Sobre a participação de Portugal na 3ª fase da
União Económica e Monetária incluindo Pacto de Estabilidade - Intervenção de Lino de Carvalho
1 - O agendamento de um debate, todos o sabemos,
não é casual. Obedece, muitas vezes, a critérios de oportunidade. Ora o debate
que, hoje, aqui fazemos, proposto pelo Governo é particularmente oportuno para
os seus propósitos. Por um lado e a pretexto das afirmações de responsáveis
da Alemanha, da Holanda, dos banqueiros europeus, aproveitar para agitar uma
pretensa bandeira da dignidade nacional ofendida, e lançar uma cruzada "nacionalista"
obrigando o PSD a subscrever a política do PS (como decorre do projecto de resolução
conjunto) e a engolir os truques mediáticos de aparente distanciamento ensaiados
recentemente pelo seu Presidente.
Com esta operação o PS (e o PSD) ainda aproveitam para
tentar desviar o debate e a atenção do povo português das
questões centrais, incómodas ligados à UEM e à Moeda Única,
que querem escamotear, que querem esconder atrás de um
intitulado "desígnio nacional".
Só que o verdadeiro "desígnio nacional", a
verdadeira defesa da dignidade e do interesse nacional está na
defesa de políticas que promovam o desenvolvimento, o progresso
social e o emprego numa Europa de Nações iguais e soberanas e
não numa qualquer adesão à moeda única e ao pelotão da
frente.
São as questões substantivas que o PCP não se demite de
debater por muito que contrarie o casamento do PS e do PSD.
2 - Vejamos algumas
"A introdução de uma moeda única gerida por um Banco
Central Europeu é um projecto essencialmente político que
implicará e, portanto conduzirá rapidamente a políticas
económicas comuns (com a consequente perda de soberania numa
questão tão sensível como é da gestão da moeda) e à
construção de uma Europa Federal. É, aliás, mesmo a sua
razão de ser".
Sabe quem afirma isto, Senhor Primeiro Ministro? Não são só
os comunistas. Isto que acabei de ler é o texto de uma
resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa,
aprovada, há duas semanas, em Estrasburgo com os votos dos
Deputados Socialistas e do PSD, redigida por um seu companheiro
do Partido Socialista da Finlândia, e que as recentes
declarações da Alemanha, da Holanda ou dos banqueiros europeus
só vêm sublinhar.
3 - Quanto às vantagens da moeda única para
as regiões periféricas como Portugal é hoje também um dado adquirido que tais
regiões arriscam-se a ver o seu desemprego aumentar na medida em que a relativa
aproximação das taxas de juro levará a que os investimentos se concentrem "nas
regiões mais prósperas da União Europeia" porque aí a composição orgânica
do capital ou, se quiserem, o desenvolvimento tecnológico, proporcionará então
melhores taxas de rentabilidade para os capitais investidos.
Para impedir esta tendência inelutável seria necessário
assegurar uma extrema mobilidade da força de trabalho, obrigando
os trabalhadores a deslocarem-se de uma região para outra, de um
País para outro. Aliás, o exemplo dado é sempre o dos EUA onde
a desregulamentação e ausência de garantia de direitos dos
trabalhadores foi levada ao extremo. Como isto é inaceitável a
perspectiva mais optimista, para alguns, é que os
"reformados da Europa do Norte optem pelos céus mais
clementes do mediterrâneo" e, por essa via, transformando
Portugal num atractivo centro de dia para a 3ª idade, criar-se
emprego no apoio aos mais idosos. Convenhamos que é uma
perspectiva pouco compatível com o futuro rosa que o Eng.
António Guterres e o PS nos oferecem no folheto de propaganda
que nos enviaram para casa.
4 - Na panóplia de argumentos com vista à integração
de Portugal na 3ª fase da UEM avulta ainda a ideia de que "nas viagens
e no comércio entre países da União Europeia deixará de haver despesas cambiais
na troca de moedas". Sendo um argumento que tem pouco a ver com as preocupações
dos 70% de portugueses que ou não fazem férias ou não as gozam fora de portas,
a verdade, senhores Deputados, é que já actualmente tais despesas são residuais
- não representam mais do que 0,017% do PIB - e a tendência é para continuarem
a baixar, importando ainda lembrar quanto a este argumento que o grosso do comércio
internacional (como, por exemplo o petróleo) se faz em dólares pelo que as trocas
internacionais irão continuar a gerar custos de transações cambiais.
E quanto à estabilidade do Euro é oportuno também lembrar
que tal pressuporia que o dólar e o iene fossem eles próprios
estáveis nas suas relações cambiais. Tal não acontece e por
isso o Euro irá também ter necessariamente de flutuar em
relação a uma e à outra das moedas sendo que, obviamente, a
margem de flutuação far-se-á em função do interesse do
Bundesbank e das economias mais fortes. Portugal e a economia
portuguesa terá que se limitar a encaixar os efeitos das
decisões tomadas pelo Banco Central e por quem inspira as suas
políticas. que significa, por exemplo, que um euro forte à
imagem e semelhança do marco e da economia alemã mas
seguramente desequilibrado e artificialmente valorizado em
relação às economias mais fragéis, como a Portuguesa, terá
sérias e graves consequências para as nossas empresas e para a
sua capacidade competitiva, designadamente nos mercados fora da
zona do euro exactamente aqueles onde poderíamos em relação a
outras economias concorrentes ter mais vantagens competitivas. A
menos que se esteja a pensar, como de facto pensam os defensores
da Moeda Única,que a defesa da capacidade competitiva das
empresas e da economia seja feita, como no essencial tem sido, à
custa da remuneração da força de trabalho, da pressão sobre
os salários e os direitos dos trabalhadores, como instrumento de
redução dos chamados custos de trabalho.
5 - Ao contrário do que os defensores da moeda
única querem fazer crer Portugal não terá nenhuma voz particularmente forte
nas decisões que serão tomadas no âmbito da Zona Euro. Será o Banco Central
Europeu, omnipotente, em cujo executivo Portugal não terá assento, que tomará
as principais decisões em matéria de políticas monetárias, orçamentais e até
fiscais. A margem de manobra que restará para o governo português e para esta
Assembleia da República resumir-se-á aos trocos. O déficit democrático já hoje
existente no seio da União Europeia aprofundar-se-á de maneira intolerável.
Por exemplo, se um País em dificuldades, em recessão, quiser lançar políticas
fiscais ou outras de relançamento da economia não o poderá fazer. Aliás, com
o chamado pacto de Estabilidade, aceite pelo Governo Português sem nenhum debate
ou, no mínimo consulta ao parlamento, esse quadro assume um carácter ainda mais
constrangedor. Como é sabido o pacto de estabilidade não se limita a defender
a manutenção do déficit ao nível dos 3%. Vai mais longe. Cada País participante
no Euro obriga-se a caminhar para "uma situação orçamental próxima do equilíbrio
ou excedentária" e só serão aceites políticas de combate a situações de
crise em caso excepcional, definido como uma quebra anual do PIB real, no mínimo,
de 2%.
Todo este conjunto de condições significa obviamente, e ao
contrário do que o PS e o PSD pretendem fazer crer, que as
políticas de contenção e de penalização das condições de
vida dos portugueses vão continuar, e porventura até ser mais
graves, depois da criação da moeda única.
Aí estarão cada vez mais as políticas ditas de moderação
salarial, de desregulamentação das relações de trabalho, de
desmantelamento dos sistemas de protecção social, de pressão
sobre as reformas, dos cuidados de saúde pública, tudo para
reduzir a despesa e o déficit público.
Nesta como noutras matérias quem pagará, em última
análise, os custos do euro serão os trabalhadores e as camadas
mais desprotegidas da sociedade o que justifica plenamente as
oposições, críticas e inquietações que perpassam não só
pelos Comunistas mas igualmente por muitos sectores socialistas e
até sociais-democratas por essa Europa fora.
6 - Propositadamente elencámos argumentos que
poderiam ser originalmente dos comunistas - e alguns até são - mas optámos por
percorrer alguns dos capítulos mais significativos de resolução aprovada, há
duas semanas, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, seguramente insuspeita
de comunista ou de mesmo, ser a favor dos especuladores, de uma Europa dividida
e fraca e ser contra a União Europeia como, com linguagem terrorista, o PS afirma
no folheto de propaganda do Euro, fazendo ressuscitar a velha fórmula de que
os que não são por nós são contra nós.
Senhor Primeiro Ministro, menos provincianismo e mais bom
senso e sentido do debate democrático é o mínimo que se lhe
exige numa matéria tão importante. A moeda única não é
alternativa à situação actual. As economias não são iguais e
as moedas reflectem, melhor ou pior diferenças existentes entre
os sistemas produtivos. As políticas económicas devem ter como
objectivo estimular as economias e criar mecanismos e alavancas
que permitam às economias menos desenvolvidas e menos dinâmicas
acelerarem o passo.
O movimento das taxas de câmbio dentro de uma determinada
banda de flutuação, que pressupõe a existência de diferentes
moedas, podem contribuir para essa função de alavanca pondo em
execução políticas monetárias mais adequadas às necessidades
e especificidades de cada economia. Ora isto não será possível
com a moeda única e políticas económicas e monetárias
únicas.
7 - Querem impôr-nos o euro à força. Mas tão
grave como nos quererem i mpor, também aqui, a teoria do pensamento único, é
impedirem os cidadãos de se pronunciarem sobre uma decisão tão crucial para
o futuro colectivo como é a passagem à Moeda Única. Independentemente das opiniões
diferentes que possam haver desafiamos o Governo, o PS e o PSD a não terem medo
do debate e da voz dos cidadãos. Desafiamo-vos a aprovarem o nosso Projecto
de Resolução e a permitirem no texto constitucional e na lei, a realização de
um referendo nacional onde o povo português seja chamado a pronunciar-se sobre
a participação de Portugal na moeda única.
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