Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Determina a obrigatoriedade de as instituições de crédito disponibilizarem uma conta de depósito à ordem padronizada, designada de «conta base», e proíbe a cobrança de comissões, despesas ou outros encargos pelos serviços prestados no âmbito dessa conta

(projeto de lei n.º 92/XIII/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A utilização de uma conta bancária é cada vez menos uma opção e cada vez mais uma necessidade, sendo cada vez mais incontornável para a maior parte dos portugueses dispor de uma conta bancária.
A circulação física de dinheiro também é cada vez mais substituída precisamente pela utilização e pela realização das operações através de instituições bancárias. Esse facto faz com que, na verdade, cada vez mais seja necessário dispor de uma conta bancária.
Ao mesmo tempo, a baixa rendibilidade da banca nos últimos tempos, fruto da crise económica e financeira do capitalismo, provocada, em primeiro lugar, precisamente pela própria banca, tem feito com que os bancos apostem na apropriação de partes das poupanças das populações, dos seus clientes, para compensar a sua baixa rendibilidade. Isso traduz-se num esbulho, ou seja, o cliente não só confia o seu dinheiro àquela instituição, que o utiliza muitas das vezes até de forma que lesa o interesse público e que força o Estado a injetar capital na banca para garantir os próprios depósitos dos cidadãos, não bastando, portanto, esse depósito e essa confiança, como os bancos ainda têm a capacidade de poder cobrar comissões, a que chamam comissões de manutenção, que é um eufemismo para esbulho do depósito do cidadão, sobre esse dinheiro que lhes é confiado.
Cerca de metade do produto bancário — com uma baixa rendibilidade, nesta altura, é verdade — é obtido, precisamente, através destas comissões, que não correspondem a operações; correspondem, pura e simplesmente, a um preçário aleatório fixado pelas instituições bancárias praticamente em regime de cartelização.
Portanto, o que o PCP propõe hoje vem, aliás, na sequência de um debate que já foi tido na Assembleia da República. Relembro que, há cerca de dois anos, o PCP apresentou a necessidade da existência de um serviço gratuito e sem cobrança de comissões pelos bancos, que foi então rejeitado pelo PSD e pelo CDS, que levou, contudo, a que o Banco de Portugal emitisse uma circular que recomendava a existência de uma conta base. Mas era uma sugestão e não impunha a sua gratuitidade.
Mais tarde, o PCP voltou a propor um regime semelhante e hoje voltamos a propor esse regime, com uma nova Assembleia da República, não no sentido de sugerir aos bancos que possam comercializar uma conta base com um preçário livremente definido, mas no sentido de dizer que, tendo em conta que é cada vez mais uma necessidade dispor de uma conta bancária para a realização de operações banais, então é necessário e deve ser obrigatório que os bancos disponham de um serviço de conta base sem a cobrança de comissões sobre os clientes.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Os portugueses sabem bem, principalmente aqueles que têm contas com saldos médios mais modestos, que se pagam comissões. Como tal, o Sr. Deputado Carlos Santos Silva fez um discurso que choca com o dia a dia dos portugueses, que sistematicamente veem sair da sua conta, sem qualquer motivo, comissões de manutenção pelo simples facto de terem uma conta à ordem.
Srs. Deputados, hoje é dado, ainda assim, um passo importante, também tendo em conta a intervenção feita pela Sr.ª Deputada Ana Passos, do Partido Socialista.
Significa, portanto, que serão criadas condições para que, por um lado, os bancos não sejam apenas alvo de uma sugestão do Banco de Portugal e, por outro, existam regras que têm de cumprir, como, aliás, sempre deveria ter acontecido.
Ainda assim, gostava de dizer que é pena que o PSD e o CDS e, neste caso, o Sr. Deputado Carlos Santos Silva, quando se toca nos interesses dos banqueiros, venha com um conjunto de alarmes dizendo que nada foi estudado. Mas o Sr. Deputado estudou alguma coisa para cortar os subsídios de férias e de Natal aos portugueses?!
O Sr. Deputado estudou alguma coisa para salvar bancos com o dinheiro dos portugueses?!
O Sr. Deputado mandou estudar alguma coisa quando foi para cortar nos feriados?! Nessa altura, não era preciso fazer estudos nenhuns, era cortar a eito.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, da parte do PCP, sim senhor, estamos inteiramente de acordo. Aliás, já propusemos e já dissemos que a Caixa Geral de Depósitos deve desempenhar esse papel. Todavia, não chega. É preciso legislar para que os bancos não façam apenas aquilo que lhes apetece, mas que cumpram também as regras que lhes devem ser impostas.

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