Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"Descentralizar implica o poder de executar mas também, e indispensavelmente, o poder de decidir"

Ver vídeo

''

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Um processo de descentralização de competências exige a recuperação e a afirmação da autonomia do Poder Local; exige um quadro claro e sustentado de condições que enquadrem a transferência de competências; exige um regime de financiamento com os meios necessários, estabilidade de execução e previsível evolução e exige a reposição de condições organizacionais, materiais e humanas.

O PCP anuncia hoje a apresentação de um conjunto de iniciativas legislativas sobre estas matérias porque iremos participar e contribuir neste debate com propostas concretas!

Apresentaremos:

- Um projecto de lei quadro que defina com rigor as condições para a transferência de competências para as autarquias, as condições para o seu exercício e a articulação com os diversos níveis de administração;

- Um regime de financiamento baseado numa nova lei de Finanças Locais que respeite o princípio constitucional da justa repartição dos recursos do Estado, assegure as condições de estabilidade na sua aplicação e recupere os níveis de financiamento negados por sucessivos incumprimentos e cortes de montantes;

- Um projecto de lei de criação da autarquia metropolitana com competências centradas na articulação, planeamento e coordenação de funções e redes de dimensão metropolitana que rompa com o modelo híbrido de entidade associativa municipal de carácter forçado;

- E duas iniciativas de criação das regiões administrativas como condição maior de uma estratégia de descentralização, com a fixação de um calendário e metodologia que assegure a sua efectivação em 2019, bem como o seu quadro de atribuições e competências em articulação com os demais níveis de poder do Estado.

Hoje, tal como no passado, o PCP estará presente em defesa da afirmação e valorização da autonomia do Poder Local, em coerência com uma organização de Estado assente na descentralização, com capacidade de responder com maior eficácia às exigências que se colocam, de prestar melhor serviço público, contribuindo assim para a melhoria da qualidade e condições de vida das populações.

Sr. Presidente
Sras. e Srs. Deputados,

Sendo a descentralização um dos princípios constitucionais para a organização do Estado, exige-se uma reflexão séria, profunda e alargada, que não se coaduna com calendários precipitados.

Um processo de descentralização de competências deve ter como objectivo a melhoria da acessibilidade e da qualidade do serviço público prestado às populações, a elevação da eficácia de resposta e uma melhor e maior capacidade de resolução dos problemas em diversos domínios, obrigando a uma criteriosa avaliação sobre qual o nível de poder mais adequado para o exercício de cada uma das competências. Ao abordarmos a descentralização democrática do Estado, a ausência de um poder intermédio é uma realidade que deixa evidente a necessidade da sua criação. Não é possível avançar para um efectivo, racional e sustentado processo de descentralização sem a instituição das regiões administrativas, como prevê a nossa Constituição.

A regionalização cumpre três objectivos essenciais de uma política verdadeiramente descentralizadora: dá coerência a uma clara e transparente delimitação de atribuições e competências entre os vários níveis da administração (central, regional e local); cria as condições para uma política de desenvolvimento regional com a activa participação das autarquias e dos agentes económicos e sociais; e garante a defesa da autonomia do Poder Local.

Sr. Presidente
Sras. e Srs. Deputados,

A defesa da autonomia do poder local e o reforço da componente participada na vida do Estado exige uma política baseada na descentralização. Porém, a descentralização, não pode ser avaliada no abstracto.

A sua concretização no interesse das populações exige que se reúnam e confirmem as condições para o seu pleno exercício. A experiência do passado não é promissora, quer pelas soluções adoptadas claramente condicionadas pela ausência de um nível de poder determinante no quadro de delimitação de competências, quer pelo persistente subfinanciamento que acompanhou as autarquias ou pelo contínuo arbítrio de incumprimento dos regimes financeiros em vigor e a restrição e ingerência na autonomia local, muito agravada num passado recente. A asfixia financeira imposta às autarquias por PSD e CDS, a par da aniquilação da sua autonomia, dificultaram bastante a capacidade de intervenção, cujas consequências ainda hoje se sentem. Diria que a primeira prioridade é repor as condições para que as actuais competências sejam cabalmente realizadas.

A descentralização de competências exige a identificação e avaliação dos seus impactos e da sua perspectiva de evolução, quanto às condições financeiras, humanas, organizacionais e materiais. A autonomia administrativa e financeira das autarquias é condição para o pleno exercício de atribuições e competências. De outra forma, o que se está a fazer é a transferir novos encargos e problemas não resolvidos, cuja resolução permanecerá comprometida.

Descentralizar não pode significar a desresponsabilização do Estado, não pode corresponder à transferência de encargos e de descontentamento das populações relativamente ao que é incómodo para o Governo, passando o odioso para outros. Não pode colocar em causa a universalidade de funções sociais do Estado e de direitos constitucionais, nem introduzir mais desigualdades e mais assimetrias entre os territórios.

A proximidade e o conhecimento da realidade concreta são aspectos que valorizamos. A questão central não está na proximidade, nem no melhor conhecimento da realidade, mas sim na garantia dos meios adequados para dar a resposta à altura de cada situação ou problema concreto. Do mesmo modo, o princípio da subsidiaridade não se afere pelo nível mais próximo de exercício de uma determinada competência, mas sim pela identificação do nível de administração que está em melhores condições de a exercer com proximidade.

Há quem insista em tratar a descentralização, a desconcentração e a transferência de competências, como se fosse tudo a mesma coisa. Sem prejuízo do papel das estruturas desconcentradas na organização da administração do Estado, aliás crescentemente reduzidas e afastadas das populações e dos territórios, a desconcentração tem sido apresentada e defendida em oposição à descentralização, iludindo a sua distinta natureza.

Descentralizar implica o poder de executar mas também, e indispensavelmente, o poder de decidir.

É neste sentido que irão as nossas propostas!

Disse!

  • Administração Pública
  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • Autarquias
  • Poder Local