Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

PCP apresenta propostas para valorização da Agricultura Familiar

Recomenda a definição de um conjunto de prioridades para a agricultura familiar, tendentes ao estabelecimento de um Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa
(projeto de resolução n.º 10/XIII/1.ª)
JR 10
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A agricultura familiar, predominante nas pequenas e médias explorações agrícolas, trabalha a terra e produz com base na gestão e na mão-de-obra do agregado familiar, por vezes complementada com o rendimento de outras atividades, podendo recorrer, de forma permanente ou sazonal, a mão-de-obra assalariada.
Esta é a definição de agricultura familiar que utilizam as organizações que defendem este setor, embora os Deputados do PSD e do CDS queiram estender o conceito às grandes explorações propriedade de famílias, usando as palavras para concentrarem os apoios na agricultura de maior dimensão e no agronegócio, como são exemplo os apoios para os pequenos investimentos, nunca dizendo que também podem ser acedidos por grandes explorações.
A ONU, ao classificar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar, corroborou esta definição e valorizou esta agricultura, conforme reconhece na sua declaração: «A agricultura familiar e as pequenas explorações constituem um meio importante para se ter uma produção alimentar viável e capaz de assegurar a segurança alimentar».
Contudo, nos últimos anos, com o Governo PSD/CDS, foi feito caminho em sentido contrário. O anterior Governo e a política de direita governaram para o grande agronegócio, enquanto obrigavam a pequena agricultura a inscrever-se nas finanças para vender umas couves.
Foi o Governo para os grandes interesses, defendendo a agricultura de cariz industrial e atacando a agricultura familiar. Por ação do anterior Governo, foi aprovada a lei da eucaliptização, a contento das celuloses, foi destruída a Casa do Douro, para desregular as relações entre a produção e a comercialização de vinho generoso, foram retirados os secadores de arroz de Alcácer do Sal à Associação de Agricultores do Distrito de Setúbal para os entregar aos grandes proprietários da região.
Nos últimos quatro anos, foram destruídos mais de 153 000 empregos na agricultura. Acentuou-se a distribuição desigual dos apoios — 300 agricultores recebem 60 milhões de euros, receberam mais do que os 120 000 agricultores mais pequenos. Acatou-se o fim das quotas leiteiras que está a asfixiar muitos produtores. Promoveu-se o processo tendente ao fim dos direitos de plantação de vinha e nada de fez para limitar a ação abusiva da grande distribuição, que continua a ficar com 75% do valor produzido pelo sector agroalimentar, enquanto o agricultor fica apenas com 10%.
Portugal tem necessidade de produzir mais, nomeadamente produtos de carácter estratégico em que o País é altamente deficitário. Necessita também de valorizar a agricultura que produz produtos de qualidade e de proximidade, e, ao mesmo tempo, contribui para a efetiva fixação de pessoas nos territórios.
É nesse sentido que o PCP apresenta mais de meia centena de medidas para valorização da agricultura familiar, tendentes ao estabelecimento de um Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa e que passam por medidas fiscais, de redistribuição dos apoios, de garantia de pagamento justo à produção, de recuperação da capacidade de intervenção do Ministério da Agricultura e de valorização dos serviços públicos no interior do País.
O último Censo Agrícola realizado em Portugal, em 2009, confirma que 90% das explorações agro-rurais são de base familiar, correspondendo a 750 000 pessoas, utilizam mais de 55% da superfície agrícola utilizável e produzem mais de 50% da produção nacional. Associando isto à sua importância social e cultural, temos razões mais que bastantes para valorizar, de forma séria, a agricultura familiar, a pequena e média agricultura.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Reafirmo que o PCP elegeu a agricultura familiar para esta sua primeira intervenção aqui, na Assembleia da República.
Pelas intervenções que ouvimos, percebemos que alguns Deputados convivem bem com algumas situações: o leite pago a 19 cêntimos por litro não vos incomoda; a batata paga aos produtores a 5 cêntimos por quilo não vos incomoda; parece que não há problema em a grande distribuição ficar com 75% do valor que é criado a partir do trabalho dos agricultores, porque em que por cada 10 € que cada um dos senhores gasta no supermercado em produtos agroalimentares apenas 1 € chega aos produtos. Isso parece que não vos incomoda.
Os senhores dizem que não distinguem entre os agricultores, que não há diferenças entre agricultores, mas têm-nos distinguido muito bem nos apoios que prestam. Nós, PCP, não temos a pretensão de que todos os grupos concordem com as nossas medidas, mas entendemos que é importante proteger a agricultura familiar, principalmente e precisamente pela importância que todos aqui lhe reconheceram e que ninguém renegou.
Termino, Sr. Presidente, dizendo aos Srs. Deputados, nomeadamente do PSD e do CDS-PP, que tanto falaram nos jovens agricultores, que gostava que nos trouxessem aqui o esclarecimento que tantas vezes pedi à atual Deputada Assunção Cristas, enquanto Ministra da Agricultura, de quantos jovens é que se mantêm na agricultura, passados cinco anos do período de instalação. Essa informação é obrigatória e nunca, mas nunca, chegou.
Relativamente à Casa do Douro, Sr. Deputado, é bem o exemplo daquilo que é estar entre os grandes e entre os pequenos. A Casa do Douro protegia a pequena agricultura, os pequenos e médios vinicultores do Douro, e os senhores entregaram a Casa do Douro a uma entidade que já esteve do lado da produção, que já foi associada da comercialização, está agora do lado da produção e uma das primeiras medidas que tomou foi decidir entregar meio milhão de euros de taxa de certificação a ela própria, o que foi aprovado pelo Presidente do IVDP, e agora pretende hipotecar a sede da Casa do Douro, não tendo legitimidade para o fazer, para arrecadar mais uns milhões. Aqui está um exemplo do trabalho que desenvolveram no Ministério da Agricultura, na anterior legislatura.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Trabalhadores
  • Intervenções
  • Agricultura
  • Produção
  • Terra