Intervenção de Ilda Figueiredo, membro do Comité Central, Seminário/Debate «O Euro e a união económica e monetária - Defender a soberania e o desenvolvimento económico e social»

O euro e a UEM defender a soberania e o desenvolvimento económico e social

Saúdo os participantes neste Seminário e, de um modo particular, os nossos convidados estrangeiros, reafirmando a importância deste debate sobre os constrangimentos que Portugal precisa de romper para conseguir o desenvolvimento económico e social, retomando a soberania do povo português em toda a plenitude.

Ora, um dos maiores constrangimentos é a dívida insustentável que o país suporta, seja a dívida pública que representa cerca de 130% do PIB, seja a dívida externa que já chega a 104% do PIB, situando-se entre as cinco maiores do mundo. As duas dívidas – pública e externa – não estão separadas. Pelo contrário, estão intimamente relacionadas e muito sobrepostas. A grande componente do endividamento externo do país é o seu endividamento público. Por isso, reduzir substancialmente a dimensão da dívida pública significa reduzir simultaneamente a dimensão da dívida externa, dado que a sustentabilidade de uma e outra estão ligadas.

Aliás, a grave crise de 2007/2008 teve um efeito oposto sobre as duas dívidas. Estancou o crescimento da dívida externa, porque, em particular os bancos, deixaram de obter financiamento no estrangeiro, com exceção da assistência de liquidez do euro-sistema, e o Estado, com verbas da troika, interveio nos bancos, o que contribuiu para transformar dívida privada em dívida pública.

Sabendo-se que, ainda há cerca de 20 anos, a dívida pública portuguesa era da ordem dos 51% e a dívida externa era apenas 34% do PIB, pode-se compreender melhor como esta situação está estreitamente ligada à submissão ao euro e à dominação monopolista da banca com todas as graves consequências que estamos a suportar e a pagar.

Mas o Estado não pode continuar a pagar anualmente em juros mais de 8000 milhões de euros, ou seja, bem mais do dobro do que recebe em fundos estruturais da União Europeia e perto do que gasta com a educação ou a saúde dos portugueses.

É urgente estancar a sangria de recursos, por via dos juros, para o capital financeiro e o estrangeiro. É preciso usá-los para o investimento, para melhorar as condições de vida da população carenciada, única forma de conseguir o progresso e desenvolvimento social. E, por sua vez, de fazer diminuir a dívida, dado que, havendo crescimento significativo do PIB, a percentagem da dívida passa a ser menor.

E o que estamos a defender é um caminho que outros países seguiram. As reestruturações bem sucedidas, entre as quais as da Argentina e do Equador, mostram que é possível uma renegociação nos prazos, juros e montantes, que abata fortemente os valores em dívida, como o PCP tem proposto publicamente desde há mais de cinco anos, de forma a beneficiar Portugal e não os credores estrangeiros.

Registe-se que esta sistemática oposição dos governantes portugueses à renegociação da dívida teve um custo demasiado elevado. Só nestes últimos seis anos o país ficou sem cerca de 50 mil milhões de euros, ou seja, o dobro do que Portugal irá receber de fundos comunitários do atual quadro comunitário que abrange o período entre 2014 e 20120 e tem um valor de 25 mil milhões de euros.

São, pois, milhares de milhões de euros que anualmente se perdem para o investimento e o gasto social públicos, impedindo a promoção do crescimento económico e do emprego, o combate à pobreza e às desigualdades sociais, transformando saldos orçamentais primários atualmente positivos em défices indesejáveis.

E ainda por cima, com uma dívida que se mantem praticamente na mesma, porque se constituem mais empréstimos para pagar empréstimos antigos, porque os milhares de milhões de euros que se têm de pagar de juros impedem o investimento, dificultam a criação de riqueza e de emprego com direitos e mantêm as desigualdades sociais.

Ou seja, nem se reduz a dívida, nem se investe no país e no povo. É como se deitassem dinheiro para um poço sem fundo, onde também pararam muitas das receitas das privatizações de sectores básicos fundamentais que agora alimentam lucros de grupos económicos e financeiros, os quais, por sua vez, se encarregam de retirar do país esses fundos que, nalguns casos, voam direitinhos para paraísos fiscais.

Os trabalhadores, a população e o país sacrificam-se a pagar uma dívida que é impagável, e o problema repete-se de ano para ano. Quem ganha são os que especularam com os títulos da dívida, com os bancos e os fundos de investimento, ou que se aproveitaram das debilidades do país, como os credores da troika.
É preciso pôr fim a esta situação absurda em que se vive de manter a dívida como um tributo que se tem de pagar à agiotagem, nomeadamente internacional, impedindo Portugal de resolver os seus constrangimentos, agravando muitos dos seus problemas, impedindo um eficaz crescimento económico e progresso social, enquanto se mantem e eterniza o pagamento da dívida descomunal.

Ora, sabendo-se que vários países da União Europeia têm problemas semelhantes (Grécia, Itália, Chipre e Espanha), Portugal só tem vantagens em promover, à escala europeia, um movimento de renegociação das dívidas pública e externa, desde logo com o próprio BCE e a União Europeia, com a revisão dos montantes e das condições de pagamento, de forma a libertar recursos para o investimento produtivo, que anime o crescimento económico e confira razoabilidade e sustentabilidade à dívida reestruturada.

Para que haja crescimento é preciso investimento, especialmente público, o que implica recursos, designadamente os que são desperdiçados no serviço da dívida. Se não se investe, não há crescimento e a dívida não diminui. Para se sair desta autêntica armadilha, é preciso parar a sangria de recursos com pagamento dos juros, o que exige a renegociação da dívida, o que surge como um imperativo nacional, uma necessidade incontornável.

Mas é necessário ir mais longe, numa defesa firme dos interesses nacionais, para diminuir montantes, alterar prazos e reduzir fortemente os encargos com o serviço da dívida. E para utilizar esses recursos na resolução das causas profundas do endividamento, de forma a impedir que ele se volte a reproduzir.
É preciso aumentar a produção, proteger o mercado interno, criar emprego com direitos, deixar de estar subordinado às imposições da União Europeia, muito especialmente à integração no euro, distribuir melhor a riqueza produzida. Foi a integração no euro que contribuiu para a degradação económica, para o enfraquecimento do aparelho produtivo e a substituição da produção nacional por importações, que estimularam o endividamento no estrangeiro e a especulação com os títulos da dívida. E conduziram à armadilha atual.

Com a dívida que agora temos não seria autorizada a entrada de Portugal na zona euro, dado que a dívida pública atual é mais do dobro da que é permitida pelos critérios utlizados para a integração na união económica e monetária. Por isso, é necessário uma moeda ajustada à capacidade produtiva e exportadora do país, que ajude a financiar o crescimento e a desendividar a economia. Ou seja, é preciso recuperar a soberania monetária.

Não pode haver ilusões sobre isto, nem do atual governo, nem de quem julgue que a aparente estabilização da dívida em relação ao PIB é capaz de manter a estabilidade no crescimento económico e esperar pela redução da dívida.

Como se tem visto, a política do BCE, com a descida das taxas de juro de referência e o fornecimento de liquidez, podem ajudar a reduzir os juros, mas são cada vez mais ineficientes e até eventualmente perversas, dado que não se traduzem efetivamente em mais investimento significativo, em mais consumo, e tendem a esgotar o seu efeito e até a insuflar novas dinâmicas especulativas.

E em caso de agravamento da crise, Portugal está mais desprotegido do que em 2008. A dívida gigantesca que existe condiciona o recurso ao gasto público e as taxas de juro diretoras nulas ou negativas e a saturação da liquidez na esfera financeira retiram margem de progressão às políticas monetárias.

No entanto, é preciso ter em conta que uma renegociação da divida direta do Estado ajuda a financiar o seu investimento e a sua atividade, mas também não chega, até porque uma parte da dívida não pode ser reestruturada, dado estar na posse de pequenos aforradores, detentores de certificados de aforro ou do tesouro, da segurança social, do sector público administrativo, do sector empresarial do estado, das cooperativas e mutualidades.

Gostaria, pois, de sublinhar que a imprescindível renegociação da dívida pública tem que ser completada com outras fontes de financiamento do Estado, incluindo a supressão de contratos danosos, como permutas financeiras (swaps) e parcerias público-privadas, e com a vigilância atenta e a reconsideração da assunção de responsabilidades contingentes que podem ser um desastre em caso de agravamento da crise.

Por isso, assume particular importância a recente entrega pelo Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República de uma proposta para criar, no parlamento, uma Comissão Eventual para a avaliação e acompanhamento do endividamento público e externo do país. Como explicou João Oliveira, presidente do Grupo Parlamentar, em declarações à imprensa, o objectivo desta proposta é a de "dar um tratamento institucional, ao nível da Assembleia da República, a um dos constrangimentos centrais que hoje se coloca ao país, bem como dos impactos da submissão do euro e do controlo da banca pelos mercados monopolistas".

É da maior importância que esta questão seja devidamente tratada, para ser assumida uma solução o mais cedo possível, de forma a evitar que o país fique mais fragilizado e com cada vez menor poder negocial.

Um amplo movimento da opinião pública exigindo uma solução patriótica e de esquerda é da maior importância, pelo que aqui fica um contributo para continuar esta exigência central da vida do país e do seu tão necessário crescimento e progresso económico e social.

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