Partido Comunista Portugu�s
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Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR
O Estado da Nação
Sexta, 03 Julho 2009
20090702-js.jpgNo debate do Estado da Nação, Jerónimo de Sousa afirmou que "ao fim de mais de 4 anos de governo PS, a generalidade dos portugueses sabe que a sua vida piorou" e terminou referindo "que há um caminho de ruptura e mudança capaz de afirmar uma política alternativa de esquerda que vá ao encontro dos interesses do povo e ao serviço do país" reafirmando a confiança do PCP "no povo português como principal actor da história e obreiro do seu próprio futuro!"

                                                                                    

  

Debate sobre o estado da Nação

Sr. Presidente,

Já estamos aqui há tempo bastante, há décadas, o Sr. Presidente também, para saber que, nestes debates, repete-se sempre a mesma coisa: é o PS, no governo, a ouvir do PSD, na oposição, com o Governo a argumentar que a culpa, no passado, foi do PSD; é o PSD, no governo, a culpar o PS porque, entretanto, foi governo no passado...!

E esta cena repete-se todos os anos, há mais de 30! No entanto, o que passa a ser desresponsabilizado é a política de direita que, tanto realizada pelo PSD como pelo PS, tem vindo a ser implementada nestes mais de 30 anos.

Mas, agora, há uma novidade, apresentada pelo Sr. Primeiro-Ministro: afinal, a culpa, agora, não é só do PSD mas também da crise internacional; não havia qualquer crise nacional, nenhuma dificuldade!!

Esta crise internacional foi, de facto, um elemento que, a par das desgraças que o PSD fez, iliba o Governo da situação...!

Voltemos à realidade.

O retrato do País e das negativas contradições do seu desenvolvimento está bem patente na evolução do conjunto dos sectores de actividades económicas nacionais, no 1.º trimestre deste ano: a produção industrial com uma quebra de 10,5%; a produção agrícola com uma quebra de 5,8%; a construção com uma quebra de 15,2%; comércio, restaurantes e hotéis com uma quebra de 2,3%; transportes e comunicações com uma quebra de 8,9%. Tudo para se salvar o único sector que, no meio de uma profunda crise, continua a crescer: a actividade financeira que deu mais um salto, para cima de 4,2%.

Isto para dizer que, perante esta realidade, o Sr. Primeiro-Ministro só pode estar a ver este país pelos olhos dos banqueiros ou dos grandes grupos económicos, da minoria que quanto mais crise existe mais se enche.

Este não é o País real que desfiou ali, na tribuna. Portugal atingiu pela primeira vez, em 2007, uma taxa de desemprego que ultrapassou a taxa média da União Europeia e, hoje, ultrapassa já 10% de desemprego em sentido lato.

Mas o Sr. Primeiro-Ministro continua a fazer-nos crer que não tem qualquer responsabilidade pela situação em que o País se encontra.

Sr. Primeiro-Ministro, não se exige auto-flagelação, não se exige que «carregue nas tintas negras», mas como é que corrige os erros se não os reconhece nem reconhece a realidade?

Diga lá, Sr. Primeiro-Ministro: não há qualquer causa interna?

Não há qualquer responsabilidade pelo estado a que o País chegou?

Não tem qualquer responsabilidade pelas razões que conduziram ao protesto, ao descontentamento e à luta dos trabalhadores da Administração Pública, do sector privado, dos professores, dos enfermeiros, dos profissionais das forças de segurança, dos militares, dos magistrados, dos juízes, dos agricultores, dos pescadores, dos utentes de serviços públicos?

Não tem qualquer responsabilidade?

Todos estes lutaram sem razão?

Num quadro de crise, para além da falta de medidas suficientes, adequadas e atempadas do Governo para dar-lhe resposta, há uma coisa arrepiante, a cumplicidade objectiva do Governo face ao assalto de empresa e grupos monopolistas às pequenas empresas e aos sectores produtivos.

Abusando da posição dominante, da dependência económica, os monopólios transferem os custos da crise para outras empresas, com a imposição de preços inflacionados e condições gravosas, importando com dumping, vendendo abaixo do custo, restringindo margens, fazendo o saque às poucas mais-valias produzidas.

O Governo PS não só não intervém como também permite que uma dita «autoridade de concorrência» permaneça em silêncio.

Sr. Primeiro-Ministro, a Galp e as restantes gasolineiras continuam a apropriar-se de sobrelucros à custa dos consumidores e das empresas.

Desde o início, sobem os preços, sempre explicados pelo aumento do preço do barril de petróleo.

O que ninguém explica é por que a subida dos preços, sem impostos, tem sido muito superior aos aumentos médios verificados na União Europeia.

Tal significará um lucro extraordinário, de 210 milhões de euros, extorquidos aos consumidores, aos cidadãos e às empresas. Mas o Governo não quer saber disto, não referiu estas questões. Coloco-lhe outra.

Como é que se detém este ataque das grandes distribuidoras - Sonae, Jerónimo Martins - à produção, aos produtores nacionais de leite, de arroz, de azeite?

Com vendas de dumping.

Como é que se combatem os abusos do monopólio dos tabacos, da imposição das seguradoras contra as oficinas de automóveis e empresas de reboque?

Como é que se combate este Grupo Amorim contra dezenas de pequenas empresas do sector corticeiro?

Sr. Primeiro-Ministro, estamos a falar do aparelho produtivo e da produção nacional.

Estamos a falar em nome do interesse nacional.

Que pena que não tenha referido uma única palavra em relação a esta realidade!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Realizamos o presente debate sobre o estado da Nação quando se aproxima do fim a actual Legislatura e se encerra mais um ciclo governativo suportado por uma impositiva maioria absoluta que, em grande e exclusiva medida, decidiu e determinou o rumo do País nos últimos quatro anos e o vai deixar em profunda e grave crise.

Ciclo em que tivemos um Primeiro-Ministro que foi campeão de presenças na Assembleia da República, mas também um campeão na ausência de respostas às bancadas da oposição.

Mais um ciclo governativo perdido para a resolução dos problemas que o País há muito enfrenta, na esteira da fracassada acção governativa anterior do PSD e CDS-PP.

Um ciclo governativo perdido que prolongou a situação de estagnação e de crise que tem levado à degradação da vida da maioria dos portugueses.

Sem balanço, sobraria a afirmação e a propaganda. Por isso, importa fazer a análise.

O estado da Nação é, por isso, o estado de regressão e declínio em que esta maioria e anos sucessivos de política de direita deixaram o País.

Um País crescentemente fragilizado e dependente, cada vez mais injusto e desigual social e regionalmente.

O estado da Nação é o estado de um País marcado por dramáticos problemas sociais em constante agravamento e por uma grave crise económica que se foi aprofundando ao ritmo e na razão inversa dos anúncios governamentais que a negavam ou das renovadas boas novas do seu iminente fim que nunca chegou.

As previsões do prolongamento da crise para além do presente ano, particularmente a perspectiva avançada de um brutal e continuado agravamento do desemprego por parte de insuspeitas instituições internacionais, não só desmentem o optimismo «eleiçoeiro» de um Governo que não tem respostas para a crise como confirmam que a grave situação económica e social a que chegámos tem causas internas e não apenas externas e que os seus responsáveis podem ser encontrados aqui no País.

A gravidade da crise e do estado da Nação está bem patente no elevadíssimo desemprego, na desigualdade da distribuição da riqueza, na contínua destruição do aparelho produtivo, no agravamento de todos os défices estruturais e do conjunto das suas balanças com o exterior, que expressam uma cada vez maior dependência externa do País.

Há um chocante contraste entre os objectivos anunciados de mais desenvolvimento, mais crescimento, mais emprego, melhores condições de vida para os portugueses e as respostas que deu e os problemas que criou ao País, aos trabalhadores e ao povo português.

Ao fim de mais de quatro anos de Governo PS, a generalidade dos portugueses sabe que a sua vida piorou.

E bem pode o Governo negá-lo, negando a realidade.

Piorou a vida dos trabalhadores e dos reformados com a continuação da desvalorização dos seus salários reais e das reformas, ao mesmo tempo que cresceu o endividamento das famílias e se agravava a carga e a injustiça fiscal. Piorou com o aumento do custo de vida e o brutal aumento do desemprego que, em sentido lato, atinge já 625 000 pessoas, das quais mais de 300 000 não recebem qualquer subsídio de desemprego porque este Governo o recusa, apesar das nossas insistentes propostas.

Piorou a precariedade no trabalho para mais 110 000 trabalhadores nestes quatro anos, um expressivo aumento que eleva para 31,3% os trabalhadores com um trabalho precário. Dois problemas que, pela sua dimensão, se transformaram num enorme flagelo social, que atinge particularmente os jovens com uma taxa de desemprego de mais de 20% e que as políticas laborais deste Governo desapossaram de direitos.

Mais que não fosse, ao colocar as novas gerações na primeira fila das gerações sem direitos, este Governo «cavou» a sua derrota. Ao negar-lhes o emprego com direitos e um salário digno numa fase crucial da sua independência e autonomia nega-lhes o seu futuro, mas quem tem este futuro mais ameaçado será este Governo e esta política, porque os jovens não vão esquecer. Problemas que acentuaram um enorme sentimento de insegurança da grande maioria da população, seja quanto ao emprego, à manutenção da habitação, à garantia do sustento diário, seja quanto à falta de segurança e tranquilidade pública.

Reformas que são inaceitáveis, retrocessos civilizacionais formatados pelo pensamento do neoliberalismo dominante que estigmatiza de arcaicos e corporativos os direitos que são o resultado da luta de gerações do mundo do trabalho em que o PS participou e agora abandonou e «mutilou»! Reformas que se traduziram em significativos passos atrás nos domínios dos direitos laborais, com as alterações ao Código de Trabalho e na segurança social, que vão eternizar as situações de pobreza na velhice e obrigar os trabalhadores a trabalhar mais tempo para receber uma pensão ainda mais baixa.

Reformas que são também inadmissíveis retrocessos civilizacionais no direito à saúde, na educação, na Administração Pública e no acesso aos serviços públicos pelas populações.

Foi assim com a ofensiva sem precedentes contra o Serviço Nacional de Saúde e os seus profissionais e que levou ao encerramento de serviços e aumento dos custos dos cuidados de saúde. Foi assim com a ofensiva que desencadeou contra a escola pública e a dignidade social e profissional dos professores que desestabilizou a escola.

Quatro anos com uma investida nunca antes vista contra o estatuto, direitos e condições de trabalho e de vida dos profissionais da Administração Pública, que acentuou a partidarização do aparelho do Estado e comprometeu a sua independência e autonomia, em que ofendeu e minimizou a dignidade e o estatuto dos profissionais das forças de segurança, dos militares, dos juízes, dos magistrados.

Um Governo e uma maioria que nada fez no combate à corrupção que permanece e corrói a democracia portuguesa e que nada adiantou na resolução dos verdadeiros problemas que enfrenta a justiça.

De facto, nesta Legislatura, o combate à criminalidade económica e financeira, à corrupção, à promiscuidade e ao compadrio político ou marcou passo ou andou para trás.

A maioria e o Governo rejeitaram a criação do crime de enriquecimento ilícito; nada foi aprovado até agora em matéria de sigilo bancário (veremos o que dá o processo em curso); a alteração feita ao regime do segredo de justiça ameaça as investigações mais complexas. Entretanto, os portugueses assistiram à passividade do Banco de Portugal e do Governo perante as fraudes de milhares de milhões de euros no BCP, no BPN e no BPP.

Na área da justiça, a política deste Governo do PS fica marcada pela criação de mais dificuldades para os cidadãos no acesso à justiça cada vez mais dependente de recursos económicos longe do alcance da maioria da população - sabe lá o Governo o que é para um trabalhador estar anos à espera de uma sentença, de uma indemnização, do salário em atraso, de uma reparação por acidente de trabalho...! - por sucessivas tentativas de limitação da independência dos tribunais e da autonomia do Ministério Público e pela criação de mais obstáculos à investigação e combate à criminalidade mais grave e organizada.

Mas a gravidade do estado da Nação vê-se também na evolução da economia portuguesa, na grave e profunda recessão que País enfrenta, no contínuo processo de desindustrialização do País, de abandono da agricultura e das outras actividades produtivas que levou ao agravamento dos nossos défices crónicos e ao crescimento avassalador da dívida externa que se está transformar cada vez mais num verdadeiro garrote que estrangula o desenvolvimento do País.

Entre 2005 e 2008, as actividades produtivas definharam, enquanto a especulação imobiliária e a «financeirização» da economia tiveram um crescimento médio anual de 2,6%, e assim tem continuado em 2009.

Talvez não seja por acaso que os lucros líquidos dos cinco maiores grupos financeiros, sempre em forte crescimento nestes anos de Governo PS, tenham, em tempo de crise profunda, os mesmos cinco um lucros, neste 1.º trimestre de 2009, 523,9 milhões de euros e os 17 principais grupos económicos no mesmo período 1172 milhões de euros de lucros.

Como assim, Sr. Primeiro-Ministro, os sacrifícios para todos? Como assim a justificação da crise? Diga se estes números também estão errados!...

Por aqui se vê e confirma que as medidas de apoio ao sector financeiro e aos grandes grupos económicos têm, na verdade, surtido bom resultado, pois continuam a crescer a um ritmo invejável, enquanto milhares de micro, pequenas e médias empresas, apesar da sua importância no emprego e no desenvolvimento económico, continuam a ver negadas as medidas de fundo indispensáveis ao apoio à sua actividade.

Esta evolução é a consequência lógica de uma política que travou o investimento público que, neste período de Governo do PS, regrediu cerca de 29% em termos reais, promoveu a «financeirização» da economia e fez do controlo orçamental a primeira prioridade, em detrimento do crescimento económico e do emprego.

É cada vez mais evidente que não será com a mesma política que está na origem da crise que se combaterá a crise e resolverão os atrasos estruturais do País.

A todos os atingidos pela política deste Governo dizemos que nada está perdido, que no País há outras alternativas e que a crise económica e social tem solução, que é possível construir um Portugal mais próspero, mais solidário e mais justo, que há um caminho de ruptura e mudança capaz de afirmar uma política alternativa de esquerda que vá ao encontro dos interesses do povo e ao serviço do País.

Uma política alternativa que, baseada nos princípios e valores da Constituição da República, tenha como grandes objectivos a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da população, a dinamização da actividade económica, a criação de emprego, o reforço do papel do Estado na economia, a dinamização do mercado interno e o estímulo à actividade das micro, pequenas e médias empresas, o reforço do investimento, o combate aos défices estruturais do País. Uma política alternativa de valorização do trabalho e dos trabalhadores, através de uma justa repartição da riqueza, assente na valorização dos salários e das pensões, no pleno emprego, na defesa do trabalho com direitos de uma adequada política fiscal e de um eficaz e valorizado sistema público de segurança social.

Uma nova política que defenda os sectores produtivos e a produção nacional e a dinamização de uma economia mista com o apoio às micro, pequenas e médias empresas. Uma nova política onde o Estado assuma um papel determinante nos sectores estratégicos, nomeadamente no sector financeiro e na energia, nas comunicações e nos transportes, colocando-os ao serviço do desenvolvimento e da justiça social, ao serviço de todos nós e não de uma minoria.

Uma política que promova uma administração e serviços públicos ao serviço das populações, nomeadamente um Serviço Nacional de Saúde de qualidade, a promoção da educação, da cultura, da ciência, que liberte a criação artística e intelectual, a defesa do ambiente e um efectivo desenvolvimento regional com um decisivo combate às assimetrias regionais.

Uma política alternativa que dê resposta, com medidas concretas, a propostas inadiáveis a urgentes problemas que, nomeadamente, respondam uma efectiva protecção aos desempregados no acesso ao subsídio de desemprego, que garantam a anulação dos aspectos negativos do Código do Trabalho e da legislação de trabalho da Administração Pública, que reponham a dignidade da profissão docente com a revogação do actual Estatuto da Carreira Docente e a alteração do modelo de avaliação, a devolução da justiça e equidade nos critérios de cálculo e na actualização das reformas e a melhoria das pensões e reformas e a salvaguarda do direito à reforma aos 65 anos.

Medidas de apoio aos sectores produtivos como a proposta de congelamento dos preços da energia, das telecomunicações e das portagens, de aumento do investimento público e a eliminação do pagamento especial por conta.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Com um sentimento contraditório de inquietação e esperança tendo em conta o estado da Nação mas sabendo que é possível pôr fim às injustiças, que é possível retomar a senda do progresso, o PCP reafirma a sua confiança no povo português como principal actor da história e obreiro do seu próprio futuro!

Um dia há-de acertar!