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Encontro com Educadores e Professores
Quarta, 05 Março 2008
Manif VC5Jerónimo de Sousa, num encontro com professores e educadores, em Lisboa, declarou que o PCP  faz uma avaliação muito negativa do estado da educação e do ensino em Portugal «que é hoje muito marcado pelos efeitos da prolongada ofensiva de matriz neoliberal, sustentada numa profunda limitação das funções sociais do Estado». 
 
Encontro com Educadores e Professores
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

Permitam-me que comece por vos agradecer terem acedido ao nosso convite e assim podermos partilhar convosco as nossas preocupações que resultam de uma avaliação muito negativa e preocupada que fazemos do estado da educação e do ensino em Portugal que é hoje muito marcado pelos efeitos da prolongada ofensiva de matriz neoliberal, sustentada numa profunda limitação das funções sociais do Estado.

Preocupações que, no essencial, estamos convictos, são acompanhadas pela generalidade dos professores e educadores, como tem sido confirmado pela dimensão do movimento de indignação e protesto que se verifica em todo o país e nos motivos que sustentam esta luta. Indignação e protesto centrados não apenas no corte de direitos e na desvalorização da profissão docente, mas também em torno da defesa da Escola Pública de qualidade e inclusiva, de uma escola onde sejam garantidas as condições de trabalho e de estudo e sejam reforçados os princípios da autonomia e da gestão democrática.

O Governo do PS tem procurado nos últimos dias, com a divulgação apressada de estatísticas, mascarar a realidade, como se "dados estatísticos" fossem o primeiro e grande objectivo de uma política educativa séria. A estatística de um sucesso escolar baseado na desqualificação das aprendizagens, na quebra de qualidade de práticas e da exigência pedagógicas, é um logro intencional. Não é este, certamente, o caminho de uma educação para o futuro.

A escola que temos em Portugal, longe de corresponder às exigências de qualidade e de real sucesso que a democracia e o desenvolvimento do país exigem, continua a ser reprodutora e consolidadora das desigualdades sociais, empurrando boa parte dos estudantes para claras zonas de insucesso escolar e abandono precoce que, muitas vezes, são mascarados com currículos alternativos de diversa índole. Esta é uma realidade que está bem patente na opção pela generalização de vias profissionalizantes no Ensino Secundário, segundo uma concepção elitista do ensino, separando o conhecimento (só acessível a alguns) da aquisição de competências ligadas às necessidades do capital.

O acesso à educação e as condições para o sucesso escolar não são iguais para todas as crianças e jovens portugueses. O Governo do PS encerrou mais de 2700 escolas, muitas delas com mais de 10 alunos, ao contrário do que afirma. As condições de trabalho são, em muitas escolas, deficientes em instalações e equipamentos educativos adequados. Em consequência, a vida nas escolas é menos atraente para quem nelas estuda e trabalha com graves consequências no processo ensino-aprendizagem.

Nestes últimos três anos o Governo ignorou sistematicamente a Lei de Bases do Sistema Educativo e a própria Constituição da República, insistindo numa estratégia de desresponsabilização do Estado nesta área social fundamental, desvalorizando a Escola Pública enquanto instrumento para a concretização do preceito constitucional que obriga o Estado a garantir o direito ao ensino de todos os portugueses, com garantia do direito à igualdade de oportunidades e êxito escolar.

Recuperando no essencial o projecto educativo da direita, consubstanciado na Lei de Bases imposta na Assembleia da República por PSD e CDS-PP e vetada em 2003 pelo Presidente da República de então, num quadro de grande contestação social, o Governo do PS tem vindo a proceder a uma "reforma" inconstitucional do sistema educativo. Este é, de facto, o período mais negro da história recente do país no sector da educação e do ensino e consubstancia um retrocesso muito significativo. As consequências desta política constituirão, no futuro, um forte condicionamento ao nosso desenvolvimento.

Um estudo recente concluía que ao ritmo actual, Portugal precisaria de 60 anos para alcançar a escolaridade média da U.E. de 2005, caso o Governo do PS não continuasse a desinvestir na educação. A política de desinvestimento no ensino público e, objectivamente, de degradação da sua qualidade, é acompanhada pela deslocação dos apoios do Estado para o ensino privado nos vários níveis escolares, tornando-se cada vez mais evidente que o Governo do PS está a introduzir no sistema de ensino uma orientação estreita, utilitarista e economicista, segundo o princípio de que "quem quer educação deve pagá-la". Desta forma está posto em causa o princípio constitucional da igualdade de oportunidades, o direito a uma formação de qualidade e a uma qualificação para todos.

É neste contexto que consideramos que a pressa com que o Governo procura impor um conjunto substancial de alterações no sistema educativo, cujos objectivos foram meticulosamente ponderados, não têm que ver apenas com o calendário eleitoral mas principalmente com a opção de submeter e formatar o sistema educativo aos desígnios do capital, amputando-o do objectivo da formação integral do indivíduo, base essencial para a participação na vida social e política e para o exercício da cidadania.

O país tem assistido nas últimas semanas à maior demonstração de indignação e protesto por parte dos professores e dos educadores. A luta atingiu níveis de participação como nunca tinha acontecido anteriormente. As dezenas de manifestações e concentrações que têm vindo a realizar-se em todo o país, com uma participação que até hoje já ultrapassou as quatro dezenas de milhar, confirmam que a política educativa do Governo do PS não tem o apoio da esmagadora maioria dos professores, elo principal do sistema educativo contra os quais qualquer "reforma" fracassará.

Perante esta evidência o Governo do PS tem procurado, através duma campanha que devia envergonhar os seus executores, denegrir a imagem dos docentes, dividir a comunidade educativa e procurar fazer passar a mensagem de que na génese da indignação e do protesto estão apenas interesses corporativos.

Ainda ontem, um dos mais fieis apoiantes da política de direita que tem vindo a ser realizada pelo Governo do PS, escrevia num dos seus artigos de opinião que, e passo a citar, "tínhamos escola e professores a mais e qualidade e produtividade a menos" indiciando no seu artigo que estas são as causas dos "vergonhosos indicadores nacionais".

Nada mais falso! À parte qualquer comentário sobre a legitimidade que tem ou não para tecer comentários sobre o direito à indignação dos educadores e professores que se sentem feridos na sua dignidade profissional, coisa que pelos vistos não consegue entender, o analista de serviço "esquece" dois pormenores relevantes. O primeiro é o facto de o PS ter tido ao longo dos últimos 30 anos, a responsabilidade exclusiva das pastas da educação e do ensino superior durante 13 anos, o que o coloca como um dos partidos que mais contribuiu para a degradação a que o sistema educativo chegou. O segundo é que todos os estudos consideram as condições sócio-económicas das famílias como a principal causa para o insucesso e abandono escolares, pelo que não podem ser atribuídos aos professores e ao seu desempenho esta responsabilidade mas sim a todos aqueles, incluindo o actual Governo, que têm contribuído para que o país seja o campeão das desigualdades e da exclusão social no quadro da União Europeia.   

O primeiro dos deveres profissionais dos professores é para com os seus alunos e consiste em dar o melhor do seu saber científico e pedagógico, em disponibilizar toda a sua dedicação à instrução e formação das crianças, dos jovens com quem partilham, ano a ano, um tempo muito importante das suas vidas.

O papel dos professores é essencial e decisivo em todo o processo de desenvolvimento, reforma e inovação do sistema educativo, mas as suas condições de trabalho e de formação continuam a ser particularmente deficientes, precárias e não estimulantes, em muitas situações.

É neste quadro que professores e educadores têm assumido, perante o povo português, quase como um imperativo nacional, que a situação em que se encontra o sistema educativo em Portugal não permite realizar esse dever e é, em absoluto, desmotivante e impeditivo de um ensino de qualidade e de uma vida escolar bem sucedida para todos os alunos.

É neste contexto que a luta por interesses imediatos não se desliga da luta em defesa da Escola Pública e por condições que permitam o sucesso escolar de qualidade.

Como muitas vezes os professores e as suas organizações têm referido durante as acções de protesto, a luta contra este modelo de avaliação de professores que mais não procura do que criar uma barreira administrativa à progressão na carreira e não valorizar o mérito, a luta contra o modelo de gestão que visa liquidar o que resta da  gestão democrática nas escolas, a luta contra o encerramento de escolas, a luta contra a valorização da certificação em detrimento da qualidade das formações, entre outras, é parte integrante da luta em defesa da Escola Pública como um instrumento ao serviço, de facto, da "colectividade e dos seus utentes e beneficiários".

Só com uma Escola Pública e de qualidade acompanhada de medidas que garantam a  progressiva gratuitidade de todos os níveis de ensino, esta pode contribuir para o desenvolvimento integral dos portugueses e do país. A educação e o ensino, para além do seu valor próprio para cada indivíduo, constituem nas circunstâncias históricas actuais de Portugal um dos factores estratégicos para o desenvolvimento. Um desenvolvimento que se quer nas suas várias dimensões - económica, social, cultural, científica, política e ambiental. 

Estas são preocupações suficientes para que os portugueses se coloquem ao lado da comunidade educativa e, neste momento particularmente difícil, ao lado dos professores, em defesa da escola pública da qual depende, em grande medida, a real igualdade de oportunidades educativas e o direito a uma formação de qualidade e a  uma qualificação para todos. É com este entendimento que manifestamos a nossa solidariedade para com os professores e educadores na Marcha do dia 8 de Março, que apelamos à presença solidária dos que defendem o direito ao ensino como direito da democracia.

É com o objectivo de contribuir para a resolução dos problemas que afectam o nosso sistema educativo que o Grupo Parlamentar do PCP tem vindo a desenvolver, no plano legislativo, um conjunto de propostas e requereu uma interpelação ao Governo sobre política educativa que está já agendada para o próximo dia 18.

Democratizar e desenvolver a educação e o ensino, com o objectivo de garantir uma efectiva igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo a todos os portugueses, em todos os níveis da educação e do ensino, é um desafio que só pode ser vencido com a comunidade educativa e, em particular, com os professores.

O PCP, ao mesmo tempo que manifesta uma vez mais a sua solidariedade para com os professores e educadores e o apoio à sua luta até que o Governo pare com a ofensiva, não pode deixar de chamar a atenção para a exclusiva responsabilidade do Governo do PS, em particular do Primeiro Ministro, pela continuação de uma situação que afecta gravemente o funcionamento das escolas e está a acarretar prejuízos escolares para os alunos.