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A Importância da Investigação para a Agricultura - Fernanda Amaro - A Agricultura e o Mundo Rural
Sábado, 09 Junho 2007



Fernanda Amaro
Investigadora do INIA


CAMARADAS E AMIGOS

A investigação agrária em Portugal tem sido mal amada quer pelo poder político quer pelos agricultores, destinatários do trabalho por ela realizado.
Pelo poder político porque, está sujeita a duas tutelas – o Ministério da Agricultura e o Ministério da Ciência – cada um dos quais acha que não fazemos o que devemos. Assim:
-    O Ministério da Agricultura acha que a investigação efectuada é muito teórica destinando-se preferencialmente ao currículo dos investigadores e, portanto, não responde às necessidades de nossa agricultura. Daí que, nunca faz parte das prioridades do Ministério não permitindo a renovação dos seus quadros nem lhe atribuindo-lhe verbas suficientes para o seu desempenho;
-    O Ministério da Ciência considera que a investigação aplicada não é  uma verdadeira investigação mas sim apenas experimentação e demonstração, razão porque dificilmente aprova os projectos submetidos à Fundação para a Ciência por considerar deficiente o currículo dos investigadores.
Pelos agricultores porque, sempre que, aparentemente, nada corra mal o mais comum é pensarem que a investigação não é necessária; que os investigadores estão sentados à secretária e não querem saber dos agricultores; e que basta fazer como se faz lá fora, no estrangeiro, em Espanha!!!.
Esta avaliação que os agricultores, frequentemente, fazem da investigação e dos investigadores é não só errada como injusta.
Na verdade, os agricultores lembram-se dos investigadores (tal como se lembram de Santa Barbara quando troveja!) sempre que nos campos de cultura acontece alguma coisa que difere do habitual, como seja o definhamento da cultura ou uma nova praga – e isso é cada vez mais habitual devido à forma desajustada como hoje se faz agricultura sem respeitar costumes antigos, quantas vezes adquiridos por muitos anos de experiência, quer por desconhecimento, quer porque, aconselhados por técnicos (entre aspas), que, por vezes, não são mais que vendedores de falsas ilusões, são tentados a “forçar” produções que, no médio prazo (quando não mesmo curto prazo) se revelam um desastre para esta cultura ou mesmo para as próximas. Então grita-se por socorro e pede-se a intervenção do Estado: ou para pedir subsídios ou então para que OS TÉCNICOS ou os INVESTIGADORES venham resolver o problema.
Nessa altura ACREDITAM que alguém pode resolver o problema.

Camaradas e Amigos

Sou investigadora da Estação Agronómica Nacional (em Oeiras) e estou aqui para vos dar testemunho
- das nossas preocupações com os problemas com que habitualmente se debatem os agricultores,
- das nossas dificuldades em resolver os problemas que aparecem nos campos  tendo em vista a melhoria da produção sem degradar (destruir) o meio ambiente e, portanto, sem por em risco a continuidade da produção;
- mas também, para vos falar das condições de trabalho de que dispomos para concretizar os objectivos a que nos propomos.

Tenho trabalhado em Protecção Integrada, de que certamente já ouviram falar.
Nesta área de investigação procura-se encontrar soluções para combater as pragas e as doenças das culturas de uma forma equilibrada, recorrendo a pesticidas apenas e só quando é indispensável, na perspectiva de uma agricultura sustentável, ou seja, que articule as necessidades da produção com as exigências da salvaguarda da natureza e a preservação dos equilíbrios ambientais.

Eu e a minha equipa de trabalho temos dado particular atenção às culturas de estufa (alface, tomate, pimento, feijão verde e abobrinha), ao morango e ao tomate para indústria.
Cada uma destas culturas foi estudada durante vários anos em campos de agricultores, que aceitaram a instalação dos nossos ensaios, e com quem acabamos, muitas vezes, por estabelecer um bom entendimento. Quer porque vamos explicando “os porquês” do que estamos a fazer quer porque têm oportunidade de ver os resultados que vamos obtendo. No início os resultados podem não ser os melhores mas, com tempo e persistência, temos vindo a encontrar boas soluções.
Esta é a parte boa do que vos quero falar. Mas, como tudo na vida, tudo isto tem o outro lado – a parte menos boa:
A Estação Agronómica Nacional tem muita terra e podíamos trabalhar em campos destinados a ensaios. Podíamos se tivéssemos quem executasse os trabalhos do campo, como preparar a terra, plantar, regar, etc., enfim, todos os trabalhos que o agricultor executa nos campos onde trabalhamos. Acontece que este organismo dispõe hoje apenas de dois trabalhadores rurais para todo o trabalho de campo que alí se desenvolve - em tempos, o seu número chegou a ser cerca de 150. Os tractores e restante equipamento são quase tão velhos como eu, mas não há dinheiro para alterar esta situação.
A solução encontrada de ir fazer os ensaios nos campos de agricultores mais abertos à inovação também tem o seu lado positivo porque nos permite ir explicando o que se pretende e de eles irem acompanhando os resultados. Esta opção exige, evidentemente, deslocações frequentes da equipa de trabalho aos campos de ensaio. Mas os serviços não têm carros nem dinheiro para os comprar. Assim, para que  o trabalho se realize, vamos nos nossos carros particulares. Claro que, se acontece alguma coisa ao carro… a responsabilidade é nossa… e somos nós que temos que assumir, sozinhos, a responsabilidade das despesas.


Acresce a tudo isto que, depois de bastante esforço e empenhamento precisamos que os resultados obtidos e as soluções encontradas cheguem aos agricultores. Temos então novos problemas: contactamos as organizações de agricultores, marcamos reuniões, elaboramos materiais para distribuir… mas aparecem, apenas, meia dúzia de agricultores, alguns dos quais já conhecem o trabalho porque o acompanharam no seu próprio campo. 
Apesar de todas estas dificuldades, digo-vos, que tem valido a pena. Muita coisa mudou de alguns anos para cá. Por exemplo:


- Já há bastantes agricultores a ter alguns cuidados que não tinham antes;
- Já há muitos agricultores a usar abelhões (insectos polinizadores) nas suas estufas e a deixar de usar hormonas;
- Já há muitos agricultores a usar o Orius (insecto auxiliar que se alimenta de outro insecto) em pimento para combater afídeos;
- Já há alguns agricultores a fazer observações nas culturas antes de efectuar os  tratamentos;
- Já há alguns agricultores a saber o que são os insectos auxiliares ou insectos úteis;
- Já há agricultores que deixaram de usar os pesticidas mais agressivos.
Mas tudo isto, apesar de difícil e, em nosso entender, valioso, pode estar em causa. A reestruturação dos serviços do Estado de que tanto se fala pode pôr em causa o que ainda se faz. E tudo isto num sector, como é a agricultura, que tem grandes dificuldades na importação de novas tecnologias dadas as especificidades de cada região.
Só um pequeno exemplo para melhor perceberem a que me refiro no que respeita à minha área de investigação: - basta que o insecto que ataca determinada cultura em determinado local não seja o mesmo que o que está presente noutro local para que o método de combate possa ter que ser diferente. E para saber isso é preciso estudar, comparar, investigar. E tudo isso leva tempo e exige meios materiais e humanos.


Ora, no momento presente, que aliás já se arrasta desde a posse deste Governo, assistimos à indefinição de propostas para a estruturação da investigação agrária, verificamos que tudo o que se está a pensar fazer e decidir para este sector não têm em conta a opinião de investigadores e técnicos, particularmente daqueles que há muito tempo de se debruçam sobre esta problemática. Esta situação gera uma grande paralisação da actividade e um clima de grande insegurança e instabilidade de investigadores e técnicos. Tudo parece apontar para a privatização de alguns Laboratórios do Estado, o que, a concretizar-se, não será, certamente, um caminho que dê resposta às reais necessidades do País neste sector.


Ao dizer isto, camaradas e amigos, não significa que consideremos que tudo vai bem na área da investigação e que não haja necessidade de alterar diversas situações. Mas o que nos parece estar em curso, de há vários anos para cá, e pelas mãos de sucessivos Governos, é a execução de uma política de fragilização do sector, quer em meios financeiros, quer em meios materiais, quer humanos, para, a partir desta situação, justificar a sua privatização.