Partido Comunista Portugu�s
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Intervenção de Ricardo Oliveira, membro da CAE
A pobreza em resultado dos baixos salários e do agravamento da exploração
Terça, 20 Abril 2010
Amigos e Camaradas,

Em 1848, no «Manifesto do Partido Comunista», Marx e Engels afirmavam:

«Os custos que o operário ocasiona reduzem-se […] quase só aos meios de vida de que carece para o seu sustento e para a reprodução. […] Na mesma medida em que cresce a repugnância [causada] pelo trabalho decresce portanto o salário. Mais ainda: na mesma medida em que aumentam a maquinaria e a divisão do trabalho, na mesma medida sobe também a massa do trabalho, seja pelo créscimo das horas de trabalho seja pelo acréscimo do trabalho exigido num tempo dado, pelo funcionamento acelerado das máquinas, etc. […]
[Os operários] Não são apenas servos [Knechte] da classe burguesa, do Estado burguês; dia a dia, hora a hora, são feitos servos da máquina, do vigilante, e sobretudo dos próprios burgueses fabricantes singulares. […]
Se a exploração do operário pelo fabricante termina na medida em que recebe o seu salário pago de contado, logo lhe caem em cima as outras partes da burguesia: o senhorio, o merceeiro, o penhorista [Pfandleiher*], etc.
Os pequenos estados médios [Mittelstände] até aqui, os pequenos industriais, comerciantes e rentiers, os artesãos e camponeses, todas estas classes caem no proletariado» (Marx e Engels, 1848: 5).


O início desta intervenção pretende recolocar a discussão sobre a pobreza: a pauperização é inerente ao sistema capitalista bem como se desenvolve mais depressa que em qualquer outro sistema suportado na exploração do ser humano.

Se mesmo nos primeiros tempos do capitalismo o empobrecimento do proletariado em resultado das novas relações sociais de produção era uma realidade tão inquestionável que, até alguns dos fundadores da economia política clássica, como Adam Smith, foram obrigados a reconhece-lo e a debater alguns paleativos que atenuassem os seus efeitos; hoje, em resultado da alteração na correlação de forças, tanto no plano interno como no plano mundial, o pensamento burguês dominante pretende responsabilizar os novos e velhos proletários pelo empobrecimento de mais e novas camadas sociais.

Hoje, Olivier Blanchard (economista chefe do FMI), Silva Lopes, Vitor Bento, Medina Carreira, Nogueira Leite e Vitor Constâncio (que não precisam de apresentações) entre outros, defendem que a incapacidade da economia portuguesa em vender a sua produção resulta dos «elevados» salários dos portugueses. Por isso, afirmam que os salários devem baixar, que de outra forma o desemprego irá persistir e mesmo agravar-se. Ou seja, obrigados a reconhecer a existência de pobres, procuram ignorar as verdadeiras causas, limitando-as à ausência de rendimento, ao despedimento ou ao desamparo na velhice. Por isso, advogam que baixando salários, empobrecendo ainda mais os trabalhadores, diminuirão a pobreza…

A velha fórmula capitalista do liberal laissez faire, em que a força de trabalho funciona como uma qualquer mercadoria em outro qualquer mercado, é transformada em lei económica natural, usando o desemprego e a necessidade de o reduzir para forçar a redução do preço/salário da força de trabalho.

Curiosamente, as mesmas ferramentas que constroem justificações para a exploração e a acumulação permitem denunciar a mesma. Estudos recentes de economistas não-comunistas e, já agora, também de comunistas reforçam a «velha» constatação de que os salários são diferentes do valor produzido: os salários dos trabalhadores não são decisivos para a competitividade (do preço) das empresas portuguesas; nos últimos 30 anos o nível dos salários não está correlacionado com a taxa de desemprego (não confirmando que as perdas de salário impliquem diminuições no desemprego); e existe evidência de que, mantendo uma relação no longo prazo, são os salários que reagem aos aumentos dos preços e não os preços que reagem às variações dos salários. Desta forma, parece cair por terra a tese de que os salários dos trabalhadores portugueses estão na origem do crescimento da taxa de desemprego, que duplicou na última década.

Apesar de pouco e mal tratada, muitas vezes tornando-se dificil distinguir o oportunismo e a demagoagia caritativa que mantém e até acentua as suas causas e consequências, existem alguns indicadores que revelam algumas dimensões da pobreza.

A taxa de risco da pobreza das famílias com crianças a cargo cujos membros do agregado trabalharam todos os meses em 2007 era de 10% e caso não as tivessem a cargo era de 8%.

Esta taxa de risco de pobreza corresponde à percentagem de famílias cujos rendimentos são inferiores a 60% daquele salário que divide os 50% salários mais baixos dos 50% mais elevados. Assim, percebemos que existe uma elevada percentagem de famílias sem aparentes problemas de desemprego que são pobres, num país cujos rendimentos são os mais baixos da Zona Euro.

A mesma taxa de risco de pobreza antes das transferências socais é de 41%!!! O que significa que os rendimentos dos portugueses que no essencial correspondem a salários eram insuficientes para a satisfação das necessidades de 41% dos portugueses.

Se analisarmos as séries longas do Banco de Portugal entre 1953 e 1995 verificamos que entre 1975 e 1976 os salários representavam mais de 60% do volume da produção interna. Verificamos também que após 1975 o peso dos salários assume de forma clara uma tendência de redução, estabilizando-se em torno dos 40% de 1983 a 1995.

Se olharmos para outra série do Banco de Portugal, concluímos que, representando cerca de 55% em 1977, os salários passaram a valer menos de 35% do PIBpm em 2008.

Em ambas as séries, verificamos que os ataques ao 25 de Abril e às conquistas revolucionárias, a recuperação do capitalismo monopolista correspondem à perda do rendimento dos trabalhadores, ao acentuar da desigualdade entre salários e rendimentos do capital, ao agravamento da exploração dos trabalhadores portugueses.

Ou seja, para além da redução efectiva dos salários, agravando as desigualdades, a pobreza atinge de forma muito significativa os trabalhadores, não sendo uma condição apenas dos excluidos e marginalizados da sociedade e, não fossem as transferências sociais, conquistas da luta dos trabalhadores e do povo português na Revolução do 25 de Abril, a dimensão social da pobreza seria muito superior.


Amigos e Camaradas,

A direita, os defensores do liberalismo económico nas suas diferentes versões tentam impor a desregulamentação e a liberalização de todos os mercados. Como já afirmei, estes políticos, economistas ou não, assumem que a mercadoria força de trabalho deve respeitar as ditas leis da oferta e da procura.

Esta tese bem presente nos constantes ataques à legislação laboral, surge de forma explícita quando procuram impor a redução do subsídio de desemprego ou a redução do salário para a manutenção do direito ao mesmo subsídio de desemprego.

Esta tese está sempre presente na tentativa do grande patronato, do Governo e dos restantes partidos da política de direita quando todos estes, repito, quando todos estes, tentam resistir à luta pela valorização do Salário Mínimo Nacional.

Quando há quatro anos os trabalhadores exigiram a elevação do SMN, até pelo menos 500 euros em 2010, muitos berraram clamando por loucura (procurando ganhar a razão que nunca tiveram), mas a luta forçou-os a ceder, aceitando a elevação progressiva do mesmo até 2011.

Esta vitória da luta, esta demonstração concreta de que vale a pena lutar, apesar de insuficiente, resultou na elevação da capacidade de satisfazer as necessidades de milhares de famílias de trabalhadores. Por isso, estamos no caminho certo quando exigimos o cumprimento do acordo estabelecido e vamos mais longe reivindicando a elevação do SMN aos 600 euros até 2013.

Esta luta ao longo do Século XX, com a vitória da Revolução Bolchevique, com a vitória sobre o Nazi-Fascismo e a progressão do movimento revolucionário, primeiro na Europa e depois no mundo, reforçou o poder de mobilização do, trabalhadores e as suas condições de vida um pouco por todo o lado.

Mesmo nos países capitalistas do pós-guerra, com a força revolucionária do proletariado e a incapacidade de resolver os graves problemas da crise capitalista através dos mecanismos e políticas da economia política clássica, do liberalismo, a elevação das condições de vida dos trabalhadores foi uma realidade.

Para tal, contribuiu de forma determinante a assunção de políticas que ficariam conhecidas como Keynesianas (embora outros economistas contemporâneos tenham contribuido de forma determinante para a nova ideologia burguesa). Políticas que se estabeleceram através do reconhecimento de que o chamado equilíbrio geral era tudo menos equilíbrio e geral e que a realidade estava muito longe da perfeição do laissez faire. Políticas que assumiram que o desemprego que persistia estaria dependente do investimento, que resultava das expectativas dos capitalistas que dependiam do nível de consumo das massas.

Por outro lado, ao assumir a imperfeição dos mercados e a imprevisibilidade das expectativas reconhecia um novo papel ao Estado na economia. Um Estado que mantendo uma orientação capitalista, ao serviço da burguesia, garantisse o funcionamento dos imperfeitos mercados.

O chamado Estado-Social, surgiu apresentando diferentes formas conforme os Estados e relações de forças sociais, promoveu a universalização do acesso à saúde, à educação, à segurança social e à protecção social.

Esse tipo de Estado, obrigado a incluir funções sociais, também foi obrigado a tê-las na vertente económica, e o capitalismo foi forçado a construir grandes empresas públicas nos monopólios naturais e em sectores determinantes para o desenvolvimento económico e social dos países. No entanto, após um considerável período de crescimento económico e progresso social, este foi posto em causa por novas crises resultantes das velhas contradições capitalistas no novo contexto e sobretudo pelo enfraquecimento das forças e do movimento social anti-capitalista.

Os anos posteriores corresponderam ao refluxo das forças revolucionárias no mundo, ao colapso do socialismo na União Soviética e no Leste da Europa e ao ressurgimento em força do velho liberalismo económico, agora com a roupagem de neo-liberalismo com o acrescimento desenfreado do monetarismo e do crédito com os “produtos financeiros” criados na banca. Ao longo dos anos temos vindo a assistir a novos e fortes ataques ao Estado mais social e aos direitos tão duramente conquistados.

Amigos e Camaradas,

Esta breve alusão à história económica recente, tem como objectivo destacar a importância do papel que o Estado pode assumir na elevação das condições de vida dos trabalhadores. Se por um lado, a elevação dos salários conduz à melhoria das condições de vida dos trabalhadores, esta corre o risco de se limitar a uma ilusão monetária.

A uma ilusão monetária, porque recordando Marx, o salário corresponde à soma dos valores de troca das mercadorias que irão satisfazer as nossas necessidades. Se o Estado deixa de garantir a satisfação de um conjunto importante de necessidades através da mercantilização de novas esferas da vida, na prática, o salário está e reduzir-se e os proletários a satisfazerem menos necessidades mesmo com aumentos do salário.

Assim, os trabalhadores são obrigados a trabalhar mais e nova horas na tentativa de garantir o sustento das suas famílias. Assim, estamos perante o empobrecimento daqueles que não conseguem emprego, daqueles que não conseguem trabalhar mais e novas horas, e também daqueles que trabalhando, mais e novas horas, não garantem a satisfação das novas necessidades que são sempre crescentes dado o processo histórico.

Conclui-se, então, que o agravamento da exploração é sinónimo de empobrecimento dos trabalhadores, bem como a destruição do Estado nas suas funções sociais e económicas conduz ao empobrecimento dos mesmos. Por isso, a defesa de políticas que elevem os salários, a par de outras que garantam o funcionamento e a efectivação de funções sociais e económicas pelo Estado, a concretização de uma política redistributiva, também pelo Estado.

Para tal, é necessário garantir o financiamento do Estado. Para tal, é necessário garantir um financiamento assente na responsabilização de cada um de acordo com a sua capacidade de satisfazer necessidades. Ou seja, é essencial que o sistema fiscal tributando efectivamente o capital, assuma também uma progressão na tributação dos rendimentos dos indivíduos, libertando aqueles que menos recebem, responsabilizando mais aqueles que mais recebem.

Nesse sentido, também o sistema fiscal assume um papel de grande relevo no combate à pobreza. Devia permitir a garantia do financiamento das funções sociais e económicas do Estado e permitir, também, que esse financiamento não agravasse as profundas desigualdades na capacidade de cada um satisfazer as suas necessidades.

Em conclusão, a pobreza resultando da exploração, inerente ao sistema capitalista e à sua evolução, não é uma inevitabilidade nem corresponde a uma qualquer lei natural. É e pode ser combatida, é e pode ser atenuada pela acção política e pelo reforço da luta. Mas, camaradas, é a superação revolucionária do capitalismo que garante a superação da inevitabilidade do progressivo empobrecimento dos proletários, bem como, de muitas camadas intermédias. E essa superação revolucionária é construída diariamente, é construída nas muitas lutas, nas muitas pequenas lutas, que atenuando o progressivo empobrecimento das massas, são um exemplo mobilizador para a força e capacidade dos povos se libertarem da exploração e, assim, da pobreza.