Partido Comunista Portugu�s
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Substituição dos Deputados - Intervenção de António Filipe na AR
Quinta, 18 Maio 2006

Regime de substituição dos Deputados por motivo relevante

 

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Vitalino Canas,

Antes da intervenção que eu próprio irei fazer, em no e do meu grupo parlamentar, quero confrontá-lo com o seguinte: o Sr. Deputado disse, na tribuna, que a preocupação que motiva esta iniciativa tem a ver com a instabilidade na composição do Parlamento. A ideia é esta: os cidadãos votam em determinados cidadãos para serem Deputados e, depois, afinal, os que cá estão não são aqueles mas outros.

Ora, se a preocupação é essa, pergunto se os senhores não estão preocupados com o facto de a grande maioria dos Deputados que neste momento têm o mandato suspenso o ter feito porque exerce funções governativas.

É que, fazendo as contas, na situação actual, há 7 Deputados - contei-os um a um - que têm o mandato suspenso por motivo relevante, ou seja, pela possibilidade que os senhores pretendem eliminar, e há 19 Deputados, ou 20, se contarmos com o Coordenador Nacional da Estratégia de Lisboa e do Plano Tecnológico, que estão a desempenhar funções governativas. E, entre estes 19, há 7 Deputados que são cabeças-de-lista do Partido Socialista em círculos distritais.

Isto é, são tantos os cabeças-de-lista que o Partido Socialista tem no Governo como o número de Deputados que têm o mandato suspenso por motivo relevante, que é uma coisa que os senhores consideram escandalosa e com a qual se tem de acabar.

Portanto, se é essa a preocupação, então os senhores têm de ser coerentes. Dir-me-ão: «Não! Mas, constitucionalmente, está prevista a incompatibilidade entre o exercício de funções governativas e o cargo de Deputado». É evidente! E ainda bem que está prevista! Mas, nesse caso, renunciem ao mandato!

Renunciem!

Se os senhores consideram que não há nenhum motivo relevante, porque o vosso projecto

pretende a eliminação total e absoluta do motivo relevante - seja o que for, enfim, nem que a terra desabe, não há nenhum motivo para que alguém possa suspender o mandato -, então, nesse caso, quando alguém vai para o Governo, renuncia ao mandato.

Ou será que os senhores, que têm 19 Deputados com mandato suspenso, porque estão no Governo, têm receio de que o Sr. Primeiro-Ministro, um dia destes, despeça 18 e, por isso, entendem que eles devem continuar aqui, com o seu lugar?!

Se a vossa preocupação é, de facto, a estabilidade da Assembleia, então, têm de levar essa preocupação até ao fim. Ou estão preocupados com 7 Deputados e não estão preocupados com os outros 20?!

Há uma outra questão que também não posso deixar passar em claro.

O Sr. Deputado disse, mais ou menos, o seguinte: «Hoje em dia, os Deputados podem, por sua conveniência, suspender o mandato». Ó Sr. Deputado, mas isto não é apreciado, em concreto, pela Comissão de Ética?! Os senhores não estão em maioria na Comissão de Ética?! Ou será que os senhores não confiam em vós próprios para apreciar a relevância dos motivos que são invocados pelos Deputados?!

Gostaria que o Sr. Deputado me explicasse se é ou não assim.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Partido Socialista, incapaz de resolver os reais problemas do País, inventa problemas que não existem, para fingir que resolve alguma coisa e para afastar as atenções sobre aquilo que é realmente importante.

E como não podia deixar de ser, em vez de se resolverem problemas que não existem, criam-se problemas que não existiam. De manhã, o Governo anuncia planos de milhões e, à tarde, o PS inventa manobras de diversão.

O caso do projecto de lei que hoje discutimos é muito elucidativo. O Partido Socialista quer acabar com a possibilidade de os Deputados suspenderem o mandato por motivo relevante.

Se este projecto for aprovado, de aí em diante um Deputado só poderá suspender o mandato se contrair uma doença prolongada que o afaste compulsivamente do Parlamento, se gozar de licença de maternidade ou paternidade ou se for acusado de qualquer crime que implique a suspensão do mandato. Para além disso, nada, absolutamente nada mais será relevante para que o mandato possa ser suspenso.

Srs. Deputados do Partido Socialista, peço-lhes que reflictam, por favor, sobre alguns exemplos, como o seguinte: um Deputado assume funções como presidente ou secretário-geral de um partido, ou candidata-se a esse cargo. Durante um período limitado no tempo, entende legitimamente que a sua disponibilidade para o exercício do mandato parlamentar é mais reduzida e, em vez de justificar faltas por motivo de trabalho político, decide não sobrecarregar o erário público, nem prejudicar o trabalho da Assembleia, e pede a suspensão. Os senhores acham que isto não faz sentido?

Outro exemplo: um Deputado candidata-se a presidente de uma câmara municipal ou a Presidente da República e, embora nada o obrigue a fazê-lo, entende que, dada a sua particular ocupação durante o período de campanha eleitoral, seria preferível não sobrecarregar o erário público, nem o trabalho do Parlamento, e pede, por um período limitado, a sua substituição. Os senhores também acham que isto não faz nenhum sentido?

Mas digo-lhes mais: um Deputado tem a infelicidade de ser confrontado com uma situação de doença de um familiar próximo. Suponham que esse familiar precisa de se deslocar ao estrangeiro para tratamento e que o Deputado em causa tem absoluta necessidade de o acompanhar. Até agora, poderia suspender o mandato por um período limitado. Se o projecto do PS for aprovado, ou renuncia, ou dá faltas injustificadas.

Os senhores acham que proibir a suspensão, num caso destes, faz algum sentido?

O Partido Socialista invoca, no preâmbulo do seu projecto, a necessidade de respeitar a composição da Assembleia da República que foi decidida pelos eleitores, que os eleitores elegeram aqueles Deputados e não outros. Mesmo passando por cima de uma questão óbvia e relevante, que é a de que os eleitores votam em listas partidárias e que não há candidaturas a título individual, mesmo passando por cima disso, a questão fundamental é a de saber se é por via da substituição por motivo relevante que se altera a composição da Assembleia da República.

Ora, os senhores sabem que não é. Os senhores sabem, tão bem como nós, que a principal causa de substituição é a nomeação de Deputados eleitos para membros do Governo, para governadores civis, ou para outros cargos onde sejam melhor remunerados do que na Assembleia da República. Não é por motivo relevante.

Os senhores sabem que, neste momento, há 7 Deputados substituídos por motivo relevante e há 20 Deputados suspensos por serem membros do Governo ou assumirem funções equiparadas.

E também sabem que os Deputados que foram para membros do Governo eram geralmente os primeiros das listas apresentadas pelo partido da maioria.

E sabem mais: sabem que, enquanto os Deputados substituídos por motivo relevante só podem prolongar essa situação até ao limite de 10 meses, sob pena de renúncia obrigatória, os membros do Governo mantêm aqui o lugar e sabem que, se, um dia, o Primeiro-Ministro acordar mal disposto e os demitir, podem regressar à Assembleia da República porque mantêm aqui a «lareira acesa».

Os 20 Srs. Deputados do PS que aqui estão a substituir os seus companheiros de lista que foram para o Governo não têm legitimidade para aqui estar? Claro que têm. Têm tanta como os 7 Srs. Deputados que aqui estão, por um período limitado, a substituir Deputados que suspenderam o mandato por motivo relevante.

O que preocupa a maioria é que haja grupos parlamentares de menor dimensão que, embora de uma forma muito limitada, beneficiam da possibilidade de suspensão de algum dos seus membros para possibilitar a entrada no Parlamento de um ou outro Deputado com algum grau de especialização particular, ou introduzir alguma rotatividade na sua composição. Isso acontece, mas, como se sabe, com carácter muito limitado e com efeitos quase irrelevantes quanto à estabilidade da composição da Assembleia, com um efeito que, longe de ser negativo, pode valorizar efectivamente a qualidade do trabalho parlamentar e, ao contrário do que o Partido Socialista pretende fazer crer, contribuir para a dignificação da Assembleia.

Só que nós bem sabemos que, infelizmente, não é hábito os partidos da maioria revelarem muitas preocupações com a dignificação do Parlamento - infelizmente, é assim. Pelo contrário, aquilo a que estamos habituados é a ver os partidos da maioria pretender dificultar a acção dos grupos parlamentares de menor dimensão e «salvar a pele» do Governo, «atirando pazadas de lama» para cima do Parlamento, fazendo com que seja este órgão de soberania, que é o único em que as oposições têm a possibilidade de se exprimir, a pagar toda a factura das más políticas que só as maiorias apoiam.

Concluo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizendo que este projecto é um exemplo lamentável de demagogia e é um péssimo serviço que se presta ao Parlamento e à democracia.