Intervenção de Manuel Garcia Correia, membro do Comité Central e Dirigente Associativo e Sindical, Seminário: «África – desafios do desenvolvimento, do progresso social e da soberania»

Um olhar solidário

O actual neocolonialismo em África, como nos tempos coloniais passados, tem em mira a rapina dos seus recursos naturais, dado que este continente é o fornecedor da maioria das matérias-primas que há no Mundo. Algumas grandes potências desenvolvem uma luta subterrânea para controlar este grande mercado e pode mesmo dizer-se que existe actualmente um assalto a África, intensificado pela ânsia dos países ocidentais e pela própria China de aí encontrarem petróleo, para não dependerem tanto do Golfo Pérsico.

Este assalto ocorre num momento de grande vulnerabilidade da maioria dos estados, debilitados pela pobreza, pela fome, pela sida e pela má governação.

Mas se é um facto que África é um continente que tem estes problemas e onde proliferam grandes fortunas em poucas mãos, a construção do imaginário popular patrocinada pelos novos colonizadores, nos meios de comunicação social dos seus países, tende a “vender” a imagem de que a pobreza, as doenças, as epidemias e a cleptocracia dos regimes são algo de imanente, algo que seria inerente à condição africana. Na realidade, não são. São fruto da evolução do capitalismo, do neoliberalismo. Este, sob o pretexto de controlar a inflação, construiu sociedades radicalmente desiguais a partir da crença em que os elevados recursos que seriam concentrados nas mãos dos ricos pudessem dar origem a uma autêntica elevação dos níveis de investimentos.

Esta estratégia, ancorada em políticas de exclusão social, pode não ter servido para a retomada do investimento produtivo (foi a especulação financeira a maior beneficiada por esse processo) no entanto, facilitou, em muito, o aumento da subordinação das economias nacionais aos ditames dos Fundos Internacionais.

Assim, no Terceiro Mundo, e designadamente em África, o neoliberalismo tornou-se sinónimo de aplicar o que dita a ortodoxia de entidades supranacionais ao serviço da política das grandes potências. E a situação não muda muito em relação aos países do Leste Europeu. No passado, chamava-se a isto colonização. Hoje fala-se de ingerência, com a marca da globalização, assente na toda poderosa rede de instituições como o FMI, o Banco Mundial, o AMI (Acordo Multilateral de Investimentos) e a OMC (Organização Mundial do Comércio). Estes quatro monstros sobrealimentam o neocolonialismo de novo tipo, para manter o estatuto de um mundo bipolarizado: o Norte e o Sul, em que o Norte é sinónimo de bem-estar e consumo desenfreado e o Sul é sinónimo de fome e pobreza.

A ingerência começou por impor-se por motivos “humanitários”. No início, a intenção era boa, porque se baseava no critério de que a neutralidade é cumplicidade. O problema era que a ingerência arrebatava aos estados parte da sua soberania, até então inquestionável. Mas não se podia esconder que esta ingerência era uma faca de dois gumes. Além de que a ingerência não iria ser usada com o mesmo peso e a mesma medida em todos os países. De facto, assim aconteceu. A ingerência converteu-se numa nova forma de domínio.

No entanto, em África nem sequer foi necessário introduzir a ingerência como novo conceito de relações internacionais, porque se praticou sempre uma intervenção sem máscaras depois das independências. Não menos visível foi a ingerência económica. Os antigos colonizadores, na maior parte dos casos, outorgaram a independência política para continuar a controlar melhor – eliminadas as pressões internacionais e calados os movimentos independentistas – as enormes quantidades de matérias-primas do continente.

a agravar a situação, os países negro-africanos nem sequer interessam para a implantação de empresas do Norte, no actual processo de deslocalização. Elas implantam-se em países emergentes da Ásia ou nos antigos países do Leste, incorporados na União Europeia. Uma vez mais, a África fica relegada a mera fornecedora de matérias-primas.

Convém, no entanto, dizer que o neocolonialismo em África beneficia da fragilidade dos sistemas políticos. Passada a fase dos pais da pátria e dos partidos únicos resultantes das lutas de libertação, é já evidente que a adopção do pluripartidarismo não está a resolver os problemas de convivência e de desenvolvimento, entre outras razões porque isto não depende só do sistema político.

Com efeito, verifica-se um abismo cada vez maior entre poder e população civil. O afastamento entre o poder e os cidadãos levou-os a tentarem «resolver» os problemas como podem, acabando muitos deles – sobretudo os jovens – rumando a uma Europa mítica e opulenta. No passado, os jovens africanos que vinham à Europa para matricular-se nas universidades. Hoje, chegam – muitos deles em jangadas – para procurar qualquer trabalho que os europeus não queiram fazer.

Por outro lado, as multinacionais são agora a correia de transmissão das antigas metrópoles e dos Estados Unidos, que vêem em África uma parcela privilegiada para abastecer-se de hidrocarbonetos e de minerais estratégicos.

A um outro nível, enquanto aumenta em África o número de jovens desocupados entre os que possuem estudos superiores aumentam no Ocidente africanos doutorados em diversas áreas que nem sequer colocam a possibilidade de regressar aos seus países de origem. Esta fuga de cérebros está a causar um prejuízo irreparável à África moderna, em especial nesta era de revolução tecnológica. Isto contribui também para que, uma vez mais, um continente como o africano permaneça relegado a mero fornecedor de matérias-primas, algumas delas imprescindíveis para as novas tecnologias de ponta da informação.

Em todo este contexto, não admira que o Continente Africano surja outra vez subjugado por uma nova colonização, aparentemente mais subtil mas igualmente dramática.

Para uma efectiva libertação de África – e dos países do Sul, em geral – é necessário o estabelecimento de uma nova ordem económica, a qual é incompatível com o neoliberalismo económico e político. Esta tem de passar necessariamente por uma nova consciência dos povos, designadamente dos povos do Norte, também cada vez penalizados pelo actual estádio do capitalismo. Os trabalhadores da Europa rica e dos Estados Unidos nunca serão verdadeiramente livres sem que os seus companheiros de África o sejam também.

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