Resolução Política do 5.º Encontro Nacional do PCP sobre a Saúde em Portugal

Abertura

O 5.º Encontro Nacional do PCP sobre a saúde em Portugal realiza-se num momento particularmente difícil da vida do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apesar de todos os avanços nos indicadores de saúde com a implementação do SNS, os cerca de 39 anos da sua existência não têm sido fáceis. Alvo de uma prolongada ofensiva, o SNS está hoje fortemente condicionado na sua missão constitucional de garantir o acesso à saúde a todos os portugueses.

Com a Lei de Bases da Saúde (LBS) aprovada em 1990, e após a revisão constitucional de 1989, a direita enterra definitivamente a lei do SNS que nunca chegara a aplicar.

É neste quadro que nos devemos posicionar relativamente ao processo de revisão da LBS. O PCP não deixará de intervir neste processo de forma autónoma e qualificada.

Como está amplamente desenvolvido no capítulo 1 do Projecto de Resolução, o PS, PSD e CDS-PP são os grandes responsáveis pela situação que se vive actualmente no SNS. Responsáveis por políticas de desacreditação e fragilização, com que vão consolidando avanços na implementação de um sistema de saúde a duas velocidades – um serviço público desvalorizado para os mais pobres e a prestação de cuidados centrada nos seguros privados de saúde para a maioria dos portugueses. Como sabemos, nos países em que tais soluções têm sido adoptadas uma parte muito significativa da população ficou sem cobertura de qualquer sistema organizado.

O PCP é portador de um histórico de intervenção no sector da saúde, o que lhe permite não só um profundo conhecimento da realidade em Portugal, mas também a posse de um conjunto muito significativo de propostas que, a serem adoptadas, permitirão resolver os problemas com que o SNS se debate hoje e contribuir para que readquira a sua matriz inicial.

O PCP é um partido aberto à inovação a actualização de conceitos e métodos e aos progressos das ciências da saúde, mas reafirma alguns princípios éticos que não podem ser hipotecados em nome dos custos das novas tecnologias e do conhecimento científico. Princípios como:

  • O direito à saúde como um direito fundamental dos indivíduos, competindo ao Estado a sua garantia;
  • O acesso aos cuidados de saúde, independente da situação económica ou estatuto social dos cidadãos;
  • A avaliação e eficiência dos serviços devem privilegiar a análise dos resultados em saúde, por eles obtidos, assegurando a adequação dos recursos a todo o território nacional;
  • A medicina privada, cuja existência não é posta em causa e cuja importância social o Estado reconhece, deve cumprir um papel supletivo em relação ao SNS, devendo os dois sistemas ser completamente independentes pois traduzem filosofia e objectivos diferentes.

As principais vítimas da situação que se vive hoje no SNS – os utentes – vêem com angústia desaparecer a garantia de cuidados de saúde gerais, universais e gratuitos que a Constituição da República Portuguesa (CRP) lhes concedera; assistem ao desaparecimento de direitos e de unidades de cuidados de saúde; sofrem com as escandalosas listas de espera para as consultas e tratamentos e, simultaneamente, são chamados a pagar do seu bolso os gastos em saúde.

Procurando aproveitar o descontentamento, os arautos da política de direita tudo fazem para aumentar o coro daqueles que contestam o SNS. Neste contexto, o PCP reafirma a importância da existência do SNS na missão de garantir a prestação de cuidados de qualidade a todos os portugueses, opinião que não autoriza nenhuma leitura que confunda esta posição com qualquer ideia de branqueamento da situação actual. Pelo contrário, o PCP não só não se revê na situação actual do SNS, como reafirma que é na política de direita – responsabilidade do PS, PSD e CDS-PP – que encontramos as causas para a situação de grande parte dos serviços que não cumprem satisfatoriamente as suas funções assistenciais.

Para o PCP os direitos sociais dos trabalhadores e de todos os cidadãos são direitos fundamentais e parte integrante da democracia avançada que propõe ao povo português. Direitos sociais fundamentais, onde se integra, entre outros, o direito saúde assegurado por um SNS universal, geral e gratuito, com gestão eficiente, participada e descentralizada. É por este SNS que o PCP tem lutado; é por este SNS que iremos continuar a a lutar; objectivo que passa, na fase actual, pela luta contra a política de direita e a concretização de uma política patriótica e de esquerda.

1. A política de direita na Saúde

Desresponsabilização do Estado/transferência da prestação de cuidados para os privados

A desresponsabilização do Estado na garantia do direito à saúde evidencia-se de múltiplas formas. Desde logo, no plano do financiamento, mas também na transferência de prestação de cuidados para entidades privadas, através da concessão/privatização de serviços e unidades públicas de saúde. O objectivo é claro – enfraquecer e descredibilizar o SNS junto dos utentes para, posteriormente, justificar a sua privatização.

No SNS, o desinvestimento feito pelo PS, PSD e CDS tem tido um impacto de dimensão estratégica na saúde em Portugal, não só no plano da desresponsabilização do Estado, em clara violação da CRP, mas também no favorecimento de grandes entidades privadas ao nível de toda a cadeia da actividade, da definição de objectivos, à investigação, à gestão e à prestação de cuidados em todas as áreas.

Para o crescente peso da oferta privada na saúde terão sido determinantes: a mobilidade dos profissionais de saúde entre o sector público e privado; a possibilidade destes profissionais aumentarem a sua remuneração com a prestação dos seus serviços no sector privado; o incentivo ao desenvolvimento de serviços privados e a contratualização do sector privado pelo sector público; a preocupação em desenvolver e gerar soluções para minimizar listas de espera; o sistema de deduções fiscais para gastos em saúde.

As medidas de política adoptadas em relação aos subsistemas públicos de saúde (designadamente ADSE, SAD/PSP, SAD/GNR e ADM); o lançamento do programa de Parcerias Pública - Privadas – PPP (designadamente os termos dos contratos estabelecidos e as responsabilidades do Estado assumidas) e o apoio dado à atractividade dos seguros privados de saúde (designadamente através de medidas de incentivo fiscal) revestem-se de grande importância para as forças do capital concretizarem o seu objectivo estratégico de exploração e domínio na área da Saúde, pervertendo o conceito constitucional, cultural, social e assistencial de prestação de cuidados de saúde.

De uma forma geral, o período que decorre entre 2006-2018 é caracterizado pelo agudizar da luta entre quem defende que cabe ao Estado assegurar o pleno direito à Saúde através de um SNS universal (acessível a todos e que a todos sirva), geral (actuante de forma eficaz em todos os domínios da saúde) e gratuito (sem custo directo para quem dele necessita) e aqueles que, a partir do Governo e de outras posições de poder, vêem na Saúde uma promissora, altamente rentável e cobiçada área de negócio.

Para o ano de 2018, o orçamento do SNS prevê a transferência de 3.726 milhões de euros (40% do total do orçamento da despesa do SNS) para entidades privadas. Isto só na rubrica de fornecimentos e serviços externos (medicamentos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica - MCDT; parcerias público-privadas - PPP e outros sub-contratos). Destes, 471 milhões de euros, que poderiam ser investidos no reforço do SNS, são para as PPP – um montante que tem vindo a aumentar.

Segundo dados da Conta Satélite de Saúde 1, a despesa total em saúde, no ano de 2016, atingia 16,5 mil milhões de euros; destes, 5,6 mil milhões correspondem à despesa privada em saúde (representando 33,9% da despesa total), montante que não é despiciente e que tem vindo a crescer, com excepção do ano de 2013. Esta tendência de crescimento da despesa corrente privada registava-se nos hospitais e nos prestadores de cuidados de saúde em ambulatório privados, enquanto que a despesa corrente pública diminuía de forma global (entre 2000-2015). Entre 2004 e 2007, a despesa corrente privada nos hospitais representava, em média, 5,8% da despesa total, e no ano de 2015 já representava 11,1%. Constatou-se ainda que à medida que diminuiu a despesa pública em saúde, aumentou o peso das despesas com saúde nas famílias, o que, no ano de 2016, correspondeu a 27,4% da despesa total em saúde. Em 2016, o financiamento da saúde pela Administração Pública representou 64,9% da despesa total, enquanto entre os anos 2000-2003 chegou a representar mais de 70%.

Se é verdade que o SNS não dispõe dos recursos necessários para responder a parte das necessidades de saúde dos utentes, não é menos verdade que, nos últimos anos, não têm sido tomadas medidas para reforçar a sua capacidade e reduzir, progressivamente, o encaminhamento de utentes para entidades privadas com acordos, protocolos ou convenções com o SNS. São disso exemplo, a emissão do cheque cirurgia para a realização em entidades privadas protocoladas com o SNS, no âmbito do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) e a prescrição de MCDT que evidenciam a necessidade do SNS investir na ampliação da sua capacidade de resposta. Há exemplos de unidades hospitalares que, em articulação com os cuidados de saúde primários (CSP), internalizam alguns exames (como as análises clínicas) e a realidade demonstra as potencialidades deste processo.

Nos últimos anos, para além da transferência de cuidados de saúde para o privado, verificamos uma progressiva entrega de serviços públicos à gestão privada. São disso exemplo, a concessão de diversos serviços de imagiologia de hospitais públicos; a concessão da gestão do Centro de Reabilitação do Norte; o estabelecimento de acordos e/ou protocolos para encaminhamento de doentes para hospitais privados, como é exemplo o protocolo com o Hospital da Prelada; a entrega de três hospitais públicos (Serpa, Anadia e Fafe) para a gestão das Misericórdias, e estava em curso a entrega de mais três hospitais (Fundão, Santo Tirso e São João de Madeira) para as Misericórdias, que não se concretizou por proposta do PCP ou o desenvolvimento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), sobretudo em entidades privadas com ou sem fins lucrativos. E, mais recentemente, o estabelecimento de protocolos com quatro Misericórdias na Península de Setúbal para a prestação de cuidados de saúde no âmbito dos CSP aos utentes sem médico de família, constituindo um passo na implementação das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo C (privadas). Na prática, todos estes exemplos configuram transferências de serviços públicos para os privados.

O crescimento da prestação de cuidados de saúde em entidades privadas é, ainda, visível no incremento do seu número de unidades. Dados do INE (Abril de 2018) indicam que o número de hospitais privados (114 em 2016) é superior ao número de hospitais públicos (111, no mesmo ano, correspondendo a 49,3% dos total).

Segundo o INE, entre 2005-2015, à medida que as camas de agudos diminuíram nos hospitais públicos (menos 4500 camas), aumentaram nos hospitais privados (mais 2300 camas). Já entre 2015 e 2016, os hospitais públicos aumentaram 29 camas, o que não é significativo, enquanto os hospitais privados aumentaram 418 camas, representando 31,9% do número total de camas de agudos. Contrariamente ao que vinha sendo divulgado, se as camas não fossem necessárias os hospitais privados não as criariam.

Em mais de dez anos, o número de atendimentos de urgência nos hospitais privados duplicou, representando, em 2015, 15,2% do total de atendimentos de urgência (em 2005 correspondia a 7,2% do total). Comparando a evolução entre 2014-2015, o número de atendimentos de urgência em hospitais privados aumentou 14,5%; e entre 2015 e 2016 aumentou 5,4%. Nas consultas e cirurgias a tendência neste período é semelhante. Em 2015, os hospitais privados eram responsáveis por 34% do total de consultas e por 27% do total de cirurgias.

Subsistemas públicos de saúde – financiamento directo dos privados

Os cidadãos têm acesso a níveis de seguro adicionais e cumulativos das despesas com cuidados de saúde, existindo três principais subsistemas: os subsistemas públicos; os subsistemas privados; e os seguros privados voluntários.

Presentemente, o conjunto dos subsistemas de saúde públicos (onde a ADSE -  Instituto de Protecção e Assistência na Doença, IP- pontua como principal parcela) assegura 3,9% da despesa corrente em saúde, o que significa 5,8% no subconjunto da despesa financiada publicamente.

Importa sublinhar que, com excepção das taxas moderadoras, toda a restante despesa efectuada pelas famílias resulta em receita de entidades privadas. O mesmo acontece com a despesa da Administração Pública (SNS/Serviços Regionais de Saúde e subsistemas públicos) que recorre cada vez mais a entidades privadas como fornecedoras de serviços de Saúde de que as PPP são só uma expressão.

Despesa Corrente em Saúde (milhões de euros) – dados INE
Anos Total Administração Pública (Total) SNS/SRS Subsistemas Públicos Outros Privado (Total) Seguros Subsistemas Privados Famílias Outros
2006 15.188.768€ (100%) 10.500.420€ (69,13%) 8.490.615€ (55,90%) 1.090.401€ (7,18%) 919.386€ (6,05%) 4.688.366€ (30,87%) 384.902 (2,53%) 358,743€ (2,37%) 3.817.506€ (25,13%) 127.215€ (0,83%)
2010 17.668.162€ (100%)
12.326.832€ (69,77%) 10.507.205€ (59,47%) 731.917€ (4,14%) 1.087.710€ (6,16%) 5.341.330€ (30,23%) 529.133€ (2,99%) 306.133€ (1,73%) 4.338.460€ (24,55%) 167.639€ (0,94%)
2016 16.545.287€ (100%) 10.960.212€ (66,24%) 9.461.627€ (57,19%) 641.662€ (3,88%) 856.923€ (5,18%) 5.585.075€ (33,75%) 657.248€ (3,97%) 254.551€ (1,53%) 4.526.632€ (27,35%) 146.644€ (0,88%)

Em 2014, o conjunto dos subsistemas públicos contava com 1.554.779 beneficiários. No final desse ano, a ADSE contava com 1.275.779 beneficiários, representando cerca de 12% da população residente em Portugal, e fazendo deste o subsistema de maior abrangência. Segundo dados do relatório Modelo de Governação de Subsistemas Públicos de Saúde 2, a SAD/PSP tinha 70.308 beneficiários, a SAD/GNR tinha 85.293 e a ADM tinha 123.822. Assim, a ADSE destaca-se por abranger 82% do total de beneficiários do conjunto dos subsistemas públicos.

De acordo com o Decreto-Lei (DL) 7/2017, de 9 de Janeiro, a ADSE passa a ser um instituto público de regime especial e de gestão participada integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio e tem por missão assegurar a protecção aos seus beneficiários nos domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento e reabilitação.

Este DL pretende responder às recomendações do Tribunal de Contas (TC) contidas nos relatórios de auditoria à ADSE, produzidos em 2015, e resulta do conflito, entre os interesses dos trabalhadores da Administração Pública, suportados pela sua luta, e os interesses do capital, suportado pelas opções políticas do PS, PSD e CDS-PP, justificado pelas medidas previstas no Memorando de Entendimento com o FMI, a Comissão Europeia e o BCE.

Com efeito, o fatídico memorando das troikas apontou a necessidade de «reduzir o custo global orçamental com sistemas de saúde dos funcionários do Estado (ADSE, ADM e SAD), diminuindo a contribuição da entidade empregadoras e ajustando o âmbito dos benefícios de saúde, com poupanças de 100 milhões de euros em 2012» 3, e estabeleceu que para se atingir um modelo sustentável para os esquemas de benefícios de saúde dos funcionários públicos, o seu custo global orçamental fosse reduzido em 30% em 2012, e adicionalmente em 20% em 2013, a todos os níveis do governo, a que se seguiriam reduções adicionais, até se atingir o autofinanciamento em 2016 e reforçando que seria conseguido, por via da redução da contribuição dos empregadores e ajustando o âmbito dos benefícios de saúde.

Em 2015, o TC publicou relatórios de auditoria à ADSE, em que são formuladas recomendações ao Ministério da Saúde que se centram em três pontos essenciais: a propriedade dos descontos dos quotizados, dada a sua origem em fundos privados (dos beneficiários) e a sua consignação aos fins para os quais foram efectuados; a autonomia do sistema de protecção social e a participação dos quotizados na gestão estratégica e no controlo financeiro da entidade gestora ADSE.

Com efeito, em 2009, as receitas da ADSE provinham de transferências do Orçamento de Estado (OE); de contribuições dos beneficiários e de receitas próprias e reembolsos. Em consonância com o que foi acordado pela troika, deixa de se verificar a transferência de verbas do OE para a ADSE, suprimindo-se, assim, aquela que era até essa data a mais importante fonte de receita deste subsistema público.

Presentemente, as receitas da ADSE provêm maioritariamente das contribuições dos seus beneficiários, sendo complementadas pelas receitas próprias e reembolsos, embora esta segunda receita tenha actualmente uma expressão reduzida.

Receitas da ADSE (milhões de euros)
Fontes 2009 2010 211 2012 2013 2014 2015 Estrutura 2015
Orçamento do Estado 598,3 260,0 34,4 0,0 0,0 0,0 0,0 0%
Contribuições de Beneficiários 201,7 214,9 221,5 214,7 285,6 520,9 554,6 92%
Contribuição de Empregadores - - 236,0 193,6 182,4 80,1 4,3 1%
Receita próprias e reembolsos 144,2 108,3 67,6 49,3 51,6 50,9 44,6 7%
Total 944,2 583,2 559,5 457,6 519,6 51,9 603,5 100%

Entre 2009-2015, verificou-se uma deslocação da responsabilidade do financiamento da ADSE da esfera pública, ou seja, para os beneficiários do subsistema. Se em 2009, as contribuições dos beneficiários representavam 21% do total das receitas do subsistema, com 201,7 milhões de euros; em 2015, o financiamento pelos beneficiários ascendeu a 92%, com 554,6 milhões de euros.

A evolução da taxa de desconto sobre as remunerações e pensões dos beneficiários titulares evoluiu de 1,5% sobre as remunerações e 1% sobre as pensões, em 2007, para 3,5% sobre remunerações e pensões, em 2014.

Do lado dos custos da ADSE há também importantes alterações a registar no período de 2009-2014.

Custos da ADSE (em milhões de euros)
  2009 2010 211 2012 2013 2014 % em 2014
SNS 449,7 - - - - - -
Regime Convencionado 219,1 235,1 252,8 272,7 288,6 312,4 67,6%
Regime Livre 114,4 119,1 140,7 138,2 132,9 133,4 28,9%
Medicamentos 184,8 200,4 91,6 73,0 28,1 8,7 1,9%
RNCCI 3,2 - - - - - -
Custos Administrativos - Juntas Médicas 11,1 9,0 8,0 7,5 8,4 7,3 1,6%
Total 982,1 563,6 493,1 458,0 458,0 461,8 100%

Em 2009, os montantes devidos pela ADSE ao SNS, a título de financiamento dos cuidados prestados pelas instituições deste aos beneficiários daquela, constituíam a maior parcela dos custos do subsistema, ascendendo a 46% do seu total. A segunda parcela mais relevante era a facturação do regime convencionado e livre da ADSE, chegando aos 34% nesse ano. Destacava-se, ainda, como terceira mais importante fonte de custos, a facturação das farmácias, representando 19% do total dos custos.

Desde 2009 que esta estrutura de custos sofreu alterações relevantes, a primeira logo em 2010. A partir desse ano, as instituições do SNS deixaram de emitir facturação pela prestação de cuidados a beneficiários da ADSE, passando o SNS a suportar do seu orçamento a prestação de cuidados aos utentes do SNS que também são beneficiários do subsistema.

A segunda alteração relevante ocorreu em 2013, e prende-se com os custos resultantes da facturação das farmácias. Em concreto, «a partir de maio de 2013, a ADSE deixou de suportar a facturação das farmácias localizadas no Continente, tendo passado a responsabilidade da conferência e do pagamento para o Ministério da Saúde» 4. Assim, desde esta data, a ADSE apenas assume a facturação das farmácias localizadas nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Em resultados destas alterações, a estrutura dos custos da ADSE modificou-se profundamente.

Em 2016, o universo dos prestadores convencionados da ADSE abrangeu 1613 entidades que prestaram cuidados de saúde a 908.434 beneficiários. Em regime livre, cerca de 34.000 entidades prestaram cuidados de saúde a 475.241 beneficiários.

Numa óptica de fluxos financeiros se, em 2009, a ADSE era uma instituição fortemente relacionada com o Estado, volvidos cinco anos o foco dessa relação mudou-se marcadamente para o sector privado, o que significa que as relações contratuais da ADSE com os prestadores privados (no âmbito dos regimes convencionado e livre) passaram a ter maior importância estratégica na gestão do subsistema.

Evolução do número de beneficiários ADSE, por tipo
  2014 2015 2016
Titulares/Activo 508.100 503.379 503.602
Regiões Autóniomas 37.970 37.379 37.116
Autarquias Locais 117.813 116.586 116.848
Administração Directa 350.984 348.025 348.569
Ensino Particular 1.363 1.389 1.069
Titulares/Aposentados 342.644 343.902 327.805
Familiares 424.612 406.966 391.402
Total 1.275.356 1.254.247 1.222.809

Na evolução do números de beneficiários, e consequentemente das receitas da ADSE originadas pelas suas contribuições, pesam naturalmente as grandes tendências demográficas e as políticas seguidas pelos governos PS, PSD e CDS-PP em relação à ADSE, traduzidas num aumento desproporcionado das contribuições dos trabalhadores e de uma degradação dos benefícios decorrentes da adesão ao subsistema, mas reflecte sobretudo a política seguida por estes partidos em relação à Administração Pública, com redução do pessoal, congelamento das suas carreiras, e congelamento e redução das suas remunerações.

O número elevado de prestadores e o aparente direito de escolha não impede, no entanto, que, em valor, os principais fornecedores de serviços de saúde à ADSE (em conjunto, facturam 250 milhões de euros/ano à ADSE - cerca de 50% da facturação total da ADSE), sejam cinco: Luz Saúde, José de Mello Saúde, Lusíadas Saúde, Trofa Saúde e SANFIL.

Crescimento dos Seguros Privados de Saúde

Quase 40% da população portuguesa, para além de ser beneficiária do SNS, está coberta por um subsistema de saúde público, privado ou um seguro de saúde (individual ou de grupo), o que sinaliza a relevância expressiva que o sector privado assume no quadro nacional da saúde. As despesas correntes em saúde são financiadas maioritariamente pelo sector público, mas o financiamento privado é cada vez mais relevante.

Os seguros e outros esquemas voluntários de pagamento da despesa aumentaram a sua relevância em Portugal, aproximando-se da importância relativa assumida no conjunto dos países da OCDE. Assim, do ponto de vista do financiamento, embora minoritária, a componente privada, está a ganhar terreno à componente pública.

Agentes privados, especialmente através das sociedades de seguros, substituíram-se ao Estado no financiamento das despesas em saúde após o início da crise financeira.

Número de pessoas com seguro de saúde directo (evolução 2013-2015)
  2013 2014 2015
Número de pessoas seguras 2.185.455 2.309.621 2.654.232
Individual 1.074.106 1.134.719 1.190.101
Grupo 1.111.349 1.174.902 1.464.131

A despesa pública, com quebras em 2011, 2012 e 2014, encontrava-se, em 2015, abaixo do valor de 2011, atingindo 10,5 mil milhões de euros (mas superior em 38% face a 2000). A despesa privada, que recuou em 2012 e 2013, estava, em 2015, abaixo do valor do primeiro daqueles dois anos, situando-se em 5,4 mil milhões de euros (mais 70% que em 2000).

Embora representando 3,7% da despesa corrente total em saúde, o financiamento das sociedades de seguros tem vindo a aumentar paulatinamente ao longo do tempo. Já os subsistemas de saúde privados terão representado 1,7% da despesa corrente total em 2015, 1 p.p. abaixo do máximo observado nos anos de 2003 e 2004.

Em 2014, na caracterização do sector privado da saúde é possível verificar as quebras significativas na geração de resultados económicos que se traduziram numa contracção do investimento, mas os estabelecimentos com internamento vivenciaram um crescimento elevado.

No último quinquénio em análise, observa-se um ténue aumento do volume de negócios do conjunto das actividades que formam o sector privado da saúde, bem como do número de empresas e do pessoal ao serviço. Esta trajectória não é surpreendente se for tido em linha de consideração o contexto intenso de crise económica que assolou o país em anos recentes, sobretudo no período 2011-2012.

A actividade privada da saúde encontra-se bastante concentrada em torno da Área Metropolitana de Lisboa (AML) e da Área Metropolitana do Porto (AMP), sendo secundada por alguns pólos na região Centro (sobretudo, em Coimbra).

Em conjunto, a região de Lisboa (liderada pela AML) e a região Norte (liderada pela AMP) são responsáveis por 68,2% das empresas, 72,8% do pessoal ao serviço, 79,3% do volume de negócios e por 72,7% do resultado líquido.

Decorre daqui uma apetência vincada das unidades privadas pelos grandes centros urbanos, exibindo, portanto, uma forte concentração em torno das cidades de Lisboa e do Porto. De notar, no entanto, que em anos recentes se tem observado um processo progressivo de expansão do sector privado da saúde (designadamente dos cuidados de saúde com internamento) para cidades intermédias, processo que se antecipa que prossiga no futuro próximo.

Considerando as actividades que perfazem o sector privado da saúde, é possível identificar grandes empresas na área dos meios complementares de diagnóstico e das análises clínicas, área na qual se assistiu a movimentos de fusão e à emergência de grupos empresariais de dimensão significativa.

A área dos Seguros de Saúde privados estava já, em 2013, concentrada em duas grandes entidades: a Fidelidade e a Ocidental Seguros/Medis, que detinham mais de 50% do mercado. Entre as 26 seguradoras que apresentaram produção no ramo doença, a quota de mercado da Fidelidade era de 32,2%, seguindo-se a Ocidental Seguros/Medis (23,3%) e a Tranquilidade/Advance Care (6,7%).

O negócio dos grupos empresariais, a privatização do SNS e as PPP

Aumento de encargos com as PPP é evidente na área dos cuidados hospitalares. Nesta área, o surgimento e a afirmação de grupos empresariais privados têm ganho maior projecção, revestindo-se de um papel suplementar aos hospitais do sector público, fazendo uso dos esquemas de financiamento que incluem os subsistemas de saúde e os seguros privados e, naturalmente, dos acordos e convenções com o SNS, bem como das oportunidades associadas às PPP.

Além disso, estes grupos têm vindo a estender o espectro da sua actuação, nomeadamente por via da criação de unidades de nicho (e.g. residências seniores), da criação de unidades de ambulatório, a par de unidades de internamento (pretendendo, dessa forma, não apenas aumentar o âmbito geográfico de actuação, mas também fomentar uma rede de referenciação intra-grupo), para além da criação ou aquisição de unidades dedicadas a meios complementares de diagnóstico. O movimento de fusões e aquisições no leque destes grupos privados tem também tido lugar.

Dentro deste quadro, sobressaem quatro grupos empresariais: o Grupo José de Mello Saúde, o Grupo Luz Saúde, o Grupo Lusíadas e o Grupo Trofa Saúde.

Expurgando a actividade dos hospitais em regime de PPP, constata-se que os quatro maiores grupos do sector privado geraram um volume de negócios correspondente a cerca de 15% do total do sector privado da saúde, a 25% das actividades de prática médica com internamento e em ambulatório, e a 58% das actividades de prática médica com internamento.

Em termos de emprego (nesta variável os dados disponíveis são mais parcos, o que poderá levar a uma subestimação da dimensão do sector), os quatro grupos empresariais em análise terão sido responsáveis por 4%, 10% e 38%, respectivamente, do emprego existente no total do sector privado da saúde, sem considerar as PPP.

Incorporando na análise o regime de PPP, os resultados obtidos são manifestamente maiores. Assim, e tendo como referência as actividades de prática médica com internamento, chega-se já a quotas de 80% respeitantes ao volume de negócios e de 66% no que se refere ao emprego.

Em 2015, a facturação dos quatro grupos empresariais em análise ascendeu a cerca de 1.270 milhões de euros, se incluídas as PPP, e a 926 milhões de euros, se expurgadas as PPP.

A par dos grupos Mello Saúde, Luz Saúde, Lusíadas Saúde e Trofa Saúde, há ainda um conjunto de casos de pequenos grupos que merecem ser realçados. Exemplo disso são o HPA Saúde, SANFIL e da IDEALMED.

No âmbito dos cuidados de ambulatório sobressaem 17 empresas com um volume de negócios entre os 5 e os 50 milhões de euros, algumas dedicadas a serviços associados à diálise, colmatando uma lacuna deixada pelo SNS, bem como a actividades de diagnóstico e terapêutica.

Nos outros cuidados de saúde, que envolvem as actividades de enfermagem, os laboratórios de análises clínicas, os centros de recolha e bancos de órgãos e as outras actividades de saúde humana, tem-se verificado um movimento acentuado de consolidação da estrutura empresarial com 20 empresas com um volume de negócios entre os 5 e os 50 milhões de euros. Este processo tem sido particularmente incisivo e dimensionado no âmbito das unidades ligadas às análises clínicas, marcado por diversas aquisições e fusões e por uma ligação a entidades internacionais.

As PPP na área hospitalar estão estabelecidas com o Grupo José de Mello Saúde nos Hospitais de Braga e Vila Franca de Xira; com o Grupo Luz Saúde, no Hospital de Loures; e com o Grupo Lusíadas no Hospital de Cascais.

O Grupo José de Mello Saúde é propriedade do Grupo José de Mello SGPS, SA (65%) e da Farminvest/Associação Nacional de Farmácias (30%); o Grupo Luz Saúde é propriedade da Fidelidade, que por sua vez é propriedade do grupo Chinês FOSUM; o Grupo Lusíadas é propriedade do grupo brasileiro AMIL, cuja maioria do capital é por sua vez propriedade da americana United Health Group; a Ocidental Seguros/Medis é propriedade do grupo belga AGEA (51%) e do BCP (49%), por sua vez o grupo chinês FOSUM detém 3% do capital da AGEA e 25% do capital do BCP; a Tranquilidade/Advance Care é propriedade da americana APOLLO.

Alguns contratos de gestão das PPP irão terminar em breve, como é o caso da PPP Cascais ou de Braga. O Governo já decidiu prorrogar o contrato da PPP de Cascais, por mais dois anos, evidenciando que não tem a intenção de reverter a gestão das PPP. Por opção do actual Governo, há aqui uma oportunidade perdida de assegurar a gestão pública destas unidades hospitalares.

Ou seja, o serviço de saúde português está a ser privatizado e essa privatização traduz-se numa concentração da propriedade num reduzido número de Agentes onde o capital estrangeiro tem posições cada vez mais hegemónicas.

Financiamento público, eficácia e qualidade dos cuidados prestados

O financiamento do SNS integra a componente das despesas correntes e a componente do investimento. O quadro seguinte constata que existe um sub-financiamento crónico que, avaliado pela diferença entre as transferências para o SNS, de cada OE e a respectiva despesa total, apresenta, no período dos últimos 10 anos, o valor médio negativo de 1.351 milhões de euros, isto é, menos 15,3%.

Financiamento do SNS (em milhões de euros)
Anos OE SNS inicial (1) % OE SNS/PIB Despesa Total (2) Transferências OE/SNS (3) Financiamento Estra (4) Receita Total (5) % Receita Total/PIB (1)-(2) (1)-(2) % (5)-(2) (5)-(2) %
2008 7.900,00 4,42% 8.519,00 7.900,00   7.900,00 4,42% -619,00 -7,8% -619,00 -7,3%
2009 8.200,00 4,67% 8.925,30 8.200,00   8.200,00 4,67% -725,30 -8,8% -725,30 -8,1%
2010 8.699,00 4,83% 10.455,00 8.849,00   9.523,00 5,29% -1.756,00 -20,2% -932,00 -8,9%
2011 8.100,00 4,60% 9.571,00 8.254,00   8.825,00 5,01% -1.471,00 -18,2% -746,00 -7,8%
2012 7.499,00 4,45% 9.073,00 7.762,00 1.500,00 10.572,00 6,28% -1.574,00 -21,0% 1.499,00 16,5%
2013 7.801,20 4,58% 8.829,00 7.930,00 432,00 8.598,00 5,05% -1.027,80 -13,2% -231,00 -2,6%
2014 7.582,10 4,38% 8.872,00 7.796,00 647,00 8.623,00 4,98% -1.289,90 -17,0% -249,00 -2,8%
2015 7.874,20 4,38% 9.026,00 7.880,00 341,00 8.654,00 4,81% -1.151,80 -14,6% -372,00 -4,1%
2016 7.922,60 4,27% 9.244,00 8.179,00   8.943,00 4,82% -1.321,40 -16,7% -301,00 -3,3%
2017 (Provisório) 8.078,70 4,18% 9.413,00 8.491,00   9.259,00 4,79% -1.334,30 -16,5% -154,00 -1,6%
2018 8.427,40 4,27% 9.9667,00 8.594,00   9.415,00 4,77% -1.239,60 -14,7% -252,00 -2,6%
Total 88.084,20 4,45% 101.594,30 89.835,00   98.512,00 4,98% -13.510,10 -15,3% -3.082,30 -3,0%

Fonte: Ministério da Saúde

Como a despesa é sistematicamente superior à transferência atribuída no OE aprovado, a execução vai sendo corrigida, passando a receita total a aproximar-se da despesa e a apresentar no período dos últimos 10 anos, o valor médio negativo de 308 milhões de euros, menos 3%.

Evolução das transferências do OE - Receita e despesa total, entre 2010 e 2017(M€)
Evolução das transferências do OE 1045595719073882988729026924491309413966795238825105728598862386548943888292599415884982547762793077967880817980948491859470007500800085009000950010000105001100020102011201220132014201520162017 OE2017 p2018 OETransferências do OE (excl. financiamento excepcionais)Receita TotalDespesa Total

Fonte: Ministério da Saúde

O gráfico seguinte mostra o subfinanciamento crónico que gera uma dívida a fornecedores, mas Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS) apresenta valores muito superiores aos anteriores, porque são contabilizadas as dívidas dos hospitais. Pode concluir-se que o sub-financiamento real é da ordem de 20%, pois a despesa real total anual ultrapassa os 10 mil milhões de euros.

Evolução da dívida e dos pagamentos em atraso a fornecedores externos do SNS
Evolução da dívida e dos pagamentos em atraso a fornecedores externos do SNS 19631727145617222 0721 0458364467139670500100015002000250030003500III TR2012I TR2013III TR2013I TR2014III TR2014I TR2015III TR2015I TR2016III TR2016I TR2017III TR2017Divida FornecedoresPagamentos em atraso

Fonte: ACSS

O enorme subfinanciamento do SNS, agravado com a troika, teve reflexos imediatos no investimento já tradicionalmente reduzido. O investimento na componente de substituição, indispensável para compensar o consumo de capital fixo, isto é, para manter as instituições operacionais nas condições originais, com realce para o equipamento médico, foi totalmente negligenciado. Os valores aprovados no OE para 2018, para 28 Centros Hospitalares e Hospitais, no total de 84 milhões de euros, são metade do necessário, sendo para equipamento 28,5 milhões, menos de um terço do necessário.

O investimento de inovação foi abandonado e na construção hospitalar tem sido, anualmente, anunciada a construção de quatro hospitais, sem que nada aconteça a não ser novo anúncio no ano seguinte.

O financiamento é um forte condicionante da eficácia e da qualidade na prestação de cuidados de saúde. Os resultados esperados são definidos constitucionalmente pelo direito à saúde. Este direito tem sido assegurado através do SNS.

A avaliação é diversa e, na perspectiva política, privilegia a satisfação global da população; na perspectiva dos gestores, os custos constituem um parâmetro de avaliação fundamental; na perspectiva dos profissionais prestadores de cuidados, as condições de trabalho são fundamentais; e na perspectiva dos cidadãos utentes, a eficácia e a qualidade são mensuradas pela acessibilidade e pela sua satisfação das condições da prestação.

A acessibilidade é condicionada pela adequação dos serviços disponíveis face às necessidades da população, pela continuidade de cuidados entre os níveis primários, hospitalares e continuados, e entre referenciações hospitalares.

A satisfação das condições de prestação, para além das condições hoteleiras, consideram aspectos como as relações interpessoais com os profissionais prestadores, as consequências dos cuidados prestados, quer a nível fisiológico, quer psicológico e os co-pagamentos.

Estes dois aspectos, que caracterizam a eficácia e a qualidade, passam pela existência de recursos completamente dependentes do financiamento.

O encerramento de serviços, quer nos cuidados hospitalares, quer nos cuidados primários, e a redução do número de camas hospitalares são medidas recorrentes, com o argumento da boa gestão de recursos e da redução de custos. Destaca-se a criação dos centros hospitalares em 1999, que hoje cobrem todo o país e continuam a gerar o encerramento de camas e serviços. Portugal tem o menor índice de camas/1000 habitantes da Europa. As consequências são a redução da acessibilidade e o internamento de doentes em macas nos corredores. Importa contrariar esta política, exigindo a imediata suspensão da redução da oferta de serviços, devendo a concentração de actividades incidir apenas nas áreas logísticas e de apoio clínico.

O desinvestimento na substituição e na inovação do equipamento médico tem como consequência a limitação das actividades de diagnóstico e de terapêutica; a desmarcação de consultas e tratamentos a doentes em ambulatório; o aumento desnecessário da demora média de doentes internados; a redução da acessibilidade e o recurso à aquisição de serviços externos, que, para além dos custos que actualmente representam (cerca de 1,2 mil milhões de euros no orçamento do SNS), constituem um incómodo para os doentes. E, para os profissionais, são factor de desmotivação.

A eficácia e a qualidade são postas em causa e o fim deste ciclo é uma necessidade urgente, sendo exigível que 2,5% dos orçamentos sejam destinados ao investimento para actualização tecnológica e funcional das instituições, mantendo a prestação de serviços com qualidade e eficiência actualizadas, isto é, em condições de competitividade no mercado. Os custos de MCDT justificam plenamente a avaliação dos recursos existentes e respectiva ampliação para resposta às necessidades totais.

A desmotivação e consequente sangria dos melhores profissionais é um caminho sem retorno que afecta a capacidade técnica dos serviços, sendo conhecida a perda de idoneidade formativa e até o encerramento de unidades clínicas. Nos últimos anos, o abandono do SNS, por motivo de reforma ou emprego alternativo, é preocupante, ocorrendo em todas as áreas profissionais, e é decisivo para a continuidade dos serviços, ao nível de médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico e terapêutica. As admissões não preenchem as vagas, muito menos respondem qualitativamente às necessidades. Fixar os profissionais em regime de exclusividade passa, entre outras medidas, por uma carreira efectiva, por salário digno, pela evolução científica e tecnológica e prestígio dos serviços.

O financiamento adequado do SNS é um imperativo constitucional que possibilitará a prestação de cuidados com eficácia, com qualidade e eficiência. O financiamento adequado à despesa deve ser acompanhado de medidas que favoreçam a eficácia e eficiência das instituições que integram o SNS. A definição de objectivos, a dotação dos recursos humanos necessários e suficientes, de infraestruturas modernas e funcionais e da organização racional são medidas das quais o Ministério da Saúde não se pode demitir de implementar não deixar as instituições geridas e organizadas ao critério dos gestores administrativos e de um mercado de condicionantes e de interesses nada coincidentes com o serviço público que prestam. Antes o Estado, através do MS deve estar consciente (e avaliar) das condições técnicas, científicas e materiais que permitam muda a prática clínico.

Público versus Privado – Um sistema de saúde a duas velocidades

A vantagem de um serviço de saúde universal, geral e gratuito reside nos objectivos que se pretendem alcançar; na prestação geral e integrada de cuidados; no planeamento da oferta de cuidados, de acordo com as necessidades; na garantia de acessibilidade universal e igualdade no acesso; nos melhores resultados globais em saúde; na valorização dos recursos humanos e na garantia de maior participação na gestão dos utentes e da população em geral.

O SNS visa, em primeiro lugar, promover a saúde; prevenir a doença e tratar ou reparar a doença. De acordo com a CRP, os serviços públicos de saúde são uma componente técnica e operativa para garantir o direito à saúde.

O conhecimento e controlo dos determinantes da saúde são a base da saúde pública, cuja intervenção preventiva primária é crucial para manter ao longo da vida um estado de saúde com capacidade de se auto-gerir. A finalidade é evitar ficar doente ou, pelo menos, garantir que apesar de doente possui os saberes, os meios materiais e o aconselhamento de saúde para viver plenamente em equilíbrio produtivo e de auto-realização. Ora, os sistemas privados são essencialmente serviços de doença que pouco ou nada intervêm na prevenção e muito menos na promoção da saúde, o que é confirmado pelos fracos resultados em indicadores de saúde dos sistemas de saúde centrados na medicina privada, e de responsabilidade quer dos Estados, quer dos doentes em geral.

Neste campo, o SNS continua com grandes atrasos, essencialmente devido ao continuado ataque que tem sofrido desde a sua implantação.

Decorrente da diferença básica entre os objectivos do SNS e de outros serviços de interesse privado está o tipo e o modo de produção de cuidados. O SNS deve responder de forma geral às necessidades das populações; intervir na formação em saúde a todos os níveis – escolar, profissional e doméstico; aplicar de forma sistemática os meios de prevenção técnica, como as vacinas, e velar para que outros meios comunitários de higiene pessoal, alimentar e de habitat estejam ao serviço de todos.

Os privados dedicam-se somente a uma pequena fatia dos cuidados em saúde, aos cuidados de diagnóstico e de tratamento de doença que, economicamente, se vêm tornando totalmente dominantes no sistema de saúde. Na história natural das doenças e mal-estares, as intervenções lucrativas situam-se mais para a fase final, isto é, com as doenças instaladas precisando de largos e dispendiosos cuidados.

A adequada planificação dos objectivos e das actividades no SNS tem sido frequentemente sacrificada, com vista a abrir espaço de mercado para a instalação de serviços privados.

Os privados não planeiam de acordo com as necessidades de serviço público, mas de acordo com objectivos economicistas, estimulando as necessidades dos doentes e promovendo a utilização dos seus equipamentos e meios pelos serviços públicos, cujas carências no financiamento, planificação e gestão beneficiam os privados. o

O SNS deve garantir o acesso universal e a igualdade na prestação de cuidados às populações e não restringir aos cuidados de doença. Esta prestação de cuidados deve ir ao encontro das necessidades sentidas e manifestadas pelos utentes e, para tal, o SNS tem uma organização com vários níveis de cuidados.

Para os privados, a igualdade de acesso não é da sua responsabilidade. O sistema privado responde à demanda dos que podem pagar directamente, por seguros privados e, presentemente, através da ADSE e outros seguros sociais.

Cabe ao SNS monitorizar e acompanhar de forma regular o estado de saúde dos portugueses e definir planos e programas, tendo em conta os indicadores de saúde e de doença. O planeamento em saúde para ser efectivo deve ser um instrumento de gestão global com o adequado financiamento. O contributo dos privados devia ser meramente supletivo.

O SNS tem a obrigação de planear a formação de recursos humanos das múltiplas profissões da saúde, a curto e médio prazo, e assegurar condições de exercício e remuneração dignas. Os privados vivem, em geral, à sombra do SNS que lhe fornece os quadros altamente especializados, prontos a serem explorados de forma intensiva.

Só o SNS tem condições para ter uma gestão democrática e participada, não só dos profissionais, mas nomeadamente das populações e dos utentes. Este desígnio constitucional não perdeu actualidade e é sem dúvida uma vantagem superlativa em relação ao privado.

Conclui-se, assim, que o privado não responde melhor às necessidades gerais do país, o seu modo de produção crematístico de cuidados é profundamente redundante, muitas vezes inadequado e quantas vezes ética e tecnicamente censurável. O que lhes interessa é produzir actos de diagnóstico e terapêuticas facturáveis.

O actual processo de transferência de competências

Na actual proposta de Lei do Governo sobre a transferência de competências, não se encontra prevista a regionalização administrativa nem se vislumbra qualquer intenção de criação de regiões administrativas, o que representaria um verdadeiro nível de poder administrativo intermédio. Pelo contrário, o ante-projecto de DL Sectorial da Saúde prevê a transferência de competências para entidades intermunicipais, sem natureza autárquica, sem legitimidade democrática e não integram a organização administrativa do Estado, pelo que não devem ter competências próprias transferidas pela administração central. O ante-projecto de diploma prevê também a transferência de competências para os municípios introduzindo elementos inibidores da universalidade do acesso à saúde. Como se garante a universalidade do direito à saúde com 308 políticas de saúde? O que se configura no processo de municipalização das funções sociais do Estado não é uma transferência de competências, mas sim de encargos, para as autarquias locais.

Por exemplo, a transferência de competências no que se refere à construção, manutenção, conservação e equipamentos de estabelecimentos de saúde, ao nível dos CSP, e no que se refere à gestão dos trabalhadores na carreira de assistente operacional. Estabelece ainda que o número de profissionais é definido em função dos existentes à data da transferência, e o Governo assume apenas a transferência das despesas com este pessoal. Este exemplo, evidencia os problemas com que as autarquias locais ficarão confrontadas. Ao contrário do que o Governo afirma não se está perante qualquer processo de descentralização, mas sim de transferência de encargos, de desresponsabilização do Estado que contribuirá não só para manter ou agravar desinvestimentos presentes, como para abrir caminho à progressiva privatização, designadamente de cuidados primários.

O que é posto de facto em causa é o direito de acesso aos cuidados de saúde em igualdade, ficando a qualidade e a oferta do serviço dependente da capacidade financeira das autarquias.

O histórico de processos semelhantes não deixa esquecer que, quase sempre, a transferência de competências para os municípios não se faz acompanhar da adequada transferência de meios. É um logro a ideia de que a transferência de competências para os municípios se deve à necessidade de aproximar das famílias os centros de decisão em matéria da saúde.

O histórico da intervenção do PCP não autoriza qualquer ideia de desvalorização do que a descentralização representa, incluindo neste sector. Pelo contrário já no III Encontro Nacional sobre saúde, realizado em 1991, o PCP apresentou uma proposta de Regionalização da Saúde que assentava numa premissa fundamental para a sua concretização: a indispensável criação das Regiões Administrativas.

Para o PCP, uma verdadeira regionalização só o é, se corresponder a uma efectiva descentralização de competências que se traduza na elevação da resposta às necessidades e direitos da população e assegure a efectiva participação das populações na actividade dos serviços, sem obviamente intervir nos aspectos técnicos

Na proposta avançada pelo PCP definiam-se as competências, os órgãos, o nível de responsabilidades e os meios para as executar, nos planos central, regional e municipal. A proposta do PCP atribuía aos trabalhadores da saúde e às populações um papel importante na definição das políticas regionais e locais de saúde e na gestão dos seus órgãos.

Ao invés, a recente proposta avançada pelo Governo do PS transforma as autarquias em autênticos departamentos do Ministério da Saúde, herdando o subfinanciamento e sub-investimento acumulados por décadas de política de direita.

O Governo do PS surge agora muito interessado, recorrendo ao apoio do PSD para fazer passar a sua proposta de descentralização, quando em 1998, aquando da discussão do Referendo sobre Regionalização, não apresentou nenhuma proposta para a saúde.

À excepção de algumas propostas de intervenção das autarquias em algumas áreas como a que define as «autarquias como parceiros estratégicos nos programas de prevenção da doença, com especial incidência na promoção de estilos de vida saudáveis e de envelhecimento activo», a generalidade do Projecto de DL Sectorial da Saúde tem a oposição do PCP.

2. Os vários níveis de cuidados e a articulação entre si

Sucessivas reformas e os seus resultados

Ao nível dos cuidados de saúde primários é publicado, em 2007, o DL n.º 298/2007, de 22 de Agosto, que estabelece o regime jurídico das USF, em cumprimento do DL n.º 88/2005, de 3 de Junho, dando particular destaque enquanto modelo a generalizar. Iniciou-se, assim, a dita reforma dos cuidados de saúde primários.

Desde o primeiro momento, o PCP chamou a atenção para a abertura ao sector privado dos CSP (há muito pretendida pelos grupos económicos na saúde, para assegurar o encaminhamento dos utentes para os seus hospitais), através da criação das USF tipo C. Alertou, igualmente, para as dificuldades na generalização de USF a todos os utentes e serviços, devido à escassez de meios humanos, e para a perversão de um modelo assente em critérios em grande medida quantitativos e em incentivos.

Desde 2006, que o número de USF A e B tem vindo a crescer, abrangendo neste momento mais de 5,3 milhões de utentes (2016, isto é, em 11 anos de reforma só chegou a pouco mais de metade da população portuguesa.

Entretanto, é publicado o DL n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro, que cria os ACES que integram seguintes unidades: as USF, as UCSP, as Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), as Unidades de Saúde Pública (USP) e a Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP).

A lei determinava que o número de ACES seria no máximo de 74. Em 2012, reduziu-se o número de ACES e, pela mão do governo PSD/CDS-PP, procedeu-se à concentração, criando mega-ACES. Com a nova organização, as estruturas de saúde pública abrangem uma área e uma população muito superior, sem os respectivos meios para dar a resposta adequada. No essencial, são equipas depauperadas de recursos humanos e com dificuldades acrescidas para o desenvolvimento das suas competências.

Tendo como objectivo melhorar a articulação entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares são criadas as Unidades Locais de Saúde (ULS). A primeira foi criada em Matosinhos, em 1999. Houve um interregno e, só em 2007, voltaria a ser criada a ULS do Norte Alentejano; em 2008, as ULS do Alto Minho, do Baixo Alentejo e da Guarda; em 2009, a ULS de Castelo Branco; em 2011, a ULS do Nordeste; e, em 2012, a ULS do Litoral Alentejano.

Se o objectivo subjacente é meritório, no essencial, a prática das ULS, em particular, aquelas cujas áreas correspondem à dimensão do distrito ou a amplas regiões, demonstrou que o hospital continua a ocupar o espaço primordial e os cuidados de saúde primários continuam a ser o parente pobre, para além de, nalgumas, subsistirem grandes dificuldades na articulação entre cuidados primários e hospitalares.

Com o Governo PSD/CDS-PP a criação de centros hospitalares conheceu um novo impulso. Foram criados os centros hospitalares do Algarve, do Médio Tejo, do Oeste e de Coimbra. Estas decisões mereceram o repúdio dos profissionais de saúde e dos utentes, dada a concentração, fusão e redução de serviços e valências hospitalares que se verificaram, e diminuíram a capacidade de resposta dos respectivos hospitais aumentando tempos de espera, degradaram as condições de trabalho dos profissionais de saúde e abriram mais espaço para a iniciativa privada.

É publicado o DL n.º 138/2013, de 9 de Outubro que «define as formas de articulação do Ministério da Saúde e os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com as instituições particulares de solidariedade social, bem como estabelece o regime de devolução às Misericórdias dos hospitais objecto das medidas previstas nos DL n.ºs 704/74, de 7 de dezembro, e 618/75, de 11 de novembro, actualmente geridos por estabelecimentos ou serviços do SNS». Com este diploma do PSD/CDS-PP, abriu-se caminho para que, qualquer serviço do SNS (cuidados primários ou cuidados hospitalares) passasse a ser gerido pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), transferindo a prestação de cuidados para o sector privado, ainda que de cariz social. Ora, esta modalidade configura-se uma espécie de parceria público-privada, constituindo-se, assim, mais uma privatização do SNS. Foi com base neste diploma que foram transferidos para a gestão das Misericórdias vários hospitais.

O Governo PSD/CDS-PP procurou ir mais longe com a publicação da Portaria n.º 82/2014, de 10 de Abril, que procedia à classificação dos hospitais em quatro grupos. Esta Portaria impunha a desclassificação e desqualificação da esmagadora maioria dos hospitais, através da redução de serviços, de valências e especialidades e de profissionais de saúde, conduzindo ao despedimento de milhares de trabalhadores, e inseria-se na estratégia política do Governo PSD/CDS-PP de destruição e privatização do SNS. O objectivo era simples: reduzir a capacidade de resposta na rede pública, para se abrir no privado.

O actual Governo revogou esta Portaria, criou um grupo de trabalho para a reorganização da rede hospitalar, mas até ao momento não se conhecem os seus objectivos. Também referiu que, em relação aos cuidados de saúde primários, a concretização da reforma era uma prioridade, mas não se vislumbram medidas.

Entretanto, avançou com a criação dos primeiros centros de referência. Se faz sentido que existam centros especializados para responder a determinadas patologias, já não faz sentido que esses centros se localizem sobretudo no litoral, concentrados em Lisboa, Porto e Coimbra, levando, mais uma vez, à sua concentração nos principais centros urbanos e, muito menos, criar centros de referência em entidades privadas.

Parece que a grande medida anunciada pelo Governo é a criação dos centros de responsabilidade integrada, definindo-os como «estruturas orgânicas de gestão intermédia, dependentes dos conselhos de administração das entidades públicas empresariais do SNS, que têm autonomia funcional e que um compromisso de desempenho assistencial e económico-financeiro que é negociado para um período de três anos».

Após 2006, foi criada a RNCCI. Desde então, embora tenha aumentado o número de camas de cuidados continuados, sobretudo em IPSS e Misericórdias e não em unidades públicas, ainda é insuficiente para responder às necessidades da população. Persistem, ainda, inúmeras carências na prestação de cuidados a este nível, no que respeita à capacidade e meios humanos, em especial no reforço das equipas de Cuidados Continuados Integrados (CCI).

Em 2012, os cuidados paliativos, que até aí integravam a RNCCI, autonomizam-se e é criada a Rede Nacional de Cuidados Paliativos. Contudo, nestes últimos anos, não houve um efectivo desenvolvimento desta rede.

Como já havíamos referido, para reforçar os cuidados paliativos é necessário investimento público e reforço de meios, que persistem em níveis muito aquém da resposta pública necessária. Verifica-se ainda a ausência de resposta específica ao nível dos cuidados continuados na área da saúde mental.

Desde 2006, foram encerradas diversas maternidades, extensões de saúde, serviços de atendimento permanente e o estabelecimento de uma nova rede de urgências, com menor cobertura territorial.

Rede de Cuidados Primários: Centros de Saúde versus Unidades de Saúde Familiar

A organização base e prioritária do SNS assenta na rede de cuidados primários e de proximidade, principal porta de acesso aos cuidados assistenciais de primeira linha, desempenhando simultaneamente um papel essencial na prevenção da doença e educação sanitária das populações.

Nas duas décadas seguintes à revolução de Abril, a Rede de Cuidados Primários (RCP) e de Centros de Saúde (CS) melhoraram em meios humanos, instalações e equipamentos contando, cada um, com um quadro de médicos, enfermeiros, pessoal de apoio e auxiliar; beneficiando de carreiras estáveis e de formação contínua; aumentando o horário e o número de extensões, proporcionando uma maior proximidade com a população a seu cargo, ampliando a capacidade e comodidade na resposta às crescentes solicitações da população. Em resultado desse crescimento, agudizaram-se problemas que persistem até hoje.

Nas últimas décadas, com a política neoliberal e privatizadora dos sucessivos governos – PS, PSD e do CDS-PP – hostil ao desenvolvimento do SNS, agravada no período da troika, muitos destes problemas nucleares dos cuidados primários não foram resolvidos e muitos foram agravados por medidas governamentais, alegadamente justificadas por necessidade de controlo orçamental, fazendo com que ainda hoje se mantenham carências em meios humanos e um número muito significativo de cidadãos sem médico de família; ao encerramento de extensões e dos Serviços de Atendimento Permanente (SAP), pontualmente substituídos por contratos com empresas externas, outsourcings, e medidas avulsas a nível autárquico para tapar os buracos criados pelo encolher do SNS, aumentando os custos e fragmentando os serviços e a homogeneidade técnico-científica das equipas, semeando a desorganização e a desmotivação a todos os níveis, foi, em parte, conseguida com a criação dos SAP, mas cerceada com o seu doloso encerramento e o fecho de outros serviços públicos de urgência (por um Governo PS).

Assim, agravou-se o já excessivo afluxo de patologia ligeira nos serviços de urgência dos maiores hospitais, há muito assoberbados. Em contraponto, as empresas privadas anunciavam a intenção de investir mais nos seus próprios serviços de urgência, alargando o seu ataque a essa fatia de mercado, como continua a verificar-se.

Acenando com a bandeira de uma maior autonomia de gestão e contemplando o pagamento por desempenho, dando ainda a livre escolha aos profissionais de saúde para se auto-organizarem como equipas, as USF foram-se estabelecendo ao lado (por vezes no mesmo edifício) das Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP), impondo-se, segundo a demagógica argumentação oficial: pelo exemplo.

O projecto do seu desenvolvimento, em vários modelos (USF modelos A, B e C), aponta para a possibilidade de culminar com a privatização (USF modelo C). Os profissionais de saúde e as suas organizações representativas, no fundamental tem procurado assegurar que o desenvolvimento da USF modelo A e B seja no âmbito do SNS, conseguindo uma maior autonomia e domínio sobre os factores que condicionam a sua profissão, libertando-se do espartilho da excessiva burocracia e do estrangulamento artificialmente criados, preferindo trabalhar por objectivos de contractualização, podendo obter a prometida melhoria na remuneração por via de prémios de desempenho.

O investimento governamental nas USF alargou progressivamente em número e à adesão às novas formas mais empresariais de organização, conseguindo, nalguns casos, melhorar o desempenho e a cobertura assistencial. A verdade é que algumas das promessas (nomeadamente, quanto a USF’s modelo B) têm sido adiadas ou frustradas, aguardando, talvez, que o sector privado consiga digerir os ganhos alcançados na frente hospitalar e tenha a capacidade de as fagocitar passando então às previstas USF’s C.

Para além das fracturas causadas, este processo ideológico criou situações de desigualdade profissional (e frequentemente concorrenciais) na prestação de cuidados à mesma região ou área, por vezes, funcionando de forma separada, mas no mesmo edifício. O acentuar da centralização (Administração Regional de Saúde – ARS; Agrupamentos de Centros de Saúde – ACES) e da partidarização na nomeação para os cargos de direcção e coordenação mais importantes (que a pseudoneutralidade caricatural da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública - CRESAP - nem chegou a disfarçar), com a externalização de serviços por via da contratação de empresas privadas de trabalho médico precário e a anunciada descentralização de competências dos cuidados primários para os municípios (vinda do Governo PSD/CDS-PP e retomada agora pelo do PS), são também medidas que têm fragilizado a unidade e homogeneidade da rede prestadora de um serviço público a cargo do Estado, diminuindo o seu papel e responsabilidade constitucionais.

Estas e outras gravosas opções governamentais, como a continuada falta de médicos, enfermeiros e de pessoal de apoio e auxiliar e o inaceitável atraso e insuficiência na abertura do concurso para médicos recém-especializados, nomeadamente para os de Medicina Geral e Familiar – MGF- (enquanto centenas de milhares de portugueses não têm MGF atribuído), têm esbatido o controlo organizacional, técnico e científico do SNS e dos seus cuidados primários, centralizando o que pode e deve ser descentralizado, e autonomizando ou exteriorizando o que pode e deve ser gerido pelo poder central, tornando cada vez mais difícil a integração e coordenação dos cuidados primários com os cuidados hospitalares e outros que lhe são complementares, criando a desmotivação e o caos nas diversas frentes de combate do SNS.

Também o crescente número de médicos que se pretende excluir da entrada na Carreira e da especialização, criando um mercado barato de médicos generalistas indiferenciados, criando mão-de-obra barata e disponível para o desenvolvimento do sector privado.

Cuidados Continuados

Os governos do PS e do PSD/CDS-PP asseguraram, nos últimos 12 anos, o financiamento público aos prestadores privados.

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), é um nível do SNS - além dos Cuidados de Saúde Primários e dos Cuidados Hospitalares -, com o objetivo «da prestação de cuidados continuados integrados a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência».

Em 2016, foi anunciado o reforço da capacidade de resposta da RNCCI com as áreas dos Cuidados Pediátricos Integrados (CPI) e de Saúde Mental, sendo determinado que os Cuidados Paliativos integrarão uma outra rede própria.

A RNCCI é financiada pelo Ministério da Saúde - 78,9% e Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social - 21,1% (BI SNS), em Junho de 2017, tinha um total 14 265 lugares, sendo 6203 (43%) no domicílio e 9062, (57%) camas de internamento de diversos tipos, sendo estas contratualizadas a entidades privadas (97,6%): 21,3% a entidades privadas com fins lucrativos; 76,3% a IPSS, 49,4% destas às Misericórdias, sendo apenas 2,4% camas do SNS.

N.º de camas em funcionamento em final de Junho 2017
Tipologias Norte Certro LVT Alentejo Algarve Total
Convalescença 157 251 199 135 69 811
Média Duração e Reabilitação 737 745 720 203 143 2.548
Longa Duranção e Manutenção 1.534 1.312 1.119 431 307 4.703
Total 2.428 2.308 2.038 769 519 8.062
Pediátricas - UCIP N 1 10         10
  2.438         8.072

Fonte: ACSS

As Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) compostas por profissionais dos ACES, das UCC são responsáveis pelos cuidados prestados no domicílio que correspondem a 43% dos lugares da rede e pelo apoio aos cuidadores. Há ACES com UCC por constituir por falta de enfermeiros; as UCC existentes, com frequência, têm grande carência de recursos humanos e muitos enfermeiros desempenham esta atividade em tempo parcial, impedindo a resposta às necessidades das suas populações.

A cobertura populacional de lugares na RNCCI por região, é desigual, com a região Lisboa e Vale do Tejo mais carenciada, seguida da região Norte abaixo da média nacional. A situação é mais grave nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto que estão menos dotadas de camas condicionando internamentos longe dos domicílios dos utentes.

Cobertura populacional de lugares na RNCCI por região - Camas, ECCI e total de lugares
Região N.º habitantes com idade ≥ 65 anos N.º camas N.º camas por 100.000 habitantes com idade ≥ 65 anos N.º lugares ECCI N.º lugares ECCI por 100.000 habitantes com idade ≥ 65 anos N.º lugares totais N.º lugares totais por 100.000 habitantes com idade ≥ 65 anos
Norte 631.439 2.428 385 1.644 260 4.072 645
Centro 393.338 2.308 587 826 210 3.314 797
LVT 696.815 2.038 292 2.087 300 4.125 592
Alentejo 128.427 769 599 561 437 1.330 1.036
Algarve 87.769 5.19 591 1.085 1.236 1.604 1.828
Total 1.937.788 8.602 416 6.203 320 14.265 736
    57%   43%      

Fonte: ACSS

Nesta área é fundamental o reconhecimento do papel dos cuidadores informais que apoiam as pessoas dependentes e a necessidade da definição de um estatuto que salvaguarde os seus direitos e apoios é uma prioridade.

Também os cuidados paliativos ou continuados e o necessário alargamento do apoio domiciliário, que devia ter constituído um dos pilares do desenvolvimento natural do SNS, no cumprimento a sua responsabilidade constitucional de cuidar da saúde dos portugueses da gestação até à morte, foram maioritariamente exteriorizados do sector público e concedidos e pagos a empresas privadas, Misericórdias e outras IPSS.

De resto, o envelhecimento de uma parte significativa da população deve levar a que estas áreas sejam consideradas importantes ou prioritárias, condicionando também a necessidade da maior integração de cuidados primários com os hospitalares.

Os CSP – a sua organização, a falta do médico e enfermeiro de família, a proximidade aos utentes, etc. Os ACES

A valorização e o reforço da capacidade dos CSP são um aspecto central, no entanto o SNS permanece com uma visão hospitalocêntrica, remetendo os CSP para um plano secundário. Os papéis estão invertidos. A progressiva desvalorização dos cuidados de saúde primários, com a redução de valências e de cobertura territorial, contribuiu para esta realidade. Em 1980, existiam 2759 extensões de saúde; em 2000 existiam 1962; e em 2011 já só existem 1199. Em 31 anos, o país perdeu 1560 extensões de saúde. Hoje, certamente, a rede nacional de cuidados de saúde primários (RNCSP) estará ainda mais reduzida. Perdeu-se proximidade.

Perdeu-se também proximidade com a organização dos centros de saúde em ACES que, mais tarde, sofreram um processo de concentração. Existem ACES cujo território abrange entre 300 a 400 mil utentes, ou com uma área de abrangência correspondente ao distrito. Não há proximidade de gestão em relação à prestação de cuidados de saúde, nem aos utentes. Hoje, os ACES são estruturas altamente concentradas, sem autonomia e sem capacidade para responder aos problemas nos cuidados de saúde primários, estando dependentes das ARS, tornando a estrutura pouco eficaz e burocrática.

As alterações ocorridas ao nível da organização dos CSP introduziram enormes desigualdades.

USF activas por ano de início por modelo de USF
Ano USF-A USF-B
2006 43 0
2007 72 0
2008 43 68
2009 68 34
2010 50 14
2011 42 19
2012 38 26
2013 39 19
2014 24 13
2015 32 15
2016 30 25
2017 23 2
2018 1 0

Fonte: BI da Reforma, www.sns.gov.pt.

No total, existem 503 USF, das quais 269 são do modelo A e 234 são do modelo B. A sua distribuição pelo território também é desigual (quadro em baixo). Estão activas 117 candidaturas para a criação de USF modelo A e B a aguardar decisão.

Distribuição das USF activas, por região, em 2018
Região USF-A USF-B
Norte 109 134
Centro 48 23
Lisboa e Vale do Tejo 94 64
Alentejo 11 6
Algarve 7 7

Fonte: BI da Reforma, www.sns.gov.pt. Dados referentes a Abril de 2014

Em 2007 (sobre as USF), o PCP afirmava: «não se vislumbra como poderá ser generalizada a todos os utentes e serviços pelo que determina a existência de dois sistemas de funcionamento dentro do SNS ao nível dos cuidados de saúde. (…) aponta para a predominância e quase exclusividade na prestação dos cuidados, de áreas facilmente mensuráveis (e sem dúvida importantes), impondo uma redutora lógica quantitativa (quantas vezes, procurando insuflar estatísticas) que desvaloriza a crescente multidisciplinaridade dos cuidados de saúde (só há médicos, enfermeiros e administrativos previstos na legislação), afasta a presença de outros especialistas médicos para além da medicina geral e familiar e assentando numa lógica de um pacote básico de cuidados deixa muitos aspectos essenciais de fora». A escassez de recursos humanos poderia ser um entrave na generalização das USF, para além de abrir à possibilidade de candidaturas ao modelo C, por parte de médicos ou de instituições de solidariedade social. Passados 12 anos, a realidade veio dar razão ao PCP, como confirma o recente protocolo assinado, na península de Setúbal entre o Ministério da Saúde e quatro Misericórdias.

As condições de atendimento dos utentes e as condições de trabalho e direitos dos profissionais de saúde são algumas das desigualdades entre USF e UCSP, embora ao nível dos CSP tenham missões idênticas. Com esta rede passaram a existir utentes e profissionais de 1.ª e de 2.ª, o que é inaceitável no SNS.

Além disso, há profissionais das USF (modelo B) que, apesar de contribuírem para o nível de desempenho da USF, não têm direito ao recebimento de incentivos por não integrarem formalmente a USF, como são exemplo os assistentes operacionais.

As UCSP, para além de terem menos condições (até do ponto de vista de instalações), têm maior sobrecarga de trabalho, dado que ficam com a responsabilidade de dar resposta aos utentes sem médico de família, enquanto que as USF atendem exclusivamente os utentes das listas de utentes dos médicos que as integram.

As desigualdades existentes sentem-se também nas UCC, no que respeita às condições de prestação de cuidados de saúde e de trabalho dos profissionais.

Há 250 UCC, um número muito insuficiente dada as potencialidades destas estruturas na promoção de saúde e no apoio domiciliário. Há 237 UCC com equipa de CCI, número também aquém das necessidades. Registou-se a criação de um número significativo de UCC nos primeiros anos da designada reforma dos cuidados de saúde primários, mas a tendência actual é de menos UCC por ano. Em 2017 só abriu uma. A distribuição de UCC pelo território é, igualmente, desigual.

Número de UCC (Unidades de Cuidados na Comunidade) activas, por ano de início
Ano N.º UCC
2009 10
2010 53
2011 81
2012 21
2013 44
2014 23
2015 11
2016 6
2017 1
Distribuição de UCC, por região
Região N.º UCC
Norte 94
Centro 56
Lisboa e Vale do Tejo 53
Alentejo 36
Algarve 11

Existem 723.018 utentes inscritos sem médico de família 5. As regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve são as regiões com mais utentes sem médico de família.

Utentes inscritos sem médico de família, por região
Região N.º utentes inscritos sem Médico de Família
Norte 58.721
Centro 42.440
Lisboa e Vale do Tejo 533.127
Alentejo 22.871
Algarve 65.859

As listas não ponderadas com elevado numero de utentes por médico e enfermeiro de família, dificultam a qualidade da relação médico-doente e aumentam os tempos de espera por uma consulta. Devem ser seguidas as orientações da OMS em relação ao número de utentes por médico e por enfermeiro de família.

A existência de psicólogos, optometristas, médicos dentistas, terapeutas, pediatras, psiquiatras, ginecologistas, oftalmologistas, alguns MCDT, entre outros, permitiriam proporcionar uma resposta de qualidade nos cuidados de saúde primários, libertando os hospitais para os cuidados mais diferenciados e complexos. Ter equipas multidisciplinares no apoio domiciliário, no acompanhamento de grupos de risco e na promoção de saúde e reforçar as equipas de cuidados continuados integrados são igualmente uma necessidade.

A constituição de agrupamentos mais reduzidos com verdadeira autonomia administrativa e financeira, cujas responsabilidades de direcção deixariam de ser ocupados por nomeação, mas sim por concurso.

Não faz sentido a existência de cuidados de saúde primários a duas velocidades. É preciso pôr fim às desigualdades existentes e adoptar um modelo que assegure uma efectiva cobertura assistencial em todo o território, onde a questão central não seja a métrica quantitativa, nem a produção pelos incentivos, mas sim a garantia da prestação de cuidados de qualidade às populações e a valorização de todos os profissionais de saúde nos cuidados de saúde primários, nas diferentes dimensões, profissional, social e remuneratória.

A disfunção já tradicional da rede de Cuidados Primários, assenta precisamente na definição do que são Cuidados Primários.

Embora a especialidade de Medicina Geral e Familiar continue como sinónimo de cuidados primários, a subtotalidade das especialidades actualmente ditas hospitalares, prestam serviços assistenciais que são próprias dos Cuidados Primários, em especial as especialidades com características de medicina de massas, onde há lugar a rastreios ou a interacção com práticas da vida diária, e com a saúde pública.

Além disso, a MGF tem absoluta necessidade de trabalhar lado a lado com várias outras especialidades (ditas hospitalares), com as quais não tem, actualmente, hipótese de estabelecer uma referenciação atempada, sobretudo em fase de diagnóstico ou de ambulatório.

E o doente do seu médico de família bem necessitaria de ser orientado e tratado atempadamente, com um regresso mais rápido a casa e a uma vida mais útil, mas beneficiando de uma abordagem multidisciplinar, se fosse caso disso, e de cuidados mais humanizados e centrados em si; além de socialmente mais económicos.

Mantendo-se para já este duplo modelo organizativo dos CSP (USF e UCSP) e tendo em conta a diversidade de opiniões relativamente aos modelos existentes, a situação reclama uma reflexão mais profunda.

Cuidados Hospitalares

A chamada empresarialização dos hospitais do SNS já tinha começado antes da LBS de 1990, tendo sido aprofundada por diversas leis avulsas, pelos vários governos e pela troika, tendo prosseguido, no essencial, com o actual Governo.

Os objectivos prioritariamente clínicos de uma assistência de qualidade foram sendo menorizados; o trabalho dos seus profissionais desvalorizado nos seus estatutos, direitos e remunerações; as carreiras médicas e outras substituídas por contratos individuais com pagamentos diversificados e negociados, numa lógica de individualização, fragmentação e precarização sem garantia de futuro.

Enquanto as sucessivas administrações apregoavam processos e objectivos «finalmente centrados no doente/utente/cliente» disfarçando o afastamento do que anunciavam, os trabalhadores hospitalares viram-se pressionados cada vez mais por um tipo de gestão partidarizada e obsessivamente preocupada com o lucro, baseado em números e estatísticas, injectando, no serviço público, a pior lógica das grandes empresas privadas. A tentativa de aplicação dos grupos homogéneos de diagnóstico e tratamento (GHDT) copiada dos ricos países capitalistas, na sua perspectiva de obrigar brutalmente a um equilíbrio financeiro ou de eliminar os hospitais com dificuldades de gestão e de recursos humanos não podia senão revelar a insuficiência dos orçamentos de gestão e dos meios postos à disposição para corrigir velhas deficiências.

A introdução de taxas moderadoras e da lógica desviante centrada nos ganhos e na rentabilidade financeira do serviço público, sacrificando as prioridades clínicas e assistenciais, foi acompanhada pelo encerramento ou fusão de serviços e unidades hospitalares, com transferência de outras para as Misericórdias, enquanto cresciam as parcerias público-privadas (PPP) e as grandes unidades hospitalares ligadas aos grupos financeiros.

Os administradores hospitalares (também eles alvo de escolhas partidarizadas e de uma intensa formação ideológica neoliberal) deixaram de desempenhar o papel de apoio prioritário à actividade clínica assistencial e formativa, tendo sido promovidos a correias de transmissão desse patronato-accionista vigilante do processo de produção em que se transformou a tentacular tutela ministerial.

A homogeneidade da estrutura hospitalar, baseada em Unidades e Serviços, com um quadro clínico próprio e estável, foi estilhaçada com fusões, encerramentos e a criação de departamentos, somando unidades funcionais e estruturas intermédias frequentemente injustificadas, e a implementação de outsourcings e empresas privadas contratadas à tarefa criaram fissuras em serviços e equipas multidisciplinares experientes.

A dolosa exportação de doentes para o sector privado, a pretexto das listas de espera cirúrgicas (PECLEC, SIGIC), acentuando o desinvestimento e a desorganização do serviço público, criaram o círculo vicioso que tem alimentado o explosivo crescimento da grande clínica privada, enquanto o SNS definha com falta de verbas.

À precariedade, insegurança no futuro, excessiva carga de trabalho desvalorizado e mal pago, falta de recursos humanos e de substituição e modernização de equipamentos, a excessiva burocratização do quotidiano, acrescenta-se o sacrifício, às metas numéricas dos diversos actos terapêuticos, do ensino e da formação contínua assim como da investigação clínica, retirando aos profissionais hospitalares, nomeadamente aos médicos mais qualificados, enfermeiros e outros profissionais, e aos jovens em início de carreira, boa parte das vantagens que tinham em trabalharem no SNS.

Como consequência das tensões criadas no deficiente atendimento e a falta de capacidade de resposta, médicos, enfermeiros e outros trabalhadores da Saúde passaram a ser usados pelos sucessivos governos PS, PSD, CDS-PP, como bodes expiatórios da degradação do SNS, promovida por eles próprios.

As queixas registadas por agressões nos locais de trabalho a trabalhadores da Saúde aumentaram de 35, em 2007, para 582, em 2015, segundo a DGS. Estes números constituem apenas a ponta do icebergue atendendo a que, a maior parte dos incidentes, mesmo de alguma gravidade, não são registados.

Por outro lado, uma percentagem significativa de médicos e enfermeiros do SNS encontra-se em diversos graus de esgotamento.

Num estudo promovido pela Universidade Católica, em 2015, 27% dos médicos e enfermeiros que trabalhavam em cuidados paliativos estavam num acentuado estado de esgotamento (burnout).

Num trabalho publicado na revista Acta Médica Portuguesa de Janeiro de 2016, abrangendo 466 médicos e 1262 enfermeiros, avaliados entre 2011 e 2013, 21,6% dos profissionais encontrava-se num estado moderado de esgotamento e 47,8% num estado de burnout elevado, segundo a graduação do Masrlash Burnout Inventory.

Uma investigação encomendada pela Ordem do Médicos ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em 2016, abrangendo uma amostra invulgarmente alargada de 9176 médicos, mostrou que 66,1% sofriam um alto nível de exaustão emocional, situando-se 22,5% num nível médio e 10,4% num patamar mais baixo).

Esta situação preocupante, contudo, não tem merecido a menor atenção do Governo.

Assiste-se por isso ao “desnatamento” dos melhores quadros do serviço público que se reformam precocemente, emigram ou saem para o privado, processo acelerado pelo inevitável definhamento da medicina liberal do pequeno consultório ou da pequena clínica, substituída pelas grandes superfícies da Saúde.

Em 2015, segundo cálculos fornecidos pelas Ordens, havia cerca de 21.000 profissionais de Saúde emigrados. Entre 2014 e 2016, emigraram 1225 médicos e, segundo um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, quatro em cada dez ponderam abandonar o SNS. Em 2014, houve mais pedidos de declarações à Ordem dos Enfermeiros para fins de emigração (2850) do que enfermeiros formados (2633). 10% dos Técnicos de Saúde, formados na Escola Superior de Tecnologia de Saúde, em 2013/2014, emigraram. O oposto do que acontecia antes da febre de melhorias com que os sucessivos governos das últimas décadas atacaram o SNS.

Desiludidos com o não cumprimento das expectativas quanto às condições de trabalho e às progressões e carreiras, em 2017 abundaram os protestos e greves que mobilizaram praticamente todos os grupos profissionais da Saúde (médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares).

A falta de uma relação integrada dos hospitais com os cuidados primários (USF/UCSP) causa enormes distorções na organização do SNS, levando à urgencialização do seu acesso, com ao aumento dos custos e tempos de espera.

Trata-se, como já foi referido, de um problema complexo, mas de importância estratégica, que ultrapassa opções organizativas e administrativas locais ou regionais, devendo envolver campanhas de educação dos cidadãos e um programa nacional global de treino técnico-científico dos profissionais de Saúde envolvidos.

As poucas experiências existentes na criação de USL apontam na direcção da integração organizacional de unidades hospitalares com os cuidados primários, não tiveram o apoio nem o alcance suficiente, e não constituem uma verdadeira e empenhada aposta governamental que possibilite o desenvolvimento de todas as suas potencialidades. Apesar de eventuais melhorias, mantêm uma rotineira visão hospitalocêntrica e muitos dos vícios antigos.

Na realidade, tudo isso está longe de um verdadeiro programa estratégico nacional que procure uma verdadeira integração dos circuitos, meios e conhecimentos, monitorizando com os profissionais os seus resultados, integrando as populações numa perspectiva de inter-relação participativa e pedagógica. Só assim se poderão construir respostas atempadas e eficazes que reforcem a confiança e satisfação dos cidadãos com os cuidados de proximidade e hospitalares, projectando uma verdadeira solução a médio e a longo prazo. Com isso, se evitará a desnecessária deslocação de doentes com patologias vulgares ou de meros cidadãos preocupados causando escusados incómodos, com perda de tempo e desperdício de meios, originando um enorme aumento de custos e grandes perdas de eficácia.

Décadas passaram sem que nada de substancial tenha sido feito no sentido de encontrar uma verdadeira solução para esta falta de integração dos diversos níveis de cuidados, confirmando a ideia dos que dizem que, «se o SNS tivesse resolvido estes problemas não havia negócio para ninguém».

Não é com a desastrosa fusão de hospitais em grandes grupos hospitalares dirigidos por administrações incompetentes e partidarizadas, ou com a criação de ACES cobrindo grandes áreas do país com direcções escolhidas segundo os mesmos distorcidos critérios, que se pode organizar um SNS homogéneo e descentralizado que dê uma resposta atempada e flexível aos diversos tipos de solicitações dos cidadãos.

Não é fragmentando ainda mais o SNS, entregando uma parte da gestão das unidades de cuidados às autarquias numa falsa municipalização, ou implementando os chamados Centros de Responsabilidade Integrada (como fez o actual governo) - formando, dentro dos Serviços hospitalares, pequenas empresas de profissionais que se agrupam para, durante um período de 3 anos, assumirem o tratamento contratualizado com a Administração de um certo número de doentes em lista de espera, desenvolvendo a sua actividade no mesmo espaço físico e com autonomia do restante Serviço -, que se pode desenvolver um SNS coerente, organizado e de qualidade.

Hospitais empresa – um embuste

Toda a estrutura de prestação de cuidados de saúde de natureza pública sofre, desde o início, ataques marcadamente ideológicos visando a sua destruição. É contestada a concepção de Estado prestador e financiador, procurando substituir a estrutura monopolista de prestação por uma estrutura com lógica de gestão empresarial. Esta lógica neoliberal insere-se num movimento de privatização das funções do Estado que, segundo os seus defensores, serão melhor administradas em regime privado.

A primeira abordagem legal a este tema consta do DL 19/88, de 21 de Janeiro, ao consagrar a organização e administração dos hospitais em termos empresariais. Continuando os hospitais no sector publico administrativo, este diploma previu a elaboração de planos anuais e plurianuais e a criação de centros de responsabilidade como níveis intermédios de administração. Na gestão financeira era aplicado o POC dos serviços de saúde e as receitas, no fundamental, constituídas por subsídio do Estado. Na gestão de recursos humanos, era competência delegada nos Conselhos de Administração a gestão dos quadros e mapas de pessoal para abertura de concursos e preenchimento de vagas de acordo com as regras aplicáveis das respectivas carreiras e do vínculo público.

Em 2002, o Governo PSD, pela Lei 27, altera a LBS (Lei 48/90) consagrando duas alterações que modificarão o rumo do SNS: a transformação de 31 hospitais em sociedades anónimas e a contratação individual de trabalho. A enorme contestação dos profissionais de saúde teve como consequência que o Governo do PS, pelo DL 93/2005, transforma as 31 sociedades anónimas em entidades publicas empresariais (EPE) e posteriormente pelo DL 233/2005, transforma o Hospital de Santa Maria e São João em EPE; cria três centros hospitalares e aprova os estatutos das EPE. Em 2007, foram criados mais dez EPE.

O objectivo destas alterações, de forma mais violenta pelo PSD, é preparar os actuais hospitais públicos para o mercado da saúde, surgindo o SNS como entidade contratante de serviços públicos ou privados.

No contexto desta estratégia, o PS adoptou o modelo hospital EPE considerando ser o que melhor atingia os objectivos da gestão hospitalar, quer ao nível operacional, quer ao nível da racionalidade económica e da compatibilidade da autonomia de gestão com a sujeição à tutela accionista, isto é, os Ministérios da Saúde e das Finanças.

Aquisição de bens e serviços

Esta foi, desde sempre, uma área condicionante da atividade hospitalar. As razões foram diversas, desde as dificuldades financeiras, exageros processuais, mas nem sempre as regras legais. Com a criação das EPE, a aquisição de bens e serviços e a contratação de empreitadas pelos hospitais EPE, passou a reger-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do regime do direito comunitário relativo à contratação pública.

Na verdade, o que aconteceu foi a aplicação do regime de contratação publica com as sistemáticas reduções dos limites de competência atribuídos aos Conselhos de Administração. E, porque, apesar destas restrições, os hospitais continuaram a funcionar, foram estrangulados com um pacote de medidas: a célebre Lei 8/2012, a Lei dos Compromissos, que se tivesse sido integralmente cumprida os hospitais portugueses teriam encerrado. O Despacho 5456-B/2013 do SES que, com o argumento da redução de custos, impede a compra de dispositivos médicos essenciais ao tratamento de doentes; o Despacho 1571-B/2016, do SES, que, com o argumento da racionalização de recursos, determina a centralização das aquisições de bens e serviços nos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), sem que aqueles serviços tenham capacidade para execução da tarefa.

Financiamento e endividamento

O financiamento é feito através de contratos-programa celebrados com a ACSS e as respectivas ARS e devem reflectir as necessidades de saúde da população abrangida e permitir um adequado planeamento da oferta de cuidados de saúde, tendo em conta a actividade a desenvolver e o investimento. A celebração dos contratos-programa é precedida de autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde, tornando-se eficazes com a sua assinatura. O endividamento dos hospitais EPE não pode exceder em qualquer momento o limite de 30% do respetivo capital estatutário. Assim determina o DL 233/2005 de 29 de Dezembro.

A realidade é bem diferente, começando pelo sistemático subfinanciamento e pela permanente dívida acumulada que supera, em muitos casos, largamente o capital estatutário.

Gestão de pessoal, carreiras e contratação individual

A gestão de recursos humanos foi efectuada com base no regime de carreiras e quadros de pessoal visando a valorização profissional dos trabalhadores - elemento essencial do funcionamento dos serviços públicos -, a sua motivação profissional, o reconhecimento do mérito, o desenvolvimento das suas competências e o aumento da produtividade. Com a empresarialização dos hospitais, os novos contratos passaram maioritariamente através de contrato individual de trabalho. O pessoal provido em lugares de quadro e com contrato administrativo de provimento transitou para um quadro residual do hospital EPE, com todos os lugares a extinguir quando vagarem. Esta foi uma alteração política estratégica no ataque ao SNS e aos trabalhadores de saúde nos seus direitos e enquanto elementos fundamentais do SNS.

Organização e dimensão da prestação de cuidados de saúde

A criação EPE em nada agilizou a administração dos hospitais, mas constatamos que o Conselho de Administração passou a ter competência sobre a organização e funcionamento do hospital nas áreas clínicas e não clínicas podendo criar, extinguir ou modificar serviços. Isto significa que o Ministério da Saúde se demitiu do planeamento da prestação de cuidados e da tradicional competência para criação ou extinção de serviços.

Camas em Centros Hospitalares e Hospitais EPE e PPP
  2001 Jan/2012 Jan/2017 Out/2017      
Administração Regional de Saúde Lotação Lotação (Taxa de Ocupação) Lotação (Taxa de Ocupação) Lotação (Taxa de Ocupação) Diferança 2012/2017 Diferança Jan/Out 2017 Diferança 2001/2017
Resumo ARSAlentejo 1.058 877 (78,8%) 759 (87,7%) 744 (80,3%) -118 -15 -314
Resumo ARSAlgarve 819 826 (93,7%) 907 (96,8%) 921 (87,0%) -81 14 102
Resumo ARSCentro 6.066 5.257 (81,5%) 4.946 (85,4%) 4.933 (83,1%) -331 -13 -1.133
Resumo ARSLVT 8.283 8.026 (86,7%) 7.685 (94,4%) 7.532 (88,5%) -341 -153 -751
Resumo ARSNorte 7.481 6.795 (87,6%) 6.508 (97,4%) 6.429 (91,7%) -287 -79 -1.052
Resumo Nacional 23.707 21.781 (85,7%) 20.805 (93,0%) 20.559 (87,8%) -976 -246 -3.148

Fonte: DGS/INE e Monotorização SNS-Saúde

Nota: Última actualização de monotorização SNS em Março 2018 - Outubro 2017

A criação de centros hospitalares EPE, cobrindo hoje todo o País, «na lógica de conseguir sinergias na gestão de recursos humanos e materiais, aproveitando de forma mais racional as capacidades disponíveis», permitiu que os gestores reduzissem e encerrassem serviços. A consequência apresenta-se no quadro com o encerramento de mais de 3000 camas hospitalares de agudos no período de 16 anos.

É óbvio que o SNS necessita de uma gestão racional de recursos e agilização de procedimentos, onde se incluiu o combate ao desperdício, por forma a dar resposta de forma sustentada à prestação de cuidados de saúde, conforme determina a CRP. A argumentação que sustentou a política de transformação do regime jurídico dos hospitais, apenas serviu para retirar direitos aos trabalhadores da saúde e para servir uma política que visa criar o mercado da saúde, no qual os hospitais EPE são parceiros do negócio. Os Hospitais EPE são um embuste.

A Saúde pública nacional

A CRP afirma que todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover. Estes princípios de valorização da saúde estão intrinsecamente ligados à criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação em saúde e prática de vida saudável da população. Estas grandes finalidades de prevenção e protecção da saúde fazem parte do SNS que, também, inclui, naturalmente, o tratamento da doença, a reabilitação e outras formas de protecção e manutenção de melhor estado de saúde possível.

Longe de ser dado seguimento a estes desígnios os governos PS, PSD e CDS-PP, nestes últimos 40 anos, tudo têm feito para reorientar o SNS para o tratamento da doença e dos episódios agudos ou crónicos de doença, esvaziando a saúde pública e a protecção e promoção da saúde. E ainda dentro da dominância do tratamento da doença foi feita uma derivação para o tratamento cada vez mais no final gravoso da história natural das doenças, usando a maioria dos recursos nos hospitais e cuidados secundários no final de vida dos doentes.

A visão constitucional da política de saúde, nomeadamente a saúde pública, tem sido remetida para um nível insignificante, meramente adicional, chamada frequentemente para justificar, à posteriori, os desastres em saúde pública que podiam ter sido evitados. Os exemplos frequentes vindos a público da falência das urgências e do internamento, os episódios expressivos de doenças infecciosas evitáveis por vacinação ou outras medidas preventivas, maior incidência de doenças crónicas e seus episódios agudos mal atendidos e maltratados. A descoordenação e mesmo a desorientação geral e estrutural do SNS atingiram um nível que põe em causa a sua continuidade de forma efectiva e eficiente.

A saúde pública exige planeamento e organização de serviços e de recursos materiais e humanos para funcionar articuladamente e responder às necessidades reais da população, de acordo com as suas próprias características sociais e demográficas. No entanto, o Ministério da Saúde e os seus departamentos centrais não assumem qualquer verdadeiro planeamento e programação das actividades necessárias. É cada um por si.

Com poucos recursos, os departamentos de Saúde Pública das ARS e a DGS limitam-se ao exercício mais ou menos retórico de elaborar documentos, a que chama Programas e Plano Nacional de Saúde, sem qualquer ligação tangível com a distribuição das verbas e dos recursos humanos entregues à ACSS.

Na área da Saúde Pública e dos Cuidados Primários de Saúde é preciso uma intervenção emergente e de fundo. Para tal, têm contribuído as propostas do Partido apresentadas e defendidas na Assembleia da República e junto das populações.

3. Política de saúde mental

A saúde mental depende de muitos fatores: da saúde materno-infantil, da saúde geral da população em todas as idades, da educação, do nível de vida, dos hábitos e costumes (por exemplo o uso de substâncias que agem no cérebro, incluindo o abuso do álcool), da qualidade de vida, das relações humanas, enfim, de inúmeros parâmetros que não estão directamente relacionados com a psiquiatria e os serviços de saúde mental. A crise económica criada pela austeridade da troika imposta pela UE teve graves repercussões na saúde mental da população

Se não se pode reduzir esta questão aos problemas da assistência psiquiátrica é também um erro grosseiro desvalorizar o papel da especialidade médica de psiquiatria, da medicina familiar e de outras profissões especializadas de saúde mental, essenciais para a prevenção, diagnóstico, terapêutica e reabilitação dos doentes com afecções mentais. Os recursos humanos especializados são a componente determinante para uma melhoria da eficiência dos serviços de saúde mental.

A chamada nova política de saúde mental em Portugal, tem a sua inauguração em 1998, com a Lei (dita) de Saúde Mental (para o Internamento Compulsivo) e a tentativa de reorganização dos serviços de saúde mental que decorre desde então. A produção de sucessivas portarias e despachos desde 2010, não teve concretização no mundo real da assistência aos doentes. O Plano Nacional de Saúde Mental para 2007-2016 continua por concretizar para o essencial das metas apontadas.

A que se deve o atraso dos serviços de psiquiatria e saúde mental? Os países que investem em políticas de saúde mental a sério não têm orçamentos tacanhos. Gastam em saúde mental uma percentagem do orçamento para a saúde que ronda os 10%. Uma das grandes ilusões que parece existir nos governos tanto do PSD como do PS, foi a crença de que é possível uma nova política de saúde mental feita de alguns remendos e das chamadas reestruturações. A nossa média para a saúde mental andou sempre pelos 3% da fatia de orçamento para a saúde.

Assim, não é de estranhar que uma política que se pretendia de largo alcance peque, desde logo, por uma insuficiência clamorosa: onde estava a fonte de financiamento para a implementação da apregoada nova política de saúde mental? Houve quem acreditasse que a venda do património das instituições psiquiátricas desactivadas serviria de fonte de financiamento para os novos serviços e acções. Os valores obtidos com as desinstitucionalizações foram aproveitados para o orçamento geral do Ministério da Saúde ou objeto de especulação imobiliária.

A bandeira da chamada desinstitucionalização foi agitada anos e anos para justificar o encerramento de dois hospitais psiquiátricos, considerados supérfluos e inadequados para a assistência a doentes graves. Em alternativa, foi-se propagandeando a iminência da criação de serviços comunitários de saúde mental, com a colocação do doente na comunidade, em função de necessidades e de gravidade das situações. Até hoje, volvidos 20 anos, a escassez das medidas é confrangedora, por atribuição de modestas dotações para contratos-programa, de tipo piloto, com entidades do sector social que, no essencial, representam uma transferência de doentes para outras instituições e não uma verdadeira implementação de unidades novas na comunidade

Para que o sistema de saúde mental pudesse ter serviços baseados na comunidade teria de se investir muito mais, em meios e recursos humanos; em novas unidades, não apenas por contratações público-privadas como se têm tentado fazer.

Por sua vez, os serviços locais de psiquiatria e saúde mental que resultam da integração dos antigos Centros de Saúde Mental nos hospitais gerais, a partir de 1992, embora, tenham registado um avanço significativo em 25 anos, apresentam claras insuficiências nos recursos humanos em muitos distritos do interior. E mesmo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto há graves assimetrias na distribuição de recursos. Na zona centro do país o único hospital psiquiátrico foi amputado da sua autonomia administrativa e anexado ao Hospital Universitário (HUC). Uma das práticas que passou a vigorar nos serviços hospitalares de psiquiatria foi a redução da estadia de internamento, por insuficiência de camas e uma preocupação administrativa em diminuir o tempo de internamento.

4. A Política do Medicamento

O acesso universal a medicamentos deve assentar nos seguintes princípios: selecção e incorporação racional de medicamentos; preços acessíveis, financiamento sustentável num contexto de um Serviço Nacional de Saúde que satisfaça as necessidades de saúde da população 6.

Não se desconhece a complexidade dos elementos inerentes à concretização desses princípios, nomeadamente:

  • A organização dos serviços públicos para sustentar a avaliação e a utilização responsável dos medicamentos (recursos humanos e logísticos - avaliação farmacoterapêutica, avaliação fármaco-económica; elaboração de linhas de orientação clínica nacionais e institucionais; apoio às Comissões de Farmácia e Terapêutica, aconselhamento; gestão do medicamento);
  • O utilitarismo da indústria farmacêutica (a indústria farmacêutica rege-se pelo lucro e pelo princípio da maximização da eficiência empresarial que sobrepõe aos interesses sanitários e sociais);
  • Os interesses específicos dos armazenistas e distribuidores de medicamentos que sustentam a disponibilização de medicamentos aos hospitais e às farmácias comunitárias;
  • As barreiras no acesso à participação social e cidadã na elaboração de políticas públicas que suportem uma política de uso responsável do medicamento, que garanta a sua isenção, independência e autonomia dos interesses comerciais ou industriais;
  • A excessiva dependência da investigação das empresas multinacionais e à incapacidade de desenvolver uma estratégia nacional de promoção da investigação orientada para a obtenção das respostas necessárias ao Serviço Nacional de Saúde, em particular no que concerne à promoção da investigação clínica da iniciativa dos investigadores e das instituições de Saúde e à promoção de estudos de efectividade comparada; 7
  • A inexistência de uma política pública de formação dos profissionais de saúde do Serviço Nacional que promova uma aquisição de conhecimentos, atitudes e aptidões independente dos interesses comerciais na Saúde.
  • A opacidade relativa aos conflitos de interesse na escolha e selecção de medicamentos em todos os níveis da hierarquia do SNS, em particular no que respeita à elaboração de linhas de orientação clínica e à selecção de medicamentos e produtos de saúde;
  • As pressões para a transferência dos encargos com medicamentos, através da mudança de estatuto dos medicamentos sujeitos a receita médica para não sujeitos a receita médica, o que implica a retirada do financiamento público e a sua transferência integral, a custos significativamente mais elevados, para os cidadãos.

De 2012 a 2016, segundo dados oficiais, o orçamento da Saúde sofreu um significativo decréscimo que não foi até ao momento revertido. No entanto, pode-se verificar que, no mesmo período, os encargos com medicamentos não sofreram alterações significativas, tendo mesmo, nos dois últimos anos, ultrapassado o valor de 2012 (ver gráfico 1) o que, em última análise pode ter contribuído para aumentar a pressão sobre o orçamento da Saúde por aumento do valor relativo dedicado aos medicamentos em detrimento de outras rubricas do orçamento (ver gráfico 2).

Constata-se, assim, um aumento proporcional e absoluto dos encargos com medicamentos no orçamento da saúde, ainda que a percentagem de encargos do SNS no PIB se tenha mantido (ver gráfico 3). Esta alienação não se deve imputar exclusivamente à suborçamentação na Saúde mas deve-se também e muito às recentes estratégias comerciais das empresas farmacêuticas, orientadas para a procura de “fármacos nicho“ bem como a um aumento muito significativo do número de medicamentos novos que foram autorizados por este governo (60 em 2017 e 51 em 2016) 8, com custos extremamente elevados, o que levou a que se considerasse que o Estado não saberia administrar o preço dos medicamentos. 9, 10

[Gráfico 1] Evolução do OE e dos encargos totais dos medicamentos em ambulatório e hospitalar - SNS 2010-2016 (M€)
Evolução da dívida e dos pagamentos em atraso a fornecedores externos do SNS 99448641862386548942,621622135213022152272010002000300040005000600070008000900010000110001200020122013201420152016OEEncargos SNS

Fonte: ACSS/Apifarma

[Gráfico 2] Variação anual do Orçamento da Saúde e Variação anual dos encargos com medicamentos - 2012-2016
[Gráfico 2] Variação anual do Orçamento da Saúde e Variação anual dos encargos com medicamentos - 2012-2016-13,1-1,2-0,2-0,20,44,03,32,6-16-14-12-10-8-6-4-202468102013201420152016OEEncargos SNS

Fonte: ACSS/Apifarma

[Gráfico 3] Evolução dos encargos em % de PIB e do OGE - 2012-2016
[Gráfico 3] Evolução dos encargos em % de PIB e do OGE - 2012-2016024681012141618202224262830Encargos SNS % PIB% dos encargos OGE22,024,724,725,625,41,31,251,231,231,2320122013201420152016

Fonte: INFARMED

[Gráfico 4] Evolução do valor global do Orçamento do estado para a Saúde e proporção das dívidas dos hospitais no valor do OGE - 2010-2016
[Gráfico 4] Evolução do valor global do Orçamento do estado para a Saúde e proporção das dívidas dos hospitais no valor do OGE - 2010-201611,311,50123456789101112131496512831125990783695780906,1010020030040050060070080090010001100120013001400201020112012201320142015201620179,18,08,7Dívida (M€)% da dívida no OE Saúde

Fonte: Apifarma

Mas os custos da investigação e a vaga de “inovação” constantemente apontados pelas empresas farmacêuticas como razões para o aumento dos preços dos medicamentos, estão longe de corresponder à realidade. Muitos agentes, incluindo pessoas e organizações que, genuinamente, pretendem defender Serviço Nacional de Saúde, aceitam sem crítica esta propaganda generalizada da indústria farmacêutica, sem se darem conta de que a isto corresponde um gigantesco desvio de despesa pública para consumos pouco eficientes e consequente enriquecimento privado ilícito.

Apesar de tudo, isto tem sido referido em publicações profissionais médicas e noutros meios, podendo citar-se, por exemplo, Joel Lexchin, médico, professor da Universidade de York em Toronto, no Canadá, que num artigo recente escrevia (citamos adaptando o texto):

«A indústria farmacêutica manteve-se perto ou no topo das indústrias mais lucrativas durante décadas. O mito de que os seus lucros se deveriam à descoberta e investigação de novos medicamentos… a realidade é bem diferente. Em primeiro lugar, depois de descontados os impostos apenas 1,3% dos seus proventos são gastos em investigação. Em segundo, uma parte significativa dos novos medicamentos provenientes da corporação farmacêutica oferecem muito pouco ou nada no que respeita a novas opções terapêuticas. Na década de 2005 a 2014, cerca de 1032 novos medicamentos e de novas indicações de velhos medicamentos foram introduzidos no mercado francês, por exemplo apenas sessenta e seis ofereciam vantagens terapêuticas significativas, enquanto mais de metade foram rotulados como “não trazendo nada de novo” e 177 foram considerados “inaceitáveis” porque tinham problemas de segurança graves sem benefícios alguns.

Recentemente, uma vez que se esgotaram os alvos fáceis houve uma modificação do modelo “blockbuster” para o modelo de “nichobuster”, em que as empresas farmacêuticas se orientam para pequenos mercados terapêuticos com medicamentos que eles vendem por centenas de milhares de dólares por doente / ano. Neste sentido os desafios que nos coloca a indústria farmacêutica são semelhantes a outros na economia capitalista. Neste caso medicamentos cada vez mais caros para mercados cada vez mais pequenos que assegurem o seu crescimento. Nos Estados Unidos, o custo de medicamentos modificadores da doença para a esclerose múltipla passou de uma média de 8000 dólares a 11000 dólares por ano para 60 000 dólares ano nos anos noventa. Em 2013, mais de 120 oncologistas de mais de quinze países denunciaram os preços dos medicamentos oncológicos que atingiram um valor anual de 100 000 ou mais dólares por ano.

Os preços baseiam-se no que o mercado consegue aguentar. Quanto mais desesperados estejam os doentes, maior será o preço praticado».

As dívidas hospitalares têm sido amplamente difundidas pela indústria farmacêutica, como forma de pressão sobre os governos.

Uma parte substancial do orçamento da Saúde tem sido dedicada ao medicamento, com valores crescentes apesar das restrições dos anos da troika que, aparentemente, não impediram a manutenção dos lucros da indústria farmacêutica, maioritariamente multinacional. Comprova-se assim, mais uma vez, que a repercussão económica e financeira da crise não atingiu de igual modo todos os interesses.

No que concerne à evolução dos encargos com medicamentos pelos cidadãos interessará considerar que se confirma uma redução de cerca de 22%, de 2011 a 2017, por embalagem de medicamentos dispensada (no ambulatório). 11 Uma parte significativa desta redução deve-se a um conjunto muito alargado de medidas administrativas que procuraram reduzir os preços dos medicamentos e a uma utilização muito importante de medicamentos genéricos pelos cidadãos, com preços expressivamente inferiores aos dos medicamentos de marca.

O mercado de genéricos, no mercado total de medicamentos, não sofreu nos últimos anos uma alteração significativa da sua quota, mantendo-se relativamente estável desde 2014. Este facto poderá dever-se, entre outros, a uma alteração legislativa que permitiu que as empresas multinacionais bloqueassem a entrada de novos genéricos no mercado. Essa alteração determinou a constituição de um tribunal arbitral para dirimir as dúvidas relativas à protecção de patente de que estas empresas gozam. Ora, o tribunal arbitral é maioritariamente composto por grandes consórcios de advogados que facilmente legitimam as teses da indústria farmacêutica multinacional, aliás, são inúmeros os exemplos de medicamentos que entraram no mercado como genéricos em outros países europeus e que foram bloqueados por este mecanismo arbitrário determinando um encargo desnecessário para o SNS e um custo suplementar para os cidadãos.

Por fim, poderá verificar-se que os preços dos medicamentos têm tido um crescimento superior ao dos preços em geral e ao da Saúde, com excepção do último ano analisado.

Em Portugal estão licenciadas 430 empresas farmacêuticas, das quais com fabrico em Portugal são apenas 13. A Indústria Farmacêutica Nacional, embora tecnologicamente tão avançada como as congéneres de qualquer país desenvolvido, é muito pequena, não tem massa crítica e está muito vulnerável.

O emprego na indústria farmacêutica nacional sofreu nos últimos uma redução muitíssimo importante fruto do deslocalização e globalização do emprego qualificado, da alteração dos modelos de negócio reduzindo as delegações nacionais das multinacionais a meras agências de negócios e de lobbying, sendo disso reflexo a redução em mais de um quinto do emprego nos últimos cinco anos (de 9580 para 7500 funcionários, uma redução de – 21,7%), sendo Portugal um dos Países europeus onde a redução foi mais significativa.

Têm também interesses e influência na política do medicamento as associações de proprietários de farmácia (ANF e AFP), os distribuidores e os armazenistas e grupos de pressão (individuais ou coletivos) por eles financiados.

Deter-nos-emos brevemente nas associações de proprietários de farmácia e, em particular na mais importante a Associação Nacional de Farmácias. Esta associação tem uma particularidade única no Sistema de Saúde Português, pois trata-se da única entidade que tem uma atividade que compreende todos os ramos de atividade em saúde, pública e privada no nosso país. Trata-se de uma associação que originalmente se situava no âmbito do associativismo orientada para a satisfação dos seus sócios, mas que progressiva e paulatinamente foi diversificando a sua área de negócios e abarca hoje todas as atividades em saúde, sem excepção, assim:

  • Comercializa medicamentos e dispositivos médicos detendo uma posição fortemente maioritária, diria mesmo quase configurando um domínio absoluto do mercado ambulatório de medicamentos e de dispositivos médicos, em que mais de 90% das farmácias são suas associadas;
  • Armazena e distribui medicamentos através de uma rede diversificada de distribuidores de medicamentos entre as quais se encontra a líder do mercado Alliance Healthcare (51% da ANF)
  • Dispõe de uma empresa que fabrica medicamentos e que detém no mercado português diversas autorizações de introdução no mercado (a empresa Almus, com 54 medicamentos autorizados em Portugal) em associação com a Alliance Healthcare Portugal (sociedade com a Walgreens Boots Alliance e ANF).
  • É sócia de uma cadeia de unidades hospitalares privadas e públicas de saúde (JMello Saúde - PPP; hospitais rede CUF e rede de cuidados continuados) onde detém 30% do capital daquela empresa
  • É sócia de uma empresa de software de gestão e de saúde;
  • Detém uma empresa de estudos do mercado para a indústria farmacêutica;
  • Apoia uma plataforma de associações de doentes.

Sendo, hoje, um dos actores que maior influência dispõe nos diversos níveis de decisão política, onde se inclui o parlamento, o governo, o ministério da saúde e nas direcções gerais que tutelam as farmácias (veja-se, por exemplo, o número de inspecções realizadas a farmácias e o número de inspecções realizadas a empresas farmacêuticas, em 2016).

A progressiva captura dos interesses do Estado, do SNS pelos interesses privados através de sofisticadas e diversificadas estratégias de influência que procuram internalizar os valores e os seus interesses na administração pública e de governo de tal modo a que se torne difícil destrinçar entre o interesse público e os interesses privados específicos. Esta alteração é hoje realizada por inúmeros actores que influenciam direta e indiretamente a ação política existindo inúmeras situações que comprovam estas estratégias, tais como:

  • As relativas à inovação terapêutica fazendo crer que os medicamentos novos são todos inovadores e imprescindíveis para a população levando a que seja considerada uma estratégia prioritária do Serviço Nacional de Saúde quando, se sabe que uma parte significativa desses medicamentos não constituem inovação e os seus benefícios são marginais não o sendo, no entanto, os seus custos.
  • A dependência gritante e asfixiante das sociedades científicas, das associações de doentes e profissionais, das administrações dos serviços públicos e dos profissionais de saúde do financiamento da indústria farmacêutica para o seu funcionamento organizativo e funcional, para a realização de atividades científicas (congressos e seminários), as de promoção das suas atividades e não menos importante a própria formação individual de cada um dos profissionais de saúde do SNS. Esta situação tem-se agravado progressivamente nos últimos anos, atingindo hoje níveis de dependência inimagináveis há uns anos, com claro comprometimento do Ministério da Saúde e das suas Direcções Gerais.

Em particular deter-nos-emos em algumas situações que decorrem dos dados disponíveis relativos aos profissionais de saúde, às associações de doentes e à indústria farmacêutica.

Assim, podemos verificar que o financiamento a sociedades científicas e a associações de administradores hospitalares, pode atingir valores perto do meio milhão de euros anuais e que nalgumas delas a taxa de crescimento anual é extremamente significativa (um crescimento de mais de 12 vezes de 2016 para 2017), sendo que nesta última associação se especula se o seu presidente será porventura o futuro ministro da saúde num próximo governo.

O financiamento das associações de doentes por parte da indústria farmacêutica está associado ao tipo de medicamentos que comercializam. Saliente-se que o valor declarado de financiamento às associações de doentes não é, pode-se afirmar, muito expressivo variando entre o mínimo de 25 000 euros anuais a 75 000 Euros anuais, sendo a primeira para uma patologia prevalente de baixa frequência e a segunda para uma patologia prevalente de média prevalência.

Evidentemente que este financiamento não é inocente e sabe-se e está estudada a magnitude da sua influência nas decisões em saúde, mas também se sabe que grande parte se não todo este pretenso investimento será quase integralmente suportado pelo OGE, sendo imputado como despesa pelas empresas, transferindo-o assim os encargos com a formação para a sociedade, mas beneficiando as empresas farmacêuticas de uma influência muito significativa na sociedade e no Serviço Nacional de Saúde, incluindo-se, por vezes, a própria função de advocacia dos interesses da indústria que são muitas vezes propalados como se de interesses exclusivos e legítimos dos utentes.

  • Em matéria de opacidade nas relações com o Estado temos como exemplo o que se passou recentemente com o tratamento para a hepatite C, que se centrou num exercício de chantagem pura e dura, em que foram envolvidos doentes, políticos, líderes de opinião. A chantagem e a pressão foram de tal ordem que na negociação dos preços os representantes do Estado Português aceitaram uma cláusula de confidencialidade que os impedia de divulgarem os preços desses medicamentos. Ora, uma tal estratégia iniciou um novo ciclo de negociações de preços com a indústria farmacêutica que obriga ao sigilo e à confidencialidade dos contractos assinados com a indústria, impedindo dessa forma, a troco de uma pretensa redução de preços e dos interesses concorrenciais das empresas, que os recursos públicos sejam sujeitos a segredos industriais, alienando a autoridade do Estado e subjugando-a aos interesses privados.
  • A influência, directa e indirecta, nos diferentes níveis de decisão política dos diversos interesses é hoje um facto, sendo que em alguns casos são os próprios interesses que determinam a evolução das politicas e as propostas de acção governativa, promovendo soluções que procuram sustentar e alargar a sua influência económica e financeira em diversas actividades que são hoje realizadas com qualidade e eficiência pelo SNS, como exemplos podemos citar as múltiplas e diversas iniciativas destinadas a transferir a dispensa de medicamentos hospitalares para o ambulatório, a centralização das estruturas e dos procedimentos de compra, armazenamento e distribuição de medicamentos que são agora cumpridas adequadamente pelos serviços farmacêuticos das unidades de saúde para a SPMS e posteriormente serão entregues a empresas distribuidoras de medicamentos, substituindo-se ao Serviço Nacional. São inúmeras as estratégias que procuram transferir serviços para os interesses incluindo nalguns casos aconselhamento e a prestação de cuidados de saúde primários (a doentes diabéticos, hipertensos, asmáticos.

Paulatinamente, temos vindo a assistir a um progressivo esvaziamento das instituições que tradicionalmente se constituem como os alicerces de uma política sustentável e responsável na utilização dos medicamentos no SNS.

Os alicerces da racionalidade foram abandonados numa fase ainda incipiente da sua construção e deu-se o progressivo esvaziamento de seu conteúdo e finalidade.

Neste quadro de adulteração da racionalidade e da responsabilidade na promoção e garante de uma política de racionalidade devemos incluir não só opacificação do sistema de gestão dos conflitos de interesse como das próprias instituições de saúde.

Haverá assim necessidade de recuperar o espaço e o tempo de uma estratégia que promova a racionalidade terapêutica, que contribua e sustente uma rede de racionalidade terapêutica que incentive as boas práticas e uma prescrição de medicamentos baseada em princípios de cidadania e de liberdade que promova de uma forma inequívoca a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e prescrição, utilização e dispensa de medicamento responsável e justa.

5. Profissionais: valorização social, profissional e remuneratória

A ofensiva dos sucessivos governos contra o SNS é, também, suportada pelo ataque e degradação dos direitos dos trabalhadores do sector, pondo em causa a prestação de cuidados de saúde e diminuindo a capacidade de resposta do SNS às necessidades em saúde das populações.

O agravamento da escassez de recursos humanos, situação crónica que se vem agravando sucessiva e insidiosamente, tem vindo a colocar em risco a saúde física e psíquica dos trabalhadores, uma vez que tendem a agravar-se as situações de aumento dos ritmos de trabalho, do uso e abuso das horas extraordinárias, em geral não pagas nem compensadas; da exaustão dos trabalhadores; da probabilidade de existirem acidentes de trabalho e, consequentemente, do aumento do absentismo.

Durante a governação de PSD e CDS-PP, o Ministério da Saúde perdeu quase 7500 trabalhadores, agravando bastante a carência de profissionais de saúde nos centros de saúde e hospitais do SNS 12. A carência de recursos humanos constitui, igualmente, uma questão de segurança e saúde dos demais profissionais devido à sobrecarga horária e consequente cansaço, ansiedade e stress. Esta sobrecarga de trabalho aumenta o risco para si próprios e para os utentes, reflectindo-se cumulativamente nos níveis de confiança dos cuidados de saúde.

Mas se, por um lado, esta escassez é justificada pela ausência de profissionais em número suficiente para as necessidades existentes, nos mais diversos serviços públicos de saúde; por outro lado, apenas se justifica pelos cegos cortes na área da saúde que determinam a fraca admissão de trabalhadores. Assim sendo, exige-se que a oferta educativa ao nível do ensino superior público na área da saúde seja adequada às reais necessidades de profissionais dentro do SNS e que haja uma política de contratações que, investindo verdadeiramente na melhoria do acesso a cuidados de saúde, aloque e reforce os recursos humanos necessários nos mais diversos serviços de saúde evitando a emigração, o desemprego e a cedência ao privado de valiosos profissionais.

Uma outra linha de ataque ao SNS, integrada na degradação dos direitos dos trabalhadores, prende-se com a destruição do vínculo público e a degradação das carreiras profissionais. Se, por um lado, a transformação da generalidade das instituições hospitalares em EPE´s permitiu a privatização do vínculo, aplicando dentro do sector público e no SNS a legislação do privado, para efeitos de contratação, e potenciando a desarmonização de direitos e deveres entre trabalhadores que, exercendo as mesmas funções, possuem vínculos juridicamente distintos; por outro lado, as alterações legislativas fomentadas pelos governos do PS, PSD e CDS-PP, em matéria de carreiras (primeiro com a Lei dos Vínculos Carreiras e Remunerações e depois com a Lei do Contrato de Trabalho em Funções Públicas), degradaram significativamente as condições de desenvolvimento profissional e salarial da maioria dos trabalhadores da saúde, fomentando a fuga de muitos destes para o sector privado e para o estrangeiro.

No entanto, se alguns trabalhadores do sector da saúde viram as suas carreiras desvalorizadas, houve ainda outros, como no caso dos Auxiliares de Acção Médica, que as viram completamente desmanteladas, defraudando as suas legítimas expectativas e lançando-os na estagnação profissional.

Para além destes ataques aos direitos fundamentais dos trabalhadores do sector, há ainda que referir o uso e abuso das diversas formas de precariedade contratual no sector. A utilização dos recibos verdes, da contratação à hora, dos contratos a termo certo, dos contratos de emprego e inserção e dos contratos a termo resolutivo incerto (alguns a vigorar há mais de uma década), revelam-se injustificáveis e ilegais uma vez que a grande maioria desses trabalhadores não se encontram nos serviços de saúde a suprir necessidades sazonais e/ou transitórias, mas sim necessidades permanentes.

Assim sendo, torna-se imperativo que, com o objectivo de se estabilizar uma das principais bases e pilares de sustentação do SNS, isto é, os seus trabalhadores, se contratem os profissionais de saúde em falta nos mais diversos serviços de saúde através de vínculo público definitivo, combatendo, desta forma, todas as modalidades de falsos vínculos precários. É ainda urgente integrar todos os trabalhadores com contratos individuais de trabalho em contratos de trabalho em funções públicas com a correspondente integração numa carreira com vínculo público.

A aposta na valorização profissional, social e remuneratória dos profissionais de saúde, que os sucessivos governos têm menosprezado, torna-se fundamental para garantir a continuidade do SNS. Só garantindo os direitos, a integração efectiva numa carreira e a sua correspondente progressão, acautelando o desenvolvimento profissional e assegurando-lhes as condições de trabalho adequadas é que teremos os trabalhadores do sector da saúde motivados e determinados em trabalhar em prol do SNS e sem o abandonar para usufruírem de melhores condições de trabalho no sector privado ou no estrangeiro.

Situação igualmente necessária de alterar profundamente, prende-se com a premência de garantir uma efectiva participação democrática na gestão do SNS e proceder à desgovernamentalização dos órgãos de gestão, de direcções de serviço e de chefias das instituições de saúde que integram o SNS. A substituição das nomeações baseadas em critérios pouco claros por concursos públicos que privilegiem o rigor, a transparência e o mérito, bem como a defesa da participação, do envolvimento e da auscultação dos trabalhadores da saúde e das suas organizações representativas (sobretudo as associações sindicais) na definição das orientações estratégicas em matéria de política de saúde são condições basilares para se alcançar o objectivo da democratização das nossas instituições e do sector da saúde.

Para que se implemente uma política alternativa que valorize e reforce o SNS universal, geral e gratuito será necessário continuar e intensificar a luta dos trabalhadores do sector da saúde. Se a luta dos trabalhadores do sector, em alguns casos, lutas sectoriais; e noutros, lutas em conjunto com toda a administração pública, já permitiram alguns avanços na reposição de direitos roubados (reposição dos feriados, reposição das 35 horas semanais para Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), reposição, embora faseada, das horas de qualidade e o descongelamento das progressões, entre outros) há que reforçar e fortalecer a luta para defender, continuar a repor e conquistar direitos laborais, melhores condições de trabalho, salários e carreiras dignas para todos os trabalhadores.

6. Segurança e Saúde no Trabalho

As questões relacionadas com a segurança e a saúde dos trabalhadores são um factor de extraordinária importância no desenvolvimento de um País.

O direito à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, é um elemento de desenvolvimento, na qual, pela sua especificidade e perigosidade, a saúde e segurança dos profissionais de saúde assume especial relevância. Assegurar condições de trabalho dignas e com segurança é primordial.

O País não se pode desenvolver sem força de trabalho qualificada e sem ambientes de trabalho seguros e saudáveis.

Os dados da ACT, no ano de 2017, revelam uma diminuição no número de acidentes de trabalho mortais em relação a 2016 (118 e 138 respectivamente) ou seja cerca de menos 17%, já nos acidentes de trabalho graves verificou-se um aumento de (264 em 2016) para (382 em 2017), cerca de 44,7%. No entanto, estes números são, os que somente são declarados ao ACT ou haverá mais acidentes graves e mortais no País, não declarados como tal?

Os trabalhadores, em situação precária ou prestadores de serviços (que constituem uma parcela muito grande dos trabalhadores), em caso de danos devido a acidente, não têm qualquer direito à reparação desses danos, a não ser que possuam um seguro de reparação de acidentes de trabalho. No caso dos prestadores de serviços é ao trabalhador que cabe a gestão da sua atividade e da sua protecção contra os riscos laborais.

7. Utentes – defender os seus direitos, organizar a sua intervenção

O envolvimento dos cidadãos na defesa do SNS - face ao aprofundamento de processos privatizadores -, e na luta por uma nova política de saúde constitui uma tarefa que se impõe desenvolver por todos, através da luta e de uma intervenção autónoma de massas das Comissões de Utentes, em articulação com o eleitos no órgãos autárquicos que estejam ao lado das suas reivindicações.atribu

As populações, principais prejudicadas pela opção (ideológica) privatizadora e de alienação de importantes serviços na Saúde, têm de ser umas das principais intervenientes (a par dos profissionais de Saúde) na defesa do SNS. Cabe às Comissões de Utentes dinamizar a luta das populações de defesa, salvaguarda e promoção do SNS, por uma política de saúde eficaz e que garanta igualdade de acesso a todos os cidadãos.

Profissionais de saúde e utentes não defendem interesses antagónicos, no que se refere à defesa do SNS. Bem pelo contrário, um e outro devem ocupar um papel relevante na sua defesa e na apresentação de soluções com vista ao fortalecimento do SNS.

São muitas as fragilidades do SNS e as populações conhecem-nas bem. Por exemplo, no 1º semestre de 2017, os motivos que mais consubstanciam reclamações nos serviços de saúde referem-se aos processos de administrativos, os tempos de espera e a focalização no utente, neste último caso referindo a delicadeza/urbanidade do pessoal clínico. 13

Com o objetivo de consciencializar as populações para o seu direito à saúde, o Partido desenvolveu, a partir da Revolução de Abril, actividades nesta área, sendo de realçar a criação das Comissões de Base de Saúde que levou a muitos locais do País profissionais de saúde, camaradas e amigos que, voluntariamente, abdicavam dos seus fins-de-semana para melhorar as condições de saúde das populações, dando a conhecer o que se pretendia com a criação do SNS, sensibilizando milhares de pessoas para a sua defesa e desenvolvimento.

Pela sua génese, as comissões de utentes podem ser importantes instrumentos no que concerne à opinião dos utentes, bem como análise sobre a política de saúde.

Os objetivos das comissões de utentes continuam a ser a sensibilização e informação às pessoas para o direito à Saúde, conferido pela CRP, pela defesa do SNS, criando um movimento de resistência contra a sua destruição, que este Governo na senda dos anteriores, faz submetendo-se aos interesses privados.

Os comunistas tudo devem fazer para a dinamização da luta das populações, integrando e alargando o número de Comissões de Utentes viradas para mobilização e sensibilização das populações na luta por melhores condições de acesso e de atendimento. São no momento presente, um movimento de protesto, de opinião, reivindicativo e de luta, o mais seguro instrumento da luta popular em defesa do SNS, sendo de realçar as lutas das populações que, afectadas pelas actuais políticas, promoveram abaixo assinados, manifestações, concentrações, vigílias e outras iniciativas.

8. As propostas do PCP para a defesa do SNS e uma política de saúde ao serviço dos portugueses e do desenvolvimento do País

Defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS)

  • Concretização e desenvolvimento com serviço público, universal, geral e gratuito, eficiente e eficaz, mantendo-se o Estado como prestador geral e universal de cuidados de saúde e o sector privado e social um papel supletivo. Completa separação entre o sector público e privado, indispensável ao da eficiência dos recursos públicos, da sua qualidade e à acessibilidade.
  • Planificação da rede pública prestadora de cuidados de saúde, instrumento de combate à ineficiência, de melhoria da acessibilidade e da qualidade. Aplicação do princípio da proximidade e racionalidade na construção de novas unidades de saúde.
  • Extinção da entidade Reguladora da Saúde, passando as suas competências para a Inspecção Geral dos Serviços de Saúde dotada de competências para combater a promiscuidade entre serviço público e prestação privada.
  • Dotar o SNS de um sistema local que articule os vários níveis de prestação de cuidados e reforçar os seus meios, para que aumente a sua capacidade de resposta e simultaneamente reduza de forma progressiva o recurso a entidades privadas convencionadas.
  • Eliminação das taxas moderadoras.
  • Garantir o transporte não urgente de utentes, que seja instrumental à realização da prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS é isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique ou por carência económica, designadamente no caso de necessidade de tratamentos prolongados ou continuados.
  • Rejeição da municipalização da saúde, por se integrar na estratégia de reconfiguração do Estado, da sua desresponsabilização na garantia do direito constitucional à saúde e de constituir um passo no processo de privatização, e provocar a desintegração da prestação de cuidados de saúde.

Financiamento, eficácia e qualidade dos cuidados prestados

  • A fim de diminuir o subfinanciamento (que se constata ser de 20% nos últimos 10 anos) torna-se premente que, em sede de OE, sejam reforçadas as transferências de verbas para o SNS a fim de dotar os serviços de saúde dos montantes necessários à prestação de cuidados e de investimento.
  • Destinar 2,5% dos orçamentos das unidades de saúde para sua actualização tecnológica e funcional.
  • Elaborar um plano de investimento plurianual para a construção de novos equipamentos de saúde e requalificação dos existentes, que assegure a prestação de cuidados de saúde com eficiência, qualidade e proximidade.
  • Reformular a rede de serviços de urgência, de forma a assegurar a efectiva cobertura territorial e a adequada proximidade às populações.
  • Reforçar em meios humanos e materiais dos serviços de urgência que integram a rede de serviços de urgência, com destaque para os serviços de urgência básico.

Cuidados de Saúde Primários (CSP)

  • Desenvolver e colocar os CSP na estrutura central do SNS, no acompanhamento dos utentes, no diagnóstico precoce e no encaminhamento dos utentes para outros níveis de cuidados, libertando os hospitais para a prestação de cuidados de saúde diferenciados e mais complexos.
  • Assegurar a proximidade dos CSP, avançando para uma organização em função de unidades territoriais, pondo fim aos Mega ACES. A centralidade da prestação de cuidados no cidadão-utente, e o conceito de cuidados de proximidade e a viabilização de uma abordagem pluridisciplinar ao paciente, impõe o agregar das várias especialidades em torno da prestação de cuidados primários, própria de cada um.
  • Implementar a autonomia financeira e administrativa ao nível dos CSP.
  • Democratizar e maior autonomia da organização regional no âmbito de um processo de regionalização e colocação por concurso público das chefias intermédias aos vários níveis de direcção.
  • Avançar no desenvolvimento de soluções organizativas que colmatem as desigualdades verificadas no acesso dos utentes, condições de trabalho e remuneração dos profissionais de saúde, nomeadamente através da valorização de todos os profissionais de saúde.
  • Implementar uma verdadeira relação integrada com os cuidados hospitalares, prestando a assistência eficaz, continuada e sempre disponível aos que podem e devem ser observados ou tratados nos CS de proximidade.
  • Dotar os CSP de meios técnicos e humanos necessários ao cumprimento das suas missões curativa, preventiva e de promoção da saúde.
  • Atribuição de médico e de enfermeiro de família a todos os utentes e concretização do enfermeiro de família a todos os utentes com brevidade.
  • Programar a progressiva redução de lista de utentes por médico e por enfermeiro de família, com o objectivo de atingir os números máximos recomendados pela OMS (utente por médico de família e utente por enfermeiros de família).
  • Criar uma resposta adequada ao nível dos CSP que permita responder a situações de doença aguda no período nocturno durante os dias de semana, aos fins-de-semana e feriados, para evitar elevadas afluências às urgências hospitalares.
  • Instalação (muito selectiva) de alguns meios de auxiliares de diagnóstico; alargar os serviços e valências (medicina dentária, ginecologia e materno-infantil, psicologia, e pediatria) nos cuidados de proximidade, além de saúde visual, mental e de reabilitação, com possível apoio de médicos e enfermeiros com especialização em geriatria, psiquiatria, de reabilitação e apoio ao domicílio E organizar uma rede de consultadoria e referenciação para consulta por telemedicina, no quadro das relações com os cuidados diferenciados hospitalares.
  • Promoção da literacia em saúde através da organização de campanhas informativas educativas a nível nacional que apoiem as orientações julgadas úteis para educação e credibilização dos diversos níveis de cuidados prestados pelo SNS.
  • Apoiar a utilização de serviços públicos, denunciando a pressão para exames auxiliares de diagnóstico considerados desnecessários ou excessivos, nos privados, utilizando os meios de comunicação social.
  • Equipar de meios técnicos e humanos os serviços de prestação de cuidados de saúde, evitando perda de produtividade por excessiva burocratização e com programas informáticos fragmentados e desadaptados.
  • Desenvolver programas regulares de promoção de saúde e de prevenção da doença.

Cuidados Continuados e Paliativos

  • Alargar o número de camas de cuidados continuados e paliativos na rede pública, abrangendo igualmente respostas específicas no âmbito da saúde mental e da pediatria.
  • Instalar prioritariamente camas nas zonas metropolitanas do Porto e Lisboa.
  • Reforçar as equipas de cuidados continuados integrados que asseguram o apoio domiciliário.
  • Reforçar os apoios aos cuidadores informais, articulando a área da saúde, educação e segurança social, nomeadamente na resposta pública, seja pela criação de uma rede de equipamentos públicos, seja pela criação de equipas multidisciplinares domiciliárias.

Cuidados Hospitalares

  • Preparar o fim dos Hospitais EPE e a sua integração no Sector Público Administrativo (SPA).
  • Programar o fim das PPP na saúde e a integração dos quatro hospitais na rede de hospitais SPA.
  • Reorganizar a rede hospitalar que atenda, entre outros, aos seguintes princípios: em articulação com os CSP, os CC e a saúde pública; que assente no utente; que optimize os recursos existentes; que considere níveis de referenciação baseados no nível de complexidade das patologias, na idoneidade e vocação para a investigação e o ensino; na proximidade e capacidade de resposta dos diferentes estabelecimentos do SNS; e ter em conta as características da região.
  • Modelo de gestão: acesso por concurso para as direcções de serviço
  • Reverter os processos que levaram à redução, fusão e concentração de serviços e valências hospitalares por via da criação de centros hospitalares.

Saúde Pública

  • Reformular a estrutura organizativa ao nível da saúde pública, para garantir proximidade e maior capacidade de intervenção na respectiva área de abrangência.
  • Reforçar os meios humanos, técnicos e profissionais na área da saúde pública, e em particular ao que ao reforço dos profissionais de saúde.
  • Reconhecer e valorizar da saúde pública nas suas diversas vertentes, em particular na prevenção da doença e promoção da saúde, na avaliação dos riscos e na prevenção de factores e controlo das situações que podem causar ou acentuar prejuízos para a saúde das pessoas ou das comunidades. Desenvolver estudos epidemiológicos a nível local e regional, para conhecer a cada momento os riscos, as principais doenças identificadas e as acções de prevenção específicas para cada comunidade. Articular com as administrações regionais de saúde, os hospitais, os ACES e as organizações representativas dos trabalhadores, avançar com um conjunto de medidas urgentes que permitam o cumprimento da lei no que respeita à redução do número de infecções hospitalares.
  • Tomar medidas que promovam a sensibilização para a importância da vacinação assegurando o reforço e cumprimento do Programa nacional de vacinação em vigor a todas as crianças e jovens, dotando-o dos meios humanos, técnicos e financeiros adequados.
  • Estabelecer as bases e condições de um Programa de Prevenção Primária e Controlo da Bactéria Legionella em todos os edifícios e estabelecimentos de acesso ao público.

Trabalhadores da Saúde

  • Proceder a um levantamento das necessidades objectivas em matéria de recursos humanos na área da saúde, da sua distribuição pelas diferentes valências e por unidades de saúde (unidades hospitalares, unidades de cuidados primários de saúde e unidades de cuidados integrados).
  • Proceder à contratação dos profissionais de saúde, nomeadamente de médicos, enfermeiros, técnicos superiores, técnicos de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos e assistentes operacionais, que permita uma prestação de cuidados de saúde com qualidade e eficiência.
  • Regularizar a situação dos profissionais de saúde contratados ao abrigo dos planos de contingência e que estão a preencher necessidades permanentes nos serviços integrando-os em contratos de trabalho com vínculo público efectivo.
  • Adoptar um plano que dê cumprimento à substituição progressiva de empresas de trabalho temporário pela contratação directa de trabalhadores com vínculo efectivo à função pública.
  • Melhorar as condições de trabalho dos profissionais de saúde, bem como adopte medidas à valorização profissional e salarial destes trabalhadores.
  • Elaborar um programa para a formação de médicos em que as vagas disponibilizadas sejam proporcionais às necessidades, reforçando as vagas para os internatos de MGF. Adoptar um conjunto de medidas ao nível da formação médica que permitam aumentar as vagas para o internato da especialidade.
  • Garantir os melhores profissionais em regime de exclusividade é essencial garantindo uma carreira efectiva, salário digno, condições dignas de trabalho, de investigação e de prestígio dos serviços.
  • Pôr fim às desigualdades de direitos e de condições de trabalho actualmente existentes entre os trabalhadores e proceder à integração dos contratos individuais de trabalho em contratos de trabalho em funções públicas.
  • Criação da Carreira de Técnico Auxiliar de Saúde, com vista à reconhecer, valorizar e dignificar a especificidade das funções desempenhadas pelos auxiliares no SNS, garantido a transição, para esta nova carreira, de todos os trabalhadores assistentes operacionais que desempenham funções nas áreas da acção médica.

Saúde mental

  • Aumentar a dotação financeira global para a Saúde Mental de forma a corresponder às necessidades reais dos serviços existentes e permitir a implementação de novas unidades, consideradas na legislação existente, pondo termo a graves carências do setor.
  • Reforçar os recursos humanos dos serviços de psiquiatria e saúde mental (médicos psiquiatras, de adulto e infanto-juvenil, enfermeiros de saúde mental, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de reabilitação) e a sua distribuição em função da população e do território; suprir graves carências nos distritos do interior.
  • Garantir a acessibilidade das pessoas com doenças psiquiátricas aos diferentes cuidados de saúde, desde a assistência nos Centros de Saúde aos Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental hospitalares, em internamento e consulta externa, assegurando o diagnóstico precoce, a terapêutica e a continuidade do tratamento para a remissão clínica da doença e a recuperação das capacidades da pessoa.
  • Assegurar a autonomia dos hospitais psiquiátricos públicos, dotando-os de meios para a sua especialização e apoio aos serviços de hospitais gerais.
  • Promover a capacitação e integração social das pessoas com doença ou deficiência mental, através da reabilitação personalizada em ambiente protegido, promovendo a ocupação e o trabalho, e assegurando o apoio residencial na comunidade segundo a autonomia e as necessidades de cada um.
  • Promover medidas residenciais que contemplem os doentes mentais “sem-abrigo” de molde a pôr termo a essa miserável condição.
  • Desenvolver e incentivar a cooperação dos serviços públicos do SNS com instituições privadas de solidariedade social no âmbito da saúde mental, na prestação de serviços e promovendo a participação das famílias e das pessoas portadoras de doença na defesa dos seus direitos e na luta contra o estigma.
  • Incrementar iniciativas na prevenção das doenças, na educação para a saúde mental, na prevenção do suicídio, na luta contra o alcoolismo e as toxicodependências, para uma sociedade mais saudável.

Saúde dos trabalhadores

  • Pôr a funcionar os serviços de medicina do trabalho nos estabelecimentos de saúde.
  • Em consonância com os Sindicatos, organizações representativas de trabalhadores e associações patronais, sob a tutela das especialidades, propomo-nos adoptar uma estratégia nacional de segurança e saúde no trabalho que assegure, designadamente: a criação e funcionamento dos serviços de segurança e saúde nos locais de trabalho; e a elaboração de planos de acção e prevenção focados nos postos de trabalho, com objectivos (incluindo a nível de empresa), a atingir nos domínios da prevenção e redução da sinistralidade laboral e das doenças profissionais.
  • Avaliar os riscos e medidas específicas relativas à precariedade do trabalho e ao trabalho não declarado; a valorização do papel da ACT e o controlo e fiscalização da actividade das empresas de serviços externos de segurança e saúde no trabalho.
  • Habilitar com capacidades técnicas e humanas as entidades com competências para auditar e fiscalizar a aplicação da lei nas entidades privadas, mas também nas públicas.
  • Desenvolver uma acção global e integrada ao nível da Prevenção, Reparação, Reabilitação e Reinserção que assegure os direitos dos trabalhadores sinistrados, sejam eles de entidades públicas ou privadas.
  • Alterar o conceito de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, tornando-o transparente, mais favorável aos sinistrados com processos de cálculo de indemnizações que apliquem o princípio de reparação por inteiro dos danos causados, tanto de natureza física, como profissional e moral e que não resulte apenas da perda da capacidade para o trabalho.
  • Entender a reabilitação funcional como reabilitação para a vida activa dos sinistrados, responsabilizando as entidades patronais pela reabilitação e recolocação dos trabalhadores sinistrados ou vítimas de doença profissional, independentemente do seu grau de incapacidade.
  • Melhorar as condições de trabalho e a adaptação de postos de trabalho, quando necessário, segundo do princípio da adaptação do trabalho ao ser humano, tendo em conta os vários factores ergonómicos.
  • Solicitar que tanto a DGS como a ACT assumam as responsabilidades pela falta da vigilância do cumprimento da legislação nacional e orientações nacionais e internacionais de trabalho no âmbito de segurança e saúde do trabalho.
  • Desenvolver uma adequada rede de serviços de segurança e saúde no trabalho (saúde ocupacional) de qualidade, com acção nos locais de trabalho, da responsabilidade directa das empresas, orientada para os trabalhadores e com a sua participação indispensável.
  • Assegurar a eleição dos representantes dos trabalhadores em todos os estabelecimentos e garantir os seus direitos de intervenção na definição e aplicação das políticas de segurança, higiene e saúde no local de trabalho.
  • Desenvolver um plano geral de formação e informação em saúde dos trabalhadores incluindo a integração destas matérias no ensino básico, secundário e profissional.
  • Assegurar o funcionamento efectivo da acção de fiscalização da responsabilidade da ACT e das autoridades de saúde, correspondendo atempadamente aos pedidos de intervenção, em particular pelos trabalhadores e seus representantes.
  • Criar um sistema de informação coordenado e rigoroso que, de forma regular, permita:
    • A monitorização e avaliação das condições de trabalho;
    • Avaliação do desenvolvimento dos serviços de segurança e saúde no trabalho;
    • Registo e análise das consequências para a saúde nomeadamente dos acidentes, das doenças profissionais, das doenças agravadas e relacionadas com o trabalho.

  • Rever o sistema da reparação de acidentes de trabalho e das doenças profissionais, tornando mais transparentes, mais favorável aos sinistrados com processos de calculo de indemnizações que apliquem o princípio da reparação por inteiro nos danos causados tanto de natureza física, como profissional e moral.
  • Rever a caracterização dos acidentes de trabalho na Função Pública dado que, a quando das sequelas permanentes, a segurança social, exige a sua transformação em doença profissional.
  • Assegurar a formação com qualidade dos profissionais de saúde ocupacional (médicos, enfermeiros, técnicos de higiene e segurança, e outros) garantindo o seu exercício profissional com independência técnica.
  • Desenvolver um programa nacional de investigação em saúde dos trabalhadores aberta às instituições académicas e científicas e às organizações dos trabalhadores, dotado de recursos adequados.
  • Rever o actual sistema de organização dos serviços de segurança e saúde no trabalho, adaptando-o à realidade da estrutura empresarial nacional, impondo níveis de qualidade técnica que travem a actual mercantilização e desqualificação da prática dos serviços.
  • Regulamentar em que parâmetros as entidades que exploram o trabalho da prestação de serviços nomeadamente o teletrabalho, o trabalho à distância ou trabalho mediado por plataforma online, deveriam assentar a sua obrigação de protecção dos trabalhadores contra os riscos profissionais.

Política do medicamento

  • Dispensar gratuitamente nos Centros de Saúde e nas farmácias dos medicamentos para os doentes crónicos.
  • Garantir o acesso à terapêutica mais adequada aos utentes/doentes, incluindo os novos medicamentos quando haja comprovação do seu valor terapêutico acrescentado e do seu custo/efectividade baseado em estudos comparativos head to head.
  • Revisão do Formulário Nacional do Medicamento.
  • Aumentar a quota dos medicamentos genéricos para os 50% em valor.
  • Instituir o concurso público para os medicamentos em ambulatório.
  • Criar o Laboratório Nacional do Medicamento (LNM) com a vertente de produção e investigação, dotando o Estado de um instrumento de criação de conhecimento e ao mesmo tempo de defesa da independência e soberania nacionais.
  • Estabelecer um modelo de comparticipação dos medicamentos que conduza à redução do custo dos medicamentos para os utentes e para o Estado.
  • Fomentar as iniciativas de síntese e disseminação de informação científica independente sobre o valor acrescentado e utilização racional de medicamentos dos interesses e dos promotores de tecnologias de saúde.
  • Fomentar a investigação independente quantitativa e qualitativa na área do medicamento, dando prioridade à investigação dos determinantes da prescrição e à avaliação das estratégias de melhoria da prescrição, a estudos efectuados no contexto do ambulatório em pacientes com co-morbilidades e polimedicação.
  • Promover uma política de transparência a todos os níveis da Administração da Saúde nomeadamente no que respeita à gestão adequada de conflitos de interesse.
  • Reforçar o papel dos organismos promotores de uma cultura de análise crítica e independente de uma utilização responsável das tecnologias de saúde.
  • Promover uma política de boa gestão orçamental na Saúde articulando as decisões de financiamento com a provisão de recursos financeiros.

Utentes

  • Defender a gestão pública de todos os serviços de saúde.
  • Criar um estatuto do doente crónico que lhes assegure direitos específicos na área da saúde, do trabalho e da segurança social e que seja criada a tabela de incapacidade e funcionalidade em saúde, porque os atestados de incapacidade têm em conta a tabela dos acidentes de trabalho que é muito redutora para muitas patologias crónicas, prejudicando os doentes.
  • Promover a intervenção dos Conselhos Gerais das unidades de saúde e das Comissões de Utentes locais/regionais na avaliação regular das respostas dos Serviços Saúde às necessidades das populações e, transmitir as experiências de participação e luta dos movimentos dos utentes dos Serviços de Saúde.
  • Informar os utentes sobre os seus direitos e deveres e sobre o funcionamento dos serviços e do sistema de saúde. Divulgar as experiências de participação e luta dos movimentos dos utentes dos serviços de saúde.
  • Avaliar periodicamente as respostas dos serviços de saúde às necessidades sentidas pelos utentes.
  • Promover e defender a saúde em iniciativas autónomas ou em colaboração com os serviços de saúde ou/e com outras organizações.
  • Desenvolver actividades em colaboração e envolvendo diversas organizações sociais: associações de doentes crónicos e de deficientes, organizações dos profissionais de saúde (sindicais, ordens e associações profissionais, científicas e técnicas), Mutualidades, cooperativas e IPSS, Associações de reformados, pensionistas e idosos, de estudantes e jovens, populares de cultura e recreio, de pais, organizações científicas e culturais.

9. O Partido no sector

O SNS confrontado com uma prolongada ofensiva, cujo objectivo é a sua destruição, enfrenta um conjunto de dificuldades que reclamam, da parte do PCP, uma intervenção determinada e qualificada no esclarecimento dos portugueses, bem como a apresentação de propostas com que estes se identifiquem.

Propostas que desmistifiquem a tese de que o Estado não tem os meios financeiros para garantir um SNS, tal como está consagrado constitucionalmente, ou de que o privado «faz melhor e mais barato».

Para além de uma reforma organizacional do SNS que neutralize os factores de erosão e ataque ao sistema, o que os portugueses, e particularmente os trabalhadores da saúde, esperam do PCP é uma intervenção de proximidade nos locais de trabalho, que contribua para aprofundar o conhecimento da realidade, das insuficiências dos serviços, das preocupações dos trabalhadores e das suas reivindicações, mas também as dificuldades sentidas pelos utentes.

O Partido não pode passar por lá, tem de estar lá todos os dias. Este é um objectivo que, em primeiro lugar, passa pelo reforço orgânico no sector, nomeadamente através do funcionamento regular das organizações do Partido; do aprofundamento da estruturação da organização, tendo em conta as condições concretas de cada uma das unidades de saúde; da melhoria da ligação regular militantes à sua organização e da participação regular na vida dessas organizações; pela atribuição de uma tarefa a cada um dos militantes; pelo aprofundamento do trabalho colectivo. Estas são, entre outras, algumas das medidas que o 5º Encontro Nacional considera prioritárias para a melhoria do funcionamento do Partido neste sector e que o momento político actual exige.

Reforço orgânico que melhore a ligação do Partido à vida do dia-a-dia das unidades de saúde e aos seus profissionais; que aproxime o Partido dos trabalhadores e dos utentes do SNS; que habilite as organizações para uma intervenção que esclareça e mobilize os trabalhadores do sector para a luta em defesa dos seus direitos e das suas reivindicações e destes, em conjunto com os utentes, para a defesa do SNS.

No plano da direcção é fundamental responsabilizar mais camaradas pelas tarefas de direcção, constituir mais organismos, renovando-os com novos quadros e quadros mais jovens.

Tendo sempre presente, que a prioridade na organização dos militantes é pelo seu local de trabalho, deve-se ter em conta a realidade do sector em cada região: número de unidades de saúde, a sua localização, número de trabalhadores, dispersão de horários de trabalho e o número de militantes; na definição da estrutura, periodicidade e local das reuniões.

Um dos problemas, com que a organização do Partido neste sector se debate, particularmente na última década, é o facto de um número significativo de camaradas que estavam no activo, ou porque atingiram o limite da idade para trabalhar na Administração Pública, ou porque se reformaram antecipadamente, ou ainda, porque saíram para o sector privado, deixaram de integrar as organizações do sector. Esta é uma realidade que se tem consolidado, tendo como consequência mais visível, a redução do número de camaradas nas várias unidades de saúde.

Recrutar para o Partido novos militantes, começando por fazer listagens que integrem os trabalhadores que, em cada local de trabalho, se destacam na luta reivindicativa e na defesa dos direitos é uma prioridade.

No plano nacional, é necessário reforçar a intervenção da Comissão Nacional da Saúde ligando-a regularmente a um maior número de Organizações Regionais: apetrechá-la com novos quadros e quadros mais jovens; melhorar a ligação às Direcções Regionais e exercer com maior eficácia a função de apoio à Direcção do Partido na sua intervenção neste sector e de coordenação da actividade nas várias regiões.

Esta Comissão, constituída por camaradas dos vários grupos profissionais: médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, assistentes técnicos, outros técnicos de saúde, mas também os responsáveis regionais pelo trabalho do Partido no sector, continua a ter, na sua composição, um reduzido número de camaradas de Organizações Regionais.

Um outro elemento de preocupação é resultante das cargas horárias e do trabalho por turnos da maioria dos trabalhadores da saúde, impedindo uma maior disponibilidade para uma participação regular na vida do Partido, pondo em causa uma regra fundamental na vida das organizações: o trabalho colectivo. Há que encontrar soluções flexíveis de funcionamento das organizações que permitam ultrapassar esta dificuldade.

No XX Congresso do Partido, realizado em 2016, e na Resolução do Comité Central sobre a Organização, é dado um destaque «à elevação e valorização da militância, elemento fundamental da força do Partido, com a persistência, a responsabilidade individual, a participação na actividade que se lhe associa, estimulando que mais camaradas possam assumir tarefas permanentes e levando mais longe a organização do aproveitamento dessas disponibilidades por mais reduzidas que sejam». São muitos os camaradas que, trabalham no sector da saúde, e não participam regularmente na actividade da sua organização, não estão integrados num organismo, nem têm uma tarefa atribuída.

Assim, dificilmente poderão estar em condições de intervir, a partir dos seus locais de trabalho, junto dos outros trabalhadores; divulgar e defender as posições do Partido; contribuir para o reforço e dinamização das estruturas unitárias.

Como se tem verificado, as estruturas do Movimento Sindical Unitário na saúde têm um papel insubstituível na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores deste sector. Num quadro em que (nem sempre tem estado presente) é aos sindicatos que cabe a tarefa de organizar a luta reivindicativa e a defesa dos direitos dos trabalhadores da saúde; aos membros do Partido no sector é pedida a sua disponibilidade para participarem na vida das organizações unitárias, contribuírem para o reforço da unidade dos trabalhadores, condição indispensável e decisiva para o desenvolvimento da luta de massas, sem a qual não vai ser possível defender o SNS.

A defesa do SNS é um imperativo nacional, mas igualmente civilizacional. Ao longo de mais de 40 anos, teve uma importância decisiva na transformação radical dos indicadores de saúde em Portugal. Como é referido neste Projecto de Resolução, os interesses privados que se movem em torno dos muitos milhares de milhões de euros, a que os grupos privados ainda não deitaram mão, estão a apostar numa campanha fortíssima, no plano político e ideológico, no sentido de convencer, a generalidade dos portugueses, para a aceitação de um sistema de saúde onde prevaleça uma lógica de funcionamento centrada na doença e não na saúde, transformando-o num negócio.

É uma luta que reclama das organizações e dos membros do Partido, de todo o Partido, uma intervenção permanente na defesa daquela que é uma das mais importantes conquistas de Abril – o Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito.

Siglas

ACES – Agrupamento de Centros de Saúde

ACSS - Administração Central dos Serviços de Saúde

AML – Área Metropolitana de Lisboa

AMP – Área Metropolitana do Porto

ARS – Administração Regional de Saúde

CCI – Cuidados Continuados Integrados

CRESAP – Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública

CRP – Constituição da República Portuguesa

CSP – Cuidados de Saúde Primários

CTFP – Contracto de Trabalho em Funções Públicas

DL – Decreto de Lei

EPE – Entidade Pública Empresarial

ECCI – Equipa de Cuidados Continuados Integrados

HUC – Hospital Universitário de Coimbra

IPSS Instituição Particular de Solidariedade Social

LBS – Lei de Bases da Saúde

MCDT – Meios Complementares Diagnóstico e Terapêutica

MGF – Medicina Geral e Familiar

OE – Orçamento de Estado

OMS – Organização Mundial de Saúde

PECLEC – Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas

POC – Plano Oficial de Contabilidade

PPP - Parceria Público-Privada

RNCCI – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados

SAP – Serviço de Atendimento Permanente

SIADAP – Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho na Administração Pública

SIGIC – Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia

SNS – Serviço Nacional de Saúde

SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde

TC – Tribunal de Contas

UCC – Unidade de Cuidados na Comunidade

UCCI – Unidade de Cuidados Continuados e Integrados

UCSP – Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados

ULS – Unidade Local de Saúde

URAP - Unidade de Recursos Assistenciais

USF- Unidade de Saúde Familiar (modelos A, B e C)

USP – Unidade de Saúde Pública


Notas:

(1) Conta Satélite de Saúde de 2016. Lisboa: INE, Julho de 2017

(2) Modelo de Governação de Subsistemas Públicos de Saúde, Maio de 2015 – Resolução do Conselho de Ministros Nº 2/2015 de 15 de Janeiro

(3) Alínea iii, 1.9 do MEMORANDO DE ENTENDIMENTO SOBRE AS CONDICIONALIDADES DE POLÍTICA ECONÓMICA, de 17 de Maio de 2011

(4) Relatório de Atividades ADSE de 2013, Lisboa

(5) Portal da Saúde – BI da reforma. Janeiro de 2018

(6) Gómez- Arias RD. Manual de Géstion de Politicas Públicas y Salud. Medellin : Faculdade

(7) Adaptado de Conceptos, estratégias y herramientas para uma politica farmacêutica nacional en las Americas. Washington, DC: OPS, 2016.

(8) Portal da Saúde. Medicamentos Balanço 2017 em www.sns.pt/noticias/2018/01/15/medicamentos-balanco.2017

(9) Ramos Francisco. Entrevista ao DN “IPO gastou meio milhão num medicamento para um doente, durante um ano”. Fevereiro de 2018 em www.dn.pt/portugal/interior/o-estado-nao-sabe-administrar-o-preco-dos-medicamentos-9096198.html, acedido em Abril 2018.

(10) Ramos Francisco. Entrevista ao jornal Expresso . Cancro «O Estado não sabe administrar o preço dos medicamentos» em expresso.sapo.pt/revista-de-imprensa/2018-02-04-Cancro.-O-Estado-nao-sabe-administrar-o-preco-dos-medicamentos, acedido em Abril de 2018.

(11) INFARMED. Cidadãos têm mais acesso a medicamentos e pagam o valor mais baixo por embalagem em seis anos. Assessoria de Imprensa. Fevereiro de 2018. www.infarmed.pt/documents/15786/1879176/Comunicado+-+Cidadãos+têm+mais+acesso+a+medicamentos/6b89964f-fd4f-407a-9a5e-527c2194a05b, acedido em Abril de 2018

(12) Excerto PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 1300/XIII de Fevereiro de 2018

(13) Relatório do 1º semestre 2017. SGREC. Entidade Reguladora da Saúde

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