Um
fantasma ronda o mundo. É o fantasma do
fim da era do petróleo. O início do seu fim
está a dar-se neste momento, quando a humanidade atinge o Pico
Petrolífero. A partir deste ponto máximo
a curva da produção mundial já não pode aumentar e inicia o seu declínio
irreversível. Nos próximos 40 ou 50 anos
a dotação de petróleo convencional existente no planeta deverá estar praticamente
esgotada. Trata-se de um facto com
profundas, graves e pesadas consequências para toda a humanidade, até mesmo de
ordem demográfica.
Nos
breves 15 minutos concedidos para esta intervenção é impossível explicar com
mais pormenor a teoria desenvolvida pelo Dr. King J. Hubbert, o grande
geofísico norte-americano. Para os
interessados remeto às investigações contemporâneas de cientistas como Collin
Campbell, Jean Laherrere, Ali Bakhtiari, Kenneth Deffeyes, Matthew Simmons, Rui
Namorado Rosa e tantos outros, que corroboram a plena validade da descoberta do
Dr. Hubbert.
Pode-se
perguntar: por que chamámos de fantasma
àquilo que é um facto já estabelecido por numerosíssimas evidências empíricas e
dados quantitativos? Resposta: pela simples razão de que tal facto está a
ser omitido e silenciado. Trata-se de um
conhecimento reservado apenas a "iniciados".
Os governos do mundo que sabem da existência do Pico Petrolífero
escondem-no dos seus cidadãos. As
empresas petroleiras preferem não falar do assunto em público, tentando
prolongar ao máximo uma situação que lhes é vantajosa. E os media ditos "de referência" vão
entretendo o público com ficções marginais, como essa gigantesca campanha para
instilar o medo de um suposto aquecimento global.
Não
precisaremos esperar 50 anos para sentir as consequências do Pico. Elas já começaram a se fazer sentir. Basta ver a nova agressividade do
imperialismo pelo domínio dos recursos petrolíferos remanescentes no planeta,
na África, Ásia, América Latina e obviamente Médio Oriente, onde chega a
brutais invasões armadas e à instalação de bases militares permanentes. Assistimos a tudo isso, mas entre o grande
público persiste um défice de percepção das suas causas de fundo: o fim da Era do Petróleo, anunciado pelo Pico
(ou actual plateau).
Há
uma realidade que deve ser encarada de frente:
o petróleo convencional não pode ser substituído, não existe no mundo qualquer
outra energia primária que substitua a quantidade agora produzida e consumida
de petróleo convencional, da ordem do 84 milhões de barris por dia. Nem os petróleos não convencionais (deep
offshore, polar, areias betuminosas, petróleos pesados, processos coal to
liquids e gas to liquids, etc), nem as energias renováveis (como as mixórdias
feitas com biocombustíveis líquidos), nem o metano fóssil ou não-fóssil podem
substituir as quantidades colossais hoje gastas na grande festa do consumo de
petróleo. Simplesmente não existem meios
energéticos alternativos para tais quantidades.
Deste
dado factual devem-se tirar as conclusões que se impõem. 1) a humanidade terá necessária e
inevitavelmente de reduzir o seu consumo energético; 2) deveríamos desde já preparar uma transição
tão suave quanto possível, não traumática, para o mundo pós petróleo. Tal preparação, estima um investigador
norte-americano, levará pelo menos uns dez anos e exigirá grandes
investimentos.
Além
disso, há uma terceira conclusão a ser extraída: a partir de agora deveríamos poupar tanto
quanto possível do petróleo remanescente no planeta em benefício das gerações
vindouras. É o que propõe o "Protocolo
do Esgotamento" (Depletion Protocol),
um esquema inteligente de racionalização da produção e consumo de petróleo destinado
a congregar os interesses divergentes dos países produtores e dos países
consumidores. O PCP já deu um passo
nesse sentido: muito lucidamente
apresentou no Parlamento o Projecto de Resolução Nº 164/X (Diário da Assembleia
da República, 2ª série, 20/Dezembro/2006).
Se
no plano mundial já há numerosos estudos acerca das consequências do início do
fim da Era do Petróleo, aqui no nosso burgo lusitano estamos atrasadíssimos até
mesmo quanto à consciência da própria existência do Pico, e mais ainda quanto
às suas consequências. Continuamos
alegremente a festa do consumo desbragado de petróleo, como se ela pudesse
perdurar para sempre. A ignorância dos
governantes portugueses é aterradora e nem sequer dispõem de uma política
energética digna desse nome.
A
dependência portuguesa das importações de energia é da ordem dos 84 por
cento. Além disso verifica-se um
afunilamento: do total da energia
importada, 68 por cento é constituída por petróleo. Trata-se de uma situação assustadora mesmo
nesta fase incipiente em que as consequências do Pico ainda são ténues. Considerando que no mundo pós-Pico haverá uma
tendência estrutural para o aumento do preço do barril, Portugal ficará numa
situação de vulnerabilidade total.
Em
2005 o país efectuou importações líquidas de 15,88 milhões de toneladas de
petróleo. A repartição do consumo final
nesse ano, como mostra o balanço energético da DGGE, foi assim:
Sector
|
Toneladas
|
%
|
Agricultura e pescas
|
278.290
|
2,4
|
Indústrias extractivas
|
74.190
|
0,7
|
Indústrias transformadoras
|
1.535.808
|
13,5
|
Construção e obras públicas
|
849.890
|
7,5
|
Transportes
dos
quais: rodoviários
|
6.840.828
6.199.830
|
60,0
54,4
|
Doméstico
|
715.656
|
6,3
|
Serviços
|
1.100.647
|
9,7
|
Consumo final
|
11.395.309
|
100
|
Estes
números mostram a desindustrialização do país (apenas 13,5 por cento para a
indústria transformadora). Mas mostram
sobretudo o verdadeiro cancro que corrói a economia portuguesa: o desbragado consumo energético do sector dos
transportes, o qual é constituído quase exclusivamente por refinados de
petróleo. Qualquer governo decente
consideraria tal situação, em si mesma, como insustentável. Mesmo que não estivéssemos na primeira fase
do mundo pós-petróleo (adoptando o modelo classificatório das quatro fases
proposto por Bakhtiari) a situação presente é altamente preocupante e exige
medidas de emergência no imediato.
Tratar
com profundidade assuntos secundários e ignorar o que é realmente importante constitui
uma atitude suicida - mas parece ser aquela adoptada pelo governo Sócrates. Por ignorância ou inconsciência, o governo
português não só não está a tomar a medidas necessárias para minimizar o
impacto do fim da Era do Petróleo como efectua
acções que poderão agravá-lo, comprometendo gerações futuras de portugueses. Impõe-se que tal atitude seja revertida,
tendo em atenção os timings, ou seja, as quatro fases que decorrerão entre o
presente e o ano 2020. É preciso que a
actual primeira fase do pós-Pico (a decorrer até 2009-2010), relativamente
benigna, seja aproveitada para preparar as fases mais gravosas que virão a
seguir.
Assim,
aponta-se como rumos de actuação o seguinte conjunto de medidas:
1)
Criar, no âmbito do Estado, um grupo nacional de preparação para o
enfrentamento do Pico Petrolífero, constituído por sábios e personalidades
eminentes no domínio da energia.
2)
Reexaminar todos os grandes projectos nacionais à luz das consequências do Pico
Petrolífero, o que deverá conduzir à paralisação do desenvolvimento dos
projectos mais absurdos agora em curso (como o novo aeroporto, o TGV e a proliferação
de termoeléctricas a gás natural);
3)
Relançar o Plano Energético Nacional (PEN), com base na regra dos 80/20 e uma
atenção muito especial ao sector dos transportes. O novo PEN deverá abandonar a política de
demissionista do Estado no domínio energético, hoje entregue à sanha predatória
do capital monopolista em busca do lucro a curto prazo;
4)
Iniciar a consciencialização dos operadores económicos, do público em geral e
dos próprios governantes quanto à real situação energética do mundo;
5)
Ter em atenção aquilo que outros governos europeus estão realmente a fazer -
ainda que de forma discreta - no domínio das medidas preparatórias para
minimizar o impacto do Pico Petrolífero (o que não coincide com as políticas
apregoadas pela União Europeia);
6)
No domínio dos transportes rodoviários, iniciar uma política geral de
substituição dos combustíveis petrolíferos pelo gás natural comprimido (GNC) e
gás natural liquefeito (GNL), com a instalação de uma rede postos de
abastecimento de GNC e GNL;
7)
Adjudicar a laboratórios do Estado (INETI) a instalação de protótipos e
posterior generalização de instalações para a produção de biometano a partir de
ETARs, aterros sanitários e biomassa florestal;
8)
No domínio da produção de electricidade:
a) esgotar o potencial hidroeléctrico nacional nos próximos 10
anos; b) privilegiar o carvão na
instalação de novas centrais termoeléctricas;
c) suspender os licenciamentos de quaisquer novas termoeléctricas a gás
natural; d) preparar a instalação de uma
primeira central nuclear em Portugal.
Caro
amigos:
Penso
que mal pude aflorar as questões principais. Mas, dentro do espaço de tempo que
me foi concedido, este é o resumo que consigo transmitir quanto às nossas
reflexões acerca do futuro da energia em Portugal. Muito obrigado pela vossa atenção. Fico à disposição para quaisquer esclarecimentos.
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