Partido Comunista Portugu�s
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Encontro nacional do PCP sobre 20 anos de adesão de Portugal à CEE/UE - Intervenção de Ilda Figueiredo, Deputada no PE
Sábado, 16 Dezembro 2006


A União Europeia hoje, situação, riscos e perspectivas; evolução da UE, da CEE à Europa de Maastricht e do Euro, ao projecto da “Constituição Europeia”



Camaradas:

Estamos a realizar este Encontro num momento particularmente importante do desenvolvimento do projecto das grandes potências europeias, bem visível nas prioridades contidas no programa que acaba de ser apresentado para as próximas três Presidências, com a Alemanha a marcar o ritmo, já no início de Janeiro, exactamente no mesmo momento em que a União Europeia passa a 27 Estados-Membros, com a adesão da Bulgária e da Roménia.


A primeira das prioridades é aquilo a que a chanceler alemã, Angela Merkel, chama “salvar o Tratado Constitucional”, considerando um erro histórico não o fazer. Tudo isto, não porque desconheça que essa não é a prioridade dos trabalhadores e dos povos. Mas porque sabe que essa é a única forma de conseguir o domínio da União Europeia. Querem criar os mecanismos que impeçam qualquer atrevimento dos pequenos ou médios países de dizer Não aos interesses dos seus grupos económicos e financeiros, seja no campo da política interna, seja da política externa.


Querem asfixiar o direito soberano dos povos a escolher o seu caminho de desenvolvimento, progresso e paz, sobrepondo esse documento à própria Constituição da República Portuguesa. Querem atingir uma nova fase da intervenção imperialista, para, como bloco económico, político e militar, abrir espaço e favorecer as condições óptimas para a maximização dos lucros das grandes empresas multinacionais e reforçar e ampliar as acções de domínio no plano mundial. No essencial, convergindo com os EUA, e partilhando entre si as zonas de intervenção, como a realidade actual cada vez mais o demonstra, incluindo no alargamento para leste e sul da Europa e na criação de uma zona de comércio livre que fique às portas da Rússia, do Médio Oriente e da África, onde as questões da energia assumem um papel crescente.


O aprofundamento do liberalismo, de braço dado com o federalismo e o militarismo, é o objectivo central desta elite do poder que aprova as mesmas políticas, sejam governos da social democracia, sejam os partidos à sua direita, quer a nível de Portugal, quer nas instituições da União Europeia, como acontece também no Parlamento Europeu, onde, em geral, nas votações essenciais, há convergência dos deputados do PS, PSD e CDS.


Simultaneamente, como aconteceu com a dita “estratégia de Lisboa”, a próxima Presidência Alemã vai apontando outros objectivos, designadamente o reforço do modelo económico e social e dar novos impulsos à competitividade, não se esquecendo de juntar o combate ao desemprego, mas deixando cair o objectivo do pleno emprego, tão propagandeado na Cimeira de Lisboa, em 2000. Por isso, sabemos bem o que significam estas palavras na União Europeia e em Portugal.


É em nome do reforço económico e social que se intensificam as liberalizações e privatizações em sectores estratégicos da energia, dos transportes, das telecomunicações, dos correios, com as consequências conhecidas de agravamento do desemprego e da precariedade do emprego, aumento de preços e tarifas e degradação de problemas de funcionamento dos serviços, de que a multiplicação dos “apagões” na área da electricidade é um dos mais conhecidos exemplos.


É em nome da competitividade que se promove a precariedade do trabalho, se mantém em cima da mesa a ameaça de alteração da directiva do tempo de trabalho para alargar a jornada de trabalho e fragilizar ainda mais a relação laboral, pondo em causa direitos laborais duramente conquistados ao longo de cem anos de lutas dos trabalhadores.


É o mesmo cinismo que leva dirigentes do PSE a criticar os aumentos escandalosos da taxa de juro do BCE, escamoteando que foi uma maioria de governos dessa área que aprovou os seus estatutos e lhes deu essa autonomia. E que é isso que querem gravar na dita constituição europeia. Quando podiam fazer o contrário. Por exemplo, rever esses estatutos para que fosse novamente o Conselho a decidir, apenas por unanimidade dos governos, a política monetária, as taxas de juro e as taxas de câmbio.
É em nome do combate ao desemprego e da simplificação de procedimentos que apresentam um denominado livro verde sobre a situação laboral, tentando preparar o caminho para a transformação do trabalho precário na regra geral da relação laboral, liberalizando os despedimentos sem justa causa, estilhaçando o direito à contratação colectiva, procurando deixar o trabalhador sozinho, à mercê dos interesses do patronato, como peça descartável que se usa e deita fora quando não interessa. Claro que tanta desfaçatez precisa de ser disfarçada e, por isso, apresentam pretensos novos conceitos de que a “flexigurança” é um dos mais recentes exemplos.


É o mesmo cinismo que aparece na justificação da criação de um chamado Fundo Europeu de Globalização, porque não desconhecem a revolta dos trabalhadores e populações provocada pela impunidade de actuação das multinacionais, que, com as suas reestruturações e deslocalizações sempre na busca de maiores lucros, já provocaram mais de 500 mil desempregados na União Europeia. No entanto, o dito fundo não se propõe apoiar mais que, no máximo, o equivalente a cerca de dez por cento desse número de trabalhadores, deixando de fora todos os casos de deslocalizações dentro da União Europeia, ou seja, a generalidade dos casos portugueses que temos denunciado e para cujos trabalhadores exigimos a solidariedade e medidas eficazes de apoio e garantia dos seus direitos.
É em nome da criação de empregos que insistem na famigerada directiva Bolkestein, para criar o chamado mercado interno dos serviços, lançando um ataque sem precedentes contra os serviços públicos, com a divisão dos chamados SIG - serviços de interesse geral, em serviços de interesse económico geral e serviços sociais. Como se fosse possível ignorar que existe uma economia social e que para os grupos económicos e financeiros tudo pode ser transformado em económico, desde que possa dar lucro. Veja-se o seu crescente interesse por áreas sociais como a saúde, educação, segurança social, água e saneamento. Nada escapa. Só a caridadezinha fica de fora. Ou talvez nem essa.
Claro que, agora, a má consciência do PSE, que, sem trabalhadores à porta do Parlamento Europeu, aceitou em Novembro o que tinha recusado em Fevereiro, leva-o a apoiar a reivindicação de uma directiva sobre os serviços públicos, sabendo que a composição do Parlamento Europeu é cada vez mais à direita, e que não vai agora remendar o que rasgou em Novembro passado. Ou, então, mais grave ainda, o que os socialistas querem é impedir a luta que se pode e deve continuar a fazer em cada País para salvar os serviços públicos, não aceitando uma transposição e aplicação restritiva da directiva Bolkestein, rejeitando que o neoliberalismo se imponha nos serviços públicos. Por isso, continuamos a lutar contra mais directivas nesta área., na defesa do direito soberano de cada País a definir o âmbito dos seus serviços públicos, a sua forma de organização, funcionamento e financiamento.


Mas, indiferentes aos problemas económicos e sociais que estão a provocar com estas políticas de neoliberalismo desenfreado, utilizando o Pacto de Estabilidade e os seus estúpidos critérios de convergência nominal, o aumento das taxas de juro pelo Banco Central Europeu, a estratégia de Lisboa e as directivas de liberalização/privatização de serviços públicos, os líderes da União Europeia não param e insistem em aprofundar a ofensiva. Talvez pensem que mais vale acelerar a corrida para ver se escapam às diversas lutas que se multiplicam, em Portugal e em diversos países da União Europeia, mas que levam algum tempo a mobilizar e a convergir.
    É a mesma fuga para a frente que leva a elite do poder a defender uma política energética comum e uma política comum do mar. Ou seja, garantir os mecanismos que permitam mais facilmente aos grupos económicos das potências europeias controlar os recursos dos Estados que são membros da União Europeia.


A persistência na liberalização internacional de comércio, trocando a produção agrícola e de industriais tradicionais de países do sul da Europa pela abertura de novos mercados, em países terceiros, aos grupos económicos e financeiros europeus, incluindo os importadores, penaliza sobretudo os agricultores, micro, pequenos e médios empresários, põe em causa a soberania alimentar, aumenta o desemprego e condena o mundo rural à desertificação com as consequências desastrosas de que os incêndios florestais são exemplo escandaloso. Serve também de pretexto para novas propostas de liberalização na agricultura de que são exemplos a anunciada reforma do vinho e dos hortofrutícolas e a ameaça de antecipar a reforma do leite e da própria PAC, para, depois do pagamento único, caminhar para a eliminação das ajudas, pôr fim à intervenção reguladora dos mercados e renacionalizar os custos orçamentais com a agricultura. 


Mas se esta é a agenda mínima para o capital europeu, a dita constituição europeia continua a ser um objectivo central, apesar da derrota que sofreram na França e na Holanda. Querem um tratado novo antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu, em Junho de 2009. Para isso, a Presidência Alemã propõe-se elaborar um roteiro, deixando para a Presidência Portuguesa, no segundo semestre do próximo ano, a hipótese de realização de uma nova Conferência Intergovernamental minimalista, que garanta o retorno da dita constituição europeia ou algo do género, depois de alguma mudança de pormenor, para que tudo continue na mesma.
    Sabemos que esta insistência vai continuar, porque na sua génese está a estratégia imperial, também diversas vezes defendida no nosso país pela elite do poder, de um “bloco europeu”, que, no entanto, como se prevê na dita constituição europeia, continuaria subordinado à NATO, controlada pelos EUA. Alias, na sequência do que se está a passar com o alargamento a leste em que, primeiro, se faz a adesão à Nato e, depois, à União Europeia. O mesmo se passando com as posições convergentes actuais, desde o Afeganistão até ao Iraque, passando pelo Médio-Oriente, igualmente bem visíveis no escândalo dos voos da CIA.


Temos pela frente um tempo difícil. Em Portugal, para travar esta ofensiva desenfreada contra as conquistas de Abril, os direitos dos trabalhadores e das populações. A nível da União Europeia  e, portanto, também de Portugal, a luta contra as propostas de directivas neoliberais, o endeusamento da estabilidade dos preços e das políticas monetaristas, o aumento constante das taxas de juro do BCE, que convergem na destruição das micro e pequenas empresas, no agravamento do endividamento das famílias, na intensificação das desigualdades sociais, facilitando o caminho à concentração e centralização capitalistas.


    Mas não podemos perder de vista uma luta central contra esta globalização capitalista, contra o projecto da dita constituição europeia ou algo do género, pela ruptura com as políticas federalistas, neoliberais e militaristas da União Europeia, na defesa de uma Europa de cooperação entre estados soberanos e iguais em direitos, de progresso económico e social, de paz e amizade com os povos do mundo.