Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

"PSD e CDS ao longo de quatro anos, realizaram uma política desastrosa no Serviço Nacional de Saúde"

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PSD e o CDS que, ao longo de quatro anos, tiveram uma política desastrosa para o Serviço Nacional de Saúde e que tomaram medidas que enfraqueceram a resposta pública e agravaram o acesso dos utentes à saúde, insistem no seu desmantelamento, tendo tomado, nos últimos dias de vida de um Governo em gestão, sem qualquer legitimidade e exorbitando as suas funções, mais um conjunto de medidas que aprofunda o caminho da diminuição da resposta pública do SNS, transferindo-a para o privado.
São disto exemplo a resolução do Conselho de Ministros relativa aos acordos com as misericórdias e o despacho sobre a rede de urgências.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 92/2015, do dia 12, ou seja, dois dias após a sua demissão, transfere cerca de 130 milhões de euros para as misericórdias, só na região Norte, transferência que suscita as maiores dúvidas quanto à sua legalidade.
Foi o anterior Governo PSD/CDS que, em 2013, legislou com vista a transferir para o setor social, cooperativo e para as misericórdias qualquer serviço do SNS, seja dos cuidados primários, seja dos cuidados hospitalares.
O despacho sobre a rede de urgências determina o encerramento de 11 serviços de urgência e a desclassificação de outros, de que os exemplos dos hospitais da Póvoa de Varzim, Mirandela e Chaves são paradigmáticos. Foi a contestação das populações e dos autarcas que obrigou o Governo, à última hora, a corrigir mais este golpe na prestação de cuidados de saúde.
Dos serviços de urgência encerrados destacamos o serviço de urgência básica dos Centros de Saúde de Serpa e de Coruche, que obrigará os utentes a percorrer cerca de 50 km até Beja e 42 km até Santarém para serem assistidos nos respetivos hospitais, com custos exorbitantes.
O Governo em gestão deixa ainda situações em aberto sem definir o nível de urgência, o que nos traz acrescidas preocupações, como é o caso do Hospital do Montijo, do Centro de Saúde de Algueirão-Mem Martins e dos hospitais transferidos para as misericórdias, como é o caso de Fafe, que PSD e CDS apregoaram que continuaria integrado no SNS mas a verdade é que não há referência ao serviço de urgência que presta no âmbito da rede nacional.
Esta medida vai agravar ainda mais a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde, obrigando-os a maiores deslocações. Como afirmou o Presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos, a qual subscrevemos e passamos a citar, «Quando fecham o atendimento de porta aberta, denota uma medida economicista e que agrava a qualidade dos cuidados prestados». E afirma mais: «Esta situação pode levar a um aumento da procura de urgências polivalentes e das chamadas ‘falsas urgências’».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As afirmações do dirigente da Ordem dos Médicos fazem-nos recordar os negros dias vividos por milhares de portugueses, no inverno passado, nos serviços de urgência de norte a sul do País.
Caso a extinção e desclassificação dos serviços de urgência se concretize, no futuro teremos, certamente, mais situações como aquelas a que assistimos no passado inverno.
Quem não se lembra da situação de rutura e caos com que os serviços de urgência se viram confrontados?
Quem não se lembra dos doentes que morreram à espera de serem atendidos?
Quem não se lembra dos doentes internados nos corredores dos hospitais, porque não havia camas nos serviços para os acolher?
E em relação ao inverno que se aproxima, sabe-se também que, apesar de haver autorização para a contratação de médicos para preenchimento das escalas de urgência, os hospitais têm enormes dificuldades em o conseguirem fazer, dado o valor exíguo que é pago a estes profissionais.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Não são só estas as medidas que estão a enfraquecer o Serviço Nacional de Saúde e o acesso dos utentes. Por estes dias, temos sido brindados com notícias e relatos que dão conta das dificuldades dos jovens médicos em aceder a uma especialidade.
Soubemos que no concurso deste ano poderá, pela primeira vez, ficar mais de uma centena de médicos sem colocação, dado o número insuficiente de vagas face ao número de internos que terminaram a formação do ano comum. Caso assim aconteça, pela primeira vez, teremos um conjunto de médicos indiferenciados, o que significa uma desqualificação na formação médica e na redução de direitos, que terá reflexos negativos nos cuidados de saúde prestados.
Esta situação tem causas e elas radicam nas opções políticas do Governo PSD/CDS de desvalorização social e profissional dos profissionais de saúde, que levou, no caso dos médicos, a saídas extemporâneas e de concentração e encerramento de serviços e valências.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Hoje, por força de quatro anos de Governação PSD/CDS, o SNS está confrontado com falta de profissionais, baixíssimos níveis de investimento, dificuldades dos utentes em aceder aos cuidados de saúde devido ao aumento brutal das taxas moderadoras, à redução drástica na atribuição de transporte não urgente e pelo encerramento de serviços de proximidade, pela concentração e fusão de valências hospitalares.
A falta da vacina para a difteria, o tétano a tosse convulsa e a poliomielite nos centros de saúde é só mais um exemplo das consequências do desinvestimento no SNS.
O Governo PSD/CDS acentuou o caminho da desresponsabilização do Estado na prestação de cuidados de saúde por via da transferência da prestação de cuidados do setor público para o setor privado e pela municipalização da saúde, pondo em causa princípios basilares do SNS, universal e geral, ao mesmo tempo que põe em causa a qualidade do serviço e a segurança dos utentes.
O Governo PSD/CDS deixa, contrariamente a tudo o que disse nestes longos e negros anos de governação, os cuidados de saúde primários mais debilitados. Não cumpriram a promessa de atribuir médico de família a todos os portugueses e o enfermeiro de família continua a ser uma miragem na esmagadora maioria dos centros de saúde.
O propalado reforço dos cuidados de saúde primários apenas consistiu no encerramento de extensões de saúde, de serviços e valências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que os portugueses precisam é de um SNS com profissionais motivados, valorizados social e profissionalmente, de proximidade e equipado com recursos humanos, técnicos e financeiros adequados, para alcançar objetivos concretos de redução do tempo de espera para consulta, cirurgia, exames e tratamentos, de forma a assegurar cuidados de saúde de qualidade e em tempo útil.
É isto que o País precisa. É para isto que estamos a trabalhar.
(…)
Sr. Presidente,
Agradeço aos Srs. Deputados as questões que me colocaram.
Começo por responder ao Sr. Deputado Miguel Santos, do PSD. Sr. Deputado, parece que o senhor ainda não percebeu a realidade. Mais, a sua intervenção parece querer escamotear todas as consequências e todos os malefícios que a política de quatro anos do Governo PSD/CDS-PP teve no Serviço Nacional de Saúde. Mas foi a vossa política, a política do Governo PSD/CDS-PP, que foi derrotada com a luta dos trabalhadores e do povo e nas urnas, o que levou a que o Governo PSD/CDS-PP fosse demitido no dia 10 de novembro.
Mas o que é preocupante, de facto, é que a intervenção do Deputado Miguel Santos — à semelhança, aliás, do que já fez ao longo da anterior legislatura, sempre que falava do Serviço Nacional de Saúde e das consequências da política de saúde para os utentes e para os portugueses — desvaloriza completamente as consequências gravosas e desastrosas com que PSD e CDS-PP brindaram os portugueses no que à saúde diz respeito.
O Sr. Deputado, na sua intervenção, escamoteou a falta de profissionais, de todos os profissionais, escamoteou a falta de investimento. E, quanto ao despacho, Sr. Deputado, o que acontece é que não foram só esses serviços que foram desclassificados, o de Barcelos e muitos mais também o foram, pois o serviço de urgência que tinham era um serviço de urgência médico-cirúrgica e agora passam a ter um serviço de urgência básica, apenas básica, o que obrigará estes utentes a deslocarem-se para mais longe.
Relativamente à questão das misericórdias, Sr. Deputado, o que o Governo demitido do PSD/CDS-PP sempre disse foi que os respetivos serviços estavam integrados no SNS. Mas hoje o que o despacho demonstra é que não estão integrados no SNS, não pertencem sequer à rede de urgências.
Mas a possibilidade que se abriu com a nova correlação de forças aqui, na Assembleia da República, é a de travar estes processos. É preciso e é urgente que estas medidas, que nunca deveriam ter sido tomadas por um Governo sem legitimidade, sejam travadas, não sejam postas em prática, para evitar as consequências desastrosas que teriam para as populações e para os serviços de urgência dos diferentes hospitais.
O que importa de facto — e é esse o compromisso que o Grupo Parlamentar do PCP hoje aqui afirma, como, aliás, sempre afirmou — é o compromisso para trabalhar pelo reforço do SNS, para lhe dar condições materiais e humanas e também de investimento, para que a resposta pública seja uma resposta de qualidade, para que seja travado esse processo de destruição da resposta pública em favor do serviço privado, em favor da transferência dos serviços de urgência para os hospitais.
É esse, como dissemos, o nosso compromisso. É isso que iremos fazer. É nisso que iremos trabalhar, no sentido do reforço do SNS e da resposta pública.

  • Saúde
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • saúde
  • Serviço Nacional de Saúde
  • SNS