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Reforma do Património
Intervenção de Lino de Carvalho na Assembleia
Quarta, 11 Junho 2003

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,

A reforma da tributação do Património é uma daquelas matérias que tem sido anunciada e prometida legislatura após legislatura. cinco comissões de Reforma Fiscal foram formadas desde 1996. Todas elas produziram pareceres, relatórios e até elaboraram ante-projectos de lei. O trabalho estava todo feito. E, por isso, era legitimo esperar do Governo que a concretizasse, que não se limitasse a uma mini-reforma, parcialmente copiada dos trabalhos dos Governos anteriores, amputada de alguns aspectos essenciais e beneficiadora das maiores fortunas.

É que, no essencial, o Governo limitou-se a retocar, mudando os nomes, o Imposto de Sisa e a Contribuição Autárquica, sem deixarmos de reconhecer, quanto ao primeiro a importância da baixa das taxas mas cujo alcance total não será o que foi anunciado face ao desaparecimento de normas anteriores que permitiam já a sua redução.

Mas a verdade é que,

1.º - O Governo limitou-se, e nas condições em que o fez, ao património imobiliário. Deixou de fora o património mobiliário (acções, créditos, objectos de arte). Ora, se se considera, e bem, que a detenção do património deve constituir um facto tributário não se compreende porque só se tributa uma das suas partes, quando, como afirmava já, em 1996, a Comissão para o Desenvolvimento da Reforma do Património presidida pelo Dr. Silva Lopes, “os bens imóveis constituem apenas um dos elementos constitutivos dos patrimónios e, nem sequer, nos dias de hoje, são necessariamente o mais importante, em especial para os titulares de rendimentos mais elevados”. Questão confirmada posteriormente, em 1999, pela Comissão de Reforma da Tributação do Património, presidida pelo Dr. Medina Carreira: “...com o desenvolvimento socio-económico a riqueza mobiliária passou a ter uma importância crescente na estrutura dos patrimónios, em detrimento da riqueza imobiliária, o que provoca uma progressiva erosão da matéria tributada e a consequente erosão da lógica tributária”.

É óbvio que a opção do Governo é, antes do mais, claramente de carácter político. Criar um Imposto único sobre o Património, tributar o património mobiliário seria, no essencial, tributar as grandes fortunas. E esses interesses não quer o Governo tocar como não quis, aliás, o anterior Governo, quando após a demissão do Ministro Sousa Franco abandonou a sua própria decisão anterior de tributar também a riqueza mobiliária. Mas se assim é então o Governo não tem mais legitimidade, não tem mais moral, para continuar a apelar aos portugueses, sobretudo aos que trabalham por conta de outrem e aos detentores de rendimentos mais baixos, que paguem os seus impostos, quando estes são sempre os sacrificados e o Governo se nega, aqui como noutros impostos (lembremo-nos da revogação da tributação das mais-valias) a alargar a base tributária e, assim, a fazer entre os portugueses uma redistribuição mais equilibrada e justa da carga fiscal.

2.º - Ao terminar, em grande parte, com o Imposto sobre as Sucessões e Doações, substituindo-o por um Imposto de Selo e isentando as transmissões a favor dos cônjuges, descendentes e ascendentes, o Governo está sobretudo a isentar as grandes heranças. Importa dizer que Portugal passará a ser um dos poucos países, senão o único País da área da OCDE onde os acréscimos patrimoniais gratuitos não são tributados. E não se venham justificar com o facto deste imposto ser alvo de uma enorme fuga fiscal que o tornava quase um buraco vazio. Também nos Impostos Especiais de Consumo, por exemplo, a fuga e a fraude são gigantescas e nem por isso passa pela cabeça do Governo terminar com eles.

3.º - Com o argumento de que não é possível avaliar 6,5 milhões de prédios urbanos o Governo institui, e sem sequer estar subordinado a um período transitório, um duplo critério de tributação para o IMI: para os prédios novos com base num conjunto de coeficientes; para os prédios antigos a partir de índices de correcção tributária sobre os valores inscritos na matriz. Este duplo critério estabelece, evidentemente, uma desigualdade tributária para os contribuintes quando o Governo tinha outros instrumentos à sua disposição. Por um lado, e segundo informações de anteriores membros de Governo, o Ministério tem os estudos e orçamentos necessários a uma avaliação geral dos prédios urbanos num período de três anos. Por outro lado, no mínimo, o Governo poderia ter introduzido simultaneamente o método declarativo e, por essa via, avançar mais rapidamente na avaliação geral dos prédios urbanos.

4.º - O Governo não toca nos prédios rústicos. Sabendo como se sabe que é aqui onde se situam as matrizes mais desactualizadas, sabendo como se sabe que há patrimónios fundiários de milhares de hectares, com um elevado rendimento fundiário e que só pagam meia dúzia de dezenas de contos de contribuição autárquica, sabendo como se sabe a importância do património rústico nos municípios de forte componente rural, o que se continua a alimentar é um enorme “beneficio” fiscal para os detentores de imensos patrimónios fundiários, é a manutenção de uma enorme injustiça, é prosseguir coma erosão das receitas municipais.

5.º - Sendo os impostos sobre o Património, no essencial, receita autárquica, é muito limitado o envolvimento das autarquias em todo o processo de tributação: não se entende porque não se criam para os prédios urbanos as mesmas estruturas de avaliação que se propõem para os prédios rústicos, e estas, aliás, já com insuficiente participação municipal; não se determina a obrigatoriedade da administração fiscal fornecer, em tempo útil, a informação correspondente à arrecadação do imposto; não se dotam os municípios de capacidade de recurso ou de reclamação sobre decisões da Administração Fiscal ou das avaliações efectuadas por estas; não se compreende porque é que os prédios cujo titular não seja identificado revertem para a Administração Central e não para os municípios. Em alguns destes aspectos é positivo que, entretanto, tenha sido assinado um protocolo entre a ANMP e o Governo o que significa o reconhecimento da justeza das críticas. Mas então porque é que não se coloca na lei o que está no protocolo?

6.º - Finalmente, como afirma a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses não está demonstrado, nem garantido, que não haverá quebra de receitas com a aplicação desta nova Reforma, tanto mais que, e ao contrário do que afirma o Governo, não existem na proposta de lei do Governo medidas efectivas de combate à fraude e evasão fiscal nesta área.

Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhores Deputados,

Com esta proposta de lei perde-se, de novo, uma oportunidade para uma importante reforma fiscal que introduzisse mais justiça fiscal e também pudesse, pelo alargamento da base tributária, contribuir para o aumento da receita fiscal do Estado. Mas o Governo tem ainda oportunidade de a melhorar, se o quiserem. Para isso desafiamos a maioria a permitir a sua baixa à Comissão com a abertura suficiente para nela poderem ser introduzidas melhorias resultantes das audições que a Comissão realizou, algumas das quais enunciei.

O Governo continua a falar muito nas dificuldades económicas e, com isso, penaliza diariamente os portugueses com políticas de contenção orçamental, com a imposição de congelamentos salariais, com a perda do poder de compra. Mas é incapaz de lançar uma reforma que toque nas grandes fortunas, que combata decididamente a fraude e a evasão fiscal, que crie um sistema fiscal mais justo. A proposta de reforma do património que discutimos é disso um bom exemplo e a lei que sair deste debate sê-lo-á igualmente se o Governo e a maioria não aceitarem a introdução de quaisquer benfeitorias.

 

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