegais a que os pais se veem obrigados a recorrer.

As vagas existentes, mesmo considerando todas de todos os sistemas, cobrem menos de metade das necessidades. Em 2017 frequentavam uma creche cerca de 100 mil crianças.

Valorizando a iniciativa e resposta das organizações e estruturas sociais, é necessário reconhecer que a transferência de responsabilidades do Estado para as IPSS é claramente insuficiente para fazer face aos custos reais, para garantir a valorização do estatuto socioprofissional dos trabalhadores, pelo elevado peso da comparticipação das famílias.

Além da dificuldade em conseguir uma vaga, muitos pais, em particular nos grandes centros urbanos, não conseguem suportar os custos associados à frequência de creches privadas ou de amas, ou fazem-no com grande sacrifício.

De registar que esta resposta social não é considerada "educação", não sendo o tempo de serviço dos educadores contado. As regras definidas pela Segurança Social não obrigam as salas de berçário a ter educador.

A resposta que é dada pela rede solidária é manifestamente insuficiente, sendo fundamental suprir estas carências por via de uma rede pública de acesso universal e gratuito.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao Governo a adoção das medidas necessárias a:

  1. Criar uma rede pública de creches, planeada para assegurar cobertura em todo o País, de forma a garantir creche gratuita, ou soluções equiparadas, nomeadamente amas e creches familiares, a todas as crianças desde o final da licença de parentalidade até aos 3 anos;
  2. Garantir o investimento público correspondente à criação de, pelo menos, 100 mil vagas em creche ou solução equiparada no sector público, até ao final da presente legislatura, considerando, além do financiamento via Orçamento do Estado, o recurso a fundos comunitários e excluindo este investimento da consideração para efeitos de contabilização do défice orçamental;
  3. Promover as soluções transitórias que garantam, a partir de 2020, a gratuitidade de frequência das crianças dos 0 aos 3 anos, privilegiando a articulação com as instituições do sector social e cooperativo;
  4. Aprofundar o estudo sobre o conteúdo, organização e apoios pedagógicos adequados a este nível etário;
  5. Garantir que as creches tenham profissionais com formação e qualificação para o acompanhamento das crianças desta faixa etária
  6. Criar, no prazo de 60 dias, uma comissão técnica para a identificação das diversas necessidades de profissionais, meios e instalações que a criação de uma rede pública de creches implica, bem como dos equipamentos e vagas existentes atualmente na valência de creche - desagregando essa informação por resposta pública, do sector social e do sector privado - e em amas da Segurança Social.

Notas:

1 - Seminário do Conselho Nacional de Educação dos 0 aos 3 anos - considerações finais, pag. 155 - Edição de Fevereiro de 2011

2 - Intervenção de Paula Santos, 13 de Maio 2018 Debate do PCP Crianças e pais com direitos - Portugal com futuro

3 - Intervenção final de Jerónimo de Sousa Debate Crianças e Jovens com direitos um Portugal com futuro, 13 Maio 2018

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