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Encontro Nacional do PCP sobre a situação da Educação em Portugal -Interv. de abertura - Jorge Pires
Sábado, 23 Outubro 2004

Encontro Nacional do PCP sobre a situação da Educação em Portugal
Interv. de abertura de Jorge Pires, membro da Comissão Política do CC do PCP


Camaradas e Amigos convidados,

A realização deste Encontro Nacional, que teve na sua preparação cerca de quatro dezenas de reuniões em praticamente todo o país, sobre a situação da Educação em Portugal, num quadro de profunda crise neste sector, reveste-se da maior importância, não só pelo contributo que pode dar no apetrechamento do Partido de uma análise objectiva da relação causa efeito desta crise, mas sobretudo na definição de um conjunto de propostas fundamentais para a saída da crise, na procura de um novo rumo para a Educação em Portugal.

Hoje vamos reflectir sobre a crise que afecta a escola e o sistema educativo, crise que se vem prolongando no tempo, que se situa em questões como a deficiente rede escolar, na falta de equipamentos, quer em quantidade, quer em qualidade, nas insuficiências de organização, nas aprendizagens e nas formações, mas também se situa nos valores e no prestígio da escola.

Não se trata por isso de uma crise conjuntural, mas sim uma crise estrutural.

Mas ela é estrutural sobretudo porque, não é possível ultrapassar a enorme contradição entre a escola que os portugueses e o país precisam e desejam, e as políticas que têm sido adoptadas pelas classes dominantes do sistema capitalista em Portugal.

Crise que tem entre as suas principais causas, a insistência por parte dos sucessivos governos, (como um camarada dizia numa reunião as diferenças situam-se por vezes apenas no “embrulho” em que essas políticas são apresentadas), em políticas educativas de direita que desde há muito afrontam a Constituição da República, que consagra a educação como um direito universal dos cidadãos, nomeadamente nos seus artigos 74º, 75º e 77º, artigos que garantem a igualdade de oportunidades de acesso e sucesso escolar, da obrigatoriedade do Estado criar “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino, que cubra as necessidades de toda a população “ e o direito de participação dos professores e alunos na gestão democrática das escolas, respectivamente.

Políticas, que sustentam as teses de “menos Estado melhor Estado”, que aplicadas na educação, significam desresponsabilização do Estado da sua função social na área da formação, privatização do ensino e elitismo no acesso e a diminuição da qualidade das aprendizagens.

É neste quadro de crise, de acentuação da ofensiva de matriz neoliberal, caracterizado pelo aumento das preocupações de cada vez mais portugueses, pelo clima de indignação, frustação e pessimismo relativamente ao futuro, a exigir uma maior intervenção do nosso Partido no sentido de uma maior clarificação das causas e na identificação dos responsáveis políticos, pela situação que se vive neste sector, que se realiza este nosso Encontro Nacional.

Um Encontro que sendo do PCP e tal como é frequente no nosso Partido, foi aberto a outros amigos que connosco aceitam intervir na defesa da democratização da educação, na defesa de um sistema educativo ao serviço do país e dos portugueses, na defesa do Ensino Público, Gratuito e de Qualidade para todos.

O direito de decidir sobre as orientações que melhor servem o Partido, que é dos militantes, não impede que na fase de construção dessas orientações, percurso que é feito de forma participada, se procure com frequência, como é o caso, incluir as opiniões de outros que connosco aceitam de livre vontade intervir em torno de objectivos que nos são comuns, e por isso saudando a participação de todos neste Encontro, faço-o com particular simpatia a todos os que não sendo militantes do PCP, aqui estão connosco a contribuírem com a sua experiência e saber.

Esta é uma prática que tem que ver com a natureza do nosso Partido e sobretudo com a convicção que temos de que, na nossa luta de todos os dias, a unidade na acção tem de ser construída tendo na sua génese a capacidade de ouvir com respeito efectivo, aprender com opiniões diferentes, que eventualmente até podem ser discordantes das nossas. Esta é uma forma de estar entre nós, mas também na nossa relação com os outros.

Exactamente porque temos esta prática, não nos revemos, na acusação genérica, que ouvimos da boca do Presidente da CONFAP, de que segundo ele, “os directórios políticos”, estou a utilizar a sua própria expressão, só desestabilizam as escolas. Foi mais ou menos assim, que ele disse num fórum organizado por uma rádio nacional sobre os problemas da colocação de professores, acusação que foi feita, sem que, em nenhum momento tivesse identificado a origem dos problemas da abertura do ano lectivo, nas políticas do Ministério da Educação e nos seus responsáveis.

Certamente que não me está a ouvir, mas não quero deixar de afirmar aqui neste nosso Encontro, que quer seja no espaço escola, quer seja na Assembleia da República ou nas autarquias locais, os militantes do PCP intervêm sempre com sentido de responsabilidade, articulando a sua intervenção política de massas com a sua intervenção institucional, formulando propostas para a resolução dos problemas, sempre ao lado daqueles que são penalizados pelas políticas de direita, mas nunca abdicando de enquadrar essa intervenção na luta mais geral por uma “Democracia Avançada no Limiar do Século XXI”, parte integrante do programa do PCP.

“Democracia Avançada” onde se integra a escola que o PCP defende e que se distingue dos projectos, que quer a direita, quer o PS em alternância, têm vindo a concretizar, partidos que como todos sabemos ocupam as cadeiras do Ministério da Educação, há já 28 anos.

São muitas as diferenças que distinguem o nosso projecto educativo dos outros, mas há uma que creio ser decisiva na afirmação das diferenças. É que a escola que o PCP defende, é a escola que tem por fim formar o aluno e a aluna enquanto homem e mulher independentemente da ocupação que vierem a ter após a saída da escola e não a escola que forma o indivíduo em função dos interesses do grande capital, a escola que reproduza à saída as mesmas desigualdades da entrada.

Nem sempre esta a coincidência de objectivos entre a política de direita para este sector e os objectivos do poder económico, são entendidos por uma parte daqueles que acabam por se transformar nas próprias vítimas dessa coincidência. Sintomático desta intromissão crescente do poder económico em decisões relevantes para o funcionamento do sistema educativo, não só no plano nacional, mas já no plano transnacional, é o anúncio feito pela Ministra do Ensino Superior da implementação já a partir do ano lectivo de 2005/2006, de um conjunto de medidas inscritas na declaração de Bolonha, matéria que terá aqui no nosso Encontro um tratamento específico.

A actual maioria de direita tem procurado desvalorizar a escola pública com um conjunto de medidas que não contribuem, antes pelo contrário para que aumente a qualidade das suas respostas. São os cortes sucessivos no financiamento, a falta de investimento nas condições de trabalho de alunos, professores e pessoal não docente, ou a criação de focos de instabilidade como aconteceu com a colocação de professores, medidas que têm como objectivo imediato a fragilização do ensino público e promoverem o ensino privado.

Ensino privado que vêm aumentar os privilégios e subsídios concedidos pelo Governo, chegando ao ponto de desrespeitarem o próprio quadro legal.

Por mais ingénuas, desarticuladas e tontas, que possam parecer as opiniões dos nossos governantes sobre questões concretas, como tem vindo a acontecer com a Ministra da educação, ou ainda recentemente, com a afirmação no mínimo ridícula do Primeiro Ministro de que um conjunto de professores com horário 0, podiam ir acessorar, certamente em termos administrativos, os juízes, elas enquadram-se sempre numa linha de desvalorização do ensino público e como tal devem ser entendidas sob pena de se centrar a luta em questões laterais, como a incompetência da Ministra, quando a questão central é a luta em defesa da Escola Pública, Gratuita e de Qualidade para todos.

Camaradas,

Nos objectivos deste Encontro não está apenas a análise da situação da educação em Portugal. Vamos também aqui debater um conjunto de propostas que estão formuladas no documento base, propostas de grande alcance político e pedagógico que poderão ser traduzidas em futuras iniciativas legislativas.

Não temos certamente propostas para todos os problemas com que o nosso sistema de ensino se confronta hoje e sobretudo, como Partido responsável que somos, não fazemos propostas sem que estejamos convictos da sua validade e sem uma discussão profunda que encontre os argumentos necessários à sua sustentabilidade.

A discussão vai certamente encarregar-se de mostrar diferenças de opinião e atrasos na discussão em algumas matérias, mas o Encontro também tem o objectivo de abrir novos espaços de avaliação e formulação de novas propostas.

No centro do confronto político e ideológico que se tem vindo a travar em matéria educação e ensino, está uma questão central, que diferencia o nosso projecto dos projectos da direita e do próprio PS, que é o facto de defendermos uma escola que forme os alunos na perspectiva do trabalho, mas que simultaneamente os forme para a cidadania, para uma participação na vida política e social, o “homem total” como dizia Marx e não aquela que resulta da mercantilização da educação atribuindo-lhe um valor de troca, para desta forma sustentarem a tese neoliberal, de que quem quer saúde paga, quem quer educação paga e como o nosso secretário geral gosta de dizer, se não queres pagar impostos torna-te rico.

Para nós comunistas, o direito à educação e ao ensino é assegurado por uma política que assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do nosso país; que atenda à multiplicidade e diversidade dos processos educativos e formativos contemporâneos e as dimensões a que estes necessitam de dar resposta; que considere o conjunto da população portuguesa e desenvolva um sistema de educação permanente que integre e equilibre a educação inicial com o ensino e a formação contínua dos adultos.

Uma política que assegure um ensino da mais alta qualidade para todos os portugueses e que seja um factor de elevação do nível cultural da população, da formação integral da pessoa humana e de afirmação da cidadania plena e criadora numa sociedade democrática.

Direito à educação que é assegurado por um sistema educativo que valorize o ensino público, democraticamente gerido e dotado de objectivos, estruturas e programas e meios financeiros e humanos que permitam o direito ao ensino e à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo a todos os portugueses.

Projecto político que defende a existência de uma escola em transformação, para o desenvolvimento e a modernização, para a emancipação cultural e a pedagogia democrática, para a educação permanente; uma escola apoiada na sua função cultural.

Uma política que olha para o investimento na educação não como um investimento considerado na lógica capitalista, mas um investimento na humanização da vida.

Camaradas

Tal como é referido no projecto de Resolução deste Encontro, a expressão mais aguda desta crise, está naquele que é certamente o maior problema do nosso sistema educativo, que é o facto de Portugal só ser ultrapassado a pouca distância por Malta, nas mais elevadas taxas de insucesso escolar e abandono precoce. Tal como poderão verificar numa consulta aos dados estatísticos distribuídos nas vossas pastas, a percentagem de portugueses entre os 25 e 64 anos que completou o ensino secundário passou de 19,9 em 92 para 20,6 em 2002, enquanto por exemplo a Grécia passou de 36,6 para 52,7 e a Espanha de 24 para 41,6.

Quanto ao abandono precoce nos jovens entre os 18 e os 24 anos, Portugal passou de 50% para 40,4 em 2003, enquanto a Espanha passou de 40,4 para 29,8 e a Grécia de 25,2 para 15,3. Mas se observarmos alguns dados recentemente publicados pela U.E., já com a consideração dos 25 países, temos por exemplo que o nível de escolaridade dos jovens em 2002 em Portugal era de 43,7, enquanto na Eslovénia era de 90 e a Eslováquia de 94%. E que relativamente ao abandono precoce no secundário, em Portugal era de 48%, enquanto na Eslováquia e na República Checa era de 5% , na Polónia 8 e na Dinamarca 9%.

Sendo certo que a educação não pode ser reduzida a dados estatísticos, ou isoladamente a outro elemento qualquer, estes são números que elucidam bem a gravíssima situação que temos em Portugal e que exigem rapidamente um conjunto de medidas e objectivos definidos no tempo, sob pena do nosso País se atrasar irremediavelmente no seu desenvolvimento.

Medidas que não podem passar por operações de Marketing político, como aconteceu ainda recentemente com a apresentação do Plano de Prevenção do Abandono Escolar apresentado com pompa e circunstância pelo Governo de Durão Barroso. Foi o próprio Conselho Nacional de Educação que escreveu no seu parecer, que “Ao privilegiar o anúncio mediático do ataque ao problema, apresenta-se um documento não isento de ambiguidades, quer quanto à sua natureza, quer quanto às suas finalidades, sem uma avaliação sólida das intervenções e programas já desenvolvidos entre nós e tributário de uma perspectiva centralizadora, no método e nas soluções apontadas. Esqueceu-se, sobretudo, a participação e o envolvimento prévios de actores fundamentais, sendo difícil não discernir uma reacção mais ou menos generalizada de alguma indiferença, um certo sentimento de descrença e o cepticismo com que o Plano foi recebido.”

Foi neste quadro, de enorme gravidade social e com a consciência de que podemos dar um importante contributo, recolocando de formas séria este problema na agenda política, que decidimos anunciar-vos em primeira mão, o lançamento, ainda durante o mês de Novembro, de uma iniciativa promovida pelo nosso Partido, que irá culminar com a apresentação durante o próximo mês de Março, antes do período de férias da Páscoa, de um Plano de Combate ao Insucesso Escolar e ao Abandono Precoce.

Durante os próximos quatro meses serão organizadas um conjunto de iniciativas de auscultação e debate com todos os actores fundamentais que intervêm no processo educativo, não esquecendo que este é e cada vez mais um problema de toda a sociedade e que esta deve ser envolvida na sua resolução.

Pode dizer-se que o insucesso escolar, pela sua extensão e por aqueles que penaliza, tende a ser hoje na prática, o meio privilegiado de selectividade social no acesso à escola, que anteriormente era desempenhado quase exclusivamente por factores de ordem económica.

Camaradas,

A educação e o sistema de ensino assumem uma importância fundamental, não apenas para o indivíduo mas também para a sociedade. A importância das questões educativas advém do papel determinante que o sistema escolar desempenha na formação da juventude, no processo científico e tecnológico e na formação dos quadros técnicos e intelectuais, necessários ao desenvolvimento independente do País.

Estas são razões suficientes para que o PCP reforce a sua intervenção nesta área estruturante da sociedade portuguesa. Outros camaradas virão a esta tribuna abordar temas específicos do nosso sistema educativo, mas também da organização e intervenção partidária e por isso não me vou alongar muito. Apenas referir que a nós comunistas cabe-nos a importante tarefa da transformação revolucionária da sociedade e para isso é fundamental que nos transformemos em agentes activos dessa transformação. O caminho é organizarmo-nos mais e melhor, potencializando os colectivos partidários naquilo que de melhor eles têm, que é a sua vida democrática, a análise e criação colectiva na procura das melhores soluções para o País e os portugueses.

Como alguém escreveu um dia, “ é o Homem que com a sua consciência, a sua acção e a sua luta determina o curso da história. Os Homens são obreiros das transformações sociais”.