Na sessão de apresentação do livro que assinala os 150 anos do nascimento de Clara Zetkin, Jerónimo de Sousa realçou a importância desta obra para não permitir que esta destacada revolucionária alemã seja incompreensivelmente esquecida, sublinhando que «as suas principais reflexões teóricas sobre a condição da mulher e sobre os caminhos de luta pela sua emancipação social continuam a ter uma enorme actualidade no tempo presente e na luta que travamos pela efectivação das conquistas da Revolução de Abril de 1974».
Intervenção de Jerónimo de Sousa,
Secretário-Geral do PCP, na apresentação do livro
«Clara Zetkin e a luta das mulheres. Uma atitude inconformada, um percurso coerente»
Prezadas amigas e amigos,
Camaradas,
É com satisfação que
participo nesta sessão de Apresentação do Livro que assinala os 150 anos do
nascimento de Clara Zetkin da responsabilidade da Editorial Avante! e da
Organização das Mulheres Comunistas.
Após intervenções anteriores
que sublinharam diferentes aspectos desta obra gostaria de apoiar a acertada
decisão de empreender este projecto, em primeiro lugar, para não permitir que
esta destacada revolucionária alemã seja incompreensivelmente esquecida quando
a sua contribuição para a “teoria da emancipação da mulher” é verdadeiramente
inestimável.
E, em segundo lugar, porque as suas principais
reflexões teóricas sobre a condição da mulher e sobre os caminhos de luta pela
sua emancipação social continuam a ter uma enorme actualidade no tempo presente
e na luta que travamos pela efectivação das conquistas da Revolução de Abril de
1974.
Clara Zetkin viveu e
interveio, nos finais do século XIX até aos anos trinta do século XX. Um
período histórico concreto marcado pela entrada do capitalismo na sua fase
imperialista e pela brutalidade da primeira guerra mundial (1914-1918) e por
outro lado, por um acontecimento mundialmente importante, a Revolução
Socialista de Outubro de 1917, com a qual Clara Zetkin se identificou desde o
começo e na qual viu o alvorecer de uma nova era para a humanidade e cujo
significado para a emancipação das mulheres não se cansou de realçar.
Nesta obra é dado destaque à
intervenção de Clara Zetkin e ao modo como a sua intervenção política se
caracterizou pela combinação entre uma actividade prática e uma teoria
revolucionária. Na verdade esta revolucionária alemã não só deu um importante
contributo no exame da situação de subalternização política, económica, social
e cultural a que as mulheres estavam sujeitas analisando as suas causas como
mostrou a absoluta necessidade de transformação política e social pela força da
acção organizada das trabalhadoras no quadro do movimento operário e
revolucionário.
Pela sua acção, enquanto
destacada dirigente do Partido Comunista Alemão, da II Internacional e da III
Internacional Comunista, Clara Zetkin desenvolveu uma intensa actividade
visando a organização das trabalhadoras e a incorporação das suas
reivindicações específicas na causa de todo o movimento operário e comunista,
na sua luta comum contra o sistema capitalista e pela transformação da
sociedade.
É justo que nesta obra se
destaque que Clara Zetkin foi mais do que uma das muitas destacadas
personalidades da vida política e social que, à época, se ocuparam da questão
feminina. Com ela, a luta emancipadora da mulher, assumida como parte
integrante da luta da classe operária e dos povos contra a exploração e pela
sua libertação, ganha nova dimensão e uma coerência muito particular.
Assumindo uma matriz política
e ideológica legada por Marx, por Engels e por Lénine o conjunto dos escritos
de Clara Zetkin integra, amplia e enriquece o património do marxismo-leninismo
quanto à situação das mulheres na sociedade, sobre a situação da mulher no
capitalismo e sobre a revolução socialista como resposta à aspiração de
emancipação social da mulher. É por isso que, muito justamente, o conjunto das
suas reflexões teóricas deve ser destacado como parte integrante do acervo
teórico do marxismo-leninismo.
O evidenciar da actualidade
que atravessa o conteúdo deste livro que hoje é apresentado, não ignora o
espaço de tempo decorrido desde que estas reflexões foram produzidas e não
subestima o conjunto de acontecimentos positivos e negativos de avanços
fascinantes e recuos dolorosos, que marcam a história da luta das mulheres e
dos povos desde então. O evidenciar desta actualidade não nega que vivemos um
tempo muito diferente daquele que foi o tempo de Clara Zetkin. Mas essa
exigência não anula, antes reclama, que saibamos utilizar o imenso legado
teórico que nos deixou e cuja actualidade se mantém.
Clara Zetkin destacou que
pretender transformar a condição das mulheres sem abolir o modo de produção
capitalista conduziria as trabalhadoras a um beco sem saída, observando que as
“reformas” levadas a cabo pelo próprio sistema capitalista serviam para atenuar
um pouco a vida da mulher mas não dariam êxito ao objectivo de transformação da
condição social das mulheres das classes trabalhadoras, nem permitiriam
efectivar o conjunto dos seus direitos económicos, sociais, políticos e culturais.
Esta é uma verdade
indesmentível. É verdade que no século XX a maioria dos países veio a consagrar
a igualdade política e jurídica das mulheres, pondo fim a concepções milenares
erigidas com base na inferioridade da mulher e transformadas em filosofia do
Estado e que foram usadas pelos diversos sistemas políticos ao longo da
história da humanidade e pelo próprio sistema capitalista a partir do século
XIX. As instâncias políticas internacionais e nacionais proclamam a igualdade
de direitos para as mulheres. Tal alteração, que finalmente deu satisfação a
tantas e tantas lutas das mulheres e do movimento operário e revolucionário, e
de que Clara Zetkin também foi obreira, não consubstanciou uma mudança radical
na condição social das mulheres das classes trabalhadoras e camadas
desfavorecidas, crescendo o fosso entre a igualdade na lei e a desigualdade e
discriminação na vida e no trabalho.
É com o triunfo da grande
Revolução Socialista de Outubro, que, ao liquidar o regime explorador, a
situação da mulher, sobretudo da trabalhadora, vai sofrer uma transformação
social. A construção do socialismo numa séria de países, libertando as mulheres
da opressão, elevando-as aos primeiros postos no trabalho, na ciência e na
cultura, influi decididamente na luta emancipadora das mulheres à escala
mundial. É certo que o empreendimento da construção da nova sociedade
socialista se revelou mais difícil, mais complexa, mais irregular, mais
acidentada e mais demorada.
Mas nem o projecto comunista de uma sociedade nova e melhor
deixou de ser válido, nem o capitalismo se mostrou capaz de resolver os
problemas da humanidade. Considerando a destruição da URSS, as derrotas do
socialismo no Leste da Europa e a mudança na correlação de forças, e a
pretensão do estabelecimento do domínio da exploração e hegemonia mundial pelo
imperialismo, os arautos do capitalismo pretendem apresentá-lo como sistema sem
alternativa ou fim da história da humanidade.
Verifica-se uma profunda vaga
de ataques às conquistas e direitos sociais e democráticos, obtidos pelos
trabalhadores e a humanidade através de duras lutas ao longo do século XX.
Proliferam ideologias obscurantistas, discriminatórias, opressoras e
fascizantes que são uma nova e perigosas ameaça à situação das mulheres e
principalmente às mulheres trabalhadoras.
Os povos, os trabalhadores,
em muitos países, e também no nosso país, lutam pela sua emancipação e
soberania numa acesa luta de classes.
Como Clara Zetkin afirmou, “A
emancipação da mulher, como de todo o género humano, só se tornará realidade no
dia em que o trabalho se emancipar do capital. Só na sociedade socialista as
mulheres, como os trabalhadores, tomaram posse, plena dos seus direitos.”
Milhões de mulheres no mundo lutam pela sua
sobrevivência e dos seus familiares, enfrentam a subnutrição, a falta de
recursos, a fome e a doença. São as primeiras vitimas dos conflitos armados e
das guerras do imperialismo. Mesmo em países onde prospera a riqueza, o
aprofundamento das injustiças e desigualdades atinge sectores da população. As
mulheres continuam a ser profundamente afectadas na sua condição, assuma isso
uma expressão mais brutalizada, ou uma expressão aparentemente mais humanizada.
Olhando o mundo actual mantêm inteira actualidade a afirmação de Clara Zetkin
de que “não é possível transformar a condição das mulheres sem abolir o modo de
produção capitalista” Clara Zetkin afirmava que “o que torna a mulher uma
mão-de-obra particularmente apreciada pelo capitalismo não foi somente o seu
preço inferior mas também a sua maior submissão”.
E, a verdade é que
globalização capitalista na sua ofensiva ideológica animada pelos Governos em
Portugal tem vindo a fomentar uma pseudo-moderna forma de submissão: tenta
orientar a luta das mulheres para becos sem saída.
São proclamadas medidas
milagrosas de conciliação da vida familiar e profissional assente, no fomento
de trabalho parcial para as mulheres e na flexibilização dos horários de
trabalho que assentam na redução do salário e não na redução do tempo de
trabalho sem perda de salário
Dizem, com o maior dos
descaramentos, que estão a alargar a oferta de equipamentos sociais de apoio à
família, só que não dizem que a sua entrega ao sector privado leva a que as
mensalidades sejam elevadas e os horários prolongados não servindo as mulheres
das classes trabalhadoras, nem os seus filhos.
A conciliação da vida
familiar das trabalhadoras não pode ser à custa da redução do seu salário
(trabalho a tempo parcial porque isto significa a desresponsabilização do
Estado das suas obrigações constitucionais e o regresso da mulher à economia
familiar.
Para os seus ideólogos as
mulheres são identificadas como uma categoria social separada, distinta da dos
homens, como se homens e mulheres pertencessem a diferentes categorias sociais
só pelo facto de uns serem homens e outros serem mulheres. O que pretendem é
anular a luta de classes, transformando o confronto entre homens e mulheres
como a principal fonte e conflito. Situam o problema das discriminações
salariais das mulheres num problema de mentalidades e não no conteúdo de classe
das políticas económicas assentes em salários de miséria para mulheres e
homens. Proclamam a igualdade de direitos para as mulheres mas, na prática,
cavam a perpetuação das velhas formas de dominação e de opressão das actuais e futuras
gerações de trabalhadoras em cada uma das “reformas” que levam a cabo:
subversão das leis laborais, políticas de baixos salários e de discriminação
salarial, privatização da segurança social, redução do direito à reforma,
encerramento de serviços de saúde.
Milhares de mulheres
trabalhadoras portuguesas sabem que a luta contra os seus baixos salários e as
discriminações acompanha e integra a luta do conjunto do movimento operário,
dos trabalhadores e dos reformados por salários e pensões justas, por uma vida
com qualidade.
As mulheres trabalhadoras
sabem que a privatização da segurança social perpetua os seus baixos níveis de
protecção social ao longo do seu ciclo de vida – realidade evidenciada em
diversos estudos recentes. E, sabem, que estas políticas pretendem hipotecar
desde já os direitos das gerações futuras de mulheres.
As dirigentes do Movimento
Democrático de Mulheres que há poucos dias apoiaram a exigência de uma mulher
que necessitava de interromper uma gravidez no Hospital de Setúbal. Não bastou
realizar um Referendo, nem aprovar uma nova lei na Assembleia da República.
Importa a sua efectivação. É preciso lutar, no dia a dia para que o Serviço
Nacional de Saúde cumpra a nova lei da interrupção voluntária da gravidez.
Porque também na questão do
aborto temos uma questão de classe. É às mulheres das classes trabalhadoras,
das classes mais desfavorecidas que diariamente são impedidas do seu direito de
serem mães, pela falta de condições de estabilidade e segurança económica que
mais necessitam que o Serviço Nacional de Saúde lhes garanta uma interrupção
voluntária da gravidez.
O êxito da luta das mulheres
assenta no reforço da sua presença organizada no movimento de massas.
A luta das mulheres tem uma
natureza de classe bem definida, que o digam as milhares e milhares de mulheres
trabalhadoras organizadas nos sindicatos e na CGTP, que assumiram importante
papel no desenvolvimento da luta de massas que teve lugar nestes últimos meses
– na greve geral de Maio, na manifestação do passado dia 5 em Guimarães, na
manifestação da Administração Pública do passado dia 12.
Olhemos para a evolução de Portugal nos últimos
trinta anos: indissociável de dois processos de sentido profundamente
antagónico: de um lado, o significado e alcance da Revolução de Abril – que pôs
fim à ditadura fascista e à total ausência de direitos – e, de sentido inverso,
as consequências das políticas de direita que têm vindo a ser realizadas e que
são responsáveis pela destruição (e subversão) das transformações económicas e
sociais edificadas após Abril e pelo retomar de um modelo económico baseada na
perpetuação das velhas formas de exploração e dominação das mulheres no
trabalho, na família e na sociedade.
Não há trabalho estável para
homens e para mulheres, nem uma retribuição justa para trabalho igual com o
conjunto das “reformas” que tem vindo a ser representadas no plano laboral:
-
a desregulamentação das
relações laborais, no sector público e privado - cuja escalada está brutalmente
assinalada nas propostas de alteração do Código do Trabalho – visa a
generalização do desemprego, a precariedade dos vínculos laborais com o
objectivo da liquidação do horário de trabalho, a maximização do lucro à custa
da desvalorização do trabalho das mulheres e dos homens. O Governo, em nome de
uma suposta igualdade entre homens e mulheres, nivela por baixo os salários de
miséria de uns e de outros. Nivela por baixo direitos sociais.
Camaradas:
Permitam-me um parêntesis para referir a grave
situação da não aplicação da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez na
Madeira.
Esta é mais uma atitude que, certamente, não está
desligada do conjunto de manobras que estão em curso, por parte dos apoiantes
do “Não” para intimidar e condicionar o exercício do direito à IVG por parte
das mulheres portuguesas.
É inaceitável que o Governo Regional da Madeira
ostensivamente inviabilize a aplicação da Lei da IVG naquela Região Autónoma
com o falso pretexto da falta de meios da Região.
É necessário aqui reafirmar que as leis da República
são para aplicar em todo o território nacional e que é inadmissível, mais uma
vez, que se tente negar esse direito às mulheres da Madeira.
Daqui exigimos a intervenção dos poderes públicos de
forma a garantir prontamente que às mulheres da Madeira seja facultado, tal
como ao conjunto das mulheres portuguesas o acesso a um serviço público de
saúde para a concretização desse direito.
Transformar a condição das
mulheres é questão fundamental mas não única nem suficiente!
Processos históricos
demonstram que não basta a mudança das estruturas económicas e sociais, não
basta transformar as condições materiais para que automaticamente surjam
relações humanas novas e se eliminem preconceitos. Há necessidade de criar
novos valores e referências morais, culturais e comportamentais, um relacionamento
novo entre seres humanos.
Insubstituível
complementaridade que mais exige o olhar sobre a realidade e o voltar ao ponto
de partida. A situação das mulheres é mais grave, mas acompanha a realidade dos
trabalhadores da sua classe social:
-
55,2% dos desempregados
são mulheres (qualquer que seja o escalão de idade e o ano considerado, a taxa
de desemprego é sempre superior nas mulheres);
-
o nível de precariedade
do trabalho afere-se não só pelo peso dos trabalhadores contratados a prazo no
total dos trabalhadores, mas também pelo peso do emprego a tempo parcial que
afecta 16,7% do emprego feminino, enquanto nos homens esse emprego é de 8%.
E no entanto abundam
programas, planos, projectos para a igualdade. Pensados mais para a eleitora do
que para o ser social emancipado com direitos.
Estas concepções ditas de
“igualdade de género” sustentam o aprofundamento da globalização capitalista, e
visam evitar que as mulheres equacionem a natureza e a ideologia, os mecanismos
da exploração e dos exploradores.
No tempo presente esta
submissão que o neoliberalismo procura alimentar junto das trabalhadoras tem
novas roupagens porque as mulheres ganharam consciência da importância decisiva
de trabalharem e, assim, o neoliberalismo e as suas centrais ideológicas fomentam
a ideia de que o inimigo social da efectivação dos direitos das mulheres das
classes trabalhadoras são os homens da sua classe – seja o seu companheiro de
uma vida, seja o colega de trabalho, seja o camarada do seu partido – o
companheiro de uma vida ou de trabalho.
As novas formas de submissão
das mulheres trabalhadoras (como dos homens trabalhadores) escondem-se ainda
nos inflamados e recorrentes discursos anti-partidos, que em Portugal são
feitos para todos os gostos e que, sob falsos independentismos, colocam quem os
profere numa suposta reserva moral e ética na política quando afinal eles
escondem uma profunda natureza antidemocrática, pretendem meter todos no mesmo
saco, mas alimentando o preconceito anticomunista e caricaturando o seu projecto
emancipador quando objectivamente são eles os mais perfeitos aliados dos
partidos no poder, que protagonizam um brutal retrocesso aos direitos das
mulheres, à justiça social e ao progresso do País.
No seu legado teórico, no seu
conhecimento e vivência da realidade, Clara Zetkin incorpora uma mensagem que
aponta um caminho de grande actualidade e validade e que é possível e
necessário caminhar! Dar combate à ordem e aos valores estabelecidos à força
pela classe dominante; lutar contra o conformismo; trilhar os percursos da luta
específica por questões específicas que convirjam para as batalhas comuns de
homens e mulheres!
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