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Declaração política sobre a situação do empreendimento de Alqueva
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
Quinta, 03 Outubro 2002

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Em Fevereiro passado, quando do início do encerramento das comportas de Alqueva, congratulámo-nos com o facto mas sublinhámos igualmente “a apreensão e preocupação” com que acompanhávamos a evolução do Projecto.

Hoje, depois de dois dias de intensas visitas ao Empreendimento e de reuniões com estruturas representativas da região, afirmamos que as nossas apreensões e preocupações estão claramente acentuadas.

Desde logo porque se agrava, no plano do Governo, a ausência de uma visão integrada do projecto. O Ministro das Cidades, que assumiu a tutela do Empreendimento sem ele próprio, porventura, perceber bem porquê, tem notoriamente um gritante deficit de sensibilidade para a importância estratégica do Empreendimento. Querem um exemplo Pois bem, as GOP’s que assumem as grandes opções de política até 2006, não têm uma única palavra directa sobre Alqueva. E o investimento previsto no OE 2003 na construção da rede de rega diminui em quase 30%. Além do mais não se conhece um pensamento sobre este estratégico investimento tanto do Ministro Isaltino de Morais como do Ministro Sevinate Pinto bem como do próprio Primeiro-Ministro, salvaguardadas as palavras de circunstância.

A decisão do Governo de interromper a desmatagem e limpeza do arvoredo à cota 139 bem como a respectiva exploração é irresponsável, tecnicamente impossível, ambientalmente desastrosa e sem nenhuma base científica. Irresponsável porque lança a incerteza sobre os investimentos projectados e sobre as áreas que, afinal, vão ser inundadas. E a manter-se a decisão em termos definitivos tal significaria reduzir a área de rega em 54%, o volume de armazenagem de água em metade, comprometer o aproveitamento do potencial energético, pôr em causa a capacidade de regularização de água do Guadiana e Alqueva como reserva estratégica de água. O Alqueva passaria a Alquevinha e perdia-se a sua função de alavanca de desenvolvimento. Poria mesmo em perigo o financiamento comunitário. Tecnicamente impossível porque estando já a barragem construída à cota 152, em caso de chuvas intensas e cheias, mesmo se os descarregadores fossem abertos, a água treparia à mesma acima da cota 139. Ambientalmente desastroso porque nestas condições, e nos casos em que a limpeza do terreno não esteja feita entre as duas cotas, tal traduzir-se-ia na submersão dessa parte do terreno com tudo o que lá dentro se encontrasse. É, pois, uma decisão demagógica e incompetente que não resolve nenhum problema ou preocupação ambiental e agrava-os a todos. Mas em matéria ambiental acrescem ainda dúvidas quanto à monitorização da qualidade da água face à ausência da instalação de uma rede específica da qualidade da água da albufeira, designadamente para controlar os caudais provenientes de Espanha (só uma estação foi lançada em 22 de Julho passado).

As questões fundiária e agrícola estão praticamente paralisadas. Foi rejeitado o projecto de lei que apresentámos na última legislatura de reestruturação fundiária mas nenhuma alternativa séria foi apresentada. E continua a não estar definida nenhuma estratégia de alteração dos sistema agrícolas, não há mobilização nem formação dos agricultores, designadamente de jovens e pequenos agricultores, não há qualquer dinâmica significativa visando a transformação do modelo cultural, não se conhecem nenhumas negociações sérias com a União Europeia com vista a serem ultrapassados os estrangulamentos colocados pelas quotas de produção atribuídas a Portugal o que pode inviabilizar muitas das produções vocacionadas para Alqueva. A célebre Infraestrutura 12 (Odivelas-Ferreira do Alentejo) já existia antes de Alqueva, regada a partir das Barragens do Alvito e de Odivelas.

O resultado já começa a vislumbrar-se: desinteresse dos agricultores nacionais, dinâmica de transferência de terras para fins não agrícolas, notícias de venda de grandes herdades a empresas agro-alimentares e grandes agricultores de Espanha a preços altamente inflacionados, tão inexplicavelmente altos que já há quem se interrogue sobre o tipo de actividades ilícitas que nela possam estar envolvidas. Podemos assim vir a ter, a prazo, um cenário de abandono ou venda de terras de aptidão agrícola para fins não produtivos e a instalação de grandes empresas agro-alimentares não nacionais, desenvolvendo formas ultra-intensivas de exploração da terra com recurso a mão de obra imigrada e sobre-explorada sem efeitos numa reestruturação efectiva e sustentada do desenvolvimento agrícola alentejano.

Entretanto a valia turística sofre de indefinições e constrangimentos passíveis de pôr em causa igualmente um desenvolvimento sustentado nesta matéria e intenções sérias de investimento.

As compensações devidas e acordadas aos municípios e populações afectadas não estão cumpridas. A rede de equipamentos sociais, culturais e de saúde (Centro de Saúde de Mourão e um novo Hospital em Moura) previstos no PROZEA ou a reposição de caminhos agrícolas não estão assegurados. A construção de uma unidade produtiva substitutiva da Portucel, que já foi desmantelada por ir ficar submersa, não passou de promessas e de uma floresta de enganos, aqui com particular responsabilidade para o Partido Socialista cujo Governo e Primeiro-ministro chegaram mesmo a encenar o lançamento de uma primeira pedra que nunca existiu. Belmiro de Azevedo ganhou o braço de ferro. Limitou-se a receber uma choruda indemnização e em contrapartida não cumpriu uma só das obrigações inscritas no caderno de encargos do concurso de privatização da Portucel. Nem sequer a alternativa mínima da fábrica de móveis. 105 trabalhadores ficam assim sem emprego e encostados à parede são obrigados a aceitar a rescisão dos seus contratos de trabalho ou uma transferência forçada para muitos quilómetros longe da região e de casa. É um escândalo. No mínimo o Governo tem a estrita obrigação de demandar judicialmente a SONAE, impedir a sua participação na próxima fase de privatização da Portucel e assegurar um investimento alternativo na zona, que crie emprego e compense Mourão.

Uma questão fundamental sobra ainda. A indefinição quanto ao futuro modelo de administração do Empreendimento e, em particular, de gestão do seu domínio hídrico. Propõe-se o Governo privatizar a EDIA ou alargar a sua estratégia das águas ao domínio público hídrico de Alqueva? Estas são também questões que exigem um esclarecimento profundo. Mas também quanto ao financiamento que está longe de estar garantido, designadamente a partir de 2006.

Finalmente, o processo de participação e envolvimento das populações afectadas pela construção de Alqueva. A Comissão Consultiva do Empreendimento não reune desde 1997. A nova Aldeia da Luz está de pé. E é, sem dúvida, uma obra meritória. Mas a existência de múltiplos problemas concretos (como a drenagem de quintais e habitações ou a paralisação dos projectos agrícolas ligados ás operações de emparcelamento, por exemplo) que estão por resolver, ao nível de cada família, de cada habitação, de cada edifício, de cada parcela pode tornar penoso e desagradável o início de uma vida nova, que se quer de esperança, na nova aldeia.

O envolvimento das comunidades rurais que rodeiam o regolfo da Barragem tem sido ignorado. A dimensão e importância estratégica do projecto exige que não se decaia em tudo quanto tenha a ver com a qualificação do território envolvente da albufeira que, como sabemos, tem um perímetro idêntico a uma vez e meia a distância que vai de Caminha a Vila Real de Santo António. Em particular, é preciso assegurar um programa (com os respectivos meios) de requalificação das aldeias de água e das aldeias históricas bem como de todas as comunidades ribeirinhas. E tudo isto está longe de estar feito ou, nalguns casos, sequer iniciado.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

As indefinições e as preocupações quanto ao futuro de Alqueva são, pois, muitas e legítimas.

Por isso anunciamos que vamos requerer a presença na Assembleia da República dos Ministros das Cidades e da Agricultura para um debate urgente e entregamos um Projecto de Lei que propõe a adopção de medidas de reestruturação fundiária na área beneficiada e um Projecto de Resolução visando definir a posição da Assembleia da República sobre as restantes matérias que envolvem Alqueva.

O PCP sempre se bateu e continua a bater-se, coerentemente, por Alqueva como alavanca estratégica do desenvolvimento do Alentejo, criadora de oportunidades de emprego, factor de justiça social. Mas distanciar-nos-emos, claramente, de um projecto cuja evolução perverta as suas perspectivas iniciais, se transforme num factor de enriquecimento sem causa para alguns à custa de um investimento público e ponha em causa as suas potencialidades transformando-se num grande lago de água para turista apreciar mas sem poder assumir a sua função de Empreendimento de Fins Múltiplos, factor de desenvolvimento.

Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha,

Congratulo-me — e, seguramente, não esperaria outra coisa — que o PSD, como suponho que toda a Câmara, entenda que este é um projecto estratégico, de importância nacional, e não apenas de dimensão regional, e, portanto, se calhar, isso facilita a convergência de iniciativas, de molde a assegurar o seu futuro, na perspectiva com que o empreendimento foi projectado e lançado.

É verdade que, em 1993, existiu uma decisão do Conselho de Ministros no sentido de retomar do empreendimento e que, em 1995 ou 1996, se retoma efectivamente no terreno o empreendimento. Mas, já agora que falamos em datas, o seu a seu dono: a primeira decisão de arrancar com o empreendimento, nos tempos históricos mais recentes, foi tomada em Fevereiro de 1975 por uma resolução do Conselho de Ministros, que, depois, por razões essencialmente políticas, ficou parado durante 18 anos e só foi retomado muito mais tarde.

Se, na altura, o empreendimento tivesse tido continuidade, como nós propusemos e como foi aprovado em Conselho de Ministros em 1975, porventura agora já estaria construído e, neste momento, não tínhamos os problemas que temos no Alentejo.

No que se refere à desmatagem, Sr. Deputado, todos, naturalmente, estamos preocupados com as questões ambientais, mas esta decisão, como eu disse ali da tribuna, é, além do mais, ambientalmente desastrosa e tecnicamente impossível.

O Sr. Ministro, para agradar a uma determinada associação ambientalista, cuja representatividade, aliás, se desconhece, decidiu suspender a desmatagem acima da cota 139. Mas a barragem está construída à cota 152, Sr. Deputado! Se chover durante uma semana seguida e houver cheias, a água não pára, a água sobe e vai até à cota 152, mesmo que se abram os descarregadores. Já viu qual é a profunda incompetência desta decisão!? Com esta dificuldade adicional: é que, não se desmatando acima da cota 139, se vem uma cheia e se a água sobe, porque a barragem está construída, porque o paredão — que é uma linguagem de que os engenheiros não gostam — está construído, os animais e tudo quanto lá está fica submerso. Portanto, isto é uma decisão irresponsável, Sr. Deputado!

Não podemos num caso destes, por razões de táctica, do politicamente correcto, e para agradar a certos pequenos sectores da opinião, cuja representatividade e conhecimentos técnicos e científicos são praticamente nulos, estar a tomar decisões que, do ponto de vista meramente técnico, são de uma total irresponsabilidade, para além, Sr. Deputado, de lançarem a instabilidade em tudo o que são projectos de investimento. Por exemplo, à cota 152 Mourão fica reduzido em 30% do território, mas à cota 139 não, e os investimentos estão paralisados, porque ninguém sabe claramente qual é o quadro no futuro.

Portanto, Sr. Deputado, esta é uma decisão completamente irracional.

Por último, quanto à questão das cotas, Sr. Deputado, é evidente que, se o Governo português não se empenhar — e suponho que não se tem empenhado suficientemente — e se a Comissão Europeia não estiver aberta a rever o nível das quotas que foram garantidas a Portugal, temos uma decisão que é completamente irracional. A União Europeia financia um empreendimento, que vai custar mais de 400 milhões de contos, para regar 110 000 ha e, depois, não permite uma renegociação das quotas de produção que estão atribuídas a Portugal, o que significa que impede as culturas para as quais Alqueva está vocacionado. É uma coisa completamente irracional.

Neste sentido, o meu apelo, Sr. Deputado, é que, quando o nosso projecto de resolução for posto à discussão, toda esta Câmara seja unânime e o vote favoravelmente.

 

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