Declaração política relativamente ao texto constitucional - Intervenção de Octávio Pato, na Assembleia Constituinte
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A
Constituição que hoje ficou concluída e que o Sr. Presidente da
República, general Costa Gomes, irá solenemente promulgar é um
acontecimento histórico de grande transcendência e de um grande
significado político.
Depois de quase meio século de privação de liberdades e direitos
humanos, depois de meio século de opressões e misérias, depois de treze
anos de guerras coloniais, o nosso povo conseguiu libertar-se da odiosa
ditadura fascista, pôs fim às guerras coloniais e ao colonialismo
opressor, e vai finalmente usufruir de uma lei fundamental democrática,
vai ter uma Constituição democrática.
A Constituição hoje concluída atirará para o lixo da história as leis
iníquas que durante várias décadas serviram de instrumentos de opressão
e obscurantismo.
Portugal passará a reger-se por uma Constituição que foi discutida e
elaborada democraticamente. Uma Constituição que consagra amplas
liberdades democráticas, que ressalva a independência e unidade
nacionais, que põe fim à era colonialista. Uma Constituição que
consagra direitos fundamentais dos trabalhadores (direito ao trabalho,
liberdade sindical, direito de greve), que estabelece como "conquistas
irreversíveis das classes trabalhadoras" as nacionalizações efectuadas
depois do 25 de Abril de 1974. Uma Constituição que consagra a Reforma Agrária, assim como o controle operário e as
organizações populares de base, e que aponta ao País o "caminho para
uma sociedade socialista".
A Constituição que hoje se concluiu não foi elaborada em gabinetes
hermeticamente fechados ou isolados das massas populares. Terá
cabimento relembrar hoje algumas das afirmações que aqui fizemos em
nome do PCP, quando pela primeira vez falámos no início dos trabalhos
desta Assembleia. Dissemos então: "A Constituição não será o produto
exclusivo do nosso trabalho aqui. Essa nova Constituição terá de
reflectir o resultado da acção revolucionária que se desenvolve por
todo o País. Onde se luta contra o desemprego, contra a sabotagem
económica e por melhores condições de vida, onde se trava a batalha da
produção, onde se luta contra as manobras e conspirações contra-revolucionárias, onde se luta pela liquidação dos monopólios e
dos latifúndios, por uma efectiva Reforma Agrária, onde se luta por um Portugal democrático a caminho do
socialismo, em todos esses recantos do País também se está a contribuir
para que seja elaborada uma Constituição que corresponda aos interesses
do País e da revolução em marcha."
Os acontecimentos confirmaram a justeza das apreciações que então
fizemos. Foi em conjugação com a evolução do processo revolucionário
que a Constituição foi elaborada, e, por isso mesmo, ela reflecte a
dinâmica desse mesmo processo, os seus avanços, recuos ou pausas.
A Constituição foi aqui elaborada, mas ela é, fundamentalmente, o
resultado da luta dos trabalhadores e da acção das massas populares, é
o resultado da aliança Povo-MFA. Sem essa luta, sem essa aliança, sem
essa conjugação, não teria sido possível incluir na Constituição os
factores positivos essenciais da nossa revolução.
O PCP e o seu Grupo de Deputados estão conscientes do importante
contributo que deram, aqui e lá fora, para a elaboração e
especificidade da nossa Constituição.
No momento em que estamos a chegar ao termo dos trabalhos da
Constituinte, saudamos daqui todos os homens, mulheres e jovens que
lutaram pelo derrubamento da ditadura fascista e por cujo objectivo
muitos portugueses e portuguesas deram as suas vidas. Daqui saudamos os
capitães e todos os outros militares do MFA que fizeram o 25 de Abril e
que contribuíram decisivamente para a conquista e restabelecimento das
liberdades democráticas hoje existentes. Daqui saudamos ainda todos os
que através das suas lutas e do seu trabalho contribuíram, directa ou
indirectamente, para tornar possível a Constituição que será hoje
promulgada.
A Constituição e a sua promulgação representam uma importante e histórica vitória do nosso povo.
Com a promulgação da Constituição iniciasse um novo ciclo da história
do nosso país. A partir de hoje o povo português passará a ter na
Constituição um valioso instrumento, que deve tomar nas suas mãos, para
o defender e utilizar na luta pela consolidação da democracia e das
conquistas fundamentais da Revolução.
A defesa da Constituição que será hoje promulgada é uma tarefa que se
põe já hoje a todos os portugueses que amam a democracia e querem
libertar Portugal dos monopólios e da tutela imperialista, a todos os
que anseiam pelo progresso social e cultural, a todos os que aspiram
encaminhar o País na via da independência nacional e do socialismo.
Não se deve esquecer que não foram poucas as vozes que aqui mesmo se
ouviram a tentar despojar a Constituição de tudo que fosse a
consagração das conquistas revolucionárias do nosso povo. São vozes
identificadas com o passado, que não aceitam a presente democracia e se
opõem a um futuro socialista. São vozes coincidentes com as forças da
reacção, que trabalham e conspiram para porem em causa as conquistas
fundamentais da nossa revolução e as próprias liberdades democráticas.
Na defesa da Constituição não se pode esquecer que há forças que
recorrem ao terrorismo, aos ataques bombistas e ao banditismo para
abolirem as liberdades democráticas nos Açores, na Madeira e em várias
outras regiões do País, e que nem sequer hesitam em erguer a infame
bandeira do separatismo e da desintegração da unidade nacional.
Na defesa da Constituição não se pode esquecer que houver forças que se
esforçaram por retardar ou até impedir a conclusão e promulgação da
Constituição.
Lembremo-nos de que ainda nos últimos dias se ouviram estranhas vozes
de alguns Deputados e de políticos destacados, com o suspeito apoio de
jornais estatizados, a fazerem campanha para a revisão da Constituição
na próxima Assembleia da República. E o mais estranho ainda é que
fizeram essa campanha já depois de ter sido aprovado na Assembleia
Constituinte que a revisão só poderá fazer-se quatro anos depois da sua
promulgação.
A Constituição contém lacunas, insuficiências e disposições de que
discordamos, e sobre elas o meu camarada Vital Moreira, um dos
principais obreiros da Constituição, irá precisar o pensamento do PCP.
A Constituição reflecte as inevitáveis consequências das
maiorias oscilantes muitas vezes aqui verificadas, e originadas pelas
hesitações, compromissos ou incoerências políticas e contradições de
classe existentes no seio mesmo de partidos representados nesta
Assembleia.
No entanto, e muito embora discordemos de alguns aspectos
da Constituição agora concluída e que a seguir vai ser promulgada pelo
Sr. Presidente da República, general Costa Gomes, certamente com a
concordância e apoio do Conselho da Revolução, desejamos declarar muito
claramente que o PCP está na firme disposição de respeitar
integralmente a Constituição como lei fundamental do País.
Mais ainda: lutaremos para que, juntamente com os comunistas, todos
os portugueses respeitem, cumpram e realizem o que na Constituição está
consagrado e legislado.
Pensamos ser isso uma condição fundamental para
democratizar e institucionalizar a vida do País, criando-se assim um
clima de paz e de trabalho criador que possibilite, assegurar ao nosso
povo uma vida melhor e democrática, livre de opressões e de misérias.
Acabamos de assumir, em nome do PCP, o compromisso claro e inequívoco de respeitar e cumprir a Constituição.
Gostaríamos que idêntico compromisso fosse assumido de
forma clara e inequívoca por todos os partidos políticos existentes no
nosso país.
Sr Presidente e Srs. Deputados. Todos sabemos que no
decorrer dos trabalhos da Constituinte se manifestaram dificuldades
resultantes das discrepâncias e choques que reflectiam divergências e
antagonismos políticos e de classe. As diferentes concepções e os
desencontros havidos sobre o carácter da Constituinte e a forma de
cumprir as suas funções fizeram retardar a sua conclusão.
Mas deve também dizer-se que à medida que iam crescendo as ameaças e os
perigos de a reacção colocar de novo o País sob a alçada e o domínio
duma ditadura reaccionária e fascista, igualmente iam diminuindo os
choques e as divisões entre os que defendem efectivamente a jovem
democracia portuguesa. Uma crescente identidade de preocupações
contribuiu para atenuar divergências, para aproximar posições de
Deputados de vários partidos identificados com os principiou
democráticos e para demarcar ou mesmo isolar os que se opõem à
consolidação da democracia e de outras conquistas da nossa revolução.
O Presidente da Assembleia Constituinte, Prof. Henrique de Barros,
afirmou há poucos dias que juntava a sua voz "àqueles que têm alertado
o povo português para os perigos da implantação de um regime
conservador e mesmo do fascismo". Nós, comunistas, estamos na firme
disposição de nos associarmos a todas as vozes que clamem neste
sentido. Estamos na disposição de juntar a nossa voz às vozes de todos
os que procuram esquecer ressentimentos e atritos, e que estão
decididos a construir um Portugal democrático, livre e independente.
A Assembleia Constituinte tinha uma composição de
maioria democrática e de esquerda, mas uma maioria que nem sempre
existiu e que muitas vezes até se confrontou. Uma maioria de esquerda
na futura Assembleia da República é absolutamente indispensável para
salvaguardar os superiores interesses do povo português e da
democracia, e para salvaguardar a nossa própria Constituição, a
Constituição que o povo português forjou e criou através da sua própria
luta.
O conteúdo democrático e progressista da nossa
Constituição é bem evidente. É por isso que julgamos poder afirmar que
a Constituição é o fruto do labor revolucionário da classe operária,
dos trabalhadores, dos militares, de todo o povo laborioso do nosso
Portugal. É também por isso que a Constituição é um valioso instrumento
nas mãos do povo e um muito grande obstáculo para as negras forças da
reacção.
A nossa Constituição, a defesa dos seus princípios democráticos e
progressistas, a luta pelo seu cumprimento e realização, são já hoje
parte integrante da luta geral do povo português pela consolidação das
liberdades democráticas e pela salvaguarda das conquistas
revolucionárias consagradas na própria Constituição.
Viva Portugal democrático, livre e independente a caminho do socialismo!
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