Partido Comunista Portugu�s
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Sobre a abertura do ano lectivo
Terça, 02 Setembro 2008
educacao2.jpgO PCP manifestou preocupação, a cerca de oito dias da abertura do novo ano lectivo, face à manutenção de muitos dos problemas que nos últimos três anos afectaram o ensino em Portugal. Jorge Pires, da Comissão Política, afirmou também que a grande maioria das famílias portuguesas vão sentir ainda mais dificuldades quando confrontadas com os custos do regresso às aulas.


Conferência de imprensa com Jorge Pires, Comissão Política do PCP
Mais do mesmo na abertura do ano lectivo!


A cerca de oito dias da abertura oficial do ano lectivo de 2008/2009 é com preocupação que verificamos que se mantêm muitos dos problemas que transformaram estes últimos três anos num dos períodos mais negros do ensino no Portugal de Abril. A entrada no sistema educativo e o regresso às aulas para mais de um milhão e quatrocentos mil crianças e jovens, estão indubitavelmente marcados por um conjunto de orientações e decisões anteriormente tomadas que foram causadoras de uma profunda instabilidade para os jovens e famílias, para as escolas e os professores, que se reflectem negativamente no aproveitamento escolar. A insistência em tais orientações visa pôr em causa a existência de uma Escola Pública capaz de garantir o acesso de todos os portugueses ao «ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar».

Ao contrário do que possa ter transparecido das medidas «inovadoras» de Acção Social Escolar (ASE) apresentadas em Julho pelo Primeiro–Ministro com pompa e circunstância na AR, o seu alcance é limitado, ficando longe das necessidades da maioria das famílias que têm crianças e jovens a estudar até ao Ensino Secundário.

Aquando daquele anúncio, o Governo já tinha assinado em Março uma Convenção com as Editoras para que, em 2008/2009 e 2009/2010, os preços de venda ao público dos manuais escolares do 1º ciclo pudessem sofrer um aumento, em cada um dos anos, de forma a que não seja excedido, por cada título, o limite resultante da aplicação aos preços de venda ao público do agravamento médio acrescido de 3% e nos 2º e 3º ciclos do básico acrescido de 2%, ou seja , um aumento de 5 a 6 % ! Esta Convenção teve como consequência imediata o maior aumento dos preços dos manuais escolares nos últimos anos.

A grande maioria das famílias portuguesas vai ter ainda mais dificuldades quando confrontada com os custos do regresso às aulas. Na actual legislatura a educação foi o produto que mais subiu na variação do Índice de Preços ao Consumidor, com um aumento superior a 16%. Um agregado familiar com crianças ou jovens dependentes, de acordo com o Inquérito às Despesas das Famílias 2005/2006 (INE), gastou em média 571 euros por ano com educação. Considerando os aumentos de preços desde então, e principalmente em 2008, incluindo os dos manuais escolares que continuam a ser vendidos sem certificação, concluiremos facilmente que aquele valor aumentará significativamente e que para muitas famílias, nomeadamente as que têm mais do que um filho na escola, o início do ano lectivo é já uma tormenta.

As famílias que não beneficiam de qualquer apoio da ASE são responsáveis por mais de 50% das crianças e jovens que frequentam os ensinos básico e secundário.  Apenas 23,9% dos alunos do Ensino Básico e Secundário vão ter acesso ao apoio do 1º escalão da ASE.  Do universo dos alunos, 21,9 % terão acesso ao apoio a 50%. As actualizações dos valores da ASE para livros e material escolar variam entre os 50 cêntimos e os 6 euros.

Para termos uma ideia de quão restrito é o acesso ao escalão máximo da ASE, basta dizer que o agregado familiar das crianças que não tinham qualquer apoio anteriormente ou que entrem agora no sistema, não poderá ter um rendimento superior a 407,41 euros por mês, no caso de ter um filho, isto é, um rendimento per capita de 135 euros por mês. Mas se esse agregado tiver um rendimento bruto igual a dois salários mínimos mensais (852 euros), isto é 284 euros per capita, cai já no 3º escalão e não beneficia de qualquer apoio para refeições, livros e material escolar.

Mais uma vez chamamos a atenção para o facto da Constituição da República Portuguesa ter inscrito no seu Artigo 74º, nº2 que «Na realização da política de ensino incumbe ao Estado assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito e estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino».

Esta opção do Governo do PS de não cumprimento da Constituição da República à qual associamos o sub-financiamento crónico a que tem sujeitado o ensino – mesmo que o OE atribua à educação mais 3,5% para 2009, na prática mais 0,5% tendo em conta a inflação; isto significa colocar o orçamento abaixo do nível de 2006 – não se desliga de uma estratégia mais vasta que tem como objectivos centrais elitizar o acesso ao conhecimento, nomeadamente aos níveis superiores de conhecimento e pôr em causa a Escola Pública, num processo cada vez mais evidente de privatização do ensino.

Um segundo condicionamento ao sucesso do próximo ano lectivo é o facto de transitarem do anterior, um conjunto de problemas e de o Governo insistir nos mesmos erros que foram causa de instabilidade nas escolas e factor decisivo para as  lutas realizadas pelos docentes e estudantes.

Na passada sexta-feira ficámos a saber que cerca de mais de 5 000 professores ficaram fora do sistema num total de mais de 40 000, 25 000 dos quais não têm direito ao subsídio de desemprego. Este é o resultado de uma política que insiste no encerramento de escolas obrigando milhares de alunos a deslocações que nalguns casos atingem mais de 50 Km, de se recorrer a pessoas em muitos casos sem a qualificação necessária para as chamadas Actividades de Enriquecimento Curricular,  de se manterem turmas com um elevado número de alunos, mas também porque nos últimos dois anos mais de 3 000 professores do ensino especial ficaram no desemprego devido ao facto de mais de 40 000 alunos terem deixado de ser sinalizados. Desta forma o Estado reduz o investimento público, os colégios privados vêem crescer a sua população escolar mas, como é visível, perde a qualidade do ensino, perdem as nossas crianças e os nossos jovens, em última análise perde o país.

Com a manutenção de um Estatuto da Carreira Docente que divide os professores, que os desmotiva para um trabalho que é muito exigente, mas acima de tudo que constitui uma desvalorização social, material e profissional dos educadores e professores, não há nenhuma possibilidade de garantir o sucesso do ano lectivo. Qualquer estratégia que não tenha em conta que os docentes são o elo principal do sistema educativo só pode ter como destino o fracasso.

A instabilidade nas escolas vai ser agravada com a implementação de um modelo de avaliação dos docentes que está provado não ser exequível, que não vai contribuir para melhorar a qualidade da prestação dos docentes e apenas serve para criar barreiras administrativas à progressão na carreira a dezenas de milhar de professores e educadores, particularmente os mais jovens. Apesar dos docentes com a sua luta terem obrigado o Governo a marcar negociações em Junho e Julho próximos, com o objectivo de introduzir alterações no modelo de avaliação, até lá, estamos certos, o que vamos ter é mais instabilidade nas escolas.

Instabilidade que se intensificará à medida que for sendo implementado o modelo de gestão imposto pelo governo e pela maioria parlamentar que o apoia, particularmente o facto de este modelo ter na sua génese o objectivo de acabar com o que resta da participação democrática de todos os corpos da escola: docentes, não docentes, alunos e pais. As dificuldades que hoje existem na direcção das escolas e agrupamentos, muitas delas fruto de alterações que o PS já tinha introduzido anteriormente na legislação, não se resolvem concentrando poderes numa pessoa e retirando autonomia à escola. Sem autonomia e gestão democrática, mais uma vez o que está em causa é a existência da própria Escola Pública.
 
Por tudo isto é nossa convicção que se vão criar níveis de instabilidade nas escolas incomparavelmente mais graves do que aqueles que marcaram o ano lectivo anterior.

Para a resolução dos problemas da educação em Portugal é fundamental o desenvolvimento de uma política educativa que assuma a educação como um valor estratégico para o desenvolvimento do País e para o reforço da identidade nacional, como prioridade para um efectivo combate ao abandono precoce da escola, ao insucesso escolar e educativo, à exclusão escolar e social. Política que deve assentar numa escola pública de qualidade, para todos e gratuita em todos os níveis de ensino.