1. Os mais recentes acontecimentos em matéria
de revisão constitucional confirmam que se verifica uma vasta e intolerável
convergência entre o PS e o PSD. Estamos perante um atentado à democraticidade
e pluralismo do sistema político e do sistema eleitoral, da Assembleia da República,
das câmaras municipais, com marginalização da Comissão Eventual de Revisão Constitucional
e da AR. A remissão de algumas matérias para futuras maiorias de dois terços
não pode ser um motivo de tranquilidade, antes é uma razão para inquietação,
porque se trata de criar novas «coberturas» constitucionais para os novos acordos
que o PS e o PSD vierem a estabelecer no futuro (ou já estabeleceram, mas não
querem revelar). Os círculos eleitorais uninominais nem sequer são agora qualificados
como de candiatura. Trata-se, pura e simplesmente, de violar a proporcionalidade.
Em qualquer caso, no mínimo trata-se da confissão de um projecto de acordos
constantes e permanentes entre os dois partidos.
2. A tudo o que já se conhecia vão-se somando
novos motivos de preocupação. Com efeito, existem informações indesmentíveis
de que, para além dos aspectos já referidos pela comunicação social, o acordo
PS-PSD e contrariamente ao que sempre disse o Secretário-geral do PS, envolve
também o compromisso mútuo de um entendimento sobre alterações à Constituição
económica e social, designadamente no respeitante às incumbências prioritárias
do Estado e à «superação da obrigatoriedade constitucional de sectores de actividade
vedados à iniciativa privada», a pretexto de uma alegada «actualização e modernização»
das normas constitucionais. Existem também informações de que o acordo abrange
restrições do direito à greve, um dos mais importantes direitos fundamentais
inscritos na Constituição. Abrange ainda a entrega de actividades públicas essenciais
ao sector privado, como na área da segurança social.
Tendo em conta que o projecto apresentado pelo PS não abrangia tais propostas,
é inteiramente legítimo denunciar que, com a atitude agora adoptada, o que se
desvenda é a cedência do PS à chamada operação de «limpeza semântica» da Constituição
desde sempre reclamada pelo PSD, como aliás consta, exactamente com esta linguagem,
do preâmbulo do projecto de revisão constitucional deste partido. O PCP recorda
que, por detrás desta alegada "limpeza semântica", o que o PSD sempre
pretendeu foi eliminar da Constituição tudo o que tenha as marcas de Abril,
da especificidade e identidade da democracia portuguesa e do seu reconhecimento
do papel do sector público e dos serviços públicos em coexistência com os outros
sectores e do papel do Estado na garantia dos direitos económicos, sociais e
culturais.
3. Os contornos deste acordo são, aliás, em
grande parte, indeterminados. A referência a cláusulas secretas é um motivo
adicional de preocupação. O PCP exige a clarificação e o pleno esclarecimento
do país nestas e noutras questões. Como se compreenderá, não é legítimo que
se escondam eventuais cláusulas do acordo como as que sejam relativas aos poderes
do Presidente da República, ao estatuto do sector público ou outras.
O PCP desafia o engenheiro António Guterres a tornar claro perante o País a
totalidade dos acordos, no plano constitucional e não constitucional, que estabeleceu
com o PSD. Trata-se do mais elementar dever democrático.
4. O PS tem multiplicado as suas convergências
e coincidências, em diferentes sectores, com as orientações e práticas do PSD.
Com este acordo, vai mais longe. O Secretário-geral do PS, com este acordo,
fez uma verdadeira declaração de guerra ao PCP e à esquerda. Por isso, o PCP
apela para que todos os democratas, todos os que querem um sistema de poder
justo e equilibrado, todos os que querem a garantia constitucional dos direitos
fundamentais e dos direitos dos trabalhadores, se empenhem no combate a este
acordo e para travar a revisão acordada pelas direcções do PS e do PSD. |