Intervenção de Domingos Abrantes, Comemorações dos 45 anos de libertação dos presos políticos do Forte de Peniche

«Este é o museu pelo qual lutámos. Este é o museu que vamos ter»

«Este é o museu pelo qual lutámos. Este é o museu que vamos ter»

Os valores de Abril estão hoje aqui presentes, neste dia de Festa para todos os democratas e amantes da liberdade. Uma dupla Festa de importância e contribuição inegável para o reforço da democracia.

No dia 27 de Abril de 1974, há 45 anos, por acção da população de Peniche, de muitos populares e famílias dos presos vindas de longe, dos militares de Abril e em particular do Comandante Machado dos Santos, que saudamos pelo seu papel corajoso na libertação dos presos, para que as portas da cadeia do Forte de Peniche – símbolo odioso da repressão fascista – se abrissem definitivamente para os presos perante a alegria da multidão que se tinha concentrado junto à Fortaleza.

Mas este facto não nos pode fazer esquecer que no próprio momento em que por todo o País multidões imensas ocupavam as ruas e as praças para vitoriar a conquista da liberdade, o general Spínola decidia manter a PIDE, nomear um novo director para a sinistra instituição e manter nas cadeias os presos políticos, que só viriam a ser libertados no dia 27, vitória que também hoje aqui comemoramos, da melhor maneira.

O dia 27 de Abril assinala, pois, uma das primeiras derrotas dos que sonharam ser possível salvar o essencial do Estado fascista.

Mas hoje é, igualmente, dia de Festa e de regozijo porque com a inauguração da primeira fase do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, na Fortaleza de Peniche, concretiza-se uma muito antiga reivindicação dos antifascistas e dá-se um grande passo para assegurar a preservação da memória da resistência, para que tenhamos um instrumento de pedagogia democrática e de homenagem a milhares de presos que aqui estiveram encarcerados.

O nome e a concepção do Museu e sua instalação no Forte de Peniche associam de forma indissolúvel a resistência e a conquista da liberdade, e preservam um símbolo da repressão, e da luta corajosa de gente de inabalável confiança na conquista da liberdade, quando os vencedores de momento tudo faziam para que se sentissem derrotados.

A preservação das instalações da antiga cadeia é uma vitória da liberdade, da democracia e honra a memória de todos aqueles que se sacrificaram para que tivéssemos um país livre.

Como se afirma no memorial, na palavra do Prof. Borges Coelho (que aqui passou momentos muito difíceis): «A Liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta Fortaleza».

A partir de agora, apenas condicionado por exigência de obras para a instalação definitiva do Museu, estará à disposição dos visitantes que aqui vierem o Memorial com os 2510 nomes dos presos que aqui estiveram entre 1934-1974 e pronto para incluir novos nomes que venham a ser encontrados. E podemos informar que existem já mais nomes.

O Memorial está organizado por ordem alfabética. Pouco importa o quanto lutaram, quantos anos aqui passaram ou aquilo que sofreram. Como escreveu o poeta Alberti na evocação dos mártires da Espanha Republicana, na qual tantos antifascistas portugueses lutaram e morreram: A quem nomear em primeiro?/Ninguém aqui é primeiro/quando o aço é de aço/aqui são todos primeiro.

O Parlatório mostrará o local onde foram praticadas tantas arbitrariedades que não poupavam as próprias famílias. Igualmente lugar de agressões psíquicas e afectivas contra as crianças.

Com a exposição na sala contígua ao Parlatório presta-se a justa homenagem ao povo de Peniche como terra de resistência e de liberdade, como terra reprimida. Perpetua-se a memória dos penicheiros que passaram pelas cadeias fascistas, incluindo o Tarrafal, e do jovem pescador assassinado pelo fascismo durante a revolta popular, em 1935, e cujos netos se encontram aqui presentes.

A solidariedade da população de Peniche para com os presos e suas famílias, solidariedade material e política, registo de páginas magníficas de coragem e de luta contra o fascismo que importa divulgar.

Na Capela funcionará a exposição sobre a história da Fortaleza, como monumento, sobre as diversas funções que foi tendo até se tornar no mais odioso símbolo do vasto sistema carcerário do fascismo.

No Redondo, onde funcionou o «Segredo», destinado à aplicação dos mais duros castigos, evocam-se as fugas das prisões, sobretudo as mais audaciosas, como a de António Dias Lourenço, do «Segredo» para o mar, em 1954, e a de Álvaro Cunhal e seus companheiros, do Pavilhão C, em 1960, local onde ficará depois assinalada quando da instalação definitiva do Museu. As fugas das cadeias fascistas são parte integrante da resistência.

Finalmente, com a exposição «Por Teu Livre Pensamento», ter-se-à a antevisão dos conteúdos gerais que integrarão o Museu na sua instalação definitiva.

Não é ainda o Museu definitivo que agora se inaugura, mas iniciamos um percurso irreversível, que esperamos seja o mais curto possível. O dia de hoje assume a maior importância e desencadeia um enorme sentimento de regozijo se nos lembrarmos que em Outubro de 2016 muitos de nós aqui estivemos para manifestar o protesto, que foi apoiado por milhares de democratas, contra a ideia de fazer desaparecer este símbolo da repressão e da luta de resistência que é a cadeia do Forte de Peniche, quando já tínhamos visto desaparecer, um após outro, vários símbolos da repressão fascista e de resistência.

E, no entanto, apesar da situação difícil reinava a maior confiança de que este símbolo seria preservado, não por saudosismo e muito menos por veneração, mas por ser considerado indispensável a uma política de resgate da memória de antifascismo, para que as jovens gerações saibam o que significou o regime fascista, porque são marcas indispensáveis a uma política de educação dos valores democráticos e da liberdade, marcas que nos incentivam a lutar pela liberdade como conquista perene. Marcas que ensinam as jovens gerações a dizer «Nunca Mais».

E, no entanto, a reivindicação aqui feita na altura, e que constava de uma Petição subscrita por milhares de democratas para que fosse instalado na antiga cadeia o Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, não era mais do que a exigência de que se realizasse o que já estava decidido há muitos anos.

Em Outubro de 1976 foi promulgado um Decreto-lei do I Governo Constitucional que determinava a criação na dependência do Conselho de Ministros do Museu da República e da Resistência e que devia ser instalado no Forte de Peniche, pois não havia «nenhum lugar mais digno e símbólico para instalá-lo do que o Presídio de Peniche que foi prisão de patriotas e cujas paredes, no seu mutismo, falarão a quem o visitar da coragem e do exemplo de alguns dos melhores portugueses». Um museu, dizia-se igualmente, no Decreto-lei «que devia ser um libelo contra os opressores, um local de homenagem à memória dos que se sacrificaram pela liberdade» e para que os vindouros não esqueçam que nada se conquista sem luta.

Este é o museu pelo qual lutámos. Este é o museu que vamos ter, mas não podemos deixar de nos interrogar: como foi possível que tivessem decorridos quarenta e três anos e existido vinte governos até aqui chegar?

Este momento deve ser considerado um virar de página na política de apagamento da memória. Já se perdeu demasiado tempo. Já se apagaram demasiadas marcas.

O mundo torna-se perigoso. Vivemos momentos preocupantes e de desfecho incerto. Não é o lugar, nem o momento para se discutir qualificativos, mas a verdade é que o fascismo levanta cabeça em muitos países e ganha uma força assustadora. Uma realidade que nenhum governo democrático pode deixar de encarar a sério. A educação das jovens gerações nos valores da liberdade e da democracia é uma obrigação dos governos e de todos nós.

A defesa da memória histórica do que foi a repressão fascista e da luta pela liberdade devem ocupar o espaço e a importância que se impõe nos livros e currículos escolares. É urgente pôr cobro ao confrangedor desconhecimento do nosso passado que se observa em muitas escolas. Por Abril. Pela Liberdade.

Saibamos utilizar este local como um espaço de pedagogia democrática, pelo presente e pelo futuro.

Só mais uma questão para apresentar uma sugestão à Sr.ª Ministra da Cultura, que espero subscrevereis.

É chegada a hora de se erguer um monumento nacional, num local público e digno e não num escuso átrio do Metro, em honra da luta pela liberdade, em memória dos muitos milhares que passaram pelas cadeias fascistas, dos que foram assassinados, dos que lutaram ou morreram na Guerra de Espanha, na Resistência francesa, nos campos de concentração nazis. Portugueses que ao lutarem contra o fascismo noutros países, lutaram pela nossa liberdade e resgataram o nome de Portugal do opróbrio fascista. Um objectivo que, a concretizar-e, seria uma muito boa forma de comemorar o 50.º aniversário do 25 de Abril.

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