«Que os povos decidam o futuro da Europa». Os milhares de
pessoas que encheram o Campo Pequeno, em Lisboa, no sábado passado, puderam
ler esta frase em diversas línguas. Mais do que isso, puderam manifestar a sua
vontade de mandar nos seus destinos e reivindicar uma União Europeia de progresso
social, paz e cooperação conjuntamente com representantes de 14 partidos de
10 países. Uma jornada de luta e de solidariedade internacional a demonstrar
que a esquerda europeia está viva e cada vez mais forte.
Porque a união faz a força, milhares de pessoas juntaram-se em Lisboa, no
sábado, exigindo a criação de novos postos de trabalho, a manutenção dos direitos
conquistados, o aumento dos salários e a diminuição dos horários de trabalho.
Com os mesmos objectivos irá decorrer em Madrid, no início de Julho, o «Encontro
das Forças Progressistas de Esquerda da Europa».
As preocupações passam pela necessidade de um
desenvolvimento económica e ecologicamente equilibrado, pelo bem
estar geral das populações, pelo diálogo entre cidadãos e
governos, por um referendo à revisão do Tratado de Maastricht e
à moeda única, a travagem do reforço da Nato.
Como disse Carlos Carvalhas na sua intervenção, os
manifestantes vieram a Lisboa afirmar que «o caminho da
modernidade e do progresso, não é entrar no século XXI com o
cortejo das chagas sociais e com as conquistas e direitos dos
trabalhadores ao nível do princípio do século, mas sim lutar
por avanços de civilização, pela construção de uma nova
sociedade num projecto humanista, enriquecido e renovado que
acolha o melhor do património já conquistado pelo movimento
popular e que esteja aberto para as necessidades que o devir
histórico seguramente trará.»
Apresentado por Ruben de Carvalho, membro do CC do PCP, o
comício iniciou-se com uma saudação de Albano Nunes, do
Secretariado do CC, a quantos «vieram a Lisboa para partilhar
connosco reflexões, experiências de luta e propostas para
combater o desemprego, defender direitos e conquistas sociais
alcançadas por décadas de dura luta, construir uma Europa de
progresso social, paz e cooperação».
Como sublinhou Albano Nunes, «a sua presença entre nós
representa por si só um valioso estímulo à luta dos comunistas
e dos trabalhadores portugueses», e significa sobretudo, que
o que nos une é muito mais forte do que aquilo que possa
separar-nos. Uma realidade que radica no facto de todos
estarem «animados de uma vontade comum: dar resposta ao flagelo
do desemprego e outros gravíssimos problemas sociais que
percorrem todos os países da União Europeia, abrir caminho a
alternativas de progresso social, reforçar a nossa cooperação
e solidariedade.»
Catorze partidos de dez países diferentes participaram no
comício, conscientes de que para problemas comuns há que
encontrar respostas e formas de luta comuns. As intervenções,
lidas em português por Fernanda Lapa e Cândido Mota,
encontraram eco no entusiasmo dos milhares de manifestantes que
transformaram a jornada de luta numa verdadeira festa de
solidariedade internacional. Uma festa que começou ao som
vibrante dos foguetes e continuou com o ribombar das caixas e
bombos que pontuaram cada intervenção.
E não foram apenas portugueses que ouviram e aplaudiram os
seus representantes. Grupos de espanhóis, italianos e alemães
também se deslocaram a Portugal para lutar por objectivos que
são de todos os europeus. O número de bandeiras vermelhas
desfraldadas a par de outras unitárias era incontável.
Isso mesmo nos disse o primeiro espanhol que encontrámos:
«Vim aqui hoje por causa desta iniciativa das esquerdas
europeias, das esquerdas transformadoras, algo muito importante
no contexto da política geral que está em curso. É necessário
que haja uma espécie de frente comum a nível europeu.»
O seu filho, um estudante de 20 anos, apela também à união:
«As perspectivas dos jovens são muito negras, muito escuras. A
juventude comunista tem de se unir agora, não mais tarde. Se
não fizermos nada agora, quando faremos?»
A mesma opinião tem outro jovem, este português, de 25 anos,
empregado no Arsenal do Alfeite: «Os jovens podiam desempenhar
uma papel mais importante, se fossem mais informados. Os mass
media não informam muito ou tentam camuflar o que se passa
na realidade. Além disso, a maioria dos jovens têm medo de se
sindicalizar especialmente os que estão a contrato ou que
trabalham em empresas pequenas.» Quanto ao comício, diz que
«esta é uma inicitaiva simbólica, mas devia ser muito mais
abrangente».
Mais de 20 milhões de desempregados
O emprego é uma das principais preocupações de todos os
europeus, e dos portugueses em particular. Oficialmente existem
20 milhões de desempregados na União Europeia e a tendência é
para aumentar. Nestes números não estão incluídos aqueles que
trabalham temporariamente, em empregos instáveis e precários.
Grande parte deste grupo é constituído por jovens e mulheres.
É por isso que Manuel Pereira, pai de dois filhos, um deles
desempregado e outro em vias de o ser, veio ao comício
internacional. «Estou aqui pelos meus filhos e contra o
desemprego em geral. Este é um meio para tentarmos modificar
alguma coisa, com a luta de todos os camaradas presentes. O
Governo não dá apoio à maior parte dos jovens, em vez de os
ajudar ajudar cada vez os atraiçoa mais», acusa.
Augusta Silva, actualmente a trabalhar como empregada
doméstica, também refere o Governo como responsável pela
actual situação. «O senhor engenheiro Guterres fez o favor de
prometer coisas e não está a cumprir.» «Nós viemos do Porto
para lutar contra o desemprego e o custo de vida, e com toda esta
gente dá mais gosto, mais vontade de vir», acrescenta.
Assunção Almeida, de 47 anos, sublinha as dificuldades que
se levantam àqueles que lutam. «É difícil os trabalhadores
estarem mobilizados, porque há muita repressão nas empresas. As
perdas de direitos têm sido muitas e as pessoas têm muito medo
de perder o emprego», diz.
«O internacionalismo é fundamental»
Segundo todos os nossos entrevistados, a saída deste problema
só será possível com uma alternativa ao neoliberalismo e às
políticas de direita. Uma batalha em que a solidariedade dos
povos deve desempenhar um papel importantíssimo.
Nas bancadas do Campo Pequeno encontrámos Oliviero di
Liberto, presidente do grupo paralmentar da Refundação
Comunista (Itália), que partilha essa opinião: «O
internacionalismo é fundamental no nosso mundo. A situação é
muito difícil, mas vamos vencer com a unidade dos
trabalhadores.»
Um outro cidadão de Itália acrescenta que «duas das medidas
concretas para resolver pelo menos parcialmente este problema é
a redução dos horários de trabalho e a paridade de salários.
Esta luta será eficaz através de movimentos nacionais muito
fortes, mas também com uma interajuda do movimento operário a
nível europeu. Iniciativas como esta ajudam a esquerda de toda a
Europa a prosseguir as suas batalhas por causas e objectivos
comuns.»
A defesa dos trabalhadores foi o principal objectivo deste metting.
«Este tipo de iniciativa é muito recente, mas mostra acima de
tudo que a união é muito importante contra o federalismo»,
afirma Daniel Santana, de 21 anos, estudante de História de
Arte. Os problemas são muitos e entre eles está a xenofobia:
«Há muitos exemplos de racismo. Os países barram a entrada aos
imigrantes, agem contra eles de várias formas. Em toda a Europa
assistimos a isso: na Alemanha, na França, em Portugal há
muitas vítimas de racismo.»
Quanto ao seu futuro, Daniel reflecte uma preocupação
partilhada por milhões de outros estudantes: «Estou num curso
em que no fim não há perspectivas, não há apoios nenhuns. O
mercado de trabalho, no que diz respeito ao ensino por exemplo,
está muito preenchido. Não há vias para quem quer seguir o
caminho da investigação ou da museografia. A realidade é que
não há saídas para isso. Por isso, sabemos há partida que
estamos muito limitados em termos de emprego», explica.
Como afirmou Albano Nunes, este Comício Internacional de
Lisboa constituiu uma «clara confirmação de que há forças
empenhadas na luta, de que é possível inverter num sentido
progressista o rumo de uma "construção europeia"
dominada pela lógica do grande capital», e projecta «um novo e
forte sinal de confiança num futuro melhor.»
Ao som da Internacional, do «Avante!» e de «Unidos
Venceremos!» - que muitos ouviram com emocionadas lágrimas nos
olhos - partiram com novo ânimo para a luta de todos os dias. O
próximo encontro ficou marcado para Madrid.
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