Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Regime relativo a pensões e subvenções dos titulares de cargos políticos e o regime remuneratório dos titulares de cargos executivos das autarquias locais

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados:

O PCP apresenta hoje um projecto de lei que visa pôr fim a um conjunto de privilégios injustificados de que beneficiam os titulares de cargos políticos, de altos cargos públicos e de administradores de diversas entidades nomeados por decisão de entidades públicas na qualidade de accionistas.

Não nos move qualquer atitude punitiva contra os titulares desses cargos nem qualquer atitude miserabilista ou antiparlamentar.

Não pretendemos atingir a existência desses cargos nem ferir a honorabilidade de nenhum dos seus titulares, mas reiteramos a nossa posição de sempre contra privilégios injustificados que os portugueses, muito justificadamente, não entendem nem aceitam.

Assim, o projecto de lei do PCP propõe a eliminação das subvenções vitalícias e dos subsídios de reintegração de que beneficiam os titulares de diversos cargos políticos. Foi a nossa posição de sempre. Sempre contestámos e sempre votámos contra a existência desses regimes especiais, que, aliás, têm contribuído objectivamente para a má imagem dos titulares de cargos políticos, e principalmente dos Deputados, aos olhos dos portugueses. E, ao contrário do Governo, não propomos a adopção de nenhum regime transitório que salvaguarde expectativas adquiridas, porque uma coisa são expectativas legitimamente adquiridas, como é o caso, por exemplo, da legítima expectativa dos trabalhadores portugueses quanto à idade da reforma, outra são as expectativas quanto à aquisição de benefícios injustificados.

Mas o que determina a nossa posição não é um mero problema de imagem do Parlamento.

Propomos a revogação do regime de subvenções vitalícias e de subsídios de reintegração porque entendemos que esse regime cria uma situação de injustiça relativa. Os titulares de cargos políticos exercem uma função de serviço público pela qual auferem uma remuneração legalmente fixada — embora não corresponda, por si, a uma carreira profissional — e devem efectuar os seus descontos de acordo com a sua remuneração e o seu estatuto, para que, no futuro, possam ter direito à sua reforma, conjugando o tempo em que estiveram a exercer cargos públicos e o tempo em que exerceram qualquer outra actividade profissional, nos mesmos termos aplicáveis aos demais cidadãos.

Com base no mesmo princípio, propomos a eliminação do regime especial de contagem de tempo de serviço dos autarcas em regime de tempo inteiro para efeitos de aposentação. Também entendemos que esse regime cria injustiças relativas e não tem justificação plausível.

No entanto, se a intenção do Governo é realmente, como afirma, o combate aos privilégios, vamos então combater todos os privilégios e não apenas alguns. E vamos começar pelos mais escandalosos e injustificados.

O PCP propõe que nenhuma entidade pública, incluindo entidades administrativas e reguladoras independentes ou privadas em que o Estado detenha, como accionista, direito de veto sobre decisões da respectiva administração, possa criar regimes especiais de reforma, aposentação, indemnização ou prémio de qualquer natureza por cessação de funções, aplicáveis aos respectivos administradores ou dirigentes.

É inaceitável que administradores nomeados pelo Estado decidam atribuir a si próprios regimes principescos de pensões ou de indemnizações para o dia em que abandonem as suas funções.

Não chega dizer que essas situações são legais e, portanto, admissíveis. Se são legais, não deviam ser. E, nesse sentido, o que é preciso fazer é alterar as leis que permitem esses abusos, que são completamente imorais.

Por outro lado, o PCP considera que não devem ser admitidos casos de acumulação de remunerações pelo exercício de cargos públicos com pensões de reforma ou de aposentação e que não deve ser permitido acumular remunerações pelo exercício de cargos públicos diversos. São muito conhecidas situações de alguns autarcas em regime de tempo inteiro que acumulam a remuneração devida pelo exercício desse cargos com remunerações auferidas como administradores de empresas participadas pelos próprios municípios.

Trata-se de uma promiscuidade indesejável. Nesse sentido, o PCP propõe que seja proibida essa possibilidade.

A proposta do Governo não vai num sentido negativo, representa um progresso e terá o nosso voto favorável, mas não vai tão longe como seria necessário. Mantém de pé privilégios que são inaceitáveis. Pretende demonstrar que, desta vez, os sacrifícios são para todos, mas não são, são para os do costume, que não são privilegiados e vão ter de fazer ainda mais sacrifícios. É certo que alguns, poucos, perdem alguns privilégios, mas os maiores privilegiados, esses, permanecerão intocáveis.

(...)

Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues,

Tenho de começar por saudar o facto de o Partido Socialista ter mudado de opinião em matéria de subvenções vitalícias e de subsídios de reintegração dos titulares de cargos políticos e de ter passado a defender uma posição que se aproxima da posição que o PCP aqui sempre defendeu.

Em 1985, quando os senhores aprovaram a introdução das subvenções vitalícias e dos subsídios de reintegração, tiveram uma oposição firme da nossa parte, tendo-nos até brindado com vários adjectivos e substantivos pouco agradáveis. Quero, pois, saudar o facto de o Partido Socialista ter finalmente reconhecido que esta situação se trata de um privilégio que não tem justificação.

Mas trata-se, Sr. Deputado, de uma questão de princípio, não de uma questão relacionada com o défice orçamental e com a conjuntura financeira. Como o Sr. Deputado sabe, o fim destas subvenções não terá efeitos financeiros no imediato — obviamente que só terá efeitos financeiros quando a questão vier a colocar-se, o que normalmente sucede no fim do mandato —, pelo que não é um problema de conjuntura mas, sim, um problema de princípio: ou se é a favor ou se é contra a existência deste tipo de mecanismos. Nós

sempre fomos contra e agora os senhores passaram também a ser. Muito bem! É algo que se saúda!

Mas a questão que se coloca, Sr. Deputado, é que o senhor não se referiu, em momento nenhum da sua intervenção, ao projecto de lei que o PCP apresentou e que toca noutros privilégios.

O Sr. Deputado, sobre isso, nada disse!

Por exemplo, o Partido Socialista está ou não de acordo que se acabe com a situação que permite que alguém, pelo facto de ter estado cinco anos como governador do Banco de Portugal, tenha decidido para si próprio atribuir-se uma pensão principesca para o dia em que cesse funções?

O Sr. Deputado está de acordo, por exemplo, com o que aconteceu com a administração da Caixa Geral de Depósitos, que, ao fim de meia dúzia de anos de soluções, se reforma com uma «reforma dourada»? Está de acordo, Sr. Deputado?

O Sr. Deputado pensa que nos podemos contentar apenas com uma consideração do género: «Bem, é legal, e se é legal pode fazer-se»?

Ora, se é legal, o legislador pode alterar a lei. Assim como pode alterar a lei das subvenções vitalícias de titulares de cargos políticos, também pode alterar as leis que permitem que haja pessoas nomeadas pelo Estado para cargos de direcção de administração que decidam para si próprias regimes principescos de aposentação pelo facto de terem estado meia dúzia de anos ao serviço!

Ora, sobre isto o Partido Socialista nada disse!

Esta é uma questão fundamental para se saber se o Partido Socialista quer, afinal, fazer demagogia para conseguir alguma aceitação popular em relação às medidas impopulares que está a decidir ou se está, de facto, interessado em reduzir privilégios onde eles são maiores.

Gostaria que o Sr. Deputado se pronunciasse claramente sobre esta questão.

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