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Carta Social - Intervenção de Tânia Mateus
Terça, 23 Outubro 2007

 

A análise da Carta Social, no que se refere à sua rede de serviços e equipamentos sociais, merecem alguns apontamentos de reflexão: nomeadamente em que medida dá corpo a direitos constitucionais consagrados no que se refere ao papel do Estado na garantia uma rede nacional de equipamentos sociais e à intervenção, que deveria ser complementar, das instituições de solidariedade social e das entidades lucrativas.

Importa destacar que a actual rede «solidária» é caracterizada pelo desaparecimento dos equipamentos da -rede pública que tem vindo a ser transferida para a gestão das instituições privadas com e sem fins lucrativos e pela consideração de resposta pública, aquela que conta com o financiamento do Estado.

Entidades proprietárias e equipamentos sociais

No que se refere a entidades proprietárias, em 2000, existiam 3.913 entidades proprietárias de equipamentos sociais, sendo apenas 85, entidades públicas e as outras 3.828,  entidades privadas com e sem fins lucrativos.

Em 2005, foram identificadas 5.323 entidades proprietárias de equipamentos e aqui já não há destrinça entre entidade pública e entidade privada, é tudo rede solidária. 75%, das entidade proprietárias, são entidades não lucrativas e, é nesta fatia do bolo que está inserido o Estado, e 26,5% de entidades são lucrativas.

Dentro dos 75%, das entidade não lucrativas, 1,9% corresponde a Entidade Pública, as IPSS's e equiparadas detêm o resto.

Em 2000, existiam 5.964 equipamentos sociais, sendo apenas 275 verdadeiramente da rede pública. A outra parte da fatia, 5.686 equipamentos, eram rede privada com e sem fins lucrativos.

Em 2005, a Carta Social não indica o número total de equipamentos, refere apenas que o número de equipamento sociais, em funcionamento, aumentou entre 1998 e 2005, tendo crescido em mais 1.537 equipamentos sociais, sendo 88% da rede solidária e é nesta percentagem que estão os equipamentos da rede pública e privada sem fins lucrativos.

A distribuição espacial dos equipamentos sociais predomina na zona litoral, com especial incidência nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, entre 20 a 50 equipamentos sociais por concelho. No Porto, na Guarda, em Coimbra e em Setúbal, é assumido que nestas zonas não há equilíbrio entre população e equipamentos.

Na maioria dos concelhos, do continente, existem entre 5 a 19 equipamentos sociais, localizados no interior do país, norte e sul, incluindo a costa algarvia.

Nesta avaliação da distribuição espacial dos equipamentos sociais não se analisa se os equipamentos existentes são adequados às necessidades populacionais dos concelhos, nem tão pouco qual a sua real ocupação e listas de espera.

A maioria dos equipamentos sociais são detidos por entidades privadas sem fins lucrativos, no entanto existem distritos que indicam as entidades com fins lucrativos como as de maior implantação, como é o caso de Leiria que apresenta a maior percentagem de equipamentos lucrativos em funcionamento, com cerca de 25%, seguido pelo Porto com 21%, Lisboa com 19% e Faro com 18%. 

A Carta Social, aponta que em média, por cada 7 equipamentos da rede solidária corresponde a um da rede lucrativa, proporção que tem vindo a aumentar.

Respostas Sociais por área de intervenção
 

No que se refere às respostas sociais - e por respostas sociais refere-se a serviços desenvolvidos junto das população como por exemplo amas, serviço de apoio domiciliário, creches e infantários, reabilitação e integração de pessoas com deficiência, etc, - a maior concentração de valências ocorre no litoral e centro, estendendo-se até à península de Setúbal.

As respostas para as áreas da infância e juventude e da reabilitação e integração de pessoas com deficiência apresentam convergência na área envolvente dos núcleos urbanos, com especial relevância para as capitais de distrito. As respostas sociais para as área dos idosos estão espalhadas pelo território. 

Mais de metade das respostas sociais são dirigidas à População idosa com cerca de 50% e 37% para à Infância e Juventude. Seguido pela Reabilitação e Integração de pessoas com deficiência, com 5%, Família e comunidade, com 3% e Pessoas em situação de dependência com 1%.

Em 2005 contabilizaram-se cerca de 11.900 respostas sociais em funcionamento, tendo crescido relativamente a 1998, em mais 2.900 valências e a área com maior crescimento é dirigida à População Idosa.

A Carta Social assume que a oferta acompanha a procura, ou seja o numero de esquipamentos e respostas acompanham a densidade populacional, mas há dados que não são indicados, como por exemplo os números referentes às listas de espera para os equipamentos.

Se olharmos para o distrito de Aveiro, para a área da infância, segundo a Carta Social, a oferta é superior à população até aos 3 anos, mas na área dos idosos acontece o inverso.

Com este exercício, pretende-se demonstrar que a Carta Social, que indica com grande satisfação, que o número de equipamentos e valências acompanham as necessidade populacionais, tal não é inteiramente verdadeiro. 

Tendo em conta o tempo disponível, será dada especial atenção às valências da infância e juventude, População Idosa e Família e comunidade.

Infância e Juventude:

Desde 1998, o nº desta valência aumentou 29%, nas creches o aumento foi 30%, nos ATL de 28% e nos lares de crianças e jovens foi de 13%. 

No entanto, existem 6 concelhos que não têm respostas sociais para esta valência, e localizam-se no distrito de Beja e Faro.

Quanto à taxa de utilização, referem que para a área das crianças, a taxa de utilização é de 90% e a maior incidência continua a registar-se na valência de creche. 

O funcionamento das creches é o seguinte: 43% abre entre as 07horas e as 07h30; 38% abre as 07h31 e as 08 horas. No que toca ao encerramento, 65% encerra entre as 18 horas e as 19 horas e 20% entre as 19 horas e as 20 horas.

Porto, Lisboa, Setúbal, Santarém e Viseu são os distritos mais problemáticos no que toca à relação entre a oferta de creches e amas para crianças até os 3 anos. 

Os números referente às Amas e às crianças acolhidas tem vido a aumentar, entre 1998-2005. Em 2005, existiam cerca de 5.800 crianças acolhidas em Amas.

Os distritos de Bragança, Santarém, Setúbal e Porto são os distritos com maior percentagem de crianças acolhidas em Ama, com cerca de 26%, 25%, 21% e 12% respectivamente.

 

População Idosa:

Para a população idosa, a valência com maior aposta e crescimento foi o Serviço de Apoio Domiciliário (68%), tendo a capacidade aumentado para 35.500, em termos de capacidade e 32.600 utentes.

Os distritos de Braga, Porto, Aveiro, Setúbal, Lisboa e Faro são os distritos com menor cobertura de respostas sociais para idosos e a justificação para essa cobertura é que são os distritos menos envelhecidos, no entanto os mapas indicam que nestes distritos a necessidade ultrapassa a capacidade oferecida.

O PNAI 2006-2008 prevê a criação de 19 mil vagas em lares para idosos e serviços de apoio domiciliário até 2009, ao abrigo do PARES, requalificação habitacional em 570 intervenções em habitações com idosos com apoio domiciliário e a criação de uma rede nacional de voluntariado que garanta a intervenção organizada local em pelo menos metade dos concelhos até 2008.

Esta última medida, revela a postura do Governo perante a necessidade de prestar apoio aos idosos, ficando bem clara a visão caritativa, do que o governo entende ser a intervenção do Estado, em matéria de acção social.

 

Família e comunidade
 

(É uma resposta social que visa apoiar as pessoas e famílias em dificuldades, na prevenção ou resolução de situações de exclusão social).

De acordo com a Carta Social, as respostas sociais para esta área mantém-se quase idênticas às de anos anteriores, ou seja 54% dos concelhos não apresentam qualquer tipo de resposta social, dirigida à família e à comunidade.

Cerca de metade dos concelhos que têm resposta - 43% - apresentam apenas uma valência em funcionamento.

Existe um decréscimo de cerca de 9% no conjunto das respostas, em referência a 2004 principalmente do Atendimento e Acompanhamento Social, Centro Comunitário, Intervenção Comunitária e do Refeitório ou Cantina Social.

 

«Despesas de investimento e de funcionamento em serviços e equipamentos sociais :o esforço público» (título da Carta Social)

 

Ainda de acordo com a Carta Social, o investimento em serviços e equipamentos sociais, no período de 1998-2005, atingiu cerca de 313 milhões de euros e, em 2005, o investimento no Programa de Serviços e Equipamentos Sociais representou 29% do orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, para investimento. 

A Carta Social é um instrumento de planeamento importante, no entanto considera-se que a sua informação é insuficiente para uma verdadeira avaliação da rede social, ou seja: deveria ser aprofundada e separada a intervenção por via de entidades privadas com e sem fins lucrativos das entidades públicas para cada uma das respostas e equipamentos, bem como indicar claramente a situação das listas de espera para os vários equipamentos e serviços nas várias zonas do País.

A actual rede, sendo ela predominantemente privada sem fins lucrativos não corresponde, a um plano delineado pelo Estado, tendo em conta as suas responsabilidade e onde este definiria as zonas e as valências prioritárias necessárias para cada zona do território, adequando-o às necessidades concretas de cada zona.

Quando, na Carta Social, se fala em «esforço público», deveria falar-se em privatização, porque é disso que se trata. O Estado tem vindo a desresponsabilizar-se das suas competências, limitando-se a apoiar financeiramente as entidades sem fins lucrativos que desejam intervir nesta área.

O alargamento da rede, que há muito deixou de ser pública, é apenas por via de investimento privado/público neste importante sector.

Não podemos esquecer, que às entidades privadas sem fins lucrativos lhes deveria caber um papel complementar à rede pública, não só por critérios de equidade, em que face à necessidade de receitas são cada vez mais selectivos, tendo em conta os utentes com rendimentos mais altos e também porque são, na esmagadora maioria dos casos, geridas por corpos sociais voluntários, com pouca ou nenhuma experiência na gestão destes serviços e equipamentos.

Com o programa PARES, é anunciado o alargamento do número de valências e para atingir esse objectivo é entregue às entidades privadas sem fins lucrativos, a construção e gestão dos equipamentos, através de investimento público e privado. O PARES pode financiar até 75% do valor, os restantes 25% têm de ser suportados pela entidade promotora

Entidades privadas sem fins lucrativos ou equiparadas, que desejam adquirir, criar ou ampliar equipamentos, podem candidatar-se a este programa, se para tal demonstrarem o seguinte: a cobertura, a capacidade (aumentando a preferência para as propostas de maior capacidade), prioridade e inserção. No entanto estes critérios serão ultrapassados pelas propostas que apresentarem maior capacidade de financiamento próprio.

Não é determinante se a resposta social é adequada às necessidades locais. A selecção passa pelo rácio benefício-custo, com forte «discriminação positiva» dos projectos com maior capacidade de financiamento próprio.

Com o programa PARES, mas principalmente com a privatização de equipamentos e serviços sociais, não há garantias de que taxa de cobertura e sua distribuição por valências e concelhos seja eficaz e acima de tudo não há garantia de que as pessoas e famílias mais necessitadas terão acesso a estes equipamentos.

A generalidade da população portuguesa tem visto a aumentar o fosso entre a necessidade de aceder a um equipamento social e a resposta efectiva, quer seja creche, infantário, lar de idosos ou centros de dia. A escassez de equipamentos e a crescente selectividade na admissão são factores que contribuem para a privação de acesso.

A rede de equipamentos e serviços sociais deveria ser, também, uma responsabilidade do Estado e não da sociedade.

A aposta do governo deveria ser numa rede pública de equipamentos e serviços de apoio à criança, aos idosos, aos cidadãos portadores de deficiência, sem prejuízo da complementaridade das instituições privadas de solidariedade social e do sector privado