Partido Comunista Portugu�s
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Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR
Os portugueses podem contar com o PCP
Quinta, 05 Novembro 2009
Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR20091105_js2.jpgEste Programa de Governo não dá resposta aos principais problemas do país e mantém a linha política de direita que é responsável pela situação a que chegámos. É por isso que os portugueses podem contar com o PCP para continuar a lutar por uma ruptura e uma mudança! Não há outro caminho para dar resposta aos problemas que afectam o nosso povo, na persistente luta por uma vida melhor.

 

 

 

Debate do Programa do XVIII Governo Constitucional

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Discutimos hoje o Programa do XVIII Governo Constitucional, da responsabilidade do PS, suportado numa maioria relativa desta Assembleia, o Programa de um Governo que se apresenta numa situação distinta da do governo precedente: uma situação qualitativamente nova em resultado da perda da maioria absoluta por parte do PS; uma situação nova que não se vê reflectida no Programa do Governo, que faz a clara opção de manter intocável o núcleo essencial das políticas que têm conduzido o País à estagnação e à crise - uma opção fundamentada, assente na errada e mistificadora ideia de que os portugueses validaram, no passado dia 27 de Setembro, o rumo seguido pelo anterior governo do PS e o seu programa eleitoral.

O Governo, ao apresentar um Programa que repete as linhas essenciais do seu Programa Eleitoral, não só se recusa a tirar ilações da nova realidade política que emergiu das últimas eleições legislativas como pretende, acima de tudo, naturalizar e legitimar uma opção de continuidade que o povo português quis derrotar ao recusar a maioria absoluta ao PS, recusa que constituiu uma clara exigência de mudança, que não pode, nem deve, ser ignorada - muito menos quando se continua a assistir ao avolumar dos problemas nacionais, nomeadamente ao inquietante declínio económico nacional, ao contínuo agravamento do desemprego, em resultado de uma acelerada destruição da capacidade produtiva nacional!

Escuda-se ainda o Governo e o PS na falta de correspondência às suas propostas de diálogo para justificar a opção de manter intactas as suas orientações e políticas, ao mesmo tempo que expressa públicas lamentações pela inexistência de condições para firmar acordos, que, evidentemente, nunca quis, tentando passar para outros a responsabilidade de garantir as condições de estabilidade ou de governabilidade do País, que são exclusivamente suas.

Não se pode acenar com diálogo e, ao mesmo tempo, afirmar que nada mudará no essencial da sua política. Não se podem levar a sério propostas de diálogo com quem diz querer governar à esquerda, mas propõe convergências à direita em pé de igualdade com as que propõe à esquerda.

Agora que estamos perante a proposta concreta do Programa do Governo, não há mais espaço para escamotear a natureza das suas opções e políticas fundamentais: um programa que é de continuidade, agravada com o aprofundamento de algumas das mais penosas políticas do anterior governo.

E não será o logro propagandístico que se vai procurando incutir na opinião pública de que será um Governo ao centro-direita na economia e à esquerda no social, fazendo os correspondentes acordos nesta Assembleia, que pode encobrir a nudez crua de um Programa que é uma versão recauchutada do programa do anterior governo, um Programa que, nos seus conteúdo e forma, os grandes grupos económicos e os grandes interesses instalados não desdenhariam e vão apoiar com certeza.

Na verdade, não são apenas as opções programáticas que apontam para o aprofundamento da ofensiva contra os direitos laborais e sociais dos trabalhadores, que põem em causa o direito ao trabalho e ao trabalho com direitos; é já a prática governativa, a resposta que não se vê de um Governo conformado perante as decisões implacáveis das multinacionais e o anúncio dos despedimentos na Delphi e na Qimonda, da grave situação da Rhode, da Covina/Saint-Gobain, da Aerosoles, no recurso a novos lay-off que indiciam novos e inquietantes sinais de agravamento para o futuro próximo.

O Governo PS não tem uma política para o combate ao desemprego porque dá a força do exemplo pela eliminação de postos de trabalho no sector público - que, aliás, se propõe continuar - e porque é complacente com encerramentos sem justificação, com lay-off ilegais e com todas as tropelias do patronato sem escrúpulos que se arroga do arbítrio, sabendo que fica impune.

Aliás, o Governo propõe-se, no seu Programa, ser aliado do patronato na chantagem de retirar direitos com a ameaça do posto de trabalho, como se para criar emprego fosse preciso aumentar a exploração. Isto é, num momento de especial fragilidade, face à crise e ao desemprego, o Governo responsabiliza, no seu Programa, os trabalhadores efectivos pela situação de precariedade em que muitas centenas de milhares de trabalhadores se encontram e os trabalhadores no activo pelo desemprego dos jovens.

É a velha tese neoliberal, que faz crer que as causas do desemprego e da precariedade estão na estabilidade do emprego e na existência de trabalho com direitos.

O Governo propõe-se avançar mais ainda na desregulação dos horários, para que a mais trabalho corresponda menos salário, e afirma querer fazê-lo através da contratação colectiva, que deixaria de ser um direito dos trabalhadores para passar a ser um instrumento do Governo ao serviço dos objectivos das confederações patronais.

Quanto à precariedade, o que se propõe é tão-só legalizá-la através da diferenciação das taxas contributivas e da normalização do recurso ao trabalho temporário, inclusive no Estado.

O Sr. Primeiro-Ministro deveria dizer ao País se vai eliminar os recibos verdes da Administração Pública, integrando esses trabalhadores nos quadros ou se vai despedi-los, para os contratar depois através de empresas de trabalho temporário ou de outras que os contratem, elas próprias, a recibo verde.

O Governo fala hipocritamente de um novo equilíbrio social, mas o que propõe, de facto, é um novo e agravado desequilíbrio social, na sequência da alteração, para pior, do Código do Trabalho!

Este Governo não tem uma política económica que dê resposta aos problemas do País.

Os últimos anos foram marcados por uma severa quebra no investimento público, padrão que certamente se manterá quando já se fala novamente de redução da despesa pública para corrigir o défice.

Continuou a política de abandono da produção nacional e de desvalorização da produção para o mercado interno, agravando a nossa dependência externa de bens essenciais, designadamente de bens agro-alimentares.

Ao mesmo tempo que injectou milhões no sector bancário, o Governo permitiu a manutenção de elevados custos do crédito - em especial para as micro, pequenas e médias empresas - que poderia ter contrariado, se tivesse dado orientações para limitar o custo do crédito no banco público.

É responsável por elevadíssimos custos energéticos, bem patentes na continuada fraude para a economia nacional que é a fixação dos preços dos combustíveis e o aumento do custo da electricidade.

O Programa do Governo tem, num capítulo a que chamou «revolução energética», 812 palavras, 26 alíneas e 11 subalíneas, mas nem uma só que seja é sobre o escandaloso preço da energia paga pelas empresas e também pelas famílias, que enche os bolsos aos accionistas da EDP e da GALP e lança na ruína a economia nacional, em particular as micro, pequenas e médias empresas.

Era preciso que os portugueses soubessem se o Governo vai aceitar mais um escandaloso aumento do preço da electricidade proposto para 2010 ou se, como exige o PCP, vai pôr os interesses do País à frente dos lucros da EDP e congelar os preços da energia eléctrica.

Fica bem à vista o resultado da privatização de empresas essenciais para a economia e para o País - aliás, como acontecerá se prosseguir a linha de privatização que até agora tem estado definida para a TAP e para a ANA, entre outras empresas, como, por exemplo, no sector das águas, matéria que não está clarificada neste Programa do Governo.

O resultado desta política está bem à vista: é o aumento do desemprego, o agravamento dos défices estruturais e a perspectiva da continuação no futuro da divergência com a média da União Europeia.

Em relação à questão do défice, mais do que o quanto é o quando, é decisivo que o Governo diga ao País como vai corrigi-lo. É apostando no desenvolvimento económico para, a partir daí, corrigir as contas públicas ou fazendo pagar os mesmos de sempre, com baixos salários e pensões, com a destruição de serviços públicos e o aumento das desigualdades?

Este Governo não tem uma política para uma melhor distribuição da riqueza. E é aí, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, que está o cerne do combate às injustiças e às desigualdades, através da melhoria dos salários e das reformas.

O nosso País precisa, por razões da mais elementar justiça social mas também por incontornáveis razões de política económica, de definir como objectivo uma melhoria dos salários dos trabalhadores portugueses.

Mas este Governo, sempre do lado dos mais fortes, recusa assumir compromissos nesta matéria, a não ser a criação de um novo subsídio que, independentemente do seu valor em concreto, não substitui a imperiosa necessidade de aumentar os salários para que os portugueses não empobreçam trabalhando, como está a acontecer.

O Governo chegou ao pormenor de definir, por exemplo, o objectivo para a fileira da energia geotérmica para 2020, mas não foi capaz (porque, obviamente, não o quis) de estabelecer um objectivo de aumento do salário mínimo até ao fim da legislatura, que, para o PCP, deve ser de pelo menos 600 €.

O mesmo se diga em relação à situação das pensões e reformas em que se mantém a política de penalização dos que trabalharam e descontaram mais de 40 anos.

Este Governo não tem uma política de justiça fiscal porque continua a tributar metade ou menos da taxa normal os lucros da banca; porque mantém uma tributação reduzida das mais-valias bolsistas; porque sobre os offshore continua a «sacudir a água do capote», sem assumir qualquer compromisso em concreto.

Este Governo quer continuar a degradar a Administração Pública e os serviços públicos e fá-lo mantendo o ataque aos direitos dos seus trabalhadores, que pretende continuar a diminuir com a regra de uma entrada por duas saídas e continuando a prever a diminuição da despesa pública.

A escola pública é um motor do progresso social e do desenvolvimento. Não pode continuar no plano inclinado em que as políticas de direita a colocam nem pode continuar a ser marcada pelo ataque cerrado à gestão democrática e à profissão docente.

Por isso, já propusemos o agendamento da imprescindível suspensão do actual modelo de avaliação, para que se possa abrir uma negociação séria com vista à alteração do Estatuto da Carreira Docente. Uma alteração que, na opinião do PCP, entre outras questões, tem de eliminar a divisão dos professores entre titulares e não titulares, deve reconduzir o modelo de avaliação a um modelo formativo e orientado para a melhoria do desempenho e não para impedir a progressão na carreira, e que não pode deixar de incluir uma alteração do regime de horários dos professores, com cada vez maior carga burocrática e cada vez menos tempo para as questões pedagógicas.

De nada serviram as diversas alterações pontuais que o Governo foi fazendo a um modelo comprovadamente irracional. É preciso uma alteração mais profunda. É preciso que, nesta matéria, o Governo perceba que a solução não pode ser mudar alguma coisa para que fique tudo na mesma.

O mesmo se diga em relação às carreiras dos enfermeiros, que têm o processo de negociação parado.

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro:

Esta política, que agrava as injustiças, é uma política que corrói o regime democrático e aumenta o desencanto popular. E tanto mais é assim quanto mais se agrava a desigualdade também no acesso à justiça e na sua acção; quanto mais se percebe que faltam os meios e os resultados para o combate à corrupção e ao crime económico e financeiro, que existe de facto um manto de impunidade para os mais poderosos e que as decisões políticas e legislativas tomadas nos últimos anos contribuem para essa situação, como acontece com a recusa da consagração do crime de enriquecimento ilícito ou com as alterações feitas no regime do segredo de justiça.

Este Programa do Governo não dá resposta aos principais problemas do País e mantém a linha política que é responsável pela situação a que chegámos.

É por isso que os portugueses podem contar com o PCP para continuar a lutar por uma ruptura e por uma mudança! Não há outro caminho para dar resposta aos problemas que afectam o nosso povo, na persistente luta por uma vida melhor.

Temos esperança, sim, mas uma esperança que não fica à espera, porque continuamos a confiar no povo português.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça,

Estava mais habituado a vê-la aqui à frente, mas, com esta ligeira inclinação, respondo-lhe à pergunta...

Em relação à questão do conteúdo da nossa intervenção, é importante que fique a saber que não mudaremos nem alteraremos a nossa denúncia, as nossas propostas e o nosso combate a uma política que é igual à do anterior governo, uma política que, no essencial, é de continuidade. Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, como é que quer que alteremos esse combate, essa denúncia, as nossas propostas, se este Governo deu aqui um exemplo cabal, com o seu Programa, de que, no essencial, no que é estruturante, vai prosseguir a mesma política?

Depois, em relação à questão dos salários e dos horários, não se preocupa, Sr.ª Deputada, que um Governo, que se afirma de esquerda - que até teve uns leves traços de Keynesiano quando a crise estalou no plano financeiro - em relação à questão de dois elementos determinantes que definem o grau de exploração (que muitas vezes é matéria que é de fronteira entre a esquerda e a direita), que são a valorização dos salários e dos horários, se agarre ao que o neoliberalismo tem de pior, designadamente à concepção da flexisegurança, decidida ou em gestação na União Europeia, para a aplicar aqui, através do Código do Trabalho?!

É por isso que nós criticamos tanto este Governo, pelas suas opções de classe, designadamente em relação à questão dos salários e dos horários. Parece uma heresia na boca do Sr. Primeiro-Ministro falar aqui da questão da necessidade da valorização dos salários, quando a vida provou que o modelo económico assente em baixos salários, e que este Governo quer retomar, fracassou rotundamente.

Em relação à questão do salário mínimo nacional, sabemos que se trata de um compromisso importante. A dúvida, para nós, é que se tenham calado, perante aquelas vozes que surgiram, designadamente das confederações patronais, a dizer que era melhor não aumentar o salário mínimo nacional. Na altura, não ouvimos o Governo dizer nada! Hoje, ouvimos o Sr. Primeiro-Ministro dizer que é preciso aumentar o salário mínimo nacional. Só não disse uma coisa que consideramos importante: como, quanto e para quando. Creio que esta é a questão que precisa de ser esclarecida.

Em relação ao subsídio de desemprego, registamos o avanço no que diz respeito aos critérios de atribuição, mas colocamos uma outra questão importante - e não a colocámos apenas hoje -, que é a do alargamento do subsídio de desemprego.

A Sr.ª Deputada andou na campanha eleitoral e sabe bem que, hoje, há milhares e milhares de homens e mulheres sem saída para as suas vidas, porque esgotaram o subsídio de desemprego, não encontram emprego em lado algum e se recorrerem à reforma sofrem uma penalização brutal. São pessoas sem saída! Então, não era justo que o Governo, o tal Governo da consciência social, atendesse a esta situação, alargando, mesmo que extraordinariamente, o período do subsídio de desemprego?!

Fica a questão e esperamos uma resposta.

Relativamente às pensões e reformas, registo que a Sr.ª Deputada também fica satisfeita com o anúncio de um aumento de 1,25%, mas nós não ficamos. Mais: consideramos que, também aqui, num quadro tão difícil de desemprego, em que, por exemplo, uma trabalhadora têxtil, que trabalhou uma vida inteira - 40 anos e mais -, não consegue ir para a reforma, porque sabe que vai ser penalizada, neste quadro de crise, era justo reconsiderar e atender à reivindicação dessas pessoas.

Como vê, temos, de facto, divergências, mas também podemos ter aqui, nesta Assembleia, muitas convergências, se conseguirmos responder aos anseios do povo português e àquilo que levou à condenação deste Governo, quando lhe foi retirada a maioria absoluta, com outra política social. Não se pode andar na campanha eleitoral a dizer que se é de esquerda e, depois, no Programa do Governo, adoptar soluções neo-liberais, particularmente no plano da justiça social.