Intervenção de Agostinho Lopes, membro da Comissão Política do Comité Central, Encontro Nacional do PCP de micro, pequenos e médios empresários

«A batalha de todos os mPME portugueses é convergente com as lutas dos trabalhadores portugueses»

1. Os objectivos do nosso Encontro julgo serem conhecidos de todos vós:

- Avaliação da situação económica e social dos problemas dos micro, pequenos e médios empresários (mPME) portugueses e quais as suas principais reivindicações hoje;

- Contribuir para uma melhor intervenção política do PCP nas instituições – Assembleia da República, Parlamento Europeu, autarquias, etc. – e na sua actividade política geral em defesa dos seus interesses;

- Debater a situação das associações e movimentos de classe dos mPME e o papel e intervenção dos comunistas e homens e mulheres de esquerda nessas organizações.

A introdução ao nosso debate hoje poderia ficar por aqui. Permiti-me, no entanto, mesmo com risco de ser repetitivo e talvez enfadonho, que relembre em síntese duas questões:

- A relação do projecto político do PCP com os micro, pequenos e médios empresários e as micro, pequenas e médias empresas (mPME);

- Os mPMEmpresários e a política de direita, a política do grande capital.

2. Como vê o PCP as pequenas e médias empresas, e muito em particular os mPME? O que consta nos documentos fundamentais do Partido?

No Programa do Partido, portanto na formulação do projecto programático dos comunistas, considera-se que o projecto de desenvolvimento económico da Democracia Avançada que propomos para o País, exige «uma organização económica mista, não dominada pelos monopólios, e com sectores de propriedade diversificados e com as suas dinâmicas próprias e complementares, respeitadas e apoiadas pelo Estado, designadamente:

- Um sector privado, constituído por empresas de variada dimensão (na indústria, na agricultura, nas pescas, no comércio, nos serviços), destacando-se as pequenas e médias empresas pela sua flexibilidade e pelo seu peso na produção e no emprego, (...)».

Uma economia mista «onde (...) sejam garantidas as condições necessárias para que os pequenos e médios empresários (...) contribuam com maior eficácia para a produção social;»

Nos Estatutos do Partido, ou seja, na vertente da sua organização – composição, funcionamento, papel, objectivos – considera-se na abordagem das alianças sociais necessárias para «o aprofundamento e em defesa da democracia», que o PCP se deve empenhar «na criação de uma vasta frente social que abrange os operários, os empregados, os intelectuais e quadros técnicos, os pequenos e médios agricultores, os pequenos e médios empresários do comércio, da indústria e serviços (...), forças sociais que intervêm na vida nacional com aspirações e objectivos específicos».

Conclusão: não estão assim os mPME comunistas numa situação de favor no PCP... não são militantes à parte... estão e devem estar de corpo inteiro neste Partido... como cidadãos cujo «modo de vida» é serem micro, pequenos e médios empresários. Cidadãos que investem capitais, na criação de estruturas para a produção material, prestação de serviços, transacção comercial de bens e serviços que, em geral têm assalariados ao serviço, e cujo objectivo é terem lucros.

Devemos ser claros.

É evidente que esta situação não nos leva a iludir ou anular as contradições de interesses entre o estatuto económico e social dos mPME e os trabalhadores por conta de outrém, os assalariados, incluindo os seus, de que o PCP se afirma Partido (de classe).

Mas é um quadro que nos leva a articular essas contradições, na época histórica em que vivemos, com o afrontamento principal económico, social e político face ao grande capital. Afrontamento que, objectivamente, potencia e privilegia a convergência dessas camadas (e de outras) na luta contra a política que defende os interesses do grande capital. A política de direita.

O grande capital, que expande as grandes superfícies, centros e cadeias comerciais.

O grande capital, que domina a banca e manipula o crédito e a taxa de juro.

O grande capital, que absorve quase todos os fundos comunitários.

O grande capital, que beneficia de isenções e privilégios fiscais, sobrando para os mPME (e assalariados) o ónus de uma fiscalidade mal distribuída.

O grande capital, que controla o aparelho do Estado através dos seus homens de mão – ministros, secretários de Estado, directores gerais, etc. – fazendo e adequando a lei e a intervenção pública à medida dos seus interesses e lucros.

É assim que penso ser uma questão decisiva para o Partido e decisiva para os mPME, que os comunistas (e outros homens e mulheres de esquerda) que são mPME assumam, no Partido e para o Partido, a sua condição de micro, pequenos e médios empresários.

Assumam, permiti-me a provocação, essa condição sem complexos.

- Assumam essa condição na avaliação da situação económica, social e política dos mPME;

- Assumam essa condição na sua (necessária) intervenção nas associações de classe;

- Assumam essa condição na exigência de que o PCP – o seu Partido – na sua intervenção política, nos seus discursos e na sua prática, na Assembleia da República, no Parlamento Europeu, nas autarquias, responda, também, aos problemas dos mPME.

Este Encontro é possível, só o PCP (como partido político na sociedade portuguesa, o pode organizar), exactamente porque o PCP é um partido de classe, porque é o partido da classe operária e de todos os trabalhadores.

Não é que os outros partidos portugueses não falem em mPME. Sobretudo em períodos eleitorais. Mas sempre tenderão a anular no discurso a oposição e contradição de interesses entre os mPME e o grande capital.

E sempre, mas sempre, quando no poder, subordinarão os interesses da generalidade das camadas sociais aos interesses do grande capital. Mesmo que se digam interclassistas, quando chegar a altura de cortar o bolo, de riscar a lei, não deixarão de, seguramente, servir o seu amo: o grande capital.

As evidências, os factos de que tal é assim, são mais que muitos durante os últimos anos. Para não ir mais longe, durante o longo consulado do PSD/Cavaco Silva. Durante a governação PS/Guterres. Nos meses que se sucederam de governação PSD/CDS.

Na gestão dos fundos comunitários

Meses, anos para aprovar projectos. Uma elevada «mortalidade» das propostas apresentadas por micro, pequenos e médios empresários. Meses, anos para pagar os incentivos. Ainda há quem não tenha recebido todas as tranches de projectos RIME aprovados em 1997. Ainda há quem não tenha recebido as ajudas que se lhe são devidas do PROCOM e outros programas. Há projectos de mPME chumbados por «inviabilidade económica» de empresas irrecusavelmente de rentabilidade assegurada. Entretanto, o IAPMEI (que, como o nome indica, deveria estar virado para PME) teve, para 2002, uma dotação de 67,8 milhões de contos do POE. Mas, 25,1 milhões – 37% do total – já tinham destino marcado para duas «pequeníssimas» empresas, 17,4 milhões para a Siemens e 7,7 milhões para a Autoeuropa. Num balanço oficial do programa SIME (Julho de 2001), (de resposta a Requerimento do PCP na Assembleia da República), podia constatar-se que 61% dos projectos (PME com menos de 100 trabalhadores) absorviam 30% dos incentivos, 26 projectos, 9% do total, absorviam 26% dos incentivos. Que um só grupo, o dos Amorim, tinha sido contemplado com 10 projectos 10! Tudo isto durante a governação PS.

E as coisas não vão melhor agora. A entrega à Banca da avaliação dos projectos, a substituição das ajudas a fundo perdido por incorporações futuras no capital social, a retoma em força do instrumento capital de risco, a orientação de uma maior selectividade, vão certamente acentuar, facilitar, uma maior absorção de fundos comunitários pelo sector financeiro e agravar a discriminação das mPME. A criação da API para a captação e gestão das ajudas aos grandes investimentos nacionais e estrangeiros (superior a 25 milhões de euros ou para empresas com um volume de facturação superior a 75 milhões de euros), vai determinar uma ainda maior canalização de fundos comunitários para o grande capital. A notícia de ontem, de que a Riopele, da família Oliveira, foi a primeira empresa a apresentar um projecto de investimentos de 20 milhões de euros (4 milhões de contos) à API, é uma boa amostra do que pretende.

Um dia destes pude ler, num estudo universitário sobre a Autoeuropa, o seguinte sobre o capital investido: Ford, 5%; Wolkswagen, 5%; isto é, os proprietários do projecto, 10%. Estado português e União Europeia, 90%!

Mas há quem não aprenda com os desastres que vão sucedendo, e de que a recente tragédia em Castelo de Paiva com a deslocalização da Clarks é paradigmática.

Na política para o sector financeiro

Será de admirar que a banca portuguesa tenha apresentado em 2001, segundo estudo da corretora Bear Steams, que engloba 60 instituições financeiras, o mais elevado índice de rentabilidade da Europa? Só se espantará quem não souber que esta banca apresenta das maiores margens financeiras da Europa (diferença entre o juro que paga e o juro que cobra), que esta banca é recordista nas comissões, por exemplo, de pagamentos transfronteiriços (como se pode ver em estudos comunitários). Só se espantará quem não conhecer as taxas de juro efectivas que ela cobra nas suas operações de crédito aos micro, pequenos e médios empresários. Por exemplo: a média 26%/ano quando da reforma em letras de transacções comerciais. Só desconhecendo a extorsão que é feita a consumidores e mPME através do pagamento com cartões MB, VISA. Só se espantará quem não souber que, segundo Relatório do Banco de Portugal, nos 4 anos (1998/2001), enquanto os lucros cresceram, os impostos pagos baixaram. Impostos a taxas efectivas de 23% a 16% (valor médio, 18,5%), quando qualquer chafarica da indústria pode pagar 30%/33%!

Mas o Governo PSD/CDS está preocupado com os seus lucros. E então vá de entregar-lhes a já referida intermediação dos fundos comunitários, e da gestão de mais uns milhões de «capital de risco», novamente transformado na solução milagrosa para o financiamento das mPMEmpresas. A que se junta o chamado «financiamento» dos PME no mercado de capitais, através da titularização de créditos, e que, segundo entendidos, «pode ser positivo para as mPME mas é sobretudo (está bom de ver) uma nova área de negócios para os bancos (...)».

E alguém, camaradas, questionou a competência das administrações bancárias de vultuosos ordenados que levaram a banca nacional a endividar-se perante o exterior num valor que seguramente está hoje acima de 1/3 do PIB?!

Na política de gestão de bens e serviços públicos essenciais para a actividade económica, como a energia, as telecomunicações, os transportes, etc.

Alertou o PCP há muito. As políticas de privatização e liberalização das empresas e sectores produtivos desses bens e serviços acarretaria, inevitavelmente, segundo os critérios de mercado, fortes discriminações para os consumidores em geral, e para as mPME em particular. Aí está. Não só continuamos a ter preços para esses bens e serviços claramente acima dos europeus, como eles são claramente mais baratos em Portugal para as grandes empresas. Um pequeno consumidor industrial (Ie) de energia eléctrica paga mais do triplo do grande consumidor. Um pequeno consumidor industrial de gás natural paga o dobro do grande consumidor. Digamos que é o corolário lógico das privatizações: fim dos mecanismos de perequação (possíveis pelos critérios de empresas públicas) e funcionamento exclusivo das regras de mercado. Maiores e melhores clientes, mais facilidades e menores preços.

Na política de regulação e ordenamento do comércio

O governo PS começou por fazer uma lei para controlar e regular a expansão das grandes superfícies (Unidades Comerciais de Dimensão Relevante – UCDR). Tinha defeitos, mas era um travão. Só que era uma lei para inglês (francês, alemão, e sobretudo pequeno comerciante português) ver. A expansão dessas unidades ditas de Dimensão Relevante ultrapassou todas as cotas máximas dos mercados nacional e regional, a que a lei obrigava. Agora, o novo Governo, pela voz da secretária de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, fala em passar a bola do licenciamento das grandes superfícies para «as autarquias e outras entidades locais», para que «o processo menos centralizador salvaguarde o equilíbrio entre os diferentes formatos de comércio». É claro que tudo isto é tanga. O Governo sabe, de ciência certa, que os municípios não terão força nem condições para regular um ordenamento que é evidentemente de âmbito regional e nacional! Sabe que isto significará um novo surto de crescimento desregrado das grandes superfícies. Isto quando há ainda por instalar 237 já licenciadas (pelo governo PS)!

A que acresce toda uma política de cumplicidade com a flagrante violação do respeito pelas leis e iguais condições de concorrência.

Não permitiu o PS e permite o Governo PSD/CDS que essas unidades comerciais continuem a utilizar, à margem das leis portuguesas, elevadíssimas percentagens de mão-de-obra precária? (O Bagão Félix vai resolver agora o problema alterando a lei laboral, ao que penso com o apoio de pss como Pina Moura)? Não permanece o escândalo da abertura ao domingo em feriados oficiais como o 1º de Maio?

Mas a grande distribuição não é só protegida em prejuízo do comércio tradicional! Também os seus fornecedores, e em particular todas as pequenas e médias empresas dos sectores produtivos que se vêem obrigadas a relações comerciais com as grandes superfícies, se vêem e desejam para sobreviver à voracidade ilimitada desses grupos. Voracidade só ultrapassada pela imaginação sem limites na invenção de mecanismos para extorquir mais valias e reduzir, comprimir até ao tutano a margem comercial dos seus fornecedores.

Em estudo da Direcção-Geral do Comércio e Concorrência, de 1999, reconheciam-se 28 denominações utilizadas pelas grandes superfícies para cobrarem comissões aos seus fornecedores. Uma verdadeira ladainha de santas comissões e santos descontos, parte deles reflectindo «contrapartidas fictícias», cobradas pelas grandes superfícies. Era um bom momento de humor negro se eu as enunciasse e vós assistisses à ladainha dizendo, em vez de ora pro nobis, bota pro nobis:

Santo desconto comercial

Santo desconto financeiro

Santo rappel

Santo rappel incondicional

Santa cooperação comercial

Santo prémio de crescimento

Santo investimento em marketing

Santa cobertura geográfica

Santa abertura de novo estabelecimento

Santa reabertura de novo estabelecimento

Santa feira

Santo desconto de folheto

Santo destaque no linear

Santo topo de gôndola

Santo aniversário

Santo trade marketing

Santa organização promocional

Santa logística

Santa Comissão de gestão

Santo comércio de retalho (lucro?)

Santa transferência bancária

Santo booking in

Santo log in

Santo suporte operacional

Santa distribuição numérica

Santo prémio de fidelização

Santa exigência de pagamentos extra contrato

Santo apoio ao comércio integrado

Santos e sacrossantos «bota pro nobis». Um espanto!

Poderíamos falar da política fiscal. Poderíamos falar do «esquecimento» de sucessivos governos perante o elevado nível das ajudas estatais (onde não se incluem as ajudas comunitárias) que a generalidade dos outros países da União Europeia dão às suas empresas, e de como isso se traduz num handicap fortemente negativo para as empresas portuguesas. Poderíamos falar do papel do aparelho do Estado, das suas inúmeras repartições, da sua burocracia, caminhos de cabras, para os mPME, auto-estradas e TGV de 1ª classe para o grande capital.

A conclusão: a política de direita penaliza fortemente a generalidade das micro, pequenas e médias empresas portuguesas.

No quadro económico complexo e grave que o País (e a Europa, e o Mundo) vivem, seria estultícia falar de soluções fáceis, caminhos de rosas, para os micro, pequenos e médios empresários.

Há soluções que não aconselhamos. Por exemplo, o incumprimento das normas fiscais e ambientais.

Há soluções que não aceitamos. Por exemplo, as políticas que assentam na mão-de-obra barata, precária e sem direitos, como a generalidade dos outros partidos e as confederações do grande capital propõem.

Há um caminho. O caminho da luta por políticas que apoiem de forma privilegiada o tecido económico das nossas micro, pequenas e médias empresas.

Políticas que defendam, no quadro das regras comunitárias, o mercado nacional e a produção portuguesa.

Este nosso Encontro deve significar um novo e forte impulso à luta e à organização dos mPME. Um forte e renovado empenhamento dos empresários comunistas na participação e dinamização das suas organizações de classe.

Uma outra e fortalecida presença na organização do Partido. Para que o Partido sinta os seus problemas e os transforme em intervenção e luta políticas.

Uma outra e renovada acção junto das suas associações de classe. De todas onde estão centenas de mPME. Mesmo daquelas em que, tendo essa natureza, as suas direcções as empurram para a esfera da influência das grandes organizações patronais do grande capital.

Há condições objectivas e subjectivas novas no Partido e na sociedade portuguesa, favoráveis à intervenção política e social dos comunistas, dos homens e mulheres de esquerda que são mPME.

- A agudização dos seus problemas

- A existência de um forte conjunto de quadros do Partido, mPME, com experiências de organização e luta política

- Uma elevada presença de micro, pequenos e médios empresários no nosso colectivo partidário.

E uma certeza. A sua batalha e de todos os mPME portugueses, em defesa dos seus interesses próprios, específicos, de classe, é uma batalha convergente com as lutas dos trabalhadores portugueses, com a luta do PCP, para uma viragem democrática, por uma nova política para a pátria portuguesa.

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