Sr. Presidente
Srs. Deputados
Ao iniciarmos aqui esta intervenção queremos desde já
reafirmar os nossos pêsames às famílias das vítimas
e a nossa homenagem às populações, à sua luta solidária,
bem assim como aos bombeiros, aos autarcas, à GNR e às forças
militares.
Anteontem o sr. primeiro-ministro afirmou que os bombeiros têm sido verdadeiros
heróis, o que é verdade. Mas queremos aqui recordar que o Projecto
de lei que o PCP apresentou reforçando os direitos da Liga dos Bombeiros
Portugueses foi chumbado pela maioria. Agora temos boas palavras, mas na altura
funcionou a arrogância, o desinteresse e a incompreensão.
Do mesmo modo nos poderíamos referir aos parques florestais para a madeira
ardida e as respectivas medidas de apoio aos proprietários, que a maioria
chumbou e o primeiro-ministro agora propõe. Mais vale tarde do que nunca...
Durante esta tragédia, que infelizmente ainda decorre, entendemos os
apelos do Senhor Presidente da República à unidade nacional como
sendo no sentido da convergência de esforços, vontades e energias,
com o objectivo de combater os incêndios, prestar socorro às populações,
minorar prejuízos, levar uma palavra de conforto às vítimas.
Não entendemos as palavras do Senhor Presidente da República nem
no sentido da diluição das responsabilidades, nem no sentido da
suspensão do direito de crítica e de discordância. Nem aceitamos
a treta de outros de que somos todos culpados.
A vastidão e a intensidade dos incêndios deste ano tem causas
climatéricas excepcionais, atrasos nas respostas, insensibilidade face
aos avisos meteorológicos, descoordenação nos combates,
mas tem também outras causas mais distantes e mais próximas.
Há responsabilidades graves que dizem respeito a este Governo e aos
sucessivos governos do PSD e do PS, designadamente no protelamento de uma política
florestal há muito identificada e aprovada.
Responsabilidades do governo PS nos atrasos sucessivos na implementação
da Lei de Bases da Floresta aprovada na base de um projecto do PCP, nos atrasos
da concretização dos planos regionais de ordenamento florestal,
na instituição do Fundo Financeiro Florestal, no levar à
prática a Resolução do Conselho de Ministros de Abril de
1999: o dito Plano Sustentável da Floresta Portuguesa.
Responsabilidades ainda no desmantelamento dos meios de combate aos fogos da
Força Aérea. A privatização, a delegação
para os privados, mostrou agora as suas fragilidades e vulnerabilidades. Os
privados e a «indústria do fogo» têm interesses próprios,
nem sempre coincidentes com o interesse geral.
E sobre tudo isto temos autoridade para aqui o referir e sublinhar. Por várias
vezes aqui chamámos a atenção para os erros que estavam
a cometer-se.
Mas há também as responsabilidades graves não só
do PSD e da maioria, como deste Governo.
No Outono do ano passado, depois de várias iniciativas (Lousã,
Almoçageme,...), afirmámos aqui que era no Inverno que se devia
tratar dos incêndios de Verão. Apresentámos nesta Assembleia
da República, em 27 de Novembro, uma Resolução sobre a
prevenção e combate aos fogos florestais, que foi aprovada por
unanimidade. Porque é que não foi levada à prática?
Ao longo do ano alertámos por várias vezes o Governo para a necessidade
de dar cumprimento à Resolução e, designadamente, em relação
ao reforço dos meios de vigilância neste Verão. E porquê?
Porque é que o PCP, tanto na Resolução aprovada na Assembleia
da República como noutras intervenções, chamou a atenção
com veemência para o reforço da prevenção e vigilância
este ano? Porque tínhamos tido um ano muito húmido, o que fazia
prever a acumulação de muito silvado e material lenhoso, que seria
pólvora sobre pólvora, tornando este Verão particularmente
perigoso.
Estes avisos e alertas estão vertidos nos Diários desta Assembleia
da República.
O que é que fez o Governo?
Em vez de reforçar os meios de vigilância, como o PCP insistentemente
apontava, optou por uma política de cega contenção de despesas
neste domínio. Os cortes orçamentais diminuíram substancialmente
os meios de vigilância de prevenção. Cortes substanciais
«na criação de equipas de sapadores florestais» e
na protecção das florestas contra incêndios, cortes nas
equipas de vigilância, e tudo isto num ano em que já tínhamos
alertado que poderia ser muito perigoso.
Este Governo não é responsável pela incúria dos
governos do PSD e do PS que lhe antecederam, nem pelas condições
climatéricas, mas é particularmente responsável por não
ter dado ouvidos às muitas chamadas de atenção que lhe
foram feitas, e é particularmente responsável por não ter
concretizado o proposto pela Resolução aqui aprovada por unanimidade.
O Governo cometeu um crime por negligência e agora trata de sacudir a
água do capote. Os cortes feitos na prevenção são
indesculpáveis.
Um só incêndio que se tivesse evitado compensaria de longe as
poupançazecas orçamentais e pagaria a vigilância de vários
anos.
E estas poupanças são ainda particularmente chocantes quando
assistimos, já com os fogos em pleno desenvolvimento, ao sr. ministro
da Administração Interna, integrado numa operação
de marketing, a mostrar a preparação das forças da GNR
para o Iraque, em que vão gastar-se mais de 8 milhões de euros!
O mesmo ministro, acompanhado do primeiro-ministro, que uns dias antes afirmara
que havia meios suficientes de combate aos incêndios quando, de forma
cruel, as imagens nos mostravam vilas e aldeias a combater os incêndios
com mangueiras de jardim, e militares armados de sofisticados ramos, uns e outros
cercados pelas chamas!
Quanto aos meios aéreos militares, tivemos que pedir auxílio
a Espanha, a Itália, e até a Marrocos...
Depois da operação de marketing do Conselho de Ministros no Porto,
o primeiro-ministro levou quatro dias a perceber que o País estava a
arder, e isto para não falar das inconcebíveis intervenções
do ministro Figueiredo Lopes e de Amílcar Theias, com a sua tese do armamento
dos ex-combatentes e a evidente descoordenação estratégica
no combate aos incêndios, denunciada pelas populações e
pelos autarcas.
Atrasos também nos pedidos de auxílio à União Europeia.
Agora não basta uma política assistencialista às populações,
com o ministro dos Assuntos Sociais por um lado, o ministro da Agricultura por
outro, e os ministros da Economia e das Finanças à distância.
É necessário um plano coordenado de ataque às diversas
vertentes desta tragédia. São necessárias medidas gerais
e medidas que tenham em conta as especificidades dos diversos concelhos, e até
medidas pontuais de apoio.
Depois é necessário cumprir e avançar com a legislação
que está aprovada em relação à política florestal.
Não é preciso esperar por Outubro e por mais uma estratégia
de reflorestação. O que é necessário é cumprir
a legislação existente. Passar à prática.
A compartimentação, as áreas de folhosas, a diversificação,
os corredores, a limpeza das matas, os estímulos à associação
dos proprietários, estão há muito identificados e desenhados.
É necessário tirar de vez as lições desta tragédia.
Ao menos que agora se cumpra o adágio popular: depois de casa roubada,
trancas à porta!
Mas é também evidente que este Governo, que nem sequer assume
as suas responsabilidades, está, com a sua política, a colocar
o País na situação de «tanga» efectiva, a tal
que falava no início desta legislatura.
A floresta portuguesa contribui para a existência de mais de 7 mil empresas,
correspondente a mais de 164 mil postos de trabalho. E agora? Será que
a culpa vai mais uma vez morrer solteira? Fazemos votos para que se tirem as
ilações desta catástrofe e se tomem medidas a sério
em relação às populações, às actividades
económicas que vivem da floresta e à política florestal
no concreto.
Cumpra-se a legislação, passe-se à prática. É
tempo, mais que tempo sr. primeiro-ministro!
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