Partido Comunista Portugu�s
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Sistema de avaliação da educação e do ensino não superior
Intervenção da Deputada Luísa Mesquita
Quarta, 03 Julho 2002

Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhoras Deputadas,
Senhores Deputados,

A Proposta de Lei que, de forma apressada, o Governo e os Grupos Parlamentares que o sustentam agendaram para hoje, poderia e deveria, na nossa opinião, ter resultado de uma ampla e participada reflexão.

Mas o pragmatismo governamental do "encerra" e "extingue" e depois se verá não o permitiu.

O Governo diz pretender, com esta iniciativa, criar um sistema de avaliação da educação e do ensino não superior.

É um objectivo legítimo, necessário e enquadrado legalmente no texto da Lei de Bases do Sistema Educativo que no seu artigo 40º determina que o sistema deve ser objecto de avaliação continuada, que deve ter em conta os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e ainda os de natureza político-administrativa e cultural.

Mas acrescenta que esta avaliação "incide, em especial, sobre o desenvolvimento, regulamentação e aplicação" da Lei de Bases do Sistema Educativo.

E se o objectivo é legítimo e necessário, a sustentação e concretização ao nível do texto que o Senhor Ministro apresenta à Assembleia da República não o é.

E não o é porque o Senhor Ministro e o seu governo pretendem convencer o país e particularmente a comunidade educativa de que os males do sistema e os maus resultados da formação e da qualificação da população portuguesa resultam da inexistência de um sistema de avaliação, como um fim em si mesmo, de matriz punitiva e cujo objectivo final é a medalha de mérito ou demérito das listas classificativas.

E é esta leitura finalística da avaliação que permite o Governo afirmar na exposição de motivos que a ausência ou a presença de um modelo de avaliação é factor exclusivo e determinante na qualidade da organização, do funcionamento e das aprendizagens do sistema, sustentando que o aumento da despesa pública nesta área tem sido desperdiçado porque não se classificam em bons, suficientes ou maus, as escolas, os professores, os alunos, os funcionários e os pais e encarregados de educação.

Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhoras Deputadas,
Senhores Deputados,

O conteúdo da Lei de Bases do Sistema Educativo é claro.

A avaliação deve ser feita, deve ser continuada, deve abranger todas as áreas do sistema e tem como objectivo fulcral, prioritário, e indispensável a aplicação e o aprofundamento das matérias enunciadas na lei matricial do sistema educativo.

E isto quer dizer que a avaliação interna e externa das instituições deve ser feita para viabilizar um melhor conhecimento da realidade e por isso permitir corrigir e aperfeiçoar essa mesma realidade.

Estes dois tipos de avaliação devem ter um carácter complementar, dando corpo a uma avaliação institucional que contribua para a melhoria da qualidade de todas as escolas, de modo formativo e cooperativo, sem recurso a processos de seriação e de classificação, que só podem conduzir a climas de antagonismo e crispação entre os elementos que compõem a comunidade educativa.

Muitos têm sido os processos de avaliação, uns mais independentes que outros.

Mas as conclusões são, fundamentalmente, as mesmas.

São conhecidas as insuficiências e as necessidades.

É urgente uma escola com mais qualidade, mais democrática, mais inclusiva e mais solidária.

E este objectivo, Senhor Ministro, não se concretiza com esta Proposta de Lei.

Avaliar para classificar.

Avaliar para publicitar.

Avaliar para premiar os melhores.

Avaliar para identificar e estigmatizar os mais fracos.

Avaliar para desresponsabilizar a administração central e o Governo.

Avaliar para responsabilizar as escolas, os professores, os alunos, os pais e encarregados de educação e os funcionários:

  • por um financiamento insuficiente face às necessidades;
  • por um corpo docente contratado, que constitui resposta permanente de trabalho;
  • por um quadro de pessoal reduzido e precário que não pode garantir o funcionamento das instituições;
  • pela ausência de infra-estruturas e recursos humanos capazes de responder socialmente às crianças e aos jovens que frequentam as nossas escolas;
  • pela ausência de medidas de combate ao abandono e insucesso escolares;
  • pela ausência de materiais e equipamentos adequados ao cumprimento dos projectos educativos;

Não é um processo pedagógico, não é um processo formativo, não é um processo solidário, não é um processo democrático.

Um processo de avaliação tem que ter consequências.

Devemos saber porque e para quê estamos a avaliar.

Devemos saber porquê e para quê estamos a ser avaliados.

O Governo já apresentou os seus motivos.

Propõe este sistema de avaliação para, em primeiro lugar, informar publicamente o país de quais as instituições e as comunidades educativas que são responsáveis pelo estado a que isto chegou e, em segundo lugar, eximir-se das suas responsabilidades e da avaliação das suas políticas.

Não é este o caminho, na nossa opinião.

A avaliação tem que ter consequências na qualidade do sistema, tem que servir para detectar lacunas e num momento seguinte para traçar estratégicas que permitam a superação.

Uma avaliação séria não admite exclusivamente grelhas universais, regras uniformizadoras ou interesses e lógicas de mercado, criando climas de concorrência e reforçando as assimetrias existentes.

Uma avaliação séria não pode ser um uniforme que sirva a tudo e a todos.

Uma avaliação séria não pode sustentar-se em análises redutoras e simplistas.

Uma avaliação séria não pode apostar na governamentalização e dificultar a autonomia e independência do processo, desvalorizando exactamente um organismo que, de acordo com a Lei de Bases "goza de autonomia (...) e tem como função avaliar e fiscalizar a realização da educação escolar..."

Uma avaliação autónoma e independente não pode confinar-se ao carácter consultivo do Conselho Nacional de Educação, remetendo o fundamental das informações e decisões para o Governo, particularmente para a tutela, entidades, cujo carácter de omnisciência, dispensa qualquer cooperação.

Mas é exactamente este processo que o Governo propõe.

E se conjugarmos este propósito com a "adopção de exames nacionais como condição de acesso ao nível imediatamente superior e ainda o desenvolvimento do sistema de avaliação aferida em cada um dos ciclos do ensino básico visando a sua integração no sistema de avaliação regular" ficamos com um quadro esclarecedor.

Pretende-se um sistema educativo que sobrevalorize a instrução em detrimento da educação.

E por isso não se pretende um processo de avaliação que recolha informações, para melhor conhecer, diagnosticar e permitir orientações, opções e práticas políticas operativas e discriminativas em favor das escolas e das comunidades educativas mais carenciadas.

Pretende-se sim um ranking público e prometem-se penitências, mas só de alguns.

Naturalmente por esta razão, o Senhor Ministro maltratou e descredibilizou o trabalho realizado pela Inspecção Geral da Educação, organismo que tutela, acusando os senhores inspectores de terem formulado uma avaliação a "martelo".

Talvez porque os senhores inspectores atentos ao processo de avaliação em curso, chamassem a atenção do Governo para o perigo do estabelecimento de rankings que transformariam "as escolas e particularmente os professores, em bodes expiatórios de situações cuja solução está, no essencial, fora do seu alcance e das suas competências, desviando a atenção do país dos principais responsáveis pelos dramas do nosso sistema educativo: o Ministério da Educação, quer a nível central, quer a regional.

Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhoras Deputadas,
Senhores Deputados,

A avaliação do serviço público de educação é necessária para garantir a qualidade do serviço prestado.

A identificação dos constrangimentos do sistema educativo e das escolas é condição necessária e suficiente para obrigar o Governo (este ou outro) à concretização de medidas compensatórias, indispensáveis à concretização dos princípios constitucionais de uma educação pública, gratuita e de qualidade, que garanta a igualdade de oportunidades.

Mas estes princípios não estão salvaguardados nesta proposta do Governo.