Intervenção de Ilda Figueiredo, Deputada ao Parlamento Europeu, Debate Público «Fuga de capitais e o programa de agressão»

A União Europeia e a fuga de capitais

Todos sabemos que as principais causas da corrupção e da fraude fiscal na União Europeia (UE) residem na própria natureza do sistema capitalista de que a UE é um instrumento fundamental, como, actualmente, se entende melhor.

Embora procurando escamotear esta questão central, esteve recentemente em debate este tema no Parlamento Europeu (PE). Até foi aprovada uma resolução sobre “o esforço da UE na luta contra a corrupção”, na sessão plenária de 15 de Setembro passado, onde, além de se afirmar que “os custos da corrupção para a economia da UE atingem 120 mil milhões de euros por ano, valor equivalente ao seu orçamento anual, o que significa cerca de 1% do PIB anual da UE”, se reconhece, designadamente, o seguinte:

- "a corrupção mina o estado de direito, leva à utilização abusiva do dinheiro público em geral e de fundos da EU financiados pelos contribuintes e é responsável por distorções do mercado, tendo contribuído para a actual crise económica;

- a corrupção, a evasão fiscal, a fraude fiscal e outros crimes económicos constituem obstáculos à recuperação económica dos Estados-Membros afectados pela crise económica e financeira; o risco de corrupção é particularmente grave em caso de desregulamentação e de privatização em larga escala e é necessário pôr-lhes termo por todos os meios possíveis;

- a corrupção causa danos sociais devido ao facto de grupos de criminalidade organizada a utilizarem para praticarem outros crimes graves, como o tráfico de estupefacientes e de seres humanos."

Só que, depois, além de algumas ténues solicitações ao Conselho e à Comissão sobre offshores, intercâmbio de informações, empresas-fantasma e possíveis alterações a incluir na próxima revisão da Directiva relativa ao branqueamento de capitais, fica-se pelo pedido de antecipação do relatório que a Comissão Europeia deverá apresentar em 2013 sobre o que, entretanto, se passar.

Na verdade, a questão maior e mais grave continua a residir na desregulamentação dos mercados financeiros, na especulação que desenvolvem, designadamente com a proliferação de produtos e transacções financeiras no mercado de derivados, que levou à multiplicação de bolhas financeiras, e na existência dos paraísos fiscais, essa forma de permitir “ legalmente” a fuga aos impostos, a evasão fiscal e todo um conjunto de operações financeiras de branqueamento de capitais e de negócios obscuros e sujos, além da multiplicação de parcerias público-privadas que garantem a grupos económicos privados ganhos substanciais, praticamente sem quaisquer riscos, e nas privatizações que continuam a ser defendidas pela legislação da UE e exigidas, em massa e ao desbarato, nos países sujeitos à chamada “assistência financeira”.

Na Cimeira do G20 de Londres, em 2 de Abril de 2009, os responsáveis dos países participantes concordaram em definir uma lista negra de paraísos fiscais. Mas os avanços e recuos neste processo, seja na União Europeia, seja nos EUA, mantêm, no essencial, um sistema que permite a fuga e evasão fiscais em valores de muitos biliões e triliões, numa e noutra zona monetária. Nas decisões do último Conselho Económico da EU – ECOFIN, de 4/10/2011, faz-se referência à legislação em preparação sobre os produtos derivados OTC, mas remete-se para o final de 2012 a sua entrada em vigor. Entretanto, no PE afirma-se que haverá nos paraísos fiscais europeus cerca de 200 mil milhões de euros provenientes da Grécia e que esse montante poderá ser de 300 mil milhões se incluirmos outros paraísos fiscais.

Na União Europeia, desde 2008 que se afirma ser evidente a necessidade de um maior controlo e de uma melhor coordenação do sistema financeiro na UE. No Parlamento Europeu, logo no início da chamada crise financeira, foi aprovada uma resolução defendendo a adopção de medidas especificamente destinadas a garantir uma melhor supervisão dos mercados, tendo a Comissão Europeia apresentado, em meados de 2009, uma proposta com quatro mecanismos de supervisão diferentes.

Foi assim que, em 2010, se criou o Conselho Europeu de Risco Sistémico, com sede em Frankfurt, gerido pelo BCE, composto pelos governadores dos bancos centrais dos países da UE, pelas autoridades europeias de supervisão e pelos supervisores nacionais, sendo seu objectivo declarado alertar as autoridades nacionais em caso de problemas no sistema financeiro.

Foi igualmente criada outra entidade de supervisão, o Sistema Europeu de Supervisores Financeiros, além das autoridades europeias de supervisão e do novo regime regulamentar para os fundos de capital de risco e outros fundos de investimento alternativo, tendo-se, então, afirmado, que se pretendia “evitar novas crises no futuro e proteger os investidores, sem estrangular o mercado”.

Ainda durante 2010, debateu-se a importância da transparência no mercado de derivados, reconhecendo-se que, paradoxalmente, a sua existência contribuiu para o aumento dos riscos no sistema financeiro mundial sobretudo os produtos negociados meramente entre bancos.

E numa Resolução do PE sobre as agências de notação de crédito reconheceu-se que “a indústria de notação de créditos tem vários problemas, sendo alguns dos mais importantes a falta de concorrência, as estruturas de oligopólio e a falta de responsabilização e transparência”, acrescentando-se que “o problema das agências de notação dominantes, em especial, é o modelo de pagamento e que o problema fundamental é o da dependência excessiva de notações de crédito externas”, além de considerar que “ desempenharam um papel significativo no caminho que levou à crise financeira, atribuindo notações incorrectas a instrumentos financeiros estruturados que tiveram de ser descidas, em média, três a quatro níveis, durante a crise”. Foi também nessa resolução de 2010 que se reconheceu que o sistema de Basileia II se traduziu numa excessiva dependência em relação às avaliações externas e se assinalaram lacunas diversas no seu quadro regulamentar.

Mas os resultados práticos de tudo isto foram uma mão cheia de quase nada e outra de coisa nenhuma, como o recente caso do banco Dexia bem demonstra. Em termos de regulamentação do mercado financeiro tudo continua mais ou menos na mesma, o que também demonstra que as decisões sobre a criação das novas entidades de supervisão financeira pouco adiantaram, não passando do domínio das afirmações demagógicas a promessa da criação de uma taxa sobre as transacções financeiras, com um valor ridículo, se os paraísos fiscais continuam a florescer e os mercados de produtos derivados continuam a alimentar a especulação com as dívidas soberanas dos países de economias mais frágeis.

Neste momento, vive-se um novo impasse, o que parece estar subjacente à decisão de adiar, para 23 de Outubro, a Cimeira da Eurozona e o Conselho Europeu. Além de ainda haver um EM (Eslováquia) que mantém em suspenso a aprovação das decisões da Cimeira de 21 de Julho, continuando adiado o pagamento da 6ª tranche à Grécia, bem como a diminuição dos respectivos juros e o alargamento dos prazos de pagamento dos empréstimos aos países sujeitos à dita assistência financeira da EU e do FMI, e a possibilidade de usar a flexibilidade do FEEF, parece haver divergências entre a França e a Alemanha quanto à forma de capitalizar os bancos. A França defende que seja através da utilização dos 440 mil milhões do FEEF e a Alemanha insiste no recurso dos bancos ao mercado aberto e ao suporte dos governos dos EM onde tal seja necessário.

Mas, entretanto, foi aprovado o pacote legislativo da chamada governação económica que, através de seis diplomas – três directivas e três regulamentos – lança um verdadeiro garrote sobre os países de economias mais frágeis, subjugando os seus órgãos de poder político às orientações da Comissão Europeia e criando sanções que podem chegar a 0,8% do PIB do país transformado numa autêntica colónia.

Só que, ao insistir nas mesmas políticas neoliberais e nas ditas políticas de austeridade, no reforço do PEC e na centralização do poder económico e político, o que temos é o aprofundamento das assimetrias económicas e das desigualdades sociais, do desemprego e da pobreza, sem perspectivas de futuro para os cerca de 23 % de jovens desempregados ou para os mais de 100 milhões de pessoas em risco de pobreza.

Por último, uma referência, ainda, à próxima Cimeira do G20 – 3 e 4 de Novembro – em Cannes, França, onde novamente estarão em debate algumas destas questões, incluindo a regulação financeira e a reforma do sistema monetário internacional.

Em conclusão, avolumam-se as contradições do capitalismo, o que pode levar a convulsões sociais graves e à própria proliferação de conflitos regionais. Podem tentar novo fôlego, mas não encontrarão soluções duradouras.

Vamos ter pela frente um período muito complicado, em Portugal e na União Europeia que exige de nós grande firmeza na defesa das alternativas em cada momento e na mobilização para a luta contra o próprio sistema capitalista.

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