Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"A decisão de ter um filho deve ser tomada em liberdade e em consciência"

Interrupção voluntária de gravidez
(projetos de lei n.os 790/XII/4.ª e 1021/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Hoje, a Assembleia da República é confrontada com duas propostas que constituem um profundo retrocesso no que respeita ao acesso aos direitos sexuais e reprodutivos, um profundo retrocesso no acesso à saúde e um profundo retrocesso no que toca ao direito da livre opção das mulheres.
Procurando fazer um ajuste de contas com a decisão soberana e progressista do povo português, as propostas apresentadas pelo PSD e CDS-PP e pela iniciativa de cidadãos pretendem que as condições económicas voltem a ditar as decisões de cada mulher, regressando, assim, a um passado não muito longínquo, em que as mulheres com menos recursos, as mulheres trabalhadoras, eram empurradas para a realização de interrupções da gravidez em vãos de escada e em condições humilhantes e indignas, o que nalguns casos custou a sua própria vida.
Recordamos o que foi o flagelo social do aborto clandestino e as complicações daí decorrentes na vida e na saúde das mulheres e recordamos e prestamos homenagem à longa luta das mulheres em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos. E é exatamente por não esquecermos isso que rejeitamos qualquer proposta que introduza obstáculos no acesso à IVG, impondo na secretaria o retrocesso que o povo recusou em referendo.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
As propostas em discussão usam e abusam de falsidades para justificar o injustificável.
Referem que a IVG é utilizada como método contracetivo, mas os dados oficiais desmentem completamente essa afirmação quando se verifica uma redução do número de IVG, quando o número de IVG em Portugal é muito inferior ao dos países da Europa, quando a esmagadora maioria das mulheres que recorre à IVG o fez pela primeira vez — mais de 70% — ou quando as mulheres que recorrem à IVG estão em situação de desemprego, não têm rendimentos ou têm baixos salários.
Falam de equidade mas o que querem é introduzir obstáculos económicos no acesso à IVG com a imposição de taxas moderadoras. O problema das taxas moderadoras resolve-se com a sua eliminação, como o PCP propõe, e não com o seu alargamento.
Quanto à natalidade, só podemos classificar esse argumento de demagogia. Se os portugueses não têm mais filhos não é por causa da IVG mas, sim, por causa dos despedimentos selvagens, da precariedade, com contratos ao mês, à semana e até ao dia, dos baixos salários e da desproteção social dos que mais necessitam. Todas estas foram opções políticas defendidas por aqueles que, hipocritamente, querem hoje impedir o acesso à IVG.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
As iniciativas que hoje discutimos querem impor aos portugueses as conceções do PSD e do CDS, que são conceções retrógradas e reacionárias sobre a sexualidade das mulheres e o seu papel na sociedade.
O PSD e o CDS-PP querem impor o regresso à realização de interrupções da gravidez sem segurança para a saúde das mulheres.
Os autores das iniciativas também querem impor a coação psicológica às mulheres ao pretenderem obrigá-las a assinar uma ecografia e a pagar taxas moderadoras, e querem esconder isso recusando hoje a votação das iniciativas.
O que verdadeiramente está em discussão é a reversão de uma das mais importantes e recentes conquistas das mulheres, que o PSD e o CDS nunca aceitaram. E o que hoje volta a estar em perigo é o direito da livre opção das mulheres, é o direito de acederem à saúde, é o direito à dignidade.
Da parte do PCP, daremos o firme combate a este brutal ataque encabeçado pelo PSD e CDS aos direitos das mulheres e continuaremos a estar ao lado de quem defende que a decisão de ter um filho deve ser tomada em liberdade e em consciência.

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