Intervenção de Ricardo Oliveira, membro do Comité Central, Debate «Política orçamental e uma justa Política Fiscal»

"Existe alternativa política quando tomamos o partido dos interesses e necessidades dos trabalhadores e de camadas sociais não monopolistas"

Integrados na Ação Nacional: Uma política patriótica e de esquerda, a força do povo por um Portugal com futuro – debatemos uma política orçamental alternativa e uma justa política fiscal. Denunciámos as consequências da política de direita e demonstrámos que o atual rumo não é uma inevitabilidade e que existe alternativa. Existe alternativa que assenta numa diferente opção política à dos interesses do grande capital. Existe alternativa política quando tomamos o partido dos interesses e necessidades dos trabalhadores e de camadas sociais não monopolistas.

Uma política orçamental alternativa assume a necessidade de planear o necessário financiamento e administração dos recursos públicos ao serviço das funções do estado consagradas pela Constituição da República Portuguesa. Lei Fundamental que, assente nos Valores da Revolução de Abril, assume a opção de proteger e defender os interesses dos trabalhadores e das populações e a promoção de uma organização económica e social não monopolista.

Como já foi referido, esta política orçamental integrando opções de despesa, de afetação de recursos financeiros e materiais, assim como das necessidades de trabalhadores capazes de concretizar as orientações políticas promotoras das funções sociais, económicas e de soberania do estado, também é composta por uma política de financiamento dessa mesma atividade. Se o conteúdo e a forma como se concretizam as funções do estado são determinados pelas opções políticas e de classe, também o seu financiamento reflete essas mesmas opções.

Financiamento que, ao contrário do que os executores das políticas de direita pretendem afirmar, não se resume à emissão de dívida nos mercados financeiros, nem se limitam à coleta de impostos. Uma política de financiamento do estado ao serviço do povo e do País fará uso de todos os instrumentos políticos ao seu alcance na medida concreta das situações concretas, sempre no quadro de opções e prioridades políticas assentes nos princípios presentes na Constituição da República e nos Valores de Abril.

Financiamento que deverá assentar na conjugação de ritmos de crescimento económico sustentáveis e sólidos, com a gestão da dívida pública, que no curto prazo passará inevitavelmente pela renegociação dos seus montantes, prazos e juros, com a recuperação dos principais instrumentos de política económica, monetária e financeira, e com um sistema fiscal que, assegurando no fundamental esse financiamento, a sua concretização assume claras opções políticas e de classe ao serviço dos trabalhadores, dos reformados e de camadas sociais não monopolistas.

Ao contrário do que pretendem afirmar não existe um paradoxo entre o nível e a concretização das políticas públicas, nomeadamente as sociais e a carga fiscal que recai sobre o povo e o País. Ao contrário do que há dias a, ainda, Ministra das Finanças afirmou perante uma plateia de representantes do grande capital financeiro e especulativo, a carga fiscal em Portugal não é excessiva, nem a sua redução exige uma reconfiguração do estado e das suas funções.

Este é um mito que tem servido, e muito bem, os interesses dos que se servem e a quem serve a política de direita. Como já foi referido, a carga fiscal total em Portugal é inferior à média da União Europeia e da Zona Euro. O que se passa é que, refletindo as opções políticas e de classe ao serviço do capital, a tributação sobre os rendimentos, consumo e património dos trabalhadores, reformados e micro, pequenas e médias empresas, é excessiva, ao invés do que se passa com os impostos pagos pelo Capital sobre os seus rendimentos, património e consumos luxuosos e sumptuosos.

Se, entre os presentes subsistirem dúvidas, as afirmações de Lobo Xavier, responsável pela comissão da chamada reforma do IRC, há cerca de um ano no parlamento são muito claras: o objetivo passa por aliviar aqueles que tendo lucros muito elevados pagam impostos e tributar aqueles que tendo lucros muito reduzidos ou não tendo qualquer lucro, pouco pagam. O que Lobo Xavier não disse foi que esses que ele diz que pagam impostos e que deverão ver a sua tributação reduzida são o Grupo Espirito Santo, o Grupo Jerónimo Martins, o Grupo Mello, o BCP, o BPI, o Grupo EDP, o Grupo PT, a Galp, o Grupo Sonae, o Grupo Portucel, etc. e aqueles que pouco pagam são a mercearia, o café, a oficina ou a pequena vacaria que sobrevivem, muitas vezes, à custa de poupanças feitas em tempos em que a vida e a aparência de rendimento dos trabalhadores ainda permitiam.

É este pensamento que sustentou há um ano a chamada reforma do IRC que, acelerou a progressiva tendência de redução do IRC pago pelos grandes grupos económicos e financeiros através da não consideração de cada vez maiores parcelas do rendimento destes grupos para efeitos do apuramento do imposto a pagar, como são exemplo os dividendos transferidos para SGPS no e do estrangeiro, o planeamento dos prejuízos reduzindo ou concentrando os impostos a pagar em anos que permitam uma menor tributação ou a transferência de rendimentos no seio dos grupos… sem esquecer o plano de redução da taxa para 17% em 2016.

É, ainda, este pensamento que sustenta as ditas reformas do IRS e da fiscalidade verde que são, no fundamental, uma forma de assegurar a eternização do brutal agravamento da tributação sobre os rendimentos dos trabalhadores e dos reformados, concretizado, em 2013, pelo atual governo através do embuste da transferência de IRS a pagar por algumas famílias de maiores rendimentos, para as famílias de menores rendimentos, ou de novos impostos sobre o consumo, apelidados de verdes e que, diz o Governo, pretende premiar ou castigar a escolha em tecnologias e comportamentos que uns poucos podem fazer, mas que se encontram fora do alcance da grande maioria da população e do tecido empresarial português.

A constatação desta realidade está na base da proposta de uma política fiscal mais justa anunciada nas Jornadas Parlamentares do PCP em Loures, em outubro passado, e, na semana passada, concretizada no Projeto de Lei - Contra a injustiça fiscal, por uma tributação justa ao serviço de um Portugal democrático e soberano.

Esta é uma proposta que, sistematizando diversas propostas que o PCP há muito vinha a fazer no âmbito de programas eleitorais, da discussão dos orçamentos do estado e de diferentes iniciativas legislativas, permite enfrentar de forma integrada o verdadeiro problema do sistema tributário português, a injustiça fiscal que está na sua base e em todo a sua estrutura: o profundo desequilíbrio dos esforços exigidos, com a sobrecarga daqueles que têm menores recursos e que mais apoio do estado necessitam, com o alívio dos que mais poderiam e deveriam contribuir.

É neste sentido que propomos a reformulação da tabela do IRS, integrando dez escalões que permitem reduzir de forma significativa a tributação dos baixos e médios rendimentos e que, a título de exemplo, passam a tributar os rendimentos coletáveis compreendidos entre os 152 mil euros e os 500 mil euros a uma taxa de 60% e os superiores ao ½ milhão de euros a 75%. Em simultâneo asseguramos de forma regressiva que as despesas com caráter social poderão ser deduzidas, permitindo reduzir ainda mais o IRS a pagar pelas famílias de baixos e médios rendimentos, invertendo a tendência iniciada pelos governos do PS/Sócrates através dos PEC I, PEC II, PEC III e PEC IV, o qual viria a ser concretizado no pacto de agressão ao povo e ao país. A introdução da obrigatoriedade do englobamento de todos os rendimentos sem exceção, tal como propomos, permitirá introduzir uma maior justiça aliviando as taxas aplicadas às pequenas poupanças ou às rendas de muito baixo valor, obrigando a tributar à taxa devida os grandes dividendos e outros rendimentos muito elevados, que hoje, independentemente do seu montante, são todos sujeitos a 28%.

Relativamente ao consumo das famílias propomos a redução da taxa normal do IVA para 21% e a criação de um cabaz de bens e serviços essenciais que deverão pagar 6% de IVA, nomeadamente os produtos alimentares, a eletricidade e o gás natural ou de botija. O IVA da restauração deverá regressar aos 13%, aliviando o imposto pago pelas refeições de muitos portugueses que hoje, pelos mais variados motivos, são obrigados a almoçar ou jantar fora de casa, mas também aliviando de alguma forma a internalização de custos tributários assumida por muitos restaurantes e casas de pasto para assegurarem a manutenção da atividade a níveis aceitáveis.

Em paralelo propomos a criação de uma lista de bens e serviços de luxo que deverão ser tributados a 25%.

Embora seja um tema que precisará de um maior aprofundamento no futuro, de forma a assegurar os níveis de cumprimento fiscal, propomos generalizar o princípio do IVA de caixa nas relações com o Estado, impedindo que o mesmo obrigue as micro e pequenas empresas a entregar o IVA que o mesmo estado ainda não pagou, assim como melhorar o atual regime do IVA de Caixa, alargando-o a todas as micro empresas que o requeiram.

No plano de uma tributação mais justa também para as micro e pequenas empresas propomos o fim progressivo do Pagamento Especial por Conta, assim como a melhoria do regime simplificado, nomeadamente através da definição de coeficientes técnico-científicos, por sector de atividade, para apuramento do rendimento coletável. Propomos um regime fiscal próprio para micro, pequenas e médias empresas que se instalem ou se situem no interior ou nas regiões autónomas, introduzindo uma discriminação positiva que reduza os elevados custos da interioridade.

Em simultâneo, acabamos com quaisquer benefícios fiscais do off-shore da Madeira e pretendemos que o planeamento fiscal dos grandes grupos económicos e financeiros seja duramente afetado, através da tributação do rendimento no território onde é gerado e da introdução de uma norma que obrigue a que o imposto a pagar pelas empresas corresponda ao que seria apurado se a taxa do IRC incidisse sobre o lucro contabilístico [Permitam-me um pequeno parenteses: Sabem quanto foi em 2012 a percentagem da matéria coletável da banca ou do sector energético em relação aos lucros contabilísticos e que estão na base da distribuição dos dividendos? 50%!]. Ainda no plano do IRC recuperamos a taxa dos 25% e criamos uma de 35% para os lucros superiores a 3 milhões de euros, e para as mpme, com lucros inferiores a 15 mil euros a taxa a aplicar deverá ser 12,5%.

Enquanto asseguramos a manutenção da cláusula de salvaguarda que impede subidas do IMI superiores a 75 € e alargamos a isenção para famílias de rendimentos muito baixos a deficientes com elevado grau de incapacidades, pela primeira vez, incluímos numa iniciativa legislativa a tributação do património mobiliário, ações e outras participações sociais, assim como títulos financeiros e poupanças superiores a 100 mil euros, a uma taxa de 0,5%. No caso de patrimónios superiores 1 milhão de euros a taxa deverá ser 1%.

Por fim, propomos a concretização da tributação de todas as transações financeiras em mercado, regulado ou não, ou fora do mercado a uma taxa de 0,5%.
Este conjunto de propostas que reduzem a tributação sobre os rendimentos e consumo dos trabalhadores e dos reformados, assim como das mpme, elevando a tributação sobre o grande capital, nomeadamente do financeiro e especulativo, mas não só, são a prova de que será possível elevar a capacidade de financiamento do estado em cerca de 3 800 milhões de euros, sem agravar as condições de vida dos portugueses, assegurando dessa forma uma melhor capacidade financeira para o cumprimento das funções constitucionalmente atribuídas ao estado.

Perante a realidade concreta do dia-a-dia dos trabalhadores, dos reformados e das suas famílias, perante a progressiva degradação das funções do estado, tanto das sociais. Como das económicas e das de soberania, perante o elevado grau de fuga e evasão fiscal, ilegal ou «legalizada», dos grandes grupos económicos e financeiros, alguém minimamente sério e que afirme defender os interesses dos trabalhadores e do povo será capaz de considerar que o IRC é muito elevado e que é inibidor do investimento e da criação de postos de trabalho? Será capaz de considerar que uma taxa de 0,5% sobre as transações financeiras afastaria as poupanças e os recursos financeiros do tão necessário investimento? Será capaz de considerar que tributar o património mobiliário, as participações sociais e títulos financeiros, em termos comparáveis ao IMI, seria injusto e significaria tributar duplamente o capital?

Enquanto a tributação do capital diminui, nomeadamente deste 1996 em que a taxa de IRC era 36%, o investimento, em especial aa partir de 2001, tem vindo a cair. Aliás, até pelas notícias recentes, vale a pena recordar que transferências de capital e de património não são investimento e que dos mais de 1600 vistos dourados atribuídos pelo Governo, apenas 3 estão associados à intenção de criar 10 postos de trabalho.

Estes serão alguns exemplos do que muito poderá e deverá ser feito. O aprofundamento do conhecimento das propostas do PCP e o seu debate como estamos a desenvolver nesta ação nacional, assegurarão o reforço da capacidade de construção da tão necessária e possível alternativa política patriótica e de esquerda ao serviço do povo e do País. Aqui fica o convite para que com o PCP, os trabalhadores e camadas não monopolistas da população, as forças sociais e os democratas e patriotas, juntos possamos prosseguir esse tão importante desafio de recuperação da esperança, da soberania e de melhoria concreta das condições de vida dos portugueses, só possíveis com uma verdadeira rutura política.

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