Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República, Debate na Generalidade OE 2016

Romper com as imposições externas para garantir o prosseguimento da recuperação de direitos e rendimentos

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Nas eleições legislativas do passado dia 4 de outubro, o povo português condenou de forma inequívoca a política prosseguida, nos últimos quatro anos, pelo Governo PSD/CDS e manifestou a sua vontade de interromper o rumo de destruição de direitos e de assalto aos rendimentos dos trabalhadores e do povo.

Mas imaginemos, por um momento, apenas por um momento, que o PCP, depois das eleições, não se tinha empenhado activamente no afastamento do PSD e do CDS do governo, que o PCP não tinha revelado inteira disponibilidade para encontrar soluções que dessem resposta às aspirações de mudança do povo português. Se isto tivesse acontecido, se o PSD e o CDS tivessem continuado no governo, que Orçamento estaríamos hoje a discutir aqui na Assembleia da República? Não tenhamos dúvidas, o Orçamento do Estado para 2016 seria um Orçamento de continuidade da política de exploração, de empobrecimento e de declínio nacional.

Estaríamos hoje, aqui, a discutir a continuação do confisco de rendimentos, pelo menos até 2019, em vez de discutirmos a reposição dos salários dos trabalhadores da administração pública e o aumento do salário mínimo nacional.

Estaríamos a discutir o corte de 600 milhões de euros nas pensões de quem trabalhou uma vida inteira, em vez de discutirmos o descongelamento das pensões e o reforço do complemento solidário para idosos.

Estaríamos a discutir a redução e a eliminação de prestações sociais, em vez de discutirmos o aumento ou a majoração do abono de família, do rendimento social de inserção ou do subsídio por assistência de terceira pessoa.

Estaríamos a discutir o prolongamento ou mesmo o aprofundamento do saque fiscal aos rendimentos do trabalho, em vez de discutirmos a eliminação definitiva da sobretaxa de IRS, a redução do IVA da restauração e a introdução da cláusula de salvaguarda do IMI.

Estaríamos a discutir a redução para metade da contribuição do sector energético, em vez de discutirmos o aumento da contribuição do sector bancário e o fim da isenção de IMI para fundos de investimento imobiliário.

Estaríamos a discutir mais uma redução da taxa de IRC, a terceira em três anos consecutivos, em vez de discutirmos a tributação mais justa dos lucros das grandes empresas e dos grupos económicos por via da limitação de algumas isenções fiscais e da redução dos prazos para reporte de prejuízos.

Estaríamos a discutir as concessões da Carris, do Metro e dos STCP, em vez de discutirmos a sua reversão, que já foi concretizada.

Estaríamos a discutir o despedimento encapotado de milhares de trabalhadores por via da chamada requalificação, em vez de discutirmos medidas que abrem a porta à contratação na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado, a reposição do horário semanal de 35 horas e a reposição de feriados.

Estaríamos aqui a discutir medidas adicionais de exploração e empobrecimento dos trabalhadores e do povo português, em vez de discutirmos a reposição dos complementos de reforma dos trabalhadores do Sector Empresarial do Estado, o combate à precariedade laboral, a redução das taxas moderadoras e a ampliação das isenções, a eliminação de restrições de contratação na administração local, a contratação de doutorados no Sistema Científico e Tecnológico Nacional, ou outras medidas que, não estando ainda concretizadas na proposta de Orçamento do Estado, poderão vir a sê-lo durante o debate da especialidade, como o não aumento do valor das propinas, a introdução progressiva da gratuitidade dos manuais escolares, a melhoria do subsídio social de desemprego e a redução da taxa máxima do IMI.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Este não é o Orçamento do PCP!

Não é, também, um Orçamento que concretize a política patriótica e de esquerda de que o País tanto necessita. Este Orçamento contém aspectos que não acompanhamos e em que marcaremos a nossa posição contra, designadamente as restrições impostas aos trabalhadores e serviços da Administração Pública e do Sector Empresarial do Estado com impacto nos seus rendimentos, progressões, vínculos e direitos, as concessões da Silopor e da IP Telecom e o não cumprimento da Lei de Finanças Locais.

Este é o Orçamento do Governo do PS que transporta em si as contradições inerentes ao proclamado objectivo de responder a uma inversão da política de direita e, simultaneamente, ao cumprimento das regras, imposições e condicionamentos externos.

Mas, apesar de todas as suas limitações e insuficiências, é um Orçamento que dá expressão aos compromissos assumidos na posição conjunta entre PS e PCP e que tenta responder aos problemas mais urgentes do povo português, no que diz respeito à indispensável devolução de salários, pensões e direitos, à inadiável reversão da degradação das condições de vida do povo português, dando sinais de inversão do caminho de declínio, injustiças, exploração e empobrecimento imposto ao nosso País pelo anterior Governo PSD/CDS.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:

Com a apresentação do esboço do Orçamento do Estado à Comissão Europeia, há quatro semanas, agigantou-se uma inaceitável operação de chantagem, pressão e ingerência. Tentando camuflar as suas verdadeiras intenções com uma abordagem de cariz mais técnico, o que a Comissão Europeia procurou, a todo o custo, foi impedir a concretização de medidas de reposição de direitos e de rendimentos.

É uma vergonha que ao lado da Comissão Europeia, contra os interesses de Portugal e dos portugueses, se tenham colocado o PSD e o CDS, fazendo coro com todos aqueles que a partir de Bruxelas procuraram impedir a inversão, mesmo que tímida, do rumo seguido nos últimos anos.

Valorizamos o facto de o Orçamento do Estado conter medidas de reposição de rendimentos e de direitos que vão contra o sentido geral das orientações da União Europeia. Mas o reconhecimento deste facto não pode iludir uma outra realidade, qual seja a de o Orçamento do Estado conter limitações que resultam da amarração do nosso País aos constrangimentos e condicionalismos do Pacto de Estabilidade e Crescimento, da União Económica e Monetária e do Tratado Orçamental, que continuam a ser assumidos por opção do Governo.

As medidas de sinal positivo que este Orçamento do Estado incorpora constituem apenas um primeiro passo. Outros passos deverão, necessariamente, ser dados no caminho da reposição dos direitos e rendimentos, passos que exigirão uma posição firme face à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu, ao FMI e a outros centros do grande capital, para quem medidas boas são aquelas que liquidam direitos laborais e sociais, reduzem o rendimento dos trabalhadores e desmantelam as funções sociais do Estado na saúde, educação e protecção social.

É, pois, necessário romper com as imposições e os condicionalismos externos para garantir condições para o prosseguimento da política de recuperação de direitos e rendimentos, a qual, contudo, só poderá encontrar plena expressão no âmbito e em consequência de uma política patriótica e de esquerda assente na valorização do trabalho e dos trabalhadores, na justiça social, na valorização dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, na defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, no controlo público dos sectores estratégicos da economia e na afirmação da independência e soberania nacionais.

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

O Orçamento que hoje aqui discutimos é um importante veículo para a concretização das medidas identificadas na posição conjunta entre PS e PCP.
Valorizamos a adopção dessas medidas e de outras que, fora do quadro do Orçamento do Estado, já foram concretizadas ou irão ser num futuro próximo. Valorizamos, mas não alimentamos ilusões. O Orçamento do Estado tem muitas limitações, desde logo por não dar resposta ao sério problema da dívida pública, por não romper com o favorecimento dos grupos económicos, das grandes empresas e das grandes fortunas, em matéria de política fiscal, e por não aumentar de forma significativa o investimento público de que o País tanto carece.

Estas são matérias que não podem, nem devem, ser varridas para debaixo do tapete. Constituem sérios constrangimentos que têm de ultrapassados rapidamente, se quisermos para o nosso País um futuro que não seja o da dependência externa, da estagnação económica e da injustiça e desigualdades sociais.

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Apesar das suas limitações e insuficiências, o Orçamento do Estado consegue dar resposta a alguns problemas urgentes do povo português em matéria de direitos laborais e sociais, de rendimentos, de efectivação dos direitos à saúde, educação e protecção social.

Ao longo dos últimos quatro anos, os trabalhadores e o povo levaram a cabo uma intensa e corajosa luta contra a política de exploração, empobrecimento e declínio nacional e contra o Governo PSD/CDS, que concretizou essa política. Essa luta deu frutos: o Governo PSD/CDS foi derrotado, encontrou-se uma solução política e abriu-se caminho à resolução dos problemas mais urgentes dos portugueses.

O Orçamento do Estado, que hoje aqui discutimos, não é ainda o Orçamento de que o País precisa mas é um Orçamento que traz aos portugueses a esperança num futuro melhor!

(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Miguel Santos,

Começo por dizer que é curioso que, sendo um Deputado da Comissão Parlamentar de Saúde, intervindo, regra geral, sobre questões de saúde em Plenário, não tenha querido hoje aprofundar as questões da saúde, não falando, por exemplo, na previsível contratação de médicos.

Também não quis falar na redução das taxas moderadoras e no alargamento das isenções, não quis falar da melhoria do regime de transporte de doentes não urgentes, não quis falar da melhoria dos cuidados de saúde primários. E sabemos, Sr. Deputado, que é isso que o incomoda.

Aliás, o Sr. Deputado, a sua bancada e a bancada do CDS estão visivelmente incomodados, porque a vossa ação, e que vocês gostariam de continuar a prosseguir, foi interrompida, e foi interrompida também com o contributo empenhado e activo do PCP.

Do que o PSD e o CDS gostariam mesmo era de estarmos aqui hoje a discutir outro Orçamento do Estado, na linha daqueles que os senhores propuseram nos últimos quatro anos.

Queriam vir aqui, mais uma vez, aprovar medidas que prolongassem, prosseguissem, eternizassem as políticas de exploração e de empobrecimento que os senhores levaram a cabo nos últimos anos.

Do que os senhores gostariam era de virem aqui aprovar mais medidas para liquidação de direitos laborais e sociais!

Do que os senhores gostariam era de virem aqui aprovar medidas que levassem mais longe o desmantelamento das funções sociais do Estado na saúde, na educação, na protecção social, na cultura!

Do que os senhores gostariam era de aprovar medidas de reconfiguração do Estado, colocando-o ainda mais ao serviço do grande capital, porque foi isso que os senhores fizeram nos últimos anos…

(…)
Muito obrigado, Sr. Presidente. Mas compreende-se o incómodo das bancadas do PSD e do CDS, porque viram interrompida a sua acção, que infernizava a vida dos trabalhadores e do povo português.

Sr. Deputado Miguel Santos, não esquecemos o regime de convergência de pensões que os senhores implementaram e que cortava definitivamente pensões acima dos 600 €. Não nos esquecemos que essas medidas foram declaradas inconstitucionais como também, por exemplo, os cortes no subsídio de desemprego, os cortes no subsídio de férias e de Natal, o corte no subsídio de doença, os cortes nos salários acima dos 675 €, os cortes nas pensões de sobrevivência, etc., etc., etc. Foi isto que os senhores fizeram nos últimos anos e era isto que os senhores queriam continuar a fazer nos próximos anos se tivessem tido essa oportunidade, mas não tiveram.

O vosso rumo de destruição do País, de infernização dos trabalhadores e do povo português foi interrompido, e temos muito orgulho por termos contribuído para isso.

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