Partido Comunista Portugu�s
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Pacto da Instabilidade
Artigo de Lino de Carvalho no "Público"
Segunda, 27 Maio 2002

Ora aí está. Jacques Delors, o senhor Europa, a insurgir-se contra o fundamentalismo do chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC): "Não partilho esta obsessão da rigidez orçamental, veiculada pelos governadores de bancos centrais e certos responsáveis, segundo a qual é necessário chegar daqui a 2004 a um défice zero, aconteça o que acontecer."

E em relação ao mercado de trabalho em França (e o mesmo se poderia dizer de Portugal), afirma: "... tornou-se muito flexível, porventura demasiado, já que existem trabalhadores pobres". E acrescenta: "É preciso terminar com todos estes discursos ideológicos, que não correspondem à realidade" ("Le Monde, 13/05/02").

Discurso compaginado com a posição do novo governo chiraquiano defendendo o adiamento das metas do Pacto para 2007, isto depois de há alguns tempos também o Governo alemão ter insinuado o mesmo caminho. Poder-se-á dizer: a quanto obriga o processo de abrandamento da economia e as eleições.

Pois é. Mas a verdade é que, sejam quais forem as motivações, a questão está posta com toda a força em cima da mesa, agora pelos próprios que defenderam estritas políticas monetaristas, depois de tantas vozes avisadas, à esquerda, terem vindo a afirmar desde 1997 que as metas do Pacto de Estabilidade em matéria de défice não tinham qualquer fundamentação técnica e eram incompatíveis com a necessidade de políticas afirmativas, designadamente em períodos de crise económica.

E representavam, sobretudo, um pronto-a-vestir imposto de forma totalmente desadequada a países com níveis de desenvolvimento muito diferenciados e, portanto, com necessidades diferentes de investimento público, logo de despesa pública, nas áreas económicas, de investigação ou sociais (saúde, educação, segurança social). Basta olhar para as diferenças entre Portugal e a Grécia ou mesmo a Espanha e países como a Suécia, o Luxemburgo, a França ou a Alemanha, por exemplo. Este fundamentalismo inscrito no PEC, mais cedo ou mais tarde, teria de se defrontar com a realidade. A própria ministra Manuela Ferreira Leite, questionada na Comissão de Economia por mim próprio, não pôde deixar de dar uma resposta incomodada.

É uma evidência que no caso de Portugal, com um défice previsto de 2,8 por cento neste ano, apontar a um défice zero em 2004, só com uma política de forte contracção económica e restrições sociais, que seguramente lançariam Portugal numa crise profunda. Matava-se o doente com a cura e, sobretudo, sacrificar-se-iam centenas de empresas, milhões de trabalhadores e os grupos sociais mais frágeis, os mesmos de sempre. Aliás, para os mais distraídos, é necessário recordar que as políticas restritivas do Orçamento Rectificativo para 2002 e a aceleração de medidas tendentes a reduzir as políticas públicas e a entregar aos privados áreas como a saúde, a educação ou a segurança social, para além de claras opções ideológicas, estão respaldadas no argumento da necessidade de contenção da despesa pública com vista ao cumprimento do Pacto.

Agora que a realidade parece que forçou a algum bom senso nesta matéria, é necessário que o Governo português não continue a assobiar para o lado e que junte a sua voz a todos os que reclamam uma revisão da filosofia e das metas do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Aliás, para a própria credibilidade do euro, é preferível que esta revisão seja feita com tempo e serenamente, em vez de às pressas, nervosamente, nas vésperas do final de 2004.

E já agora, que se reconheça quem teve razão ao longo destes anos.