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Co-incineração de resíduos industriais perigosos - Intervenção de Miguel Tiago na AR
Quarta, 14 Junho 2006

Suspende os estudos e projectos conducentes à implementação da co-incineração de resíduos industriais perigosos

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

No decurso da passada semana, vários órgãos de comunicação social deram notícia do início das negociações entre o Governo e as já nossas conhecidas cimenteiras, com o intuito de passarem à fase de implementação da co-incineração de resíduos
industriais perigosos.

Enquanto o processo merece uma contestação acesa na Assembleia da República, fora da esfera de um PS calado, e em cada um dos locais apontados como receptores para estes resíduos, o Governo vai avançando na secretaria a todo o gás, mais uma vez evidenciando a pressa inexplicável que, ao longo de todo o processo, tem demonstrado, com a agravante da falta de transparência, frontalidade e até coragem de assumir perante os Deputados as diligências que têm sido levadas a cabo, por forma a garantir que os seus ensejos sejam urgentemente concretizados, garantindo, assim, a ausência de qualquer fórum de discussão sobre esta matéria.

Desde as primeiras tentativas de implementação deste processo, na altura também pela mão do Eng.º José Sócrates, então Ministro do Ambiente e agora Primeiro-Ministro, que muitas e grandes são as dúvidas que têm surgido. Desde as dúvidas em torno da necessidade de recorrer a este método, até às dúvidas da sua inocuidade ambiental e perante a saúde pública.

A desvalorização foi sempre a resposta do Governo a todas as legítimas dúvidas que as populações têm levantado, por vezes até mesmo a ridicularização, esquecendo o Governo, do topo da sua arrogância e insensibilidade, que essas populações estão a proteger o seu meio, a sua qualidade de vida, a sua saúde e a dos seus.

É com esse desprezo que o Primeiro-Ministro e o Ministro do Ambiente olham para o lado, chamando ignorantes a todos quantos questionam a sua douta decisão.

Curiosamente, uma decisão que, além de douta e milagrosa, é tremendamente lucrativa para aqueles que a acolherem.

E, no desenrolar de todo este processo, a pressa, a falta de transparência e a pressão foram constantes. O Governo começa por garantir a legalidade da
co-incineração no Outão pela via de uma alteração a um plano depois da sua discussão pública, numa óbvia traição a todos quantos deram o seu contributo. Um processo que se tem vindo a desenvolver sempre à revelia das populações não pode ser considerado um processo participado nem transparente.

A própria solução de co-incinerar os resíduos industriais perigosos como fórmula mágica da política de resíduos do País é em si uma falácia, já que esta solução virá antes contribuir para um maior desequilíbrio no adequado tratamento dos resíduos, não sendo acompanhada de qualquer política de redução da sua produção.

Senão, vejamos: há cerca de 10 anos atrás não existiam ainda as perspectivas de instalação dos CIRVER, o que configura uma situação bastante diferente da actual.

Ora, como pode ser possível que, para duas situações tão distintas, o Governo apresente exactamente a mesma solução?! Exactamente a mesma, nos mesmos locais exactamente! Toda esta estratégia vem comprometer seriamente o tratamento mais adequado de resíduos industriais perigosos, bem como perpetuar o seu ritmo de produção. É que estes resíduos passam a ser o precioso combustível das cimenteiras.

Sabemos que o Governo invoca várias vezes o argumento da exportação de resíduos. Actualmente, para encaminhar para tratamento, o País recorre à exportação, mas, com a entrada em funcionamento dos CIRVER, apenas 10% da produção anual teria de ser encaminhada para o estrangeiro e, desses, 5% continuarão

a ser exportados obrigatoriamente, o que deixa apenas uma quantidade de cerca de 5% para queima.

No entanto, vários indicadores mostram que o Governo tem intenção de queimar muito mais, chegando o relatório da dita comissão independente a afirmar que pode chegar aos 80%.

A política de resíduos deve assentar numa estratégia de defesa da natureza e da saúde das populações e não na estratégia do lucro, prejudicando as políticas de redução, as políticas de regeneração e de revalorização.

A solução será queimar para obter lucro. E só quem desconheça a política empresarial e os desígnios de qualquer empresa privada acreditará na palavra do Governo quando garante que estas coincineradoras não receberão resíduos industriais perigosos que poderiam, porventura, ser alvo de diferente tratamento.

Além disso, à falta de resíduos industriais perigosos em Portugal que justifiquem a existência de dois CIRVER e de duas co-incineradoras em cimenteiras, não existe qualquer garantia de que não passaremos de país que exporta resíduos a país que importa resíduos.

Por todas as razões que acabo de aduzir, o Partido Comunista Português apresenta hoje um projecto de resolução que visa recomendar ao Governo que suspenda todos os testes que visem a implementação da co-incineração de resíduos industriais perigosos, bem como qualquer processo ou projecto que vise o funcionamento
de co-incineradoras, até que: sejam totalmente encaminhados para os CIRVER todos os resíduos industriais perigosos que possam aí efectivamente ser tratados; sejam implementadas em Portugal formas adequadas de regeneração de óleos; sejam divulgados todos os dados relativos aos estudos realizados no âmbito da saúde pública em função da co-incineração; seja realizado um balanço sério sobre os
resíduos industriais perigosos em Portugal após o funcionamento pleno dos CIRVER e dos mecanismos de regeneração de óleos; e seja implementada uma política séria e capaz de favorecer a evolução tecnológica da indústria, no sentido da redução da produção de resíduos industriais perigosos.

O PCP recomenda ainda que, a serem reactivados tais estudos ou projectos, o Governo dê início a um amplo processo de consulta pública no âmbito da co-incineração, avaliando também, com esse contributo, a melhor forma de tratamento destes resíduos.

Em 2001, Portugal, pela mão do actual Primeiro-Ministro, subscreve a Convenção de Estocolmo, na qual os subscritores se comprometem com o abandono progressivo de práticas que emitam substâncias persistentes, como furanos e dioxinas, ambas emitidas pelo processo térmico de destruição de resíduos; hoje, em 2006, o Governo entende que todos esses compromissos não passam de cerimónias de fachada, ao que, aliás, já nos habituou, e entende activar precisamente dois centros de emissão destas substâncias.

Mas o que fica e ficará, certamente, ainda mais claro após este debate é a submissão da bancada parlamentar do Partido Socialista a uma orientação que a própria dificilmente compreende e aceita e contra a qual os seus Deputados de duas caras votam contra nos órgãos autárquicos.

Ficará bem claro que o PS assumirá a total responsabilidade desta decisão política, que toma manifestamente isolado, ao se opor aos projectos hoje discutidos.

Assim, de futuro, e sem alarmismos desnecessários, o que marcará o dia de hoje é o
retrocesso na política de ambiente e de saúde pública, é o retrocesso claro que hoje aqui se poderia impedir, de começar a implementar soluções de fim de linha, soluções que, a pouco e pouco, se vão tornando desajustadas.

(…)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Eduardo Martins,

Antes de mais, quero dizer que não pode, de forma alguma, responsabilizar o PCP por esta obstinação do Partido Socialista em avançar com a co-incineração devido a qualquer outra posição que tenhamos assumido e que, certamente, foi justificada
no seu devido momento.

Como é óbvio, e já o defenderíamos na altura, o PCP tem a consciência perfeita de que a co-incineração é uma solução de fim de linha. Aliás, temo-lo dito desde os primeiros momentos. Mas se o PCP se absteve nessa votação que referiu decerto terá havido razões para tal.

De qualquer forma, importa saber como se propunha que fosse feita; importa saber qual era intervenção dos privados, quanto iria pagar o Estado português, como iriam ser vendidos os óleos regenerados.

Portanto, certamente houve demasiadas razões que justificaram a posição do PCP e de forma alguma podemos aceitar que nos responsabilize por esta postura do PS, que vai contra as populações, contra aquilo que a própria Assembleia da República tem manifestado.

 

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