Partido Comunista Portugu�s
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"As leis dos despejos"
António Abreu no "Público"
Domingo, 07 Novembro 2004

A pretexto de criar condições para retomar o mercado do arrendamento e de viabilizar maior reabilitação do edificado, o governo propôs-se armadilhar a já debilitada estabilidade social com uma bomba de efeito retardado particularmente nos meios urbanos.

A autorização legislativa, aprovada na generalidade, baixou a comissão e está a suscitar um interessante debate , como o que se verificou há dias na RTP, que revelou o isolamento do governo, a sua demagogia e impreparação e se saldou por uma derrota por KO.

O agilizar dos despejos nos próximos anos num vasto conjunto de situações, o aumento significativo das taxas de esforço com a habitação de muitos outros agregados familiares, já endividados por outras razões, a expulsão de habitantes e de comerciantes de muitos bairros e a sua substituição por novos residentes e actividades com outros recursos financeiros, a precarização dos contratos de arrendamento, prolongando precarizações noutros aspectos da vida, são objectivos não suficientemente assumidos por tal iniciativa legislativa. Mas evidentes à medida que se discute.

Mesmo a demagogia da defesa dos mais idosos não resiste aos factos: o que se quer subsidiar é um novo aumento numa taxa de esforço que já atingira os limites, aumentar as rendas em agregados com rendas já “apoiadas” e, em consequência, retirá-los dos centros das cidades e introduzir a renda “apoiada” por obras seja qual for a idade dos inquilinos.

O estafado argumento de que foi apenas o congelamento das rendas que, ao longo de décadas, descapitalizou os senhorios e os impediu de fazer as manutenções periódicas previstas na lei, não resiste uma vez mais ao confronto com a realidade.

Há mais de vinte anos que é possível a opção por renda livre ou condicionada para todos os novos contratos. Há quase vinte que as rendas “congeladas” tiveram actualização extraordinária e ficaram sujeitas a uma actualização nos termos de portaria anualmente publicável. Há mais de dez anos que é total a liberalização das rendas no que respeita a valores e duração de contratos. E conhecemos a falta de correspondência que tudo isso teve com as manutenções periódicas ou obras de reabilitação.

Mas o que agora se quer, continua a não ter uma relação obrigatória entre a maior liberalização do regime de arrendamento e a realização dessas intervenções. E nem se recolhem experiências de outros países onde se confirmou que não foi esse o caminho para resolver essa necessidade.

Parece claro, por isso, apesar de uma vez mais tal não ser afirmado, que o que se pretende é beneficiar o capital financeiro associado ao imobiliário. E isto quando no nosso país já se verifica uma das mais elevadas taxas de retorno do investimento imobiliário. Em que a construção civil tem registado um peso crescente e problemático na economia, particularmente nos grandes centros urbanos. Quando na década de 90, se terão construído na cidade de Lisboa mais de 15 mil novos fogos de habitação de iniciativa privada para a venda, ultrapassando em muito a necessidade de reposição de fogos irremediavelmente degradados. E sendo certo que muitos outros continuaram a ser mantidos devolutos numa atitude especulativa.

Esta situação acompanhou os preços proibitivos do arrendamento que canalizou as opções para a aquisição com uma operação muito vasta de oferta de crédito para o efeito. Esta opção endividou um grande número de famílias particularmente mais jovens. Em termos de volume do crédito envolvido ultrapassou o atribuído à reabilitação e, nalguns momentos, chegou mesmo a ultrapassar o canalizado para a actividade económica das empresas portuguesas (!).

Em Lisboa parte importante da população, com recursos mais débeis, viu agravar-se o estado da habitação. Apesar deste sentido ter sido contrariado pelo aumento ao recurso a intervenções coercivas por parte do município, intervenções de menor dimensão delegadas nas juntas de freguesia e outra população ter sido beneficiada com a erradicação de barracas e correspondentes realojamentos em casas novas ou pela reabilitação, sistemática mas lenta, dos bairros históricos.

A EPUL manteve uma actividade correctora das pressões do imobiliário, introduziu aspectos interessantes como o da habitação para jovens e o da inovação de tipologias e contribuiu para que não descesse mais a qualidade média dos projectos. Hoje a empresa descaracteriza-se, é absorvida pelas estratégias dos grandes grupos económicos que condicionaram a EPUL e a sua capacidade de intervenção, grupos esses que entretanto envolveram com o capital financeiro as grandes empresas de construção.

Vão ser também estes os grupos beneficiados com o “agilizar dos despejos” tão desejados por Santana Lopes. O governo assegura os despejos, eles compram os fogos livres de encargos, etc. O filme já tem o guião escrito embora com umas partes gagas como as das certificações que os municípios iriam fazer (com professores desempregados ?).

A iniciativa que este Governo se propõe ter não contempla medidas eficazes para combater os fogos devolutos. Não contempla um aumento de intervenção do Estado no campo da habitação. Nem contempla o aumento de recursos de intervenção para os municípios e particulares, quer em situações de arrendamento quer de propriedade horizontal. Nem prevê os incentivos fiscais aos proprietários para obras. Nem, medidas particulares de apoio ao movimento cooperativo e a outras iniciativas que produzam fogos a preços acessíveis para quem mais deles precisa. Para já não falar numa lei dos solos.

Mas garante que os lucros bancários e o endividamento das famílias continuarão. Como garantido está que a habitação assuma progressivamente o carácter de mercadoria e perca o de direito constitucional universal.

Exactamente o contrário do que era preciso fazer.