A Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais constitui em si uma inequívoca afirmação de confiança num País de progresso, equilibrado, com mais justiça social, soberano e independente. Num quadro de tão sentidas dificuldades e de horizontes sombrios sobre o País e as suas perspectivas de desenvolvimento, o PCP reafirma a sua firme convicção de que não só é possível como está nas mãos dos trabalhadores e do povo, a construção de um Portugal com futuro, assente num novo rumo e numa nova política, ao serviço do povo e do País, só alcançáveis pela ruptura com as políticas de direita que há três décadas comprometem o País e hipotecam as suas possibilidades de desenvolvimento.
Outro Rumo, Nova Política - Ao
Serviço do Povo e do País
TEXTO - BASE (PROJECTO)
Índice
Introdução
I. A
Revolução do 25 de Abril
II. Trinta anos de
políticas de direita de governos PS, PSD e CDS-PP
1. Trinta
anos de recuperação capitalista e latifundista
2. A
adesão à CEE, em 1986, e o desenvolvimento da
integração comunitária como elemento
central do processo de restauração do capitalismo
monopolista
3. As
revisões desfiguradoras da
Constituição da República Portuguesa
4. As
forças sociais e políticas da
recuperação capitalista e a resistência
dos trabalhadores e do povo
III. A
situação económica e social do
País
1. Condicionamentos
do enquadramento internacional e comunitário
1.1. O enquadramento da
situação económica nacional,
inseparável da fase actual do desenvolvimento
económico do capitalismo
1.2. As
relações económicas externas e a
União Europeia
2. Estruturas
e sectores económicos
2.1. Balanço geral
– défices, estrangulamentos e
desequilíbrios
2.2. A estrutura empresarial
2.3. Os mercados
2.4. Políticas de
investimento e fundos comunitários
2.5. A presença do
capital estrangeiro
2.6. Produtividade e competitividade
da economia portuguesa
2.7. Ciência e Tecnologia
2.8. As economias paralela e
clandestina
3. O
território e a população
3.1. As assimetrias regionais e
intra-regionais
3.2. Tendências
demográficas
3.3. Problemas ambientais
4. Os
principais sectores sociais
4.1. A
educação e o ensino
4.2. A saúde
4.3. A segurança social
4.4. A cultura
5. O trabalho e
os trabalhadores
5.1. O emprego e os
salários
5.2. Os direitos dos trabalhadores
5.3. A União Europeia, o
emprego e os direitos dos trabalhadores
5.4. A ofensiva contra os direitos
dos trabalhadores e a campanha ideológica
5.5. Os direitos dos trabalhadores
num Portugal desenvolvido
6. Os grupos
económicos monopolistas e o capital transnacional
6.1. O conjunto de grupos
económicos depois de Abril
6.2. Dimensão e poder
económico dos grupos capitalistas e monopolistas
6.3. Os grupos monopolistas e os
media
6.4. Grupos económicos
monopolistas e o capital transnacional
6.5. A
financeirização da economia
7. O Estado hoje
7.1. Instrumento de classe e conquistas dos trabalhadores
7.2. A tese neoliberal do Estado
mínimo
7.3. A
instrumentalização do Estado pelo capital
7.4. Um Estado dedicado à
restauração monopolista
7.5. As entidades
«reguladoras»
7.6. A
Administração Pública e o Estado
7.7. Os processos de
reconfiguração do Estado
7.8. O combate ao défice
orçamental
7.9. A dependência
estrutural externa da economia portuguesa
8. As respostas
programáticas e ideológicas do capital
8.1. Crises e estrangulamentos
8.2. «Mais
capitalismo»
8.3. Mecanismos
ideológicos de justificação e
diversão
8.4. Os media e a ideologia dominante
IV. Outro Rumo. Nova
Política
1. A
situação económica
e social do País
2. O Programa do PCP
«Uma Democracia Avançada no limiar do
século XXI»
3. A
Constituição da República Portuguesa
4. A política
alternativa que Portugal precisa
4.1. A ruptura com os eixos centrais
das orientações políticas
4.2. A clara
explicitação dos objectivos de desenvolvimento
económico e social
4.3. A afirmação
e concretização de uma política
económica e social
5. A ruptura com as
políticas de direita
5.1. Ruptura com o domínio
do capital monopolista
5.2. Ruptura com a
reconfiguração do Estado
5.3. Ruptura com a
«obsessão» pelo défice
orçamental
5.4. Ruptura com a
desvalorização do trabalho e dos trabalhadores
5.5. Ruptura com a
mutilação e subversão das
políticas sociais
5.6. Ruptura com a
atribuição ao capital estrangeiro de um lugar
estratégico
5.7. Ruptura com o crescimento
económico centrado na dinâmica das
exportações
5.8. Ruptura com a
aceitação de uma integração
comunitária assimétrica
5.9. Ruptura com a
subordinação do território e do mar a
lógicas alheias ao interesse nacional
5.10. Ruptura com a
subversão da Constituição da
República Portuguesa
6. Os objectivos centrais
de uma alternativa económica e social
6.1. A redução
das desigualdades sociais
6.2. O pleno emprego
6.3. O crescimento económico
6.4. O aumento geral do bem-estar
social e económico e da qualidade de vida
6.5. A coesão
económica e social de todo o território nacional
6.6. Um sistema de ensino e uma
política cultural virados para a
formação integral dos portugueses
6.7. A defesa e
afirmação do aparelho produtivo nacional
7. Vectores
estratégicos de uma política económica
e social
7.1. A
recuperação do comando política e
democrático do desenvolvimento
7.2. A
afirmação de uma economia mista
7.3. A
valorização do trabalho e dos trabalhadores
7.4. O desenvolvimento dos sectores
produtivos e o combate à
financeirização da economia
7.5. O combate decidido à
dependência estrutural da economia portuguesa
7.6. A superação
progressiva de défices estruturais
7.7. A
dinamização do mercado interno e desenvolvimento
de relações económicas externas
7.8. A afirmação
do primado dos serviços públicos nas
políticas sociais
7.9. A educação,
a cultura e a ciência como factores nucleares do Estado
democrático
7.10. Um desenvolvimento em harmonia
com a natureza
8. As políticas
económicas e sociais necessárias
8.1. Outro caminho para Portugal na
Europa e no mundo
8.2. Um crescimento
económico vigoroso, sustentado e equilibrado
8.3. A perspectiva social do
desenvolvimento
8.4. A
valorização do trabalho e dos trabalhadores e uma
melhor distribuição da riqueza e dos rendimentos
8.5. Um Estado democrático,
representativo, moderno e eficiente
Introdução
As dificuldades que o País enfrenta, a
vulnerabilização e crescente
dependência da economia nacional, o continuado agravamento da
situação social, o persistente aumento das
desigualdades e injustiças sociais, associados a uma elevada
taxa de pobreza, são, não uma fatalidade ou
simples resultado de conjunturas externas, mas sim a
expressão das opções de classe dos
sucessivos governos, cujas políticas têm servido
uma estratégica de reconstituição do
poder económico pelo grande capital e de
destruição dos direitos sociais,
económicos e políticos conquistados pelo povo
português com a Revolução de Abril.
A política de direita conduziu o País ao
declínio, à estagnação
económica, ao retrocesso social e ao avolumar das
injustiças.
Portugal não está condenado ao definhamento do
seu aparelho produtivo, à persistência dos
défices energético e alimentar, a um modelo de
desenvolvimento assente em baixos salários e na fraca
incorporação científica e
tecnológica no processo produtivo, à crescente
dependência das orientações de classe
da União Europeia e do grande capital internacional.
Este é um caminho que, a não ser invertido pela
ruptura com as orientações e as
políticas de direita, agravará ainda mais a
situação económica e social do
País e hipotecará as possibilidades do seu
desenvolvimento.
O actual quadro internacional comporta dificuldades e constrangimentos
mas revela-se incapaz de impedir o desenvolvimento da luta libertadora
dos povos e a concretização de alternativas de
progresso social.
A Conferência Nacional do PCP sobre Questões
Económicas e Sociais constitui em si uma
inequívoca afirmação de
confiança num País de progresso, equilibrado, com
mais justiça social, soberano e independente. Num quadro de
tão sentidas dificuldades e de horizontes sombrios sobre o
País e as suas perspectivas de desenvolvimento, o PCP
reafirma a sua firme convicção de que
não só é possível como
está nas mãos dos trabalhadores e do povo, a
construção de um Portugal com futuro, assente num
novo rumo e numa nova política, ao serviço do
povo e do País, só
alcançáveis pela ruptura com as
políticas de direita que há três
décadas comprometem o País e hipotecam as suas
possibilidades de desenvolvimento.
I
A Revolução do 25 de Abril
A ditadura fascista impôs uma feroz
exploração dos trabalhadores portugueses e
conduziu o País a um persistente e profundo atraso
económico e social.
O domínio da economia nacional pelos grupos monopolistas e
latifundiários, aliados ao capital estrangeiro, os grandes
beneficiados e sustentáculos do regime e a
situação do País, simultaneamente
colonizador e colonizado, fizeram com que Portugal chegasse ao 25 de
Abril de 1974 como o País mais atrasado da Europa.
O subdesenvolvimento económico, social e cultural a que a
ditadura conduziu o País, coexistiu com um elevado grau de
desenvolvimento das relações de
produção capitalistas, em que apenas sete grupos
monopolistas o dominavam. Um País atrasado, com
défices estruturais e carências em
produção alimentar, energética, bens
de equipamento, com obsoletas e insuficientes redes de transportes e
comunicações, com uma agricultura pobre e
tecnologicamente atrasada, acorrentada aos interesses do
latifúndio, uma indústria onde predominavam os
sectores de exploração da mão-de-obra
barata ou centrados em mercadorias de matérias-primas
obtidas a baixo preço em Portugal ou nas
colónias, a total ausência dos direitos das
mulheres e indicadores sociais muito baixos na saúde,
educação, segurança social e cultura.
A Revolução do 25 de Abril de 1974 devolveu a
liberdade e a democracia ao povo português e pôs
fim à guerra colonial, abriu caminho para responder aos
problemas, atrasos e estrangulamentos económicos e sociais
herdados da ditadura fascista. Abriu caminho para a
construção de um Portugal democrático
e desenvolvido, independente e próspero, e colocou no
horizonte a perspectiva do socialismo.
A Revolução de Abril instaurou as liberdades
democráticas fundamentais, a liberdade sindical e o direito
de organização dos trabalhadores a partir dos
locais de trabalho, instituiu a democracia política,
questão chave para o desenvolvimento económico e
social, liquidou o capitalismo monopolista de Estado e criou
condições para a realização
de profundas transformações
económicas, sociais e culturais na sociedade portuguesa. Com
as nacionalizações (que criaram um forte sector
empresarial público em áreas
estratégicas) e a Reforma Agrária (com a
criação de novas unidades de
exploração da terra, Unidades Colectivas de
Produção/Cooperativas), criaram-se meios e
instrumentos para dinamizar o desenvolvimento económico e
promover a melhoria das condições de vida dos
portugueses.
Mais de trinta anos passados, os valores e as conquistas de Abril, e a
Constituição que os consagrou, permanecem como
uma referência fundamental na procura de
soluções para os graves problemas
económicos e sociais do País e para o seu
desenvolvimento.
II.
Trinta anos de políticas de direita
de governos PS, PSD e CDS-PP
1. Trinta anos de
recuperação capitalista e latifundista
A partir de 1976, e em clara contradição com a
Constituição da República, as
políticas de sucessivos governos, com
composições partidárias diversas
(envolvendo PS, PSD e CDS-PP), adoptaram como objectivo
estratégico e linha de força de todas as
políticas sectoriais, a restauração do
capitalismo monopolista, com a sua dinâmica de
exploração dos trabalhadores e de
centralização e
concentração do capital, num processo
contra-revolucionário desencadeado e desenvolvido a partir
do poder político.
A reconstituição e
restauração das estruturas
sócio-económicas do capitalismo monopolista
desenvolveram-se numa planeada ofensiva contra as
nacionalizações e sectores não
capitalistas. Iniciaram-se com a entrega ao capital privado de empresas
intervencionadas, cooperativas e empresas em autogestão.
Reafirmaram-se com políticas económicas e de
gestão (crédito, investimento, preços,
comércio externo) penalizadoras das empresas nacionalizadas.
E, fundamentalmente, com o processo de
privatizações, que se prolonga até
hoje. Políticas semelhantes foram desenvolvidas na
agricultura, com a destruição da Reforma
Agrária e a restauração da propriedade
de dimensão latifundiária, e as
políticas de agravamento da situação
das pequenas e médias explorações
agrícolas, bem identificadas nas ofensivas contra a Lei do
Arrendamento Rural e a Lei dos Baldios.
Esta ofensiva constitui, como o PCP caracterizou, «uma
verdadeira cruzada de espoliação, de
acumulação e de
centralização das forças do capital,
transferindo para as mãos dos grandes capitalistas nacionais
e estrangeiros, em crescente associação, a posse
de capitais e o domínio sobre os principais meios de
produção.»
Corolário e instrumento do capitalismo monopolista foram o
agravamento da exploração dos trabalhadores, a
liquidação de direitos, liberdades e garantias e
sérias limitações de direitos
fundamentais.
Concretizou-se, nestes trinta anos, uma evolução
nas relações capital/trabalho, profundamente
desfavorável aos trabalhadores, na
distribuição dos rendimentos e no plano
legislativo (políticas de salários e fiscal;
legislação laboral –
condições laborais, contratos a prazo e trabalho
precário, despedimentos, negociação
colectiva; direitos orgânicos nas
limitações às liberdades sindicais e
direitos das comissões de trabalhadores; controlo de
gestão).
A evolução da criação de
riqueza medida pelo PIB (Produto Interno Bruto) mostra um crescimento
razoável, mas contendo um empolamento desadequado de
sectores não produtivos e com ritmos bastante diferentes
neste período. Depois de um crescimento acima da
média comunitária até 1991, o PIB, que
conheceu níveis de crescimento a ritmos inferiores de 1992 e
1994, e um crescimento a ritmo superior a partir de 1995, encontra-se
desde 2001 em divergência significativa. Apesar do aumento da
riqueza, agravam-se as desigualdades sociais e as assimetrias
regionais, como resultado das políticas de direita de
recuperação capitalista.
A evolução social vista através das
mudanças no emprego/desemprego, na
distribuição do rendimento e nos
níveis de endividamento das famílias, de
educação, saúde e segurança
social da população, espelha uma
situação desfavorável quando comparada
com a da média e da generalidade dos países da
União Europeia a 15. Com variações ao
longo do período, verificou-se um crescimento do desemprego
estrutural, um menor rendimento por habitante, elevadas taxas de
pobreza, as maiores desigualdades na distribuição
do rendimento, a par de elevados níveis de endividamento das
famílias e das empresas.
Desigualdades significativas ainda nas despesas e padrões de
consumo, nos níveis de instrução e
sucesso escolar, nos níveis de
protecção contra os riscos sociais.
2. A
adesão à CEE, em 1986, e o desenvolvimento da
integração comunitária como elemento
central do processo de restauração do capitalismo
monopolista
O grande capital viu, nas condições impostas para
a adesão à CEE, os instrumentos
políticos para acelerarem a liquidação
das nacionalizações, da Reforma
Agrária, da legislação laboral e de
outros avanços económicos e sociais
alcançados com Abril. Mas viu nessa adesão
também um poderoso seguro político para
obstaculizar a reversibilidade da política de
recuperação capitalista e latifundista.
A evolução da CEE/UE nos últimos vinte
anos, marcada por sucessivos saltos qualitativos na sua
dinâmica de integração capitalista, foi
francamente desfavorável à defesa dos interesses
nacionais e favorável ao grande capital europeu.
Evolução que vai do Acto Único (em
1986) e das suas três componentes fundamentais
(circulação de pessoas, mercadorias e capitais),
até Maastricht e à Moeda Única com a
construção de um vasto mercado, liberto de todos
os constrangimentos, posto sob a dominação dos
capitais financeiros e das suas exigências de rentabilidade
elevada, a que se junta a defesa da livre
circulação de serviços com a
Estratégia de Lisboa e a Directiva Bolkestein.
Evolução que culminou com a
elaboração de um «projecto
constitucional» para a União Europeia, ainda em
curso, procurando assegurar o comando político das grandes
potências e «constitucionalizar» o
neoliberalismo como modelo económico da UE e dos
Estados-membros.
Portugal tem hoje uma situação
económica e social indissociável da
integração comunitária e do
aprofundamento das orientações neoliberais nos
campos económico e social. O que não esconde as
responsabilidades das políticas de direita dos governos
nacionais ao longo destes vinte anos, inclusive em matéria
europeia e em que o consenso político do PS, PSD e CDS-PP
foi total. E que não deve iludir a assumida atitude destes
partidos para, a pretexto da integração, levarem
mais longe os seus objectivos de liquidação de
direitos, de restauração do poder
económico do grande capital em Portugal.
3. As
revisões desfiguradoras da
Constituição da República Portuguesa
Este longo período da vida do País foi conduzido
pelos governos PS e PSD, com ou sem CDS-PP, segundo
políticas profundamente negativas para os portugueses e para
Portugal, ao arrepio das principais orientações
da Constituição da República. A
generalidade das políticas económicas e sociais
violam, por acção ou omissão,
princípios constitucionais essenciais, como os da
subordinação do poder económico ao
poder político, da coexistência do sector
público, privado e social, do planeamento
democrático ou o do estabelecimento como
incumbências prioritárias do Estado, da
correcção «das desigualdades na
distribuição da riqueza e do
rendimento», da promoção da
«coesão económica e social em todo o
território nacional», do «contrariar
formas de organização monopolista», ou
«eliminar os latifúndios».
Como a Constituição da República se
apresentava como um obstáculo, aquelas forças
políticas promoveram sucessivas revisões, que a
desfiguraram e desvirtuaram em questões centrais.
A Constituição sofre, em 1989, na sua vertente
económica e social, um grave retrocesso, com a
eliminação do princípio da
irreversibilidade das nacionalizações, concedendo
ao governo poderes para reprivatizar e abrir a porta ao
domínio pelo capital estrangeiro, com a
eliminação da referência à
Reforma Agrária e à
socialização dos meios de
produção, com a
substituição do princípio da
gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde pela
fórmula «tendencialmente gratuito». Em
1992 a revisão, no quadro da
ratificação do Tratado de Maastricht, eliminou o
exclusivo da emissão de moeda pelo Banco de Portugal. Em
1997, impôs o referendo para a
concretização da
regionalização. Em 2004, a sexta
revisão impôs a subordinação
do direito nacional ao direito comunitário, abdicando assim
de uma importante parcela da soberania nacional.
Apesar destas revisões a Constituição
da República mantém, no seu texto,
princípios susceptíveis de constituir
orientação para políticas
económicas e sociais alternativas às
políticas de direita dos últimos 30 anos.
4. As
forças sociais e políticas da
recuperação capitalista e a resistência
dos trabalhadores e do povo
As forças sociais que assumiram, promoveram e reclamaram a
contra-revolução e as
recuperações capitalista e latifundista foram,
naturalmente, as camadas e classes sociais que, tendo suportado a
ditadura fascista e dela beneficiado, foram derrotadas com o 25 de
Abril: os monopolistas (sempre aliados ao imperialismo) e os
latifundiários, os seus serventuários na
administração pública ou nas
administrações das suas empresas, e as suas
organizações de classe (CIP, CAP, CCP, AIP e
AEP). Os intérpretes e fiéis defensores dos seus
interesses foram o PS, PSD e CDS-PP, que ao longo de 30 anos, no
governo ou na oposição, na Assembleia da
República, no poder local e noutras instâncias do
poder, concretizaram a política de classe do grande capital,
nacional e estrangeiro e repartiram entre si
posições no aparelho do Estado, no sector
público, nos Conselhos de
Administração da banca e grandes grupos
económicos.
Enfrentaram, lutaram e resistiram, os trabalhadores e as suas
organizações de classe, com destaque para a
CGTP-IN, e a generalidade do povo português, muitos sectores
da pequena burguesia, agricultores, pequenos e médios
empresários, quadros técnicos e
científicos. Na condução desta
prolongada e dura batalha de resistência, o PCP desempenhou,
reconhecidamente, um papel decisivo e crucial para que a
contra-revolução e a ofensiva do capital
não tivessem levado mais longe os seus objectivos.
A intensa identificação popular com os valores de
Abril, o carácter profundamente democrático das
suas transformações económicas e
sociais e a energia transformadora da
participação das massas explicam a capacidade de
resistência à ofensiva
contra-revolucionária ao longo de trinta anos e aos
projectos de liquidação integral das conquistas
da Revolução.
III.
A situação económica e social do
País
1.
Condicionamentos do enquadramento internacional e comunitário
1.1. O
enquadramento da situação económica
nacional é inseparável da fase actual do
desenvolvimento económico do capitalismo e
dos seus principais traços, tendências e
contradições.
O capitalismo continua a dispor de enormes recursos, sofisticados meios
de concertação e gestão das crises a
nível mundial e regional e de possibilidades de
aproveitamento e expansão de mercados. Mas a
situação da economia mundial apresenta-se cada
vez mais instável e continuam a ampliar-se as assimetrias e
contradições do capitalismo a nível
mundial.
Aumenta a terciarização das economias
capitalistas mais desenvolvidas e a sua progressiva
desindustrialização, com a crescente
deslocalização para a periferia capitalista das
actividades de mão-de-obra intensiva. Aumentam as
desigualdades de rendimento e a pobreza, deixando milhões de
seres humanos longe da satisfação das suas
necessidades básicas.
As crises mais recentes do capitalismo – a crise
económica de 2001-2003, mas também a crise agora
emergente no sector imobiliário dos Estados Unidos que
ameaça arrastar consigo outros mercados –
são expressão de uma crise estrutural mais
profunda do capitalismo. A «nova economia», ao
contrário das expectativas dos seus apologistas,
não foi um ponto de viragem para um novo ciclo de
crescimento, sendo relevante que o rebentar da bolha financeira se
tenha verificado sobretudo nas empresas ligadas às novas
tecnologias da informação e
comunicação.
No plano económico e social a ofensiva imperialista fica
marcada pela aceleração da resposta neoliberal do
capitalismo à crise, assente nos objectivos
traçados pelo «Consenso de Washington» e
pela «Estratégia de Lisboa»: maior
liberalização da circulação
de capitais e aplicação das mais-valias na esfera
financeira e especulativa; crescente
intensificação e exploração
do trabalho; pressão para a redução da
remuneração do trabalho e garantia de ganhos de
produtividade para o grande capital. Uma ofensiva caracterizada pelo
ataque ao sector público e aos sistemas de
segurança social em benefício dos grandes
interesses privados; pelo aproveitamento da expansão a novos
mercados, como é exemplo a restauração
do capitalismo na antiga URSS e nos países do Leste da
Europa ou o alargamento da UE; pela liberalização
do comércio e do investimento a nível mundial,
com o lançamento da ronda negocial da
Organização Mundial do Comércio em
Doha, apesar das rivalidades inter-imperialistas e das
contradições entre o centro e a periferia
capitalista, que levou ao fracasso das
negociações em Cancun.
As dificuldades de obtenção de taxas de lucro
satisfatórias na esfera produtiva, que confirmam a lei sobre
a baixa tendencial da taxa de lucro, contribuem para o
predomínio e desenvolvimento do capital financeiro, com
implicações directas negativas sobre o
crescimento económico e o emprego. Os elevados volumes de
fluxos financeiros, nomeadamente de curto prazo, assumem um papel
crucial na crescente volatilidade e instabilidade dos mercados
financeiros internacionais.
Continua a acentuar-se o processo de concentração
e centralização do capital e o seu
carácter cada vez mais «regional» e
«transcontinental». Na medida em que se acelera a
concorrência intercapitalista reforçam-se as
tendências para a formação de
monopólios e oligopólios em praticamente todos os
sectores da actividade económica.
Favorecer os grandes grupos económicos – abatendo
fronteiras e abrindo os mercados às suas actividades de
rapina, pela guerra se necessário – tal
é a missão fundamental dos Estados e das
Organizações Internacionais do capitalismo.
Multiplicam-se os espaços de
concertação e regulação
capitalista a nível mundial, baseados em
organizações como o FMI, BM, OCDE, OMC ou em
encontros «informais» como o G8 ou o
Fórum de Davos. Os processos de
cooperação e de crescente
integração económica e
política regional, no contexto objectivo do desenvolvimento
das forças produtivas e da divisão internacional
do trabalho são, fundamentalmente, uma
consequência da crescente guerra económica entre
blocos. Tais processos desempenham um papel contraditório.
Podem dificultar o avanço da hegemonia planetária
das grandes potências, como no caso do Mercosul frente aos
EUA, ou facilitá-lo, como no caso da União
Europeia, que surge como o exemplo mais avançado de
criação de um bloco económico,
político e militar imperialista.
O papel da União Europeia e o sentido geral de
aprofundamento do seu carácter neoliberal, federalista e
militarista é inseparável da fase actual do
desenvolvimento do capitalismo. Constituiria uma enorme
ilusão admitir que uma União Europeia sob o
comando do grande capital possa representar uma alternativa ao
imperialismo norte-americano. Pelo contrário, o processo de
integração europeia tem-se desenvolvido de modo
articulado com os EUA.
1.2. As
relações económicas externas do
País – fluxos de capitais, bens e
serviços, posições em estruturas
supranacionais do capitalismo – estão hoje
condicionadas pela integração
comunitária. Mas tais condicionamentos foram e
são reforçados pela
colaboração activa dos sucessivos governos do PSD
e PS numa evolução da União
Europeia, subordinada aos interesses do grande capital e
das grandes potências, que conflitua com o
necessário desenvolvimento do País, na completa
submissão às orientações
económicas comunitárias e na total
abdicação e ausência de
afirmação de uma estratégia de defesa
dos interesses e soberania nacionais.
A concretização da União
Económica e Monetária (UEM) com a entrada em
funcionamento do euro, a institucionalização dos
critérios de convergência nominal no Pacto de
Estabilidade, a estrita política monetarista levada a cabo
pelo Banco Central Europeu (BCE), a aprovação da
Estratégia de Lisboa, a negociação da
agenda liberalizadora da OMC e de vários tratados comerciais
bilaterais pela União Europeia e, em geral, as
orientações políticas e
económicas da União Europeia, nomeadamente as
respeitantes a reformas da Política Agrícola
Comum (PAC) e Política Comum das Pescas (PCP), ampliaram os
problemas e fragilidades da economia nacional e acentuaram a sua
dependência e défices estruturais.
O crescente federalismo das instituições
reforça o domínio das grandes potências
(particularmente da Alemanha, mas também da
França, Reino Unido, Itália e mesmo da Espanha)
no comando das suas políticas económicas, agrava
e reduz a capacidade de intervenção por parte dos
pequenos países como Portugal.
Esta evolução, a par do processo de alargamento
realizado em condições inaceitáveis,
agrava e condiciona de uma forma extrema todas as vulnerabilidades
referidas, e sobretudo tenderá a contrariar a
condução da política
económica nacional conforme os interesses dos portugueses.
Assume um crescente impacto na economia do País a
divisão do trabalho no mundo que, sob o comando do capital
transnacional, e tendo como principal instrumento a livre
circulação de capitais, reorganiza a
produção capitalista em
função das vantagens que cada país
oferece.
A deslocalização de empresas do sector produtivo,
acompanhada crescentemente pela deslocalização de
serviços, causam não só graves
problemas sociais, como contribui para a perda de unidades produtivas.
Um processo que se adiciona e converge, em termos de
consequências, com uma divisão do trabalho no
espaço europeu altamente desvantajosa para o
País.
O processo de alargamento da União Europeia
a países com uma mão-de-obra mais barata e mais
qualificada veio reforçar a falência da
estratégia de sucessivos governos de fazer de Portugal
localização privilegiada de unidades de trabalho
intensivo, dirigidas para produtos de baixo valor acrescentado e baixos
salários.
Esta situação não só cria
sérios constrangimentos ao desenvolvimento
económico do País – em particular pela
extrema dependência externa da economia nacional e pela
condução, através de
órgãos comunitários ou entidades ditas
independentes, como o BCE, de importantes políticas ao
serviço das grandes potências europeias
– como estabeleceu a perda ou
limitações drásticas no
âmbito do uso de importantes instrumentos
económicos, como a moeda, a taxa de câmbio, as
taxas de juro, a gestão orçamental e o
comércio externo, e até mesmo o investimento,
através do seu cofinanciamento. O nosso País
está hoje mais indefeso e dependente perante os seus
principais concorrentes e parceiros comerciais.
Estes condicionamentos e limitações devem ser
considerados em qualquer estratégia de desenvolvimento com o
objectivo de, a partir de uma corajosa política de
independência nacional e de alianças
internacionais anti-imperialistas, atenuar os seus efeitos, ampliar a
capacidade de manobra do País, recuperar instrumentos
fundamentais de soberania de que se viu desapossado.
2. Estruturas e
sectores económicos
2.1. Balanço geral
– défices, estrangulamentos e
desequilíbrios
2.1.1. O agravamento da situação
económica geral do País e a
própria deterioração da
posição de Portugal no contexto dos
países da União Europeia, em particular da
divergência real medida pela evolução
do PIB/capita, de salários e
distribuição de rendimentos, não
é uma questão conjuntural decorrente de um
enquadramento económico externo menos favorável
ou erradas políticas de um dos governos que se foram
sucedendo. É a resultante das políticas
económicas e sociais ao longo dos últimos trinta
anos. E muito em particular das opções pela
inserção internacional e
integração comunitária descrita; das
políticas de reconstituição dos grupos
económicos monopolistas e destruição
do sector empresarial do Estado, reduzindo ou afastando as capacidades
e instrumentos de intervenção do Estado; das
políticas de destruição dos sectores
produtivos por contraponto à
financeirização da economia nacional; do lugar
estratégico concedido ao capital estrangeiro
através de apoios financeiros e outros
privilégios, mesmo quando se limitam a investimentos em
sectores de baixa tecnologia e susceptíveis de
fácil deslocalização; das
políticas de subestimação do papel
nuclear da educação, da cultura e da I&D
para uma mão-de-obra qualificada e da
inovação e tecnologia em qualquer projecto de
desenvolvimento nacional; das políticas de
restrições orçamentais que impediram
que o País colmatasse o fosso em matéria de
infra-estruturas, em particular em transportes e logística,
ou das políticas de apoio ao investimento privado,
nomeadamente através de três Quadros
Comunitários de Apoio, que não só
não produziram a necessária
alteração de perfil produtivo como reproduziram
em escala agravada o mapa das assimetrias regionais; e das
políticas que acentuaram o défice
energético com uma elevada dependência dos
combustíveis fósseis, num sistema com elevadas
intensidades energética e carbónica, em
particular pelas opções políticas em
matéria de transportes.
2.1.2. Os resultados de trinta anos de
política de direita traduzem-se numa economia
caracterizada pela consolidação de um perfil
produtivo de baixo valor acrescentado, assente na
exploração de mão-de-obra barata e
precária e dos recursos naturais do País, feita
de forma anárquica e predatória,
contraditoriamente sub e sobre-explorados. Mantiveram-se, e em alguns
casos agravaram-se mesmo, conhecidos défices estruturais
– de produção de bens materiais,
particularmente alimentares, de produtividade e competitividade,
energético, científicos e tecnológicos
e de transportes e logística – e acentuaram-se as
vulnerabilidades e dependências da economia às
conjunturas externas. O sucessivo e crescente défice externo
e o consequente nível de endividamento do exterior, que
atingem hoje níveis muito preocupantes, são
indicadores muito claros do seu carácter estrutural.
Consolidou-se um tecido económico com evidentes debilidades
(tecnológicas, financeiras, de gestão,
comerciais, …), dependências (do mercado externo,
da volatilidade do capital estrangeiro), significativamente
subcontratado e desequilibrado nos planos sectorial e da
distribuição no território nacional,
com baixos níveis de sustentabilidade e falta de capacidade
competitiva nos mercados interno e externo. A par da
permanência, com níveis elevados, da chamada
economia paralela, ou da persistência de fenómenos
mais preocupantes de actividades económicas criminosas, onde
avultam a lavagem de dinheiro e a corrupção.
Tudo coexistindo com desperdício e incapacidade no bom e
sustentável uso do património e recursos naturais
e potencialidades desenvolvidas ao nível dos recursos
humanos.
Esta avaliação geral, sintética e
negativa, da economia portuguesa, não oculta a
existência de «ilhas», unidades isoladas
de relativo êxito, e mesmo sucesso económico. Mas
excepções não iludem a realidade.
2.1.3. Os desequilíbrios, défices e
problemas dos diversos sectores económicos
resultam de políticas comandadas pelos interesses do grande
capital monopolista e financeiro, raras vezes coincidentes com o
nacional, traduzindo-se na anarquia das diversas políticas
sectoriais, e particularmente das orientações dos
investimentos privados em direcção aos sectores
de elevadas taxas de rendabilidade do capital, e rápido
retorno, nomeadamente para aplicações
financeiras, imobiliárias e especulativas, quase sempre
sustentadas por volumosos apoios e incentivos públicos
– comunitários e nacionais. Foram processos
cumulativos, de encadeamentos económicos perversos, mas que
romperam com lógicas de fileira e a exigência da
planificação para a harmoniosa
integração e sinergias de áreas e
sectores económicos vizinhos, de que são
exemplos: os problemas e custos económicos e sociais dos
incêndios florestais não são
«desligáveis» da
imposição dos baixos preços do
material lenhoso pela monopolização da fileira da
madeira pelas empresas de celulose e aglomerados cumulativamente com o
processo de desertificação económica e
humana decorrente do esvaziamento dos meios rurais, da
liquidação da agricultura familiar; as
deliberadas políticas de desintegração
das cadeias de valor, como sucedeu no sector da energia
eléctrica (e também agora do gás
natural), sob a pressão do capital financeiro e dos grandes
grupos económicos, segmentando as
operações de produção,
transporte, distribuição e
comercialização, são
responsáveis pelas elevadas tarifas para consumidores
domésticos e empresas dos sectores produtivos; ou ainda a
perda de sustentabilidade e criação de valor
acrescentado no País da indústria extractiva,
pela privatização de diversas minas e abandono de
qualquer perspectiva de desenvolvimento da fileira metálica
correspondente (cobre, volfrâmio, …).
Neste quadro sobressai o enfraquecimento e
fragilização ou liquidação
dos sectores produtivos – agricultura, pescas,
indústria extractiva e transformadora – por
contrapartida com o empolamento dos sectores financeiro (nas suas
diversas fórmulas) e imobiliário, e o
desenvolvimento desigual e contraditório do turismo. A que
deve acrescentar-se a captura (empresarial, financeira) de importantes
sectores produtivos (energia) e sectores de serviços
estratégicos, como as telecomunicações
ou a rede de auto-estradas pelo capital monopolista e financeiro, e
constitui já hoje um pesado óbice ao
desenvolvimento equilibrado conforme os interesses do País,
e um pesado ónus para o Orçamento do Estado, os
consumidores e a economia nacional.
2.1.4. Na avaliação da estrutura
económica produtiva podem destacar-se, de
forma sumária, como principais dados de problemas na
caracterização dos seus principais sectores:
i) Um sector primário
– agricultura, pescas, indústria extractiva
– profundamente afectado na sua capacidade produtiva,
limitado nas suas potencialidades de expansão
(limitações quantitativas/quotas) e a
braços com profundas crises económicas e sociais,
como por exemplo da diminuição e envelhecimento
dos seus activos e liquidação de
explorações agrícolas e
redução da frota pesqueira, como resultado da
manutenção de rendimentos baixos e irregulares,
por insuficientes preços à
produção e dificuldades de escoamento face a
grandes importações agro-alimentares. De destacar
que nestes sectores muitos dos incentivos e ajudas
económicas públicas, num quadro das baixas taxas
de rentabilidade sectorial, funcionam de forma perversa impulsionando a
redução da capacidade produtiva (abate de barcos,
não utilização de solos
agrícolas, etc.) e da produção.
Refira-se ainda o desastre da floresta portuguesa, com devastadores
incêndios, em particular em 2003 e 2005, como resultado de
erradas políticas agroflorestais, incúria e
passividade de sucessivos governos.
A indústria extractiva
– a que correspondem as componentes mineiras (metais
básicos e energéticos), as rochas ornamentais, as
rochas industriais, e as águas minerais e de nascente
– corresponde a cerca de 1% do PIB e a cerca de 0,3% do
emprego. Estes baixos valores escondem uma enorme e diversificada
riqueza mineira do País, capaz de potenciar
inúmeras actividades de maior valor acrescentado a jusante.
No que respeita à componente mineira vive-se, há
algum tempo, uma boa situação devido
às crescentes cotações de diversos
metais (cobre, tungsténio, estanho, zinco, chumbo), cujos
minerais ocorrem em abundância no território
nacional. Mas sendo este sector completamente dominado pelo capital
estrangeiro, e não ocorrendo nenhuma ou quase nenhuma
transformação no País, é
sempre grande a vulnerabilidade e dependência dos mercados
externos.
Nas rochas ornamentais e industriais, a
valorização nacional continua igualmente muito
reduzida e insuficiente.
ii) Um sector secundário, onde
é dominante um tecido industrial constituído em
grande parte por empresas tecnologicamente atrasadas e
métodos de gestão ultrapassados, e por uma
significativa presença da chamada economia paralela ou
informal (de vão de escada ou de garagem), em que foram
liquidados ou seriamente abalados sectores e ramos inteiros:
química, siderurgia e metalurgias diversas,
metalomecânica pesada, reparação e
construção navais. A presença
significativa da indústria automóvel e de alguns
outros subsectores, e os seus efeitos indutores na indústria
de componentes, não tem sido, nem podia ser, suficiente para
compensar os aspectos negativos assinalados.
Desde 1985 (vésperas da adesão à CEE)
o peso da indústria transformadora no PIB decresceu quase
treze pontos percentuais, representando actualmente cerca de 16,5% do
PIB e 17% do emprego.
É de salientar o facto profundamente negativo do processo de
desindustrialização em Portugal ser muito mais
profundo e acelerado do que na média da UE.
O investimento estrangeiro, em acelerado processo de
deslocalização que varre praticamente todos os
sectores de actividade, é um dos principais
responsáveis por esta situação. A que
se acrescentam diversos processos de
reestruturação empresarial e a evidente falta de
competitividade interna e externa de muitas empresas nacionais. Contudo
foram as privatizações as primeiras
responsáveis pelo esvaziamento de importantes sectores
industriais, sobretudo os ligados a actividades básicas e
estratégicas, com um sequente empobrecimento do perfil
industrial.
Em contraposição com este processo foram
aplicados, desde 1986, na área industrial avultados fundos
comunitários e nacionais – cerca de 6 mil
milhões de euros de incentivos, correspondentes a cerca de
20 mil milhões de euros de investimentos – que
embora com um balanço positivo, apresentaram uma
insuficiente eficiência face aos resultados obtidos, com a
«produtividade» da indústria nacional
ainda a cerca de 60% da média da UE-15 e a
manutenção do perfil industrial sem
alterações assinaláveis, com um
elevado peso dos sectores tradicionais de baixo valor acrescentado e
reduzida incorporação tecnológica.
Nos últimos anos tem-se verificado uma ligeira melhoria do
perfil de especialização, devido no fundamental a
uma ascensão na escala da intensidade tecnológica
de alguns sectores e emergência de outros
(máquinas e equipamentos, material de transporte,
química fina e dos materiais), em simultâneo com
perda significativas dos tradicionais, embora se mantenha o diferencial
de perfil face à generalidade dos países da UE.
iii) Um sector da construção civil
e obras públicas com uma
evolução contraditória nos seus dois
subsectores.
A construção civil teve, até
há 4, 5 anos a esta parte e durante quase uma
década, uma actividade economicamente anómala,
com uma brutal sobreprodução, absorvendo enormes
verbas da restante actividade económica, que explicam a
existência de cerca de 600 mil fogos vagos, dezenas de milhar
de m2 de escritórios, o que significará uma FBCF
de 60 mil milhões de euros, sem resolver o problema da
habitação em Portugal, fruto do desenvolvimento
de erradas políticas habitacionais e da
especulação imobiliária
Ao mesmo tempo que ocorria este fenómeno de
sobreconstrução, era muito insuficiente ou nula a
reabilitação de habitação
antiga, designadamente no casco de muitas cidades, mas não
só. (A média europeia de investimento em
reabilitação, corresponde a cerca de 45%/50% do
total e em Portugal, com um parque habitacional profundamente
degradado, não chega aos 10%!)
Em sentido inverso, evoluíram as obras públicas.
Efectivamente, devido aos sucessivos cortes orçamentais com
vista à diminuição do
défice orçamental face às
imposições do PEC, o investimento em novas obras
públicas e manutenção e
requalificação das existentes –
particularmente infra-estruturas ferroviárias, redes de
metropolitanos pesados e ligeiros, redes de eléctricos
rápidos, infra-estruturas portuárias, plataformas
logísticas, construção de grandes e
médias centrais hidroeléctricas, redes de IP e IC
e estradas nacionais e municipais entre outros – tem-se
situado a níveis inaceitáveis para o
desenvolvimento do País e a
dinamização da economia.
2.1.5. A energia constitui um dos mais
críticos e estratégicos sectores
face à elevadíssima
incorporação de energia na economia e na vida das
sociedades, e ao facto de o nosso País e o mundo dependerem
maioritariamente de hidrocarbonetos – petróleos e
gás natural – sobre os quais se multiplicam os
sinais de estar em curso a transição para a
saturação da respectiva capacidade de
produção, sem que estejam asseguradas outras
fontes de energia primária de comparáveis
qualidades e a ritmo de substituição que assegure
essa transição isenta de sobressaltos.
O País apresenta de há muito e com
tendência crescente, um elevado défice
energético – dependência superior a 80%
dos consumos –, défice profundamente preocupante,
seja em termos da segurança do abastecimento, seja em termos
dos efeitos sobre a balança de pagamentos – o
défice da balança energética atingiu
em 2006 o astronómico valor de 8900 milhões de
euros (só petróleo e gás natural), um
acréscimo de 177% para o petróleo e 91% para o
gás natural face a 2002. A agravar a
situação, o facto de tal dependência
estar afunilada no petróleo, cujos derivados, em 2005,
já representavam 68% do consumo final de energia.
O desastre das políticas energéticas nos
últimos vinte anos dos governos PS e PSD identifica-se nesse
défice mas também na elevada irracionalidade dos
consumos de energia, de que decorrem baixas eficiências,
desperdícios e elevados impactos ambientais, no
subaproveitamento do potencial endógeno e agravada
dependência do exterior. Com uma poderosa factura
energética, elevadas e crescentes intensidades
energética e carbónica, preços
inflacionados para consumidores e empresas, temos hoje em Portugal uma
questão energética.
O nível e a taxa de crescimento do défice
energético, é da exclusiva responsabilidade dos
governos e do grande capital nacional que agudizaram e não
superaram a contradição de o País
apresentar simultaneamente uma enorme dependência face aos
combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que
dispõem de elevados e diversificados potenciais em energias
renováveis (hídrica, solar, biomassa,
eólica e oceânica) largamente inexplorados.
A política de privatizações e as
massivas reestruturações que atingiram o sector
energético, ao colocar nas mãos de privados as
empresas do sector, transformaram a energia num conjunto de enormes
negócios de elevada rendibilidade e rápidos
retornos, negócios comandados pelas
cotações bolsistas, que afectaram drasticamente a
possibilidade de o País ter uma política
energética coerente, escorada num adequado planeamento
energético.
Peças importantes destas orientações
antinacionais foram: a criminosa extinção,
há mais de 20 anos, do Plano Energético Nacional
e dos organismos que lhe davam suporte; a nefasta
orientação dos governos relativamente ao sector
dos transportes, com as opções pelo modo
rodoviário face ao ferroviário, ou pelo
transporte pessoal face ao colectivo; a política que tem
privilegiado os enormes negócios em centrais
térmicas de ciclo combinado a gás natural face
à hidro-electricidade; a política das
eólicas, cuja potência já instalada
não foi articulada com o crescimento do potencial
hídrico, inviabilizando a necessária
integração harmoniosa dos sistemas; a tardia
legislação sobre o aproveitamento do enorme
potencial do País na utilização e
expansão do solar térmico nos
edifícios; e a política responsável
pelos preços elevados da electricidade, do gás e
dos combustíveis líquidos para consumos
domésticos e industriais, ao mesmo tempo que as empresas
produtoras realizam lucros fabulosos.
2.1.6. O persistente e agravado
défice do estruturante e estratégico sistema
de transportes e logística, nomeadamente de
transporte colectivo público, a par de profundos
desequilíbrios entre os seus modos, são o
resultado de políticas e medidas sujeitas ao objectivo de
total privatização e
liberalização do sector e total
subordinação aos interesses do grande capital.
Destaca-se, pela negativa: o desmembramento de muitas empresas; a
redução de serviços e da
função social dos transportes (aumento dos
preços dos bilhetes e passes sociais); a ausência
de planeamento e financiamento de um verdadeiro sistema nacional de
transportes, integrado, com complementaridade entre os
vários modos; a dependência de decisões
comunitárias em matéria de financiamento e
localização, que se tem traduzido em
protelamentos e indefinições; a
privatização crescente da rede viária
principal e o abandono das redes regionais e locais; os atrasos na
efectivação das Autoridades Metropolitanas de
Transportes, que surgem sob total controlo do governo. Problemas que
têm atingido os transportes terrestres
(rodoviários — nomeadamente a rede
viária, o domínio dos Grupos Barraqueiro, ARRIVA
e TRANSDEV e a asfixia do Sector dos Táxis – e
ferroviários – nomeadamente a rede de alta
velocidade e a sua articulação com a necessidade
urgente de modernização e expansão da
rede convencional), os transportes aéreos (nomeadamente com
a segmentação e projectos de
privatização da companhia de bandeira, a TAP e da
gestão dos aeroportos nacionais, ANA), nos transportes
marítimos e estruturas portuárias, cujas
consequências são particularmente mais
visíveis nas incapacidades em reduzir o défice de
acessibilidades das regiões ultraperiféricas
portuguesas. E, igualmente, no desenvolvimento de plataformas com zonas
de actividade logística, que só o Estado tem
capacidade e vocação para hierarquizar e ordenar
a respectiva localização. Assiste-se à
aceleração da subordinação
deste sector aos interesses do grande capital financeiro numa
lógica em que a concepção e
articulação das redes e modos de transporte
estão dependentes da rentabilização
dos projectos e operações financeiras da Banca.
2.1.7. O sector terciário
envolve uma enorme e muito diversificada panóplia de
actividades, de que destacaremos, por ordem decrescente do peso que
detêm no produto, o comércio, a
Administração Pública, as actividades
imobiliárias, os serviços do ensino e
educação, os serviços prestados
às empresas, as actividades financeiras, os
serviços de saúde, o turismo e a
restauração, os transportes, os correios e
telecomunicações e outras actividades de
serviços colectivos, sociais e pessoais.
À semelhança do que acontece nos
países mais desenvolvidos, tem tido um elevado crescimento
nos últimos decénios, correspondendo actualmente
a cerca de 71/72% do PIB e a cerca de 57% do emprego, apresentando
ainda nos últimos anos, ritmos de crescimento anuais que
rondam os 1,4%.
O crescimento do terciário
apresenta em Portugal nas actuais circunstâncias
históricas, económicas e sociais, um
carácter dual e contraditório.
Por um lado, corresponde ao desenvolvimento da
prestação de serviços para melhores
condições de vida das
populações (aumento de peso na economia de
áreas como a saúde, a
educação, a cultura, a
restauração, o lazer e as
telecomunicações)
Por outro lado, o crescimento e o peso do terciário no
produto e no emprego traduzem o crescimento desproporcional de
determinadas actividades e serviços face às
necessidades e dimensão da economia e do mercado nacional,
por acção e pressão do grande capital.
É o caso do empolamento do sector comercial, das
inflacionadas actividades financeira e imobiliária, e das
reorganizações e
reestruturações de sectores industriais, com os
processos de externalização de
serviços e segmentos da cadeia de valor.
Para lá dos sectores, abordados noutros pontos
(administração pública,
saúde, ensino, segurança social), destacam-se,
numa breve caracterização, os seguintes:
i) O comércio e
distribuição – sob o
ponto de vista qualitativo são de destacar as profundas
alterações nos dois últimos
decénios, com o crescimento exponencial dos novos formatos,
onde avultam as grandes superfícies (hipermercados e
supermercados), os discount, cash & carry, os centros
comerciais e a redução brutal do pequeno
comércio, dito tradicional. Segundo o Índice
Nielsen Alimentar a percentagem de vendas de hiper e supermercados
passou de 25,8% em 1987 para 83,6% em 2004, contrapondo-se com o
comércio tradicional que regrediu de 74,2% para 16,3%, no
mesmo período. O conjunto dos cinco maiores
«operadores» (Sonae, Jerónimo Martins,
Mosqueteiros, Auchan e Lidl) representa 67,5% do mercado de retalho.
As novas unidades do comércio, pertencentes a grandes
cadeias comerciais nacionais e estrangeiras sob tutela de grandes
grupos económicos (em Portugal Sonae/Belmiro, Amorim,
Jerónimo Martins), para lá da
liquidação do comércio tradicional,
fazem sentir a lógica predadora igualmente na rede dos seus
fornecedores, com a imposição de
condições leoninas, e têm profundas
consequências nos hábitos de consumo, tempos de
lazer e socialização, e na vitalidade dos centros
das grandes cidades.
ii) A actividade imobiliária
deve ser entendida como uma actividade de carácter
eminentemente financeiro, pois que, no fundamental, gere a
aplicação de capitais, subcontratando todas as
valências necessárias à
promoção de habitação,
escritórios, lojas, etc. As actividades
imobiliárias correspondem actualmente a cerca de 7,5% do
produto e a 0,4% do emprego, tendo tido um grande e anormal
desenvolvimento, particularmente a partir de meados da
década de 90, devido, no fundamental, à nova
focalização da estratégia dos grupos
económicos nacionais e multinacionais, cavalgando a descida
das taxas de juro, na promoção e
intermediação imobiliária,
particularmente habitação e
escritórios. O crédito à
habitação subiu, entre 1979 e 2006, de 6,8% para
36,6% do crédito total. E os 600 mil fogos vagos,
correspondendo a cerca de 11% do parque habitacional (2001),
representam 60 mil milhões de euros, ou seja, 1/3 do PIB!
É, assim, uma actividade fortemente penetrada pelo sector
bancário e os fundos de investimento, sujeita a movimentos
especulativos e processos de lavagem de dinheiro, sendo uma evidente
fonte de instabilidade dos mercados financeiros. Tem, em Portugal, uma
crescente participação de capital estrangeiro
– um quinto do IDE líquido em 2006 foram
operações sobre imóveis.
iii) Os chamados serviços
prestados às empresas – por vezes
também designados terciário avançado
ou quaternário – constituem uma das
áreas mais recentes e dinâmicas do sector
terciário, correspondendo actualmente a cerca de 6% do PIB e
a cerca de 6% do emprego.
Inclui um amplo e diversificado conjunto de actividades, uma parte
significativa das quais tem um forte efeito de arrastamento sobre
outros sectores. Destacam-se as actividades de consultoria e conselho
em gestão, de estudos e projectos de urbanismo, arquitectura
e engenharia, de auditorias, de consultoria jurídica, de
recrutamento e selecção de pessoal, de estudos de
mercado e opinião e as actividades informáticas.
De realçar, que entre 1996 e 2004, estas últimas
apresentaram um crescimento de 125% (quase 14% ao ano) enquanto as
restantes quase 60% (cerca de 11% ao ano). Algumas delas (consultoria,
auditoria), inseridas em redes internacionais, sendo unidades de
empresas multinacionais, constituem veículos de
influência e comando externo sobre a economia nacional.
Refira-se ainda que na origem de algumas destas actividades
estão os já citados processos de
reorganização e
reestruturação empresarial com
externalização de serviços
(serviços de limpeza, portaria e vigilância, por
exemplo) ou a «aquisição à
medida» de força de trabalho (empresas de trabalho
temporário) dando uma forte
contribuição para a precariedade laboral e
exploração, abrangendo hoje mais de 100 mil
trabalhadores.
iv) As actividades financeiras (banca, seguros e
actividades correlacionadas) – o seu peso no
produto, resultado da financeirização da
economia, tem vindo a crescer de forma sistemática: 1975:
3,4%; 1985: 5,6%; 1995: 6,0% e 2004: 6,6%. Os seus trabalhadores
correspondem a cerca de 1,6% do emprego.
Mas a sua influência directa e indirecta ultrapassa em muito
aqueles dados. O sector é o coração
dos principais grupos monopolistas portugueses e um lugar
estratégico do capital transnacional. Resultado do processo
de privatizações, a que se seguiu uma
«dinâmica»
reestruturação por via de fusões e de
cruzamento de participações, a
concentração do sector em cinco grandes grupos
– CGD, BCP, BES, Santander e BPI – representa cerca
de 90% dos recursos captados, crédito sobre clientes, margem
financeira e resultados líquidos. O sector funciona como
centro de acumulação e de
distribuição de capital, através da
transferência de riqueza do sector produtivo para o sector
financeiro (o cash flow anual do sector bancário
já ultrapassa 4% do PIB), com a
participação do Estado, através de
regulamentação e
legislação, inclusive fiscal, adequada a esses
objectivos.
Releve-se: um sector bancário dos «mais modernos e
avançados» numa economia cada vez mais na cauda da
Europa!
v) O turismo é um importante
sector da vida económica nacional, responsável de
forma directa por mais de 5,5% do PIB e 8% do emprego e
níveis de crescimento acima da média.
A afirmação do turismo e da sua
importância económica nas últimas
décadas, é indissociável da melhoria
das condições de vida e dos direitos dos
trabalhadores, pelo que a possibilidade da sua expansão
está associada à
democratização do acesso de cada vez mais largas
camadas ao turismo e à evolução da
situação económica nacional.
Representando o mercado interno uma importante parcela da actividade
turística, constituiria, a ser devidamente potenciado, um
importante factor de dinamização
económica do País e uma componente decisiva para
a coesão económica e social entre as
várias regiões.
A crescente actividade dos grupos financeiros –
designadamente no alojamento, agenciação e
distribuição – e uma
política fiscal penalizante, têm-se traduzido
não só numa concentração do
sector, como em dificuldades num tecido empresarial predominantemente
constituído por pequenas e médias empresas.
vi) O sector dos correios (sector postal) e as
telecomunicações empregam cerca de
37 mil trabalhadores e correspondia em 2004 a cerca de 3% do PIB,
constituindo as telecomunicações a sua parte
dominante, com quase 90% do produto do sector. Trata-se de um dos
sectores mais modernos da economia nacional e com maior dinamismo e
incorporação de novas
aquisições da ciência e da
técnica.
Apresenta elevadas taxas de crescimento – por exemplo, entre
1996 e 2003 apresentou uma taxa média de crescimento anual
de 6,4%, embora com oscilações anuais
significativas.
As privatizações ocorridas no sector e as
ameaças que pendem sobre as empresas ainda
públicas constituem uma vulnerabilidade
estratégica que pode pôr em risco um harmonioso e
coerente desenvolvimento do sector. Neste domínio,
há que destacar pela negativa a
privatização de redes –
infra-estruturas estratégicas da maior
importância.
2.2. A
estrutura empresarial
2.2.1. Em Portugal, coexistem, conforme a
Constituição, diversas
formações económicas:
empresas de capitais públicos, empresas privadas de diversa
dimensão e empresas ditas de economia social, sendo que a
titularidade do capital, pode ser nacional, estrangeiro ou misto.
As dinâmicas, nos últimos vinte anos, destas
diferentes formações têm sido:
diminuição drástica do peso do sector
público empresarial na economia, tendo hoje uma
presença muito reduzida (3,7% do PIB em 2006), o que
contraria a ordem constitucional; forte ampliação
do domínio e presença das empresas privadas, quer
pela entrada nos sectores antes públicos, quer em novas
áreas antes não empresarializadas e que eram do
domínio da Administração –
saúde, ensino, etc.; manifesto aumento de peso e de
protagonismo do capital estrangeiro.
2.2.2. A estrutura empresarial da economia
portuguesa, é constituída dominantemente por micro
e pequenas empresas – em 2003
constituíam 97,2% do total de empresas (sendo 81,8% micro e
15,4% pequenas empresas), 36% do volume de negócios e 55% de
emprego. Estrutura que, embora semelhante à da UE, apresenta
um menor nível dimensional médio das empresas, o
que constitui uma fragilidade adicional da nossa economia.
É de salientar o elevadíssimo número
de empresas em nome individual resultantes, na maioria das
situações, de violentos processos de
desestruturação da economia,
consequência, nomeadamente, de um elevado desemprego e uma
alta taxa de falências.
Em contrapartida, as médias e grandes empresas constituem
cerca de 2,4% do total de empresas, a que corresponde 64% do volume de
negócios e 45% do emprego.
Registe-se, que entre 2000 e 2004, o número de microempresas
cresceu 9% ao ano, enquanto as pequenas empresas cresceram 7,3%, o que
confirma e agrava a debilidade atrás referida. Ao
contrário, o crescimento das grandes empresas apresentou
valores na ordem dos 1% a 2% ao ano.
As micro e pequenas empresas são dominantemente de capital
nacional, detidas por pequenos empresários isolados ou em
associação, normalmente de carácter
familiar, enquanto que as médias e grandes empresas,
particularmente estas últimas, são fortemente
dominadas pelo grande capital nacional e estrangeiro.
É ainda importante ter em conta, que quer os grandes, quer
os médios grupos económicos, têm no seu
seio, imensas médias e pequenas empresas, conseguindo por
esta via gerir melhor no seu interesse, resultados e impostos, bem com
aceder a fundos públicos para incentivo da actividade
económica.
As micro e pequenas empresas encontram-se dominantemente no
comércio, na indústria transformadora e nos
serviços, enquanto as médias empresas
estão na indústria transformadora e nos
serviços.
As grandes empresas actuam em áreas básicas e
estratégicas da economia, dominantemente no sistema
financeiro, nos transportes, no sector energético, nas
comunicações e
telecomunicações, no comércio
grossista e no retalhista, na saúde, na indústria
mineira e nalguns sectores da indústria transformadora
pesada. Com excepção da grande
distribuição, a quase totalidade destas empresas
decorrem de empresas públicas e participadas, entretanto
privatizadas.
2.2.3. Existem ainda algumas grandes
e médias empresas onde se verifica a
presença, por vezes muito significativa, de
capitais públicos, embora com
situações muito diversas em termos do peso
societário do Estado – cerca de 110 empresas
– a que devem acrescentar-se as recentes empresas com o
estatuto de empresas públicas, ou aparentemente equiparadas,
como são as EPE.
Contudo, muitas destas empresas, porque correspondem a projectos,
terão uma vida efémera – caso das 17
sociedades Polis –, além de que várias
outras resultaram da empresarialização de
actividades tradicionalmente na Administração
Pública – caso dos 36 hospitais EPE e SA.
O Estado ainda detém posições
completamente dominantes ou muito relevantes no sector financeiro
– CGD – na comunicação social
– Lusa e Rádio e Televisão de Portugal
– nas infra-estruturas aéreas – ANA,
ANAM, EDAB, NAER e NAV – e ferroviárias
– REFER e RAVE – e portuárias
– administrações de cinco grandes
portos – e rodoviárias – Estradas de
Portugal – e outras – EDIA, REN, Docapesca.
Na área industrial detém 100 % da EDM, EMPORDEF e
ENVC e posições significativas na SPE –
Sociedade Portuguesa de Empreendimentos e nas Minas de Ouro de
Penedono. Nos serviços de utilidade pública
detém posições a 100% nos CTT e
Águas de Portugal. Na área dos transportes
detém 100 % do capital da TAP, da SATA, da CP, do
Metropolitano de Lisboa, da CARRIS, dos STCP e da Transtejo e
posições relevantes nos metropolitanos do Mondego
e do Porto. Através da CGD detém
posições na PT (5,13%), EDP (5%), CIMPOR (2,08%),
BCP (2,4%) e GALP (1,39%).
O Estado detém ainda em algumas empresas as chamadas
acções douradas («golden
shares»), as quais permitem, com um pequeno número
de acções, ter uma
intervenção determinante em certos
domínios estratégicos.
Estas posições são hoje contestadas
pela UE, e a sua eliminação
significará o afastamento total do Estado de empresas e
sectores estratégicos. Devendo ser combatida qualquer
cedência, a situação evidencia a
razão do PCP quando afirmava que só o estatuto
público dessas empresas dará garantias
sólidas da intervenção
necessária do Estado na sua
orientação. Para memória, recorde-se
que o estatuto das empresas públicas deslizou inicialmente
para sociedades anónimas de capitais públicos, a
que se seguiram privatizações parciais e
minoritárias, que posteriormente foram transformadas em
maioritárias.
2.2.4. O sector cooperativo e social
compreende (constitucionalmente) os meios de
produção possuídos e geridos por
cooperativas; por comunidades locais; por pessoas colectivas, sem
carácter lucrativo, designadamente de natureza mutualista; e
os que são objecto de exploração
colectiva dos trabalhadores.
Destes subsectores, o autogestionário teve
relevância no pós-25 de Abril, mas foi sendo
destruído, o comunitário, de que são
expressão mais saliente os baldios, tem uma
expressão económica e social significativa na
floresta do Norte e Centro do País, e os subsectores
cooperativo e solidário têm claramente peso
económico e social, destacando-se o sector
agrícola (em especial o leiteiro e o
vitivinícola), a habitação, o consumo
(apesar do papel dos grandes grupos económicos da
distribuição) e o apoio social (cooperativas de
apoio a necessidades educativas especiais).
O sector cooperativo e social apresenta uma diversidade significativa,
sem que esteja estabelecida uma regulação que
garanta a não utilização abusiva de
tal estatuto. O INSCOOP, instituto público que deveria
assumir esse papel, nunca o fez, pelas opções
políticas que orientaram os sucessivos governos.
A ideologia neoliberal procura anular a especificidade
própria do sector (por exemplo, tratando no mesmo plano a
empresa cooperativa e a empresa privada), ou considerá-lo
uma vertente do passado, limitando-o a funções
caritativas ou assistencialistas, tendo como objectivo a sua
utilização no processo de
privatização das funções do
Estado através da transferência das suas
responsabilidades para a chamada economia social
(Instituições Particulares de Solidariedade
Social, Misericórdias, Fundações e
Associações com forte presença da
Igreja Católica), como sucede nas áreas da
saúde e apoio social. Tem particular significado o forte
alargamento do «edifício» das IPSS,
muito dependente das verbas transferidas anualmente pelo
Orçamento do Estado, animado pela ideia, a partir dos
governos, de que estas instituições fazem melhor
trabalho na área social e com menos custos que o Estado.
Segundo dados oficiais existiam, em 2005, mais de 5 300 entidades
proprietárias de equipamentos colectivos, onde o sector
designado por não lucrativo correspondia a 73% do total,
sendo que as IPSS ou equiparadas detinham 90% deste valor.
O sector cooperativo e social radica a sua lógica em valores
de cooperação, entreajuda, solidariedade,
respeito mútuo e princípios de liberdade,
autonomia, em contraponto ao estímulo do individualismo,
competição, sujeição,
domínio e poder do dinheiro. Com objectivos, formas
jurídicas, actividades e meios diversos, este sector
apresenta uma natureza social que, em contraponto ao privado, visa
servir os associados e a comunidade, em vez do benefício
pessoal e da apropriação da mais valia.
2.2.5. As micro e pequenas empresas são
reféns do grande capital nacional e estrangeiro,
dada a sua natureza monopolista e o seu domínio dos mercados
e sectores estratégicos, seja enquanto fornecedoras
– casos das subcontratações ou do
aprovisionamento de grandes grupos de
distribuição – seja enquanto
compradores de serviços essenciais e factores de
produção – casos da banca e dos
seguros, da electricidade, do gás, das
telecomunicações, etc.
O resultado destas relações de força
está bem visível no nível de
endividamento das sociedades não financeiras, a imensa
maioria das quais micro, pequenas e médias empresas, que era
de 60% do PIB em 1995 e atingiu 105% do PIB em 2006, duplicando a sua
dimensão em 12 anos e sendo o segundo maior da zona euro.
2.3. Os mercados
2.3.1. O endeusamento do mercado como mecanismo de
regulação automática da economia (por
oposição à
intervenção do Estado) é uma velha
tese liberal, permanentemente renovada pelos arautos do neoliberalismo.
Assim se procura afirmar o Estado como pura instância
política, à margem da economia e da sociedade,
escondendo a sua real e diversificada intervenção
na economia e na sociedade, inclusive no mercado, a favor do capital.
Concepções que ignoram a natureza de classe do
Estado e omitem que as relações
económicas são cada vez mais
relações de poder.
Concepções que defendem o mercado como um puro
mecanismo natural de afectação eficiente e neutra
de recursos escassos, escondendo que na vida real a
«mão invisível» do mercado
corresponde à mão visível das grandes
empresas, nacionais e transnacionais, e do Estado ao seu
serviço. Desde há séculos, com o
capitalismo, que o mercado serve mais os interesses de uns que de
todos, regula e mantém determinadas estruturas de poder, que
asseguram a prevalência dos interesses dos detentores do
capital. São ainda concepções que
pretendem transformar o sistema capitalista, com a sua carga de
exploração, de desigualdade e
violência, numa neutra «economia de
mercado». O grande capital nacional e internacional elege e
promove o mercado como o alfa e o omega de toda a vida
económica e social, usando-o para prosseguir os seus
interesses de classe. O que fazem, através do
condicionamento do mercado pelo Estado –
«regulando-o» e
«administrando-o» quando liberaliza, privatiza e
intervém, através da
fixação de preços ou da
gestão da «procura pública»,
da aquisição pelo Estado de bens e
serviços, ou do financiamento público do grande
capital, através da sua força
económica.
2.3.2. O mercado interno, satisfeito pela
procura interna, corresponde actualmente a cerca de 108% do PIB, o que
demonstra inequivocamente quanto o mercado interno é
importante para a produção nacional e para o
crescimento económico do País.
O mercado interno nacional (satisfação das
necessidades das famílias, das empresas e do Estado) tem
cada vez menos resposta por via da produção
nacional de bens e serviços devido aos estrangulamentos dos
sectores produtivos e cada vez mais ocupado por
importações. A taxa de cobertura das
importações pelas
exportações (fob/cif) tem vindo a degradar-se
face à crescente diminuição da
produção nacional – na agricultura, nas
pescas e na indústria e à invasão de
produção estrangeira.
Dependendo do crescimento e do desenvolvimento económico,
para além de uma política de
protecção da produção
nacional (possível mesmo no quadro das regras da UE), o
nível do mercado interno é reflexo da
evolução do PIB e do rendimento
disponível e sua distribuição pelas
diferentes classes, camadas e tipos de consumo, sendo que nos
últimos anos tendo sido fortemente condicionado pelas
restrições orçamentais por via do PEC,
afectando a procura pública.
O grande capital nacional, com pequenas
excepções, actua dominantemente no mercado
nacional e em áreas de reduzida, ou mesmo nula,
concorrência internacional.
Ao contrário, o mercado externo, relativamente às
empresas nacionais, é dominantemente ocupado pela actividade
industrial, associada às PME, com
excepção da pasta e papel e dos produtos
siderúrgicos, actividades ligadas ao grande capital nacional
e estrangeiro. Por outro lado, as microempresas estão
viradas fundamentalmente para o mercado interno.
As grandes empresas multinacionais que actuam na área
industrial – sobretudo automóvel,
electrónica, TIC, têxtil e calçado, e
alguns produtos mineiros – trabalham dominantemente para a
exportação, dominando já uma parte
importante desse mercado.
O turismo tem, obviamente, uma elevada componente associada ao exterior
– 15% da estrutura das exportações, em
2005 –, ou seja, o grande peso dos turistas estrangeiros no
total da actividade, sendo que a exportação de
serviços já começa, de forma
persistente, a ter algum significado: cerca de 7% do PIB.
2.3.3. O mercado externo, correspondendo a
21% do PIB, deve ser abordado nas suas actuais duas componentes:
intracomunitário (dito interno na UE) e
extracomunitário. O traço mais impressivo da
evolução do comércio externo
é o seu afunilamento (e com ele o conjunto das
relações económicas) no mercado da
União Europeia, com as exportações e
importações, a oscilar em torno dos 80%, sendo
particularmente significativo o caso do mercado espanhol, que hoje
ronda os 30% (destronando o mercado alemão).
Nos mercados extra-comunitários têm-se verificado
alguns crescimentos em anos recentes nas relações
com o Brasil, Angola e EUA.
O mercado externo para a economia portuguesa está hoje
fortemente condicionado pela política comercial da
União Europeia, dos seus acordos bilaterais e
posições na OMC,
que tem sido um importante instrumento utilizado pelos
países capitalistas mais desenvolvidos para impor, a
nível mundial, uma ordem económica ao
serviço das empresas transnacionais e em que a
liberalização do comércio é
a arma mais relevante. Ora essa política é
fundamentalmente determinada pelos interesses das grandes
potências da União Europeia, como é bem
visível no caso do têxtil e da agricultura. As
orientações que a UE tem defendido na OMC, de
liberalização do comércio mundial
(agricultura, indústria e serviços, mas
igualmente o investimento e a concorrência) são
particularmente graves para o País.
2.3.4. A afirmação
do respeito pelas regras da concorrência
e da ficcionada igualdade de todos os agentes económicos no
mercado, questões decisivas para assegurar a credibilidade
das teses capitalistas relativamente ao conceito, são
suportadas por todo um arsenal de regras,
instituições «independentes»
(autoridades de concorrência) e tribunais, destinados a
garantir tal desiderato.
A realidade é que as múltiplas e diversificadas
situações de monopólio e cartel,
criadas no quadro da reconstituição monopolista
em Portugal e a deliberada do Estado numa efectiva
regulação e intervenção,
subvertem completamente os princípios da
concorrência. São muitos os exemplos da
concertação de preços, de abuso de
posição dominante, de concorrência
«desleal» sem que a AdC intervenha ou os
prevaricadores sejam significativamente penalizados.
Duas outras questões têm um grande impacto no
falseamento da concorrência: as ajudas estatais e a economia
paralela. Em diversos países da UE, as ajudas dos estados
nacionais, (não confundir com as ajudas apoiadas por fundos
comunitários) às empresas, ocorrem a
níveis muito superiores aos de Portugal, o que vicia a
concorrência nos mercados internacionais e também
no próprio mercado nacional, prejudicando particularmente a
nossa indústria transformadora. A economia paralela introduz
mecanismos de concorrência desleal, prejudicando fortemente
as empresas cumpridoras dos seus deveres fiscais e sociais.
2.4.
Políticas de investimento e fundos comunitários
2.4.1. O investimento nos factores de
produção e infra-estruturas, materiais e
imateriais, se devidamente planeado, direccionado e aplicado,
corresponde a uma das condições
básicas para sustentar o crescimento económico
e o desenvolvimento.
Por outro lado, estudos recentes evidenciam a
correlação fortemente positiva do investimento
público, particularmente em infra-estruturas, sobre o
produto, o emprego e as receitas fiscais, nomeadamente pelo seu efeito
de arrastamento sobre o investimento privado.
Ora, a política antinacional dos governos e do grande
capital, suportada pelo neoliberalismo das
orientações comunitárias, e particular
do PEC, seja pelas orientações
estratégicas do capital estrangeiro, conduziu a que o
investimento em Portugal está, há anos, muito
aquém das necessidades quantitativas e qualitativas da nossa
economia.
As evoluções da Formação
Bruta de Capital Fixo (FBCF) nos últimos anos são
bem demonstrativas deste facto. Entre 2001 e 2006, a
redução acumulada em termos reais da FBCF foi de
15,7%, o que é dramático. Desde 1997 o
investimento público vem perdendo peso no investimento total
atingindo o mínimo histórico em 30 anos, de 2,3%
do PIB em 2007 e representando 10,4% do total do investimento realizado
no País.
A manifesta insuficiência do investimento privado
é também a prova de que não basta a
iniciativa privada para dinamizar a economia – o capital
privado investe onde houver possibilidades de bons lucros e retorno
rápido – não sendo sua
preocupação responder aos problemas da economia
nacional. É ainda uma evidência a enorme
mistificação da Bolsa de Capitais como fonte de
financiamento do investimento empresarial!
Atente-se nos desequilíbrios na
distribuição do investimento realizado, com o
imobiliário a absorver uma grossa e desproporcionada fatia
face às necessidades da economia nacional.
2.4.2. Os fundos comunitários
aportaram a Portugal entre 1986 e 2005, nos três primeiros
quadros comunitários, o valor de cerca de 56 mil
milhões de euros, o que em termos médios,
corresponde a um valor de 2800 milhões de euros /ano e a
cerca de 7,7 milhões de euros/dia.
Este investimento na economia portuguesa, tendo tido real impacto,
apresenta contudo, uma muito reduzida eficácia em termos
estruturantes, inclusive na reprodução do mapa
assimétrico do investimento público, devido, no
fundamental, pelo menos aos seguintes problemas, muitas das vezes
interdependentes: insuficiente e inadequado planeamento de
necessidades; orientações não
correspondendo às necessidades essenciais da economia, como
por exemplo num excessivo investimento em activos fixos;
privilégio sistemático dos investimentos do
grande capital, em desfavor dos apoios às pequenas empresas;
desperdício por não aproveitamento total dos
fundos em cada quadro comunitário de apoio;
saídas muito significativas de verbas para o estrangeiro,
destinadas à importação de
equipamentos inseridos em projectos co-financiados; insuficiente
fiscalização e controlo;
atenuação ou anulação das
suas potencialidades, devido a políticas comuns e nacionais
de sentido inverso ao dos fundos.
O uso dos fundos comunitários enquanto moeda de troca para
compensar a destruição e atrofiamento do aparelho
produtivo nacional, faz dos fundos e da sua
aplicação um elemento obviamente negativo
2.4.3. O investimento directo estrangeiro em Portugal
(IDEP), embora em termos brutos tenha assumido um papel quantitativo
significativo – 228 mil milhões de euros a
preços correntes, entre 1996 e 2006 –, o que
corresponde a cerca de 67% do total da FBCF no mesmo
período, em termos líquidos, isto é,
subtraindo os desinvestimentos efectuados no mesmo período,
fundamentalmente resultado de deslocalizações, o
IDEP baixa consideravelmente para 41,5 mil milhões de euros,
12,1% da FBCF.
O IDEP, por um lado, trouxe impactos positivos no PIB, às
exportações e ao incremento do nível
tecnológico do nosso tecido produtivo, com efeitos de
demonstração, ao mesmo tempo que absorveu parte
muito significativa dos fundos comunitários e nacionais;
simultaneamente, apresenta consequências inquietantes como a
das deslocalizações e
exportação de elevados rendimentos. Em 2006, o
total de lucros e juros pagos ao estrangeiro, foi de 1100
milhões de euros por mês. Por outro lado, em
grande parte, o IDEP dirigiu-se para a aquisição
de empresas, através da participação
em aumentos de capital e aquisição de
participações (22% do IDEP no
período), e dirigiu-se ainda fundamentalmente para os
empréstimos de curto prazo (47,3% do IDEP no
período), apossando-se mesmo de importantes sectores
económicos nacionais (privatizações).
Os principais sectores onde tem intervido são a
indústria (entre 30 a 40 %), as actividades
imobiliárias e os serviços prestados
às empresas (cerca de 20/25 %), o sistema financeiro e o
comércio e a restauração (o restante).
Nos últimos anos, a sua principal origem é a UE
(86% do IDEP), com destaque para o Reino Unido, a Alemanha, a
França e a Espanha, que representam no seu conjunto 55,2% do
IDEP no período considerado (1996-2006).
2.4.4. Em sentido contrário a
este e ao das reais necessidades nacionais, aparece a partir de meados
da década de 90 uma nova orientação
estratégica do grande capital nacional, que é o do
investimento directo português no estrangeiro,
IDPE, o qual atingiu a soma de 100,8 mil milhões de euros, a
preços correntes, entre 1997 e 2005, com o seu pico em
2000/2001, embora mantendo-se ainda muito elevado até 2004.
Em termos líquidos, isto é, a soma dos
investimentos directos de Portugal no Exterior menos os
desinvestimentos de Portugal no Exterior no período entre
1996-2006, verifica-se que o valor obtido (42,6 mil milhões
de euros) é superior ao valor líquido do
investimento directo do Exterior em Portugal no mesmo
período. Sublinhe-se ainda, pela negativa, que a
generalidade desses investimentos foi generosamente apoiada por fundos
públicos, nacionais e comunitários, mesmo quando
se destinaram a actividades financeiras, imobiliárias ou
puramente especulativas.
O destino do investimento é dominantemente a UE e o Brasil,
com 76,7% do IDPE.
No actual quadro de debilidades e dependências, o IDPE, nos
níveis a que se tem situado, é claramente contra
os interesses nacionais, já que está subordinado
aos objectivos e interesses estratégicos dos grandes grupos
económicos nacionais desviando, em simultâneo,
brutais verbas necessárias ao investimento em
território nacional, começa a ser
responsável pela deslocalização de
algumas actividades produtivas e aumenta a dependência
financeira do país, dado que parte das verbas
necessárias a tal investimento, acabaram, directa ou
indirectamente, por vir do estrangeiro, sob a forma de
empréstimos ao sistema bancário
português. Por outro lado, não tem progredido onde
seria mais necessário: o estabelecimento de cadeias e bases
logísticas para a colocação
internacional da produção nacional.
2.5. A
presença do capital estrangeiro
O capital estrangeiro tem vindo a ocupar de forma crescente importantes
e estratégicos espaços na economia portuguesa,
acentuando a sua subcontratação,
dependência e vulnerabilidade.
O processo de privatizações constituiu a
principal alavanca de entrada e aceleração do
peso do capital estrangeiro na nossa economia, devido à
etapa de desnacionalização que se seguiu, em
muitas situações, à etapa de
privatização das empresas públicas.
Por outro lado o grande capital nacional, no quadro
estratégico do processo de recuperação
capitalista, elegeu como instrumento a associação
ao grande capital internacional, que o ajudou por todas as formas
– políticas, económicas, financeiras
– designadamente através de
relações societárias. Por fim, a livre
circulação de capitais decorrente do processo
comunitário da UEM, a que se seguiu a
criação do euro, facilitou extremamente as
aquisições de activos em Portugal.
A presença do capital estrangeiro pode constituir,
conjunturalmente, um elemento positivo de desenvolvimento, em
função da sua dimensão,
condições e actividades em que se fixa,
nomeadamente assegurando transferência de tecnologia,
arrastamento de indústrias nacionais,
diversificação e alargamento dos mercados
externos, sustentabilidade e estabilidade por prazos adequados,
inclusive garantindo os reinvestimentos necessários, sem
acentuar vulnerabilidades e dependências. O que em geral
não tem acontecido.
São aspectos particularmente críticos de grande
parte do actual IDE no País a sua natureza
«beduína» sempre pronta a
deslocalizar-se, deixando para o Estado português o
desemprego e os custos sociais, a opção por
actividades de baixo valor acrescentado e baixa
incorporação tecnológica (investimento
em segmentos curtos da cadeia de valor), a
absorção de brutais apoios ao investimento,
inclusive para a sua manutenção em actividade
(por vezes com recurso à chantagem sobre o Estado
português), a exportação
elevadíssima de lucros, não cuidando de
reinvestimentos e baixando de forma relevante o rendimento nacional
disponível.
2.6.
Produtividade e competitividade da economia portuguesa
2.6.1. A criação
sustentável de riqueza em patamares superiores ao actual
passa inevitavelmente pelo permanente acréscimo da
produtividade e da competitividade dos diversos subsistemas da nossa
economia: das empresas, das infra-estruturas e do Estado. A maioria das
empresas portuguesas apresentam um baixo
nível da produtividade e competitividade
quando comparadas com as dos países mais desenvolvidos da
UE. E esses diferenciais de produtividade e competitividade face
às médias da União Europeia
têm sido usados pela política de direita e pelo
grande patronato como argumentos para alterar a
legislação laboral e direitos sociais, como o
subsídio de doença e de desemprego.
Para lá da enorme mistificação
ideológica em torno dos conceitos de produtividade e de
competitividade que, aliás, frequentemente se confundem de
forma não inocente, procura-se estabelecer uma
sequência lógica salário (trabalhador)
– produtividade – competitividade, como se houvesse
uma simples relação causa/efeito na esfera
tão complexa da produção
económica. Fundamentalmente, procura-se ocultar as
responsabilidades pela baixa qualidade da mão-de-obra,
inclusive dos gestores, principal condicionante do factor trabalho para
a produtividade, pela reduzida incorporação de
investigação científica e
desenvolvimento tecnológico na
produção, pela pouca
atenção às formas de gestão
e organização das cadeias de
produção e unidades empresariais.
2.6.2. A que deve acrescentar-se que a baixa
«produtividade» média da economia
portuguesa resulta, no fundamental, de um perfil de
especialização com um peso determinante das
indústrias de mão-de-obra intensiva (baixa
composição orgânica do capital) e baixo
valor acrescentado, igualmente da responsabilidade das
políticas dos governos PSD e PS, que liquidaram importantes
ramos e fileiras industriais — química,
farmacêutica, metalomecânica pesada — e
que não impulsionaram a alteração
desse perfil produtivo. Como também deve registar-se a
subvalorização ou o desprezo a que têm
sido votados matérias-primas e recursos produtivos
endógenos em geral, como fontes de energia, solos, subsolo e
oceano, passíveis de contribuir como importantes factores
produtivos para a elevação do produto nacional.
2.6.3. Também na
avaliação do nível de competitividade
da economia portuguesa, que se procura reduzir ao factor
preço do produto/produtividade, se esquece a
ausência de políticas de defesa do mercado interno
como faz a generalidade dos outros Estados, a
adopção da moeda única euro (perda de
competitividade de 2% ao ano devida à taxa de
câmbio efectiva), o reduzido apoio às micro,
pequenas e médias empresas, as inúmeras
carências e custos elevados, quando comparados com os de
outros países da UE, dos serviços financeiros,
energia, telecomunicações e transportes e
logística.
2.7.
Ciência e Tecnologia
2.7.1. A escassez dos recursos afectados às
actividades científicas e técnicas
é um obstáculo maior ao desenvolvimento
económico e social do País. O investimento em
Ciência e Tecnologia (C&T) e, em geral, em
Actividades Científicas e Técnicas (AC&T)
é um factor crucial para a
concretização de uma política
alternativa que efectivamente conduza à melhoria das
condições de vida do povo português no
quadro de uma democracia avançada, nos planos
político, económico, social e cultural. O ritmo
de criação de riqueza depende do volume de
recursos humanos, materiais e financeiros que são afectados
a essas actividades, volume que é entre nós muito
insuficiente, constituindo esse facto, em si mesmo, um
obstáculo maior a um desenvolvimento socialmente justo e
economicamente sustentável.
Sendo certo que a parte principal dos recursos humanos, materiais e
financeiros do Sistema Científico e Técnico
nacional (SCT) deveria encontrar-se no sector produtivo, à
semelhança do que acontece em todos os países
desenvolvidos, em Portugal o peso das actividades de
investigação e inovação de
produtos e processos, ao nível das empresas é
mínimo, importa sublinhar que sem aparelho produtivo
não é possível construir em bases
sólidas, expandir e consolidar, um Sistema
Científico e Técnico, promover uma
afectação significativa de recursos às
actividades de I&D e criar condições
favoráveis à motivação do
sistema.
2.7.2. No que respeita às
actividades de investigação científica
e desenvolvimento tecnológico (I&D), a
situação caracteriza-se, essencialmente, pela degradação
e abandono das instituições públicas
e pela muito fraca participação do sector
empresarial, público e privado, quer no financiamento quer
na execução dessas actividade e crónico
subfinanciamento das instituições e unidades
públicas de investigação
– Laboratórios do Estado mas também
centros ligados à universidade – e pela
gestão incorrecta, burocrática e
arbitrária dos parcos fundos disponibilizados.
Caracteriza-se também pela extraordinária
escassez de pessoal técnico de apoio às
actividades de I&D, de todas as especialidades; pela
insipiência e degradante situação de
abandono de infra-estruturas oficinais e outras, necessárias
ao desenvolvimento de actividades de
investigação, quer fundamental, quer, sobretudo,
aplicada, bem como ao desenvolvimento de projectos de
inovação e ao «trabalho de
campo», particularmente junto de PME que na sua grande
maioria não dispõem de
condições mínimas para inovar e
modernizar processos e produtos sem um apoio técnico externo
sustentado e convenientemente dirigido. A insuficiência dos
financiamentos e as carências do apoio técnico
vedam às equipas nacionais certas áreas de
trabalho no País, o que se reflecte no número
desproporcionadamente reduzido de patentes registadas.
2.7.3. Junta-se a isto a ausência
de uma politica científica nacional e de
desenvolvimento das necessárias infra-estruturas
públicas prestadoras de serviços
técnico-científicos e uma
definição frouxa e incompleta das
funções ou missões próprias
de instituições tuteladas pelo Estado.
Importa também sublinhar, o desequilíbrio
existente entre o volume dos recursos atribuídos
à I&D, já de si insuficiente, e aquele,
proporcionalmente muito mais insuficiente, que é
atribuído às múltiplas actividades
conexas, de carácter científico e
técnico, de crucial importância para o
funcionamento da sociedade. Trata-se de actividades
científicas e técnicas que, embora sem
carácter necessariamente inovatório,
são indispensáveis ao aumento da produtividade na
criação de riqueza e à melhoria das
condições de vida da
população. Trata-se nomeadamente de actividades
desenvolvidas por entidades do sector público, de cuja
capacidade técnica e eficaz funcionamento depende a efectiva
minimização e prevenção de
riscos públicos de vária natureza.
Quase um terço da força de trabalho total afecta
a actividades de I&D no sector público é
hoje constituído por bolseiros ou outro pessoal em
situação de emprego precário, na sua
maioria com formação superior e mesmo
pós-graduada. O seu número vem crescendo
regularmente em consequência do prosseguimento de uma
política de formação de doutores que,
por um lado, não tem em conta as necessidades reais do
sector produtivo e, por outro, convive com o persistente bloqueio do
recrutamento de pessoal para a Função
Pública, onde existe uma gritante carência de
pessoal especializado no vasto conjunto de serviços
técnico-científicos a que atrás se fez
referência.
Este quadro negativo não implica o desconhecimento ou
desvalorização de alguns pólos de
excelência, onde se pratica trabalho de I&D com
resultados reconhecidos dentro e fora do País.
2.8. As
economias paralela e clandestina
2.8.1. As economias paralela e clandestina assumem um
peso muito preocupante na economia portuguesa, peso que
afecta a sua saúde e o seu regular funcionamento. Segundo
alguns especialistas a economia paralela significará cerca
de 20%/25% do PIB real, ou seja, um valor que deve andar na ordem dos
45 a 50 mil milhões de euros por ano, nos últimos
anos.
A economia paralela corresponde a actividades económicas
lícitas, feitas à margem das leis, na
prestação de serviços e actividades
comerciais diversas.
Por outro lado, a economia clandestina corresponde a actividades
ilícitas, como a contrafacção, ou
criminosas, como por exemplo a lavagem de dinheiro, o
tráfico de drogas, o tráfico de armas, o jogo
ilícito e a prostituição.
2.8.2. A economia paralela, pela sua natureza,
não tem qualquer registo na contabilidade nacional,
dado que não são declaradas em sede de
início de actividade económica, bem como de
prestação anual de contas, nos termos da lei, e
portanto não ficam sujeitas a quaisquer
contribuições e impostos: IVA, IRC, IRS e
contribuições para a Segurança Social,
desviando assim dos cofres do Estado, brutais valores, que alguns
estudiosos crêem ser da ordem dos 16 mil milhões
de euros /ano (valores dos últimos dois anos), valor
várias vezes superior aos fundos comunitários.
No plano social, as economias paralela e clandestina, são
responsáveis e suportam um mercado clandestino de
mão-de-obra, o qual envolve particularmente trabalhadores
imigrados em situação ilegal, que vivem sem
quaisquer direito económicos e sociais e muitas das vezes em
regime de quase escravatura.
Por outro lado, a economia paralela, porque de forma ilegal,
não incorre numa série de custos, subverte
totalmente as regras da concorrência, prejudicando
simultaneamente o Estado e as empresas legais.
2.8.3. As economias paralela e clandestina, radicam
nalgumas características genéticas do capitalismo,
que as fomenta e protege, sendo factualmente fortes as
relações entre estas e a economia legal. O
sistema financeiro tem um papel muito importante nesta
ligação e nesta cobertura, designadamente quando
escorado em sistemas como o do sigilo bancário e dos
offshores, os quais dão objectivamente cobertura
à lavagem de dinheiro ou à fuga e
evasão fiscais.
Recorde-se, que no plano teórico todos os partidos e
governos estão contra estes fenómenos
profundamente corrosivos da economia, da coesão social e da
estruturação do Estado, mas de facto, na
prática, colocam todos os obstáculos à
eliminação do sigilo bancário e ao
desaparecimento das offshores e em geral não criam as
estruturas de investigação e
fiscalização adequadas e com meios suficientes
para o combate a estas actividades.
3. O território e a
população
3.1. As assimetrias regionais
e intra-regionais
Consequência de um modelo de desenvolvimento determinado por
políticas e opções de direita o
País, não só não viu a sua
coesão territorial e social reforçar-se como
assistiu ao acentuar das assimetrias regionais e
intra-regionais. Portugal é hoje um
País com uma população concentrada
numa limitada parcela do território, com regiões
em despovoamento acentuado e desertificadas económica e
socialmente, com uma divergência crescente entre o
espaço urbano e o rural, entre o litoral e o interior. As
desigualdades na distribuição do rendimento que
colocam Portugal numa posição vergonhosa no plano
europeu (o rendimento dos 20% mais ricos era 8,2 vezes superior, em
2005, ao rendimento dos 20% mais pobres) conhecem no próprio
País contrastes acentuados como o testemunham os valores de
PIB per capita nas várias NUT III. As
projecções oficiais que apontam num horizonte
até 2020 para que a área metropolitana de Lisboa
venha a concentrar entre 44% a 50% do crescimento do PIB revelam um
modelo de crescimento desigual e gerador de mais assimetrias.
Uma tendência traduzida num processo de
concentração da população,
que por opção o governo insiste em acentuar. O
facto de o Plano Nacional de Políticas de Ordenamento do
Território e do QREN assumirem essa tendência como
irremediável, a aprovação de uma Lei
de Finanças Locais que compromete o futuro de grande parte
das autarquias do interior do País, o deliberado
encerramento de escolas, unidades de saúde e
serviços públicos no interior do País,
associados a uma política económica assente no
abandono do sector primário e no despovoamento produtivo
são expressão de uma
orientação que é urgente rever e
inverter.
A imagem de um País cada vez mais desigual,
assimétrico e em absoluta divergência em termos de
coesão – divergindo dos índices de
desenvolvimento do espaço europeu; as regiões com
mais crescimento divergindo das suas homólogas do
espaço da União Europeia; as regiões
mais pobres e deprimidas divergindo da média nacional,
estão aí para o testemunhar.
3.2. Tendências
demográficas
Entre 1981 e 2006 a população residente em
Portugal cresceu cerca de 7,8%, ou seja, neste período a
população residente aumentou em cerca de 765 mil
indivíduos, o que significou uma taxa de crescimento
médio ao ano de 0,3%.
A análise desta evolução populacional
a um nível geográfico mais desagregado revela uma
grande heterogeneidade no crescimento demográfico de cada
região. Se nas sub-regiões do litoral aumenta a
população residente, em muitas
sub-regiões do interior a
desertificação atinge níveis
preocupantes.
Os casos dos concelhos do Pinhal Interior Sul, que perderam cerca de
1/3 da população residente, do Alto
Trás-os-Montes e do Douro, que perderam cerca de 20% da
população residente, e dos concelhos da Serra da
Estrela, da Beira Interior Norte e Sul, da Cova da Beira e do Alentejo,
que sofreram também acentuadas quebras, são bem
elucidativos. Na totalidade estas sub-regiões perderam cerca
de 230 mil residentes nos últimos 25 anos.
O crescimento populacional deveu-se maioritariamente ao efeito positivo
do saldo migratório, dada a fraca dinâmica natural
motivada pelos baixos níveis de fecundidade. Desde 1993 e,
pese embora a desaceleração verificada nos
últimos anos, o saldo migratório é a
principal componente do acréscimo populacional. A taxa de
fecundidade situa-se hoje nos 1,41 crianças por mulher,
valor bastante inferior aos 2,1 necessários para substituir
as presentes gerações do País,
resultado fundamentalmente dos elevados níveis de
precariedade do emprego e dos baixos salários.
O índice de envelhecimento da nossa
população –
relação entre a população
idosa e a população jovem – mais do que
duplicou entre 1986 e 2005. Em 1986, por cada 100 jovens havia 51,3
idosos, enquanto que em 2005 por cada 100 jovens existem 110,1 idosos
no nosso País. Ao mesmo tempo o índice de
dependência total, baixou de 54.7 para 48,5, no mesmo
período, isto é por cada 100
indivíduos na vida activa tínhamos 54,7 inactivos
em 1986 enquanto hoje temos 48,5.
O envelhecimento demográfico, como resultado do aumento da
esperança média de vida dos portugueses e da
redução da taxa de fecundidade, a
imigração e o acentuar da
litoralização da nossa
população – abandono das
regiões interiores do País e a
concentração da população
nas faixas litorais e em particular nas duas grandes áreas
metropolitanas de Lisboa e Porto – constituem os grandes
desafios demográficos que a sociedade portuguesa hoje
enfrenta.
3.3. Problemas ambientais
3.3.1. Também na
área do ambiente, a vertente estruturante da
política dos governos do PS e do PSD consiste na cedência
dos bens públicos, neste caso dos bens ambientais,
às grandes empresas privadas.
A política ambiental dos governos de direita em Portugal tem
conduzido à progressiva sujeição da
Natureza ao capital. Incapaz de uma visão global, a direita
concebe a Natureza como um agregado de coisas separadas (utilidades) e
não como um sistema global e funcional em
evolução. Assim, concretizando a
exploração capitalista do trabalho e o uso
capitalista das condições naturais e sociais os
governos de direita têm conduzido à
destruição acelerada da Natureza em Portugal. Sob
a capa hipócrita do «desenvolvimento
sustentável» a direita tem vindo a corromper as
bases ecológicas da existência humana. Os governos
de direita, enquanto comités de negócios do
capital, são facilitadores da
apropriação capitalista do património
natural e social e da conversão destas
condições em meios de
exploração dos trabalhadores.
3.3.2. A política de ordenamento
do território seguida pelos sucessivos
governos tem como principal consequência reservar amplas
áreas do território nacional para os projectos
injustificadamente lucrativos dos grandes grupos económicos
e para a utilização privada.
Um dos exemplos mais gritantes desta política é a
legislação que enquadra a
atribuição de estatuto de Projecto de Interesse
Nacional (PIN). Claramente orientados para facilitar a
especulação urbanística e a
construção de empreendimentos de luxo em locais
anteriormente não edificáveis, a maioria dos
quais localizados em áreas protegidas, Reserva
Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional ou
em Rede Natura 2000. A manutenção de um regime de
restrições associado à Rede Natura
2000 e à sua delimitação, fortemente
penalizador das populações e desadequado
à realidade do território, é assim
excepcionado no interesse do grande capital, reservando-lhe amplas
áreas do território nacional. Como subproduto
dramático apresenta a impossibilidade de, em grandes
espaços do território, permitir um planeamento
adequado e contribuir para dispersão das áreas
construídas, com as nefastas consequências
económicas e ambientais associadas.
3.3.3. A subserviência ao
capital no que toca às políticas
da água expressa-se claramente na Lei-quadro
da Água e na Lei da Titularidade dos Recursos
Hídricos e legislação subsequente,
votada favoravelmente por CDS-PP, PSD e PS. Essas leis instituem as
bases para grandes senhorios privados de acesso e
comercialização de toda a água,
infra-estruturas e terrenos associados – barragens, portos,
margens, ilhas e praias. Instituem regras de mercado orientadas para a
rentabilização comercial e especulativa de um dos
bens mais essenciais à vida e ao desenvolvimento
económico.
3.3.4. As
políticas de eliminação de
resíduos são dominadas pelo
objectivo de criação de negócios e de
protecção de clientelas, patentes na
privatização progressiva dos sistemas de
resíduos em geral e nas opções de
tratamento dos resíduos perigosos em particular, como
é o caso das co-incinerações impostas
pelo PS antes de efectuados os estudos que a justificam.
Ao invés da redução das
emissões de gases de estufa, Portugal tem vindo a
aumentá-las, ultrapassando já os limites
acordados. Simultaneamente, o governo ofereceu às grandes
indústrias créditos de emissão
transaccionáveis, e projecta a
aquisição de novos créditos
através do orçamento público.
3.3.5. As orientações
políticas dominantes na área da
conservação da natureza
– acentuadas com o actual governo, designadamente quanto
à inoperacionalização do Instituto de
Conservação da Natureza (ICN) –
têm contribuído para uma profunda
degradação dos espaços naturais de
protecção especial, para a expansão de
urbanizações ditas
«turísticas», para a
diminuição da biodiversidade, para o aumento
comprovado do número das espécies
ameaçadas de extinção e para a
degradação dos habitats naturais.
A política de conversão dos ecossistemas para uso
intensivo, subsidiada tendo em vista a
maximização do lucro privado a curto prazo,
tem-se traduzido na progressiva erosão dos solos.
No que respeita às águas interiores, o uso
indiscriminado de fertilizantes e pesticidas tem criado problemas
graves de poluição.
A construção de barragens mal localizadas tem
vindo a alterar o transporte de sedimentos com impactos negativos na
biodiversidade e na perda de paisagem. A não
planificação dos sistemas de
irrigação e a sua ineficiência e geram
riscos acrescidos de salinização dos solos e
contaminação de aquíferos
subterrâneos.
Nos últimos anos, observam-se
alterações significativas nos ecossistemas
portugueses, como sejam o aumento da floresta de monocultura (pinheiro
e eucalipto) e o abandono agrícola com o aumento de
áreas de mato e de áreas urbanizadas. A
redução do coberto de
vegetação nativa, particularmente no Norte de
Portugal, afecta a biodiversidade, como o testemunha a
redução da floresta de carvalhos (menos de 4% da
área florestal) mais resistente aos incêndios.
3.3.6. A qualidade ambiental do País
tem vindo a regredir face à política de
desresponsabilização do Estado, de abandono e de
privatização, num processo em que é
sempre a classe dominante que tem retirado frutos da
delapidação da natureza, onerando cada vez mais
as populações, quer pela via do passivo ambiental
crescente, quer pela via do esforço financeiro que, cada vez
mais, se lhes exige, sob a capa de «custos
ambientais».
Os resultados da política de direita, que o actual governo
PS prossegue, traduzem-se na crescente vulnerabilidade do
País, assolado por cheias, secas, incêndios e
degradação dos recursos naturais.
4. Os principais sectores
sociais
4.1. A
educação e o ensino
4.1.1. São
condições fundamentais para o desenvolvimento
económico e social do País, e particularmente
para a melhoria do nível de vida dos trabalhadores, a
elevação do nível médio de
escolaridade dos portugueses, a formação de
quadros médios e superiores em maior número e com
melhor qualificação, como factores de
superação de atrasos e debilidades da estrutura
produtiva e da vivência cultural.
A aposta dos sucessivos governos num modelo de
desenvolvimento assente no baixo nível de escolaridade e de
qualificação e nos baixos
salários teve como principais consequências que
cerca de 71% da população empregada disponham do
ensino básico ou menos e que apenas 9,9% da
população portuguesa tenham escolaridade de
nível superior. Igualmente significativo é o
facto de os novos patrões, surgidos na década de
90 em Portugal, terem, em média, apenas 7,7 anos de
escolaridade.
Comparativamente à média da UE a 25, a
fracção da população
portuguesa com o ensino secundário completo é 2,6
vezes inferior, enquanto a taxa de retenção e
abandono precoce nos Ensinos Básico e Secundário
era de 46% em 2004, a maior de toda a UE. São estas e
não outras, as principais causas do atraso estrutural do
País.
O agravamento dos custos para as famílias com o ensino com o
argumento que o retorno desse investimento é dirigido ao
aluno e não ao País, tem como objectivo elitizar
o acesso a níveis superiores de
formação e favorecer a
privatização do ensino. Esta tese e a
prática de baixos salários incentivam o abandono
precoce da escola e os baixos níveis de escolaridade e de
qualificação. Ao contrário, as
conclusões de estudos realizados na própria
óptica capitalista, indicam que uma economia é
tanto mais competitiva e produtiva quanto mais elevados forem os
níveis de escolaridade, de
qualificação e dos salários dos
trabalhadores.
Sucessivos estudos evidenciam o papel do ensino e também da
formação profissional na produtividade e no
rendimento de cada trabalhador.
O «Inquérito aos Orçamentos Familiares
2000» realizado pelo INE revelou uma
correlação positiva entre o «grau de
instrução do representante do agregado
familiar» e «receitas médias
líquidas anuais» do agregado familiar.
De acordo com o INE, em 2006, o salário médio
mensal de um trabalhador com o ensino básico era apenas de
565 euros, com o ensino secundário e
pós-secundário 758 euros, e com o ensino superior
de 1355 euros.
Os truques estatísticos e os programas de
formação que apenas visam passar diplomas sem uma
real aquisição de conhecimentos e melhoria de
qualificação dos portugueses, são uma
cortina que oculta os problemas estruturais da
educação em Portugal e não contribuem
para a recuperação dos atrasos que temos nesta
área.
4.1.2. A escola pública
é uma conquista civilizacional que representa um grau de
compromisso social pela formação, sendo o esteio
fundamental da educação e ensino no
País. Num ataque deliberado e cirúrgico ao
princípio da escola pública, os
últimos anos mantiveram na continuidade da
política de direita como linhas condutoras a crescente
desresponsabilização do Estado, o financiamento
público das instituições de ensino
privado e a subalternização de
critérios pedagógicos em prol de preceitos
economicistas e elitistas.
Sendo que o prolongamento da crise que se tem vivido nesta
área se deve em grande medida à reforma educativa
da responsabilidade do governo PSD/Cavaco Silva e às
políticas prosseguidas e aprofundadas pelos governos de
António Guterres e de Durão Barroso, que culminou
no actual governo PS/Sócrates, a
situação hoje é caracterizada pela
maior ofensiva no Portugal de Abril contra a escola pública
e os direitos de professores, estudantes e trabalhadores não
docentes.
4.1.3. No espaço
comunitário europeu a aprovação da
Estratégia de Lisboa, cujo objectivo central afirma ser a
transformação da economia europeia na mais
competitiva do mundo, estimulou processos de
destruição das funções
sociais do Estado, transitando-as para a esfera das
relações económicas. A
consequência imediata destes processos significa, no campo da
educação, organizar todo o espaço
social da aprendizagem e formação do
indivíduo às necessidades específicas
do desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo.
O argumento de que o Estado não tem recursos
inesgotáveis e que o resultado da
relação custo/eficiência é
muito limitado tem justificado a apropriação
deste serviço público por parte do privado.
Esta é uma realidade indissociável das
políticas neoliberais que pretendem a
desresponsabilização do Estado pela garantia de
direitos fundamentais e universais e que se traduzem na crescente
mercantilização da
educação. Utilizando o financiamento do Estado e
os fundos públicos, o capital tem progressivamente alargado
a sua presença no sector do ensino. Desde 96/97, enquanto o
ensino público registou uma variação
negativa de 15,4% o privado viu o seu peso crescer em 4,2%.
Na sequência da implementação do
processo de Bolonha, o ensino superior, que já vinha
degradando significativamente os seus níveis de
exigência e qualidade, deixa de seguir padrões de
serviço público nacional e adopta
padrões de bem comercial sujeito às regras do
mercado único.
É neste contexto que o processo de
integração do nosso sistema de ensino superior no
processo de Bolonha, e a recente imposição por
parte do governo e do Grupo Parlamentar do PS de um novo Regime
Jurídico das Instituições de Ensino
Superior, e do quadro legal da sua avaliação e
acreditação devem ser encarados,
também como uma machadada em trinta anos de autonomia
universitária, sendo este o mais significativo ataque
à gestão democrática e ao governo
autónomo das universidades.
Os recentes acordos sobre a divisão internacional do
trabalho identificam claramente o interesse do capitalismo, em limitar
a formação da força de trabalho
criando espaços económicos periféricos
onde predomina o baixo valor acrescentado. É este o
objectivo que leva a União Europeia a facilitar a
aplicação das normas liberais no
domínio da educação, permitindo aos
vários governos a opção de transformar
os seus sistemas de ensino em sistemas estratificados com uma base
desqualificada, frequentada pela maioria e um pequeno grupo escolas
frequentadas pela elite económica e social, e de
diminuírem o investimento na área da
investigação, inovação e
modernização tecnológicas.
4.1.4. O desinvestimento
público na educação é
acompanhado pelo aumento dos apoios às
instituições de ensino privado e pelo peso
crescente dos custos com a educação suportado
pelas famílias.
Entre 2005 e 2007, de acordo com os relatórios dos
Orçamentos do Estado, as despesas com a
educação, incluindo todas as despesas com a
educação e ensino superior, em percentagem das
despesas totais do Estado passou de 17,5 % em 2004 para 15,7% em 2007
enquanto, em contrapartida, tem crescido o financiamento de entidades
privadas de ensino por parte do Estado à medida que vai
crescendo o número de estabelecimentos de ensino privado e o
número de alunos nele matriculados.
Uma das principais causas das elevadas taxas de abandono e do insucesso
escolares reside no baixo rendimento das famílias, agravado
com o aumento acelerado dos custos com a educação
(um acréscimo de 38% nos últimos 5 anos).
4.2. A
saúde
4.2.1. A criação de
um serviço público de saúde em
Portugal, resultado da iniciativa revolucionária do povo e
de muitos profissionais de saúde no contexto da
Revolução de Abril, teve
consagração constitucional com a
designação de Serviço
Nacional de Saúde (SNS), instrumento para a
concretização da responsabilidade
prioritária do Estado em garantir o direito à
saúde a todos os portugueses em
condições de igualdade.
Apesar de todas as dificuldades e obstáculos, o SNS obteve
resultados muito significativos e contribuiu para os importantes ganhos
em saúde registados em Portugal, o que o coloca no
12.º lugar a nível mundial segundo a
última avaliação feita pela
Organização Mundial de Saúde.
4.2.2. A ofensiva contra o SNS
intensificou-se com o actual governo, tem como objectivos impedir a
articulação e exploração
integral das potencialidades do SNS, parasitando-o e utilizando-o como
instrumento da transferência de recursos públicos
para a acumulação privada. Não
será estranho que o mercado global da saúde em
Portugal seja já superior a 14 mil milhões de
euros, quase 10% do PIB.
As políticas de redução e
desresponsabilização do Estado, assente na
lógica do «Estado mínimo» e
na adopção do princípio do
utilizador-pagador, servem sobretudo o objectivo de garantir a
progressiva separação dos papéis de
financiador, regulador e prestador, assumindo o Estado os dois
primeiros e delegando a prestação noutras
entidades, não publicas, mediante mecanismos de
contratualização ou pela via da
privatização de serviços.
4.2.3. A visão economicista da
saúde tem consequências bem visíveis: encerramento
de serviços (SAP; CATUS, SADU,
extensões de Centros de Saúde,
urgências hospitalares e maternidades) concretizado sob a
capa de «reestruturação de
serviços»; maiores dificuldades no acesso aos
cuidados de saúde; mais de 700 mil portugueses continuam sem
médico de família e cerca de 220 mil esperam uma
cirurgia; progressiva degradação da qualidade dos
serviços prestados; mais precariedade no emprego para os
profissionais da saúde; aumento dos custos para os utentes.
Os portugueses são confrontados com o crescimento
exponencial dos custos privados em saúde (mais de 15% entre
2001 e 2005). Em resultado do elevado preço dos
medicamentos, da introdução das taxas
«moderadoras» e do agravamento do seu custo,
bastante acima da inflação e o facto de
recorrerem cada vez mais a serviços privados. A
decisão recente de aplicar as taxas moderadoras a todos os
serviços, incluindo internamentos e cirurgias,
levará a um novo agravamento dos custos para os portugueses.
Limitações que põem em causa o direito
constitucional do acesso aos cuidados de saúde.
4.2.4. Portugal é um dos
países da OCDE onde a comparticipação
do Estado na despesa por habitante é mais baixa
(a contribuição de cada português no
total das despesas com a saúde é de cerca de
30%).
Em 2005, segundo dados da OCDE, Portugal ocupava em termos de despesa
com a saúde o 23.º lugar entre 30
países, com uma despesa «per capita» de
2033 dólares PPC, menos de metade da Noruega ou da
Suiça e muito afastado da Grécia com 2.981
dólares.
Portugal foi um dos países onde a despesa com a
saúde aumentou menos por habitante mas onde os ganhos em
saúde foram maiores: entre 1970 e 2005 a mortalidade
infantil diminui em Portugal 52 pontos, na Dinamarca 9,8 e nos Estados
Unidos 13,2 pontos; a esperança de vida à
nascença aumentou em Portugal 10,7 anos, na Dinamarca 4,6
anos e nos Estados Unidos 8,1 anos.
4.2.5. O governo procura justificar o
aumento da despesa no sector com os custos com a
evolução tecnológica, com o
envelhecimento da população e com a despesa em
recursos humanos.
As verdadeiras razões para o crescimento da
despesa em Portugal encontram-se no facto de cerca de 26 % do total da
despesa do SNS ser feita com medicamentos (a maior taxa
no quadro da UE a 15) no facto de o SNS estar sujeito a um
subfinanciamento crónico (cerca de 10% relativamente
às necessidades), o que constitui factor de instabilidade e
gerador de acumulação cíclica de
dívidas que agravam o desempenho e os resultados obtidos na
prestação de cuidados de saúde.
Entre 2003 e 2005 as despesas com pessoal aumentaram 10,8%, mas as
despesas com «subcontratos» com privados cresceram
21,3%. Só nos «Meios Complementares de
Diagnóstico e Terapêutica», o valor da
despesa subcontratada foi de 680,6 milhões de euros, mais
14,1% do que em 2003.
No caso do medicamento – cujo mercado global em Portugal
atinge cerca de 4 mil milhões de euros, dos quais 3 mil 200
milhões no ambulatório – a
política de transferência de custos para os
utentes faz com que estes paguem mais de 46% do total da despesa com
medicamentos em Portugal.
A liberalização da venda dos medicamentos
não sujeitos a receita médica teve como
consequência o aumento dos preços. Dois anos
depois da entrada em vigor da medida, estes medicamentos sofreram um
aumento médio de 3,5%.
A introdução dos medicamentos
genéricos, desde sempre defendida pelo PCP, tem visto o seu
impacto reduzido pela cedência a pressões
ilegítimas de interesses instalados da indústria
e pela opção estratégica de
transferência de custos para os utentes.
4.2.6. No quadro do agravamento do
conflito público-privado no SNS vão emergindo no «mercado
da saúde» cinco grandes grupos privados
que têm consolidado as suas posições,
não apenas com uma aposta significativa nos cuidados
hospitalares e de ambulatório, mas também pelo
facto de o governo estar a recuar relativamente à
construção de unidades públicas de
saúde e estar a encerrar serviços que, em muitos
casos são substituídos de imediato pela
iniciativa privada.
José de Mello Saúde, Grupo Português de
Saúde, Espírito Santo Saúde, Hospitais
Privados de Portugal e CESPU – Serviços de
Saúde, têm em curso grandes investimentos na
área da saúde, cuja rentabilidade depende do
principal cliente que é o Estado. Segundo dados da
Associação Portuguesa de
Hospitalização Privada (APHP), cerca de 10% das
camas do sector hospitalar e 50% dos cuidados ambulatórios
do mercado estão nas mãos de privados,
números que irão crescer com as Parcerias
Público Privadas e com um significativo crescimento do
investimento directo em hospitais e clínicas. Estes cinco
grupos têm hoje uma facturação global
bem superior a 500 milhões de euros, valor que
crescerá muito rapidamente tendo em conta que apenas dois
destes grupos – Mello e BES – esperam facturar mais
de 800 milhões de euros já em 2010.
4.3. A Segurança
Social
4.3.1. A
implementação do Sistema
Público de Segurança Social
é uma conquista recente, indissociável da
Revolução de Abril e das suas profundas
transformações económicas e sociais,
que permitiu romper com a situação herdada do
fascismo, responsável pela insuficiente cobertura de riscos
sociais, pelo baixo valor das prestações sociais
e pela exclusão no acesso da maioria da
população a qualquer direito de
protecção social.
O aumento significativo dos valores das
prestações da previdência social, a
criação de novas prestações
cobrindo novos riscos sociais, as iniciativas de apoio à
família, a criação de creches e
infantários e de lares para os idosos tiveram um papel
decisivo na promoção de novos e importantes
direitos de protecção social aos trabalhadores e
camadas mais desfavorecidas. Tais medidas inseriram-se no
desenvolvimento de um novo modelo de segurança social, cuja
natureza e finalidades deveriam concorrer para uma mais justa
repartição do rendimento nacional e melhoria das
condições de vida da
população.
Consagrado na Constituição da
República Portuguesa, o Sistema de Segurança
Social, assente no seu carácter público,
universal e solidário confere ao Estado a responsabilidade
na sua organização,
coordenação e financiamento, visando assegurar a
efectivação do direito de todos à
segurança social.
A natureza e objectivos deste modelo de segurança social
não está «ultrapassado», nem
em risco de colapso financeiro, como pretendem os que sempre exigiram a
transferência para o sector privado das componentes da
segurança social susceptíveis de ampliar os
lucros do capital financeiro (fundos de pensões, banca e
seguradoras) e a redução das responsabilidades do
grande patronato no financiamento do Sistema Público.
No plano financeiro, o Sistema Público tem registado saldos
positivos que atestam as suas capacidades: em 2004 de 276,6
milhões de euros; em 2005, 297,8 milhões de euros
e em 2006, de 715,8 milhões de euros, ou seja mais 140% do
que em 2005. A que se acrescenta o Fundo de
Estabilização Financeira da Segurança
Social, que é uma reserva para fazer face a qualquer
dificuldade financeira, que atingiu em 2006 cerca de 7 mil
milhões de euros.
No plano dos direitos, o Sistema Público de
Segurança confirma o seu papel insubstituível na
garantia de direitos consubstanciados no pagamento de importantes
prestações sociais aos trabalhadores (no
desemprego, doença, invalidez, viuvez,
maternidade-paternidade e de apoio à família);
aos reformados e pensionistas (reforma) e aos cidadãos em
situação de pobreza e exclusão social
(pensão social, rendimento de inserção
e Acção Social). A existência destes
direitos tem condicionado um mais vasto alastramento das desigualdades
sociais e da pobreza, mas reflectem a imposição
de um modelo de segurança social assente no baixo valor das
prestações sociais e na mais baixa despesa com
protecção social relativamente à
média dos países da União Europeia.
4.3.2. A evolução do
Sistema Público de Segurança Social, marcada pela
política de direita, tem vindo a cercear as
suas capacidades de consolidação financeira e o
seu papel enquanto instrumento ao serviço do
aprofundamento das modalidades de protecção
social e de coesão social, em resultado das
orientações macroeconómicas e da
sujeição ao pacto de estabilidade combinadas com
o subfinanciamento do sistema público.
O ataque continuado à sua natureza e
finalidades é responsável por
elevados custos sociais: degradação do valor das
diversas prestações sociais e
alterações nos critérios de
atribuição visando reduzir o universo de
beneficiários; transferência da gestão
pública da rede de equipamentos sociais e da
Acção Social para o sector privado e
instituições de solidariedade social (mantendo-se
uma forte dependência de financiamentos públicos);
forte pendor assistencialista das respostas às
situações de pobreza e de exclusão
social com destruição dos meios e mecanismos
públicos de apoio à
inserção social.
Acrescem os elevados custos económicos para a
segurança social pública, isto é para
os trabalhadores e para o País, que resultam: da continuada
perda de vultuosas receitas devidas ao Sistema, pelo avolumar da
dívida e evasão à segurança
social (cujo valor em 2005 se situava nos 3.400 milhões de
euros); da subdeclaração de salários
(que representou uma perda de cerca de 2 mil milhões de
euros no ano de 2005); da dívida do Estado, pela
utilização indevida de verbas do regime dos
trabalhadores para financiar as componentes não
contributivas (cerca de 7.300 milhões de euros em 1996); a
crescente dependência de serviços prestados por
empresas privadas, que deveriam ser efectuados no interior do Sistema
Público.
Neste processo destacam-se ainda os crescentes benefícios
dados ao grande capital em matéria de segurança
social, de que são exemplo as
retenções indevidas de
contribuições por parte das entidades patronais,
as falências fraudulentas, os salários em atraso,
a imposição das pré-reformas aos
trabalhadores e as isenções
injustificáveis no pagamento da taxa social
única.
A estes problemas, que têm um iniludível custo
económico e social, somam-se os que resultam da
imposição de um modelo económico e
social assente na fragilização do aparelho
produtivo e na crescente financeirização da
economia, em elevadas taxas de desemprego, em baixos
salários e nas discriminações
salariais e na generalização da precariedade
laboral.
Em 2006, cerca de 83% dos reformados viviam com menos de um
salário mínimo nacional por mês; 42%
viviam com pensões inferiores a 300 euros (ou seja, 1
milhão e 100 mil reformados); o valor da pensão
média das mulheres era 59,8% inferior à dos
homens. E, no entanto, entre 1975 e 2004, a riqueza criada por
trabalhador cresceu 41 vezes (o PIB por trabalhador subiu de 640 euros
para 26 300 euros), não obstante neste período
ter baixado 2,3 vezes o número de activos por pensionistas.
Esta ofensiva à natureza e finalidades do Sistema
Público foi sempre acompanhada pela forte pressão
do poder político, exercida pelo grande capital, no sentido
de uma profunda alteração das bases do sistema de
segurança social.
4.3.3. A ofensiva para impor um modelo neoliberal na
segurança social, que conhece, com o actual
governo PS, o mais grave desenvolvimento, dá continuidade a
uma prolongada acção com vista à
subversão da natureza política do Sistema e do
seu carácter universal e solidário.
Em 1987 o então primeiro-ministro Cavaco Silva viu rejeitado
o seu projecto de subversão do Sistema Público
emanado de Abril, para dar corpo a um projecto de
privatização da segurança social de
acordo com as orientações do Banco Mundial. Em
2002 o governo do PSD/CDS-PP altera as bases do sistema de
segurança social dando os primeiros passos no processo de
alteração do enquadramento jurídico da
segurança social visando a redução do
papel do Sistema Público, a
privatização das pensões (sistema
complementar) e da Acção Social e a
universalidade dos direitos.
Retomando as «velhas» campanhas alarmistas sobre a
evolução futura da situação
financeira da segurança social, este governo
impõe um vasto conjunto de medidas que desfere um duro golpe
ao direito à reforma dos trabalhadores da
administração pública e do sector
privado; que perpetua as baixas pensões e reformas pagas
pelo Sistema público; que reduz o alcance social de
importantes prestações sociais, de que
são exemplo o subsídio de desemprego, o abono de
família, a pensão de sobrevivência, a
licença de 150 dias de maternidade e paternidade.
O governo do PS «dispensa» o papel do Sistema
Público de Segurança Social num quadro em que se
agudiza a chocante desigualdade na distribuição
da riqueza nacional em detrimento dos que vivem do seu
salário ou da sua pensão: em que 10% dos mais
ricos da população recebem mais rendimento do que
50% da população; em que a parte da riqueza
produzida que reverte para os trabalhadores, sob a forma de
remuneração, continua a ser muito baixa.
Estabelece como prioridade das políticas públicas
a redução do valor das reformas a partir de 2008,
por via da introdução do factor de
sustentabilidade. Em franco desenvolvimento estão um
conjunto de alterações aos critérios
de atribuição de diversas
prestações sociais (subsídio de
desemprego, abono de família, pensão de
sobrevivência) e igualmente a criação
do sistema complementar público de contas individuais ao
serviço da dinamização dos fundos
privados de pensões e à custa dos direitos dos
trabalhadores e dos seus direitos. São dados passos
decisivos com vista à privatização da
Acção Social transferindo esta responsabilidade
para o sector privado e instituições de
solidariedade social mas mantendo a dependência dos dinheiros
públicos.
Fazendo uso de posturas alarmistas sobre o futuro da
Segurança Social, enfatizando os problemas
demográficos (aumento de esperança de vida e
quebras de fecundidade), o actual governo transforma o sistema
público num sistema residual e com pendor caritativo,
desvaloriza as causas da deterioração da
situação financeira da segurança
social e rejeita a adopção de
políticas alternativas que na segurança social
retomem a consolidação da natureza
pública, universal e solidária do Sistema
Público. Assumindo maior ambição na
concretização das políticas
serviço do grande capital, o PS/Sócrates assume a
responsabilidade pela imposição de um modelo
económico e social assente nas
orientações neoliberais e que na
segurança social que, a não ser interrompido,
hipoteca os direitos de segurança social para as actuais e
futuras gerações de trabalhadores, aprofundando
as injustiças e desigualdades sociais.
4.4. A cultura
No plano da cultura, entendida no amplo sentido que integra a
cultura científica, tecnológica,
artística e filosófica, a
educação, o ensino e a
comunicação social, a
evolução da situação
nacional é de significativo atraso, de desinvestimento e de
crise das instituições, de
elitização, de
privatização, de crescente
subalternização e
secundarização no plano internacional.
Não há indicador, seja no plano da
formação, seja nos planos da
criação e do desenvolvimento artístico
e científico em que o nosso País não
apareça na cauda da tabela, não apenas dos
países desenvolvidos, mas também abaixo de alguns
países ditos de desenvolvimento médio.
Existe um longo antecedente histórico para a
situação de atraso em que o nosso País
se encontra. Mas não podem ser rasurados deste antecedente
os anos em que as políticas de direita no plano
governamental têm persistentemente agido em duas
direcções complementares: na
desresponsabilização, nomeadamente pela
ausência de investimento e dotação
orçamental significativos para as áreas da
cultura artística e científica, e no
prosseguimento de novas linhas de elitização do
acesso à criação e à
fruição cultural, certamente diferentes das
políticas anti-culturais e obscurantistas do fascismo, mas
igualmente com um profundo cunho antidemocrático.
É certo que o impulso de Abril permitiu concretizar
significativas alterações que devem ser
justamente valorizadas, com grande relevo para o papel assumido pelo
poder local nas áreas da cultura artística, e
também para a intervenção, iniciativa
e realização dos próprios criadores,
investigadores e cientistas, para o aumento do seu número e
para os seus elevados níveis de
qualificação. Foram criados novos e importantes
equipamentos. Enraizaram-se localmente valiosas iniciativas e
dinâmicas, embora crescentemente dificultadas, precarizadas
ou inviabilizadas, ou entregues à pressão
mercantilizadora que a política de direita promove e
aplaude.
A situação no plano da cultura é,
assim, profundamente contraditória: existindo
condições e recursos para um efectivo
crescimento, democratização e desenvolvimento, as
políticas governamentais seguidas promovem retrocesso,
elitização, e uma profunda crise.
Não são apenas os recursos materiais e humanos
existentes permitem uma outra política, é o
interesse nacional que a exige. Uma política que projecte e
invista neste imenso potencial, que compreenda o valor emancipador da
cultura e do conhecimento, que assuma a cultura como um dos principais
factores de afirmação independente e de
desenvolvimento nacional.
5. O trabalho e
os trabalhadores
5.1. O emprego
e os salários
5.1.1. As transformações
políticas, económicas e sociais decorrentes do 25
de Abril convergiram para uma valorização do
trabalho na sociedade portuguesa. Foram consagrados a
liberdade sindical e direitos básicos dos trabalhadores e
das suas organizações; regulada a
contratação colectiva; melhoradas as
condições de vida e de trabalho; criado um
sistema de protecção social, numa perspectiva
universalista e solidária.
No domínio mais específico do mercado de
trabalho, são de realçar seis aspectos
fundamentais: uma redistribuição de rendimentos
profunda a favor do trabalho, com destaque para a
criação do salário mínimo
nacional; a consagração na
Constituição do direito ao trabalho; a
regulação do mercado de trabalho por via da
legislação de trabalho, com destaque para a
proibição dos despedimentos sem justa causa, e da
contratação colectiva; uma política de
educação que se traduziu na
elevação do nível de
habilitações da população;
o aumento da participação das mulheres no
emprego; e o apoio aos desempregados, através da
segurança social.
5.1.2. A luta de massas e a
organização da classe e dos trabalhadores
têm sido factores decisivos para manter importantes
conquistas alcançadas. Apesar disso, significativos
retrocessos sociais acompanharam políticas de direita:
a precarização das relações
de trabalho; debilitamento da regulação
contratual; secundarização no discurso
político do objectivo do pleno emprego; elevado grau de
inefectividade das normas; inserção
desfavorável dos jovens no emprego;
discriminação das mulheres trabalhadoras;
enfraquecimento da legislação da
protecção do emprego.
Hoje, a precariedade e as economias paralela e clandestina abrangem um
elevado número de trabalhadores. O trabalho sem direitos
tornou-se uma realidade estrutural na sociedade portuguesa. A
precariedade laboral (assalariados sem contratos permanentes de
trabalho) abrange um em cada cinco trabalhadores, tendo passado de
11,6% em 1985 para 19,5% em 2005, bem acima da média da
União Europeia (14,5% em 2005).
O emprego precário, a economia clandestina e o falso
trabalho independente representam as principais formas de
desregulamentação do trabalho no nosso
País. O emprego precário tem uma escassa
relação com a natureza temporária,
ocasional ou transitória dos empregos. Em boa parte dos
casos, correspondem antes a actividades de carácter
permanente. Acresce que estes empregos mantêm há
vários anos uma percentagem próxima dos 20% e que
se verifica uma baixa taxa de frequência de
transformação em contratos permanentes (da ordem
dos 10% ao ano). Estes diversos aspectos evidenciam a natureza
estrutural dos contratos não permanentes. Ocorrem em todos
os sectores, mas incide mais nos serviços e nalgumas
actividades específicas (como os centros de chamadas). As
principais vítimas são os trabalhadores pouco
qualificados (mais sujeitos ao despedimento, ao desemprego de longa
duração e uma maior rotação
entre empregos), e os jovens (que têm, simultaneamente, taxas
de desemprego mais elevadas e maior precariedade).
5.1.3. O emprego tornou-se mais vulnerável e
inseguro em resultado da interacção de factores
económicos: opção
liberalizante das políticas económicas e
consequente debilitamento do tecido produtivo; sucessivos choques
externos – aprofundamento da integração
europeia, alargamento da UE, fim do Acordo Multifibras,
globalização económica, choques
petrolíferos; estratégias de gestão
orientadas para a competitividade baseada nos preços;
estrutura empresarial com maior peso das micro, pequenas e
médias empresas; baixo crescimento e divergência
com a média comunitária na presente
década.
O impacto dos choques externos sobre o emprego foi muito profundo. As
empresas recorreram a reestruturações em larga
escala, no que foram apoiadas por fundos comunitários,
incluindo os que respeitaram à
formação profissional. Mas tais
reestruturações não conduziram, em
regra, ao reforço das actividades produtivas. As empresas
procuraram antes comprimir os quadros de pessoal, reduzir o
núcleo de emprego permanente e recorrer o máximo
possível à subcontratação
no quadro de estratégias de curto prazo que se revelaram
desastrosas. Elevados apoios à
formação profissional foram
desperdiçados, ou tiveram um escasso impacto no
reforço da qualificação. As empresas
deram prioridade a saída dos trabalhadores mais velhos, mas
muitas vezes na casa dos 50 anos, com consequências no
desperdício de qualificações,
através de diversos esquemas de reformas antecipadas com
elevados custos para a segurança social.
As deslocalizações, que começam a
aumentar na presente década, representam sobretudo o
debilitamento do tecido produtivo e evidenciam o facto de o
País não ter tido uma estratégia de
desenvolvimento. Evidenciam também o facto de, no actual
quadro do capitalismo, ser ilusório pensar que se
reforça a competitividade por via da
manutenção de baixos salários. Os
baixos salários, não impedem, afinal, as
deslocalizações.
A destruição de empregos não se
exprime apenas no desemprego e no seu núcleo mais gravoso
que é o desemprego de longa duração.
Exprime-se também na inserção cada vez
mais tardia dos jovens no mercado de trabalho; nas reformas
antecipadas; na precariedade de emprego; nas economias paralela e
clandestina (ainda que estas sejas também determinadas por
outros factores); nos trabalhos de mera sobrevivência, no
falso trabalho independente e em novos surtos emigratórios.
A crise de emprego é pois bem mais profunda da que se infere
das estatísticas de desemprego.
5.1.4. A evolução dos
salários teve entre os principais
determinantes as transformações ocorridas com a
Revolução de Abril, as políticas
económicas e a luta dos trabalhadores. Com o 25 de Abril
foram melhorados os salários, criado o salário
mínimo nacional (segundo cálculos
então efectuados, foram abrangidos cerca de metade dos
trabalhadores e teve uma expressão ainda mais elevada no que
se refere às mulheres trabalhadoras – 78%) e
melhoradas e ampliadas as prestações da
segurança social. A repartição do
rendimento entre capital e trabalho alterou-se profundamente a favor
dos trabalhadores. A contratação colectiva,
fixando não só os salários mas as
condições de trabalho em geral, desenvolveu-se
numa perspectiva sectorial e vertical, abrangendo na
convenção todos ou a grande maioria dos
trabalhadores.
Este quadro modificou-se profundamente ao longo do tempo não
só pelas mudanças políticas mas
também pela persistência de uma
especialização produtiva baseada em
produções de baixo valor acrescentado e pela
natureza das políticas económicas. A parte dos
salários no rendimento nacional que atingiu 59% em 1975, era
de 40% em 2004. A determinação dos
salários pela contratação colectiva
foi enfraquecida ao longo do tempo devido a
posições de boicote de uma parte importante do
patronato, ancorada na CIP, e por restrições ao
direito de contratação colectiva, que vieram a
culminar no actual Código de Trabalho, o qual
prevê um processo de caducidade das
convenções colectivas.
As desigualdades salariais são muito elevadas. Portugal, com
um factor 8,2 (2005), tem o maior leque salarial da UE a 25. Em 2004
12,2% dos assalariados trabalhando a tempo completo recebia menos de
2/3 do ganho mediano, segundo estatísticas oficiais (Quadros
de Pessoal), o que constitui uma indicação da
incidência da pobreza laboral. Segundo o recente estudo sobre
a «Pobreza em Portugal», 40% dos pobres
são trabalhadores por conta própria ou por conta
de outrém. Um em cada quatro assalariados a tempo inteiro
vive com um salário de base próximo do
salário mínimo nacional (até 15% acima
deste salário). São mais atingidos alguns
sectores de serviços (como os serviços sociais),
o alojamento e restauração e algumas actividades
industriais (como as indústrias têxteis, de
vestuário e de calçado, por exemplo). O
salário mínimo afastou-se progressivamente do
salário médio (de 68% em 1981 para menos de 50%
em 2004). No outro extremo da escala, uma minoria de quadros superiores
ligados ao grande capital aufere ganhos, regalias e pagamentos em
espécie, extremamente elevados, por vezes superiores ou
correspondentes aos da UE, parte dos quais não
são declarados.
A evolução do poder de compra dos
salários mostra uma situação de quase
estagnação desde 2000. Nalguns sectores, houve
mesmo diminuição, sendo de destacar a
Administração Pública onde se
verificou, em todos estes anos, quebras na
variação real dos salários, sobretudo
em 2003 e em 2006. O governo do PS seguiu a política de
moderação salarial dos anteriores governos no
sector privado ao mesmo tempo que reduzia os salários reais
na Administração Pública. Apesar
disso, mantém-se uma campanha contra os salários
e a sua suposta rigidez em que são de destacar o Banco de
Portugal, influentes órgãos de
comunicação social e o patronato em
conivência com o governo. O acordo de
concertação social de 2006 com vista a valorizar
o salário mínimo, fixando o seu valor em 500
euros em 2011, constitui um passo positivo, o qual resulta da
intervenção e da capacidade reivindicativa da
CGTP-IN, alicerçada em grandes acções
de massas, ainda que, por si só, não seja
suficiente face ao actual panorama da fixação e
evolução salarial.
5.2. Os direitos dos
trabalhadores
5.2.1. A
Constituição e a legislação
de trabalho contêm um importante conjunto de
direitos dos trabalhadores, ainda que estes, sobretudo
os colectivos, tenham sido enfraquecidos pelo Código de
Trabalho. Estes direitos foram, de um modo geral, completados e
melhorados pelas convenções colectivas de
trabalho a nível de sector e de empresa, as quais cobrem,
directa ou indirectamente, a larga maioria dos trabalhadores.
Apesar deste carácter diferenciado, e dos recuos existentes,
determinados pela ofensiva da flexibilização e
precarização do emprego e da
relação laboral, é de valorizar o
muito que foi alcançado, por via da
acção colectiva dos trabalhadores e dos povos na
luta pelo progresso social.
O 25 de Abril teve um papel fundamental no avanço dos
direitos dos trabalhadores, que foram consagrados na
Constituição de 1976. O forte desenvolvimento da
contratação colectiva neste período,
através de contratos colectivos de carácter
sectorial e vertical, completou e melhorou estes direitos. O sector
empresarial do Estado teve igualmente um papel relevante,
através de acordos de empresa. Em suma, foram consagradas
normas que são avançadas em termos de
comparação com outros países.
5.2.2. Os retrocessos nas
transformações sociais tiveram nos
direitos dos trabalhadores um alvo essencial, sobretudo ao
nível da sua efectivação. A
legislação de 1976 sobre os contratos a prazo
constituiu, pela mensagem implícita da
precarização da relação
laboral, o principal instrumento para contornar a
aplicação da legislação de
trabalho. Os direitos colectivos foram igualmente enfraquecidos. Em
1977, foi alterada a legislação sobre a
cobrança das quotizações sindicais,
tornando-a facultativa, com o confesso objectivo de debilitar
financeiramente a CGTP-IN. Atacou-se a
contratação colectiva pela
imposição de limites salariais; condicionando o
depósito das convenções; limitando o
conteúdo das convenções; publicando de
portarias de extensão ilegais, condenadas pela OIT;
restringindo a negociação nas empresas
públicas; bloqueando a revisão das
convenções.
A par da alteração da
correlação de forças entre o capital e
o trabalho, o não desenvolvimento económico num
quadro de intensificação da
concorrência, europeia e internacional, acentuou a
pressão para reduzir direitos ou para os não
efectivar. O patronato adoptou como reivindicação
essencial a liberalização da
legislação dos despedimentos (que originou a
greve geral de 1988) e a culpabilização da
legislação de trabalho pela falta de
competitividade da economia portuguesa. A flexibilidade do trabalho
passou a ser a palavra de ordem, com impactos nos vários
domínios da relação de trabalho:
diversificação das formas de
contratação; desregulação
dos horários de trabalho; flexibilidade funcional;
debilitamento da contratação colectiva; etc.
Diversa legislação, publicada na
década de 90, teve a flexibilidade como matriz orientadora,
deixando a protecção do trabalhador para plano
secundário.
A lógica de integração europeia, pelo
seu conteúdo de classe, estabelecendo como objectivo a
maximização dos lucros do grande capital
à custa do aumento da exploração dos
trabalhadores, reforçou este processo. A
adopção do euro teve
implicações sociais muito profundas. A
impossibilidade de recurso à
desvalorização da moeda, face a perdas de
competitividade, aumenta o risco de concorrência dos sistemas
sociais. Por outro lado, as exigências decorrentes do Pacto
de Estabilidade e de Crescimento vai acentuar a pressão para
a redução da despesa pública, com
consequências nos direitos sociais, e nos direitos dos
trabalhadores. Os direitos dos trabalhadores da
Administração Pública passaram a ser
vistos como simples privilégios,
situação que tem a expressão
máxima com o actual governo.
5.2.3. A campanha ideológica de
responsabilização da
legislação do trabalho pelos maus resultados da
economia portuguesa acentuou-se na presente década,
num contexto de subordinação do poder
político ao económico, de
intensificação da
globalização capitalista e do alargamento da UE.
Foi esta a linha orientadora da revisão da
legislação de trabalho. Ainda que a greve geral
de 2002 tenha limitado alguns dos seus aspectos negativos, o
Código de Trabalho teve como consequência
principal o enfraquecimento da contratação
colectiva, ao prever a caducidade das convenções
colectivas.
O patronato passou a dispor, como as associações
empresariais do grande capital há muito exigiam, da arma de
poder determinar a cessação de uma
convenção colectiva limitando-se simplesmente a
não acordar. O actual governo, que pela voz do Ministro do
Trabalho afirmou que o vazio contratual era inaceitável,
veio em 2006 a publicar uma revisão parcial do
Código de Trabalho em que manteve a possibilidade de
caducidade das convenções, desvirtuou o
princípio do tratamento mais favorável e limitou
os direitos dos trabalhadores em caso de caducidade da
convenção. E determinou já a
caducidade de convenções colectivas.
As dificuldades económicas servem de argumento para a tese
de que se devem reduzir os direitos dos trabalhadores para melhorar a
competitividade. Mas a realidade que nenhuma campanha esconde
é que a redução de direitos serve, em
primeiro lugar, o aumento da exploração dos
trabalhadores e o crescimento do lucro. É elevado o grau de
inefectividade dos direitos, sobretudo ligada ao peso da economia
clandestina, à elevada precariedade de emprego, à
enorme expressão de empresas de muito reduzida
dimensão e às debilidades do sistema de
fiscalização da aplicação
de normas de trabalho. É este o contexto de iniciativas em
curso, no plano comunitário e nacional, com
implicações directas no direito do trabalho, com
o Livro Verde da UE e a comunicação da
Comissão Europeia sobre a flexigurança; e a
revisão, anunciada para este ano, do Código de
Trabalho, expresso no relatório da Comissão do
«Livro Branco», versão portuguesa da
flexigurança.
5.3. A União
Europeia, o emprego e os direitos dos trabalhadores
A integração europeia está subordinada
aos interesses do grande capital europeu. As políticas ao
seu serviço foram orientadas a partir de meados da
década de 80 com o mercado interno e o lançamento
da União Económica e Monetária (UEM).
As críticas ao modo de integração
europeia que a lógica liberalizante gerou favoreceram a
adopção em 1989 da Carta dos Direitos Sociais
Fundamentais dos Trabalhadores, uma declaração
solene, que teve a oposição do Reino Unido e
escassos resultados práticos.
Com a UEM e com o alargamento, num contexto de
intensificação da
globalização capitalista, a
integração europeia acentuou a ofensiva
neoliberal: a realização do mercado interno
prevalece sobre as políticas sociais; a política
monetária, decidida por uma
instituição formalmente independente, prevalece
sobre as restantes políticas económicas;
não existem adequados mecanismos compensatórios
para as perdas de competitividade.
A chamada estratégia europeia de emprego, as directrizes
apresentadas como de prevenção ao desemprego e de
atenuação das suas consequências,
traduziram-se, de facto, em medidas de
desregulação do mercado de trabalho e de
redução do custo do trabalho. O alargamento
ocorrido em 2004 veio reforçar estas tendências.
A directiva Bolkestein, que visa completar o mercado único
na área dos serviços, embora com
alterações substanciais em
relação ao texto inicial, resultantes do protesto
dos trabalhadores e das populações,
mantém o seu objectivo principal: a
liberalização dos serviços no
âmbito da União Europeia.
A orientação do emprego e das normas de trabalho
comunitárias são cada vez mais dominadas pela
perspectiva da flexibilidade. Com a flexigurança pretende-se
dar um novo passo para desregular as relações de
trabalho, facilitar os despedimentos individuais sem justa causa,
generalizar a precariedade, liberalizar o horário de
trabalho, fragilizar a contestação colectiva e
debilitar os sindicatos, através do enfraquecimento do
direito do trabalho nos Estados-Membros.
5.4. A ofensiva contra os
direitos dos trabalhadores e a campanha ideológica
Os principais argumentos hoje desenvolvidos contra os direitos dos
trabalhadores apoiam-se essencialmente nas ideias de que estes direitos
não são compatíveis com a
globalização, ou não têm em
conta a situação competitiva
desfavorável da economia portuguesa, ou estão
desfasados das necessidades dos trabalhadores em economias mais
avançadas.
O argumento da
«globalização», aliado ao das
novas tecnologias e ao de que o modelo social prevalecente na UE seria
excessivamente avançado face à
ascensão em força de economias emergentes, com
baixos salários e de normas de trabalho pouco exigentes,
é o mais corrente. Daqui resulta a pressão para a
redução dos direitos sob a ameaça das
deslocalizações, escamoteando o facto da
pressão do capital sobre os salários e os
direitos se exercer também nos países menos
desenvolvidos.
O segundo argumento é o de que os direitos laborais devem
ter em conta a situação competitiva
desfavorável da economia portuguesa. O fraco crescimento
económico em Portugal tem alimentado a ideia de que a
saída da crise passaria por uma maior
liberalização do mercado de trabalho. Mas a
verdade é que não seria com piores
condições salariais e de trabalho que se poderiam
gerar os ganhos de produtividade que todos entendem
necessários para assegurar um desenvolvimento
sustentável.
O terceiro argumento é o de que os direitos dos
trabalhadores, ao não estarem adequadas a economias e a
sociedades ditas de conhecimento, acabariam por prejudicar os
trabalhadores. Estas economias exigiriam uma maior mobilidade ao longo
da vida profissional do trabalhador, pelo que se deveria apostar,
não na segurança no emprego, mas na
criação de condições para a
mobilidade, através da aprendizagem ao longo da vida, de
políticas activas de emprego e da
protecção social no desemprego. Os novos direitos
não são incompatíveis com: o direito
ao trabalho e ao pleno emprego, quando é certo que o
desemprego é inerente ao modo de
organização capitalista; os direitos colectivos
dos trabalhadores, como o direito de greve e o de
contratação colectiva, que são
instrumentos fundamentais não só para defender os
direitos, mas também para adaptações a
mudanças na economia e no trabalho; a
protecção contra o despedimento sem justa causa
como um meio de limitação do arbítrio
patronal. Esta falsa oposição entre
«novos» e «velhos» direitos
esconde apenas o projecto de destruir tudo o que dificulta a
exploração patronal, mantendo apenas (ou
até inovando) alguns instrumentos que disfarcem as suas
consequências mais extremas.
5.5. Os direitos dos
trabalhadores num Portugal desenvolvido
Os direitos dos trabalhadores não são
incompatíveis nem um obstáculo ao crescimento e o
desenvolvimento económico.
Os teóricos do capitalismo apelidam as sociedades dos
países capitalistas desenvolvidos de «sociedades
do conhecimento» pondo, deste modo, a ênfase no
conhecimento como factor produtivo, insistindo em temas como a
qualidade do emprego, a qualificação, a
aprendizagem ao longo da vida, a inovação, a
participação e a motivação
dos trabalhadores como elementos determinantes da eficiência
económica. No entanto, a lógica da
exploração capitalista dita a prática
da elevação dos lucros das empresas por via da
degradação dos salários, do
desemprego, da precariedade de emprego e da
limitação dos direitos dos trabalhadores, do
retrocesso social e laboral.
Também em Portugal, admitindo-se que a baixa produtividade
compromete um desenvolvimento sustentável do País
e aceitando-se que o elemento determinante é a
valorização do trabalho (ainda que com a
tónica na qualificação), a
estratégia dominante continua a ser a de pretender melhorar
a competitividade por via do embaratecimento dos custos com o trabalho,
com a precarização e
individualização das
relações de trabalho e com a
diminuição dos direitos individuais e colectivos
dos trabalhadores, incluindo a negociação
colectiva. Esta é a questão central em torno da
revisão do Código de Trabalho. Uma
estratégia alternativa exige a
valorização do trabalho como factor determinante.
6. Os grupos
económicos monopolistas e o capital transnacional
6.1. O conjunto
dos grupos económicos depois de Abril
Trinta anos depois das transformações
revolucionárias de Abril um importante
conjunto de grupos económicos, resultantes da
política de recuperação capitalista e
monopolista, reassume um papel dominante e determinante no quadro das
relações de produção
capitalista da sociedade portuguesa. A omnipresença,
influência e acção desses grupos
são hoje um facto incontornável, quer na
dinâmica das conjunturas económicas e no
desenvolvimento das relações sociais quer na
condução e opções do poder
político e na expansão e
reprodução das ideologias dominantes.
Estruturados e representados por grupos familiares
velhos conhecidos (que suportaram e apoiaram a ditadura
fascista) ou que despontaram após o 25 de Abril (Mello,
Espírito Santo, Belmiro de Azevedo, Amorim,
Jerónimo Martins) ou pela associação
do nome de um banco ou unidade empresarial ao nome do presidente do
Conselho de Administração da estrutura
societária (holding) que define a estratégia e
assegura o domínio do grupo (BCP/Jardim
Gonçalves, CIMPOR/Teixeira Duarte, SEMAPA/Queiroz Pereira,
etc.), tecem entre si e com o capital estrangeiro uma densa rede de
ligações económicas e financeiras,
sociais e políticas, constituindo uma poderosa oligarquia
económica que, com outros sectores da grande burguesia
portuguesa e estrangeira, procura assegurar a continuidade e
reprodução do seu poder económico,
político e ideológico na sociedade portuguesa.
Os principais grupos económicos repartem-se hoje em torno da
produção de bens não
transaccionáveis – sector bancário e
segurador, grande distribuição, saúde,
energia, telecomunicações, auto-estradas, media,
turismo, transportes, imobiliário, e em particular
imobiliário comercial – e por alguns ramos da
actividade industrial – cimentos, celulose e pasta de papel,
segmentos da alimentação e bebidas –
acumulando lucros fabulosos de ano para ano, enquanto os sectores
produtores de bens transaccionáveis sujeitos à
concorrência externa estagnam e definham. E estão
particularmente activos nas operações que a
política de direita enseja de
privatização do que resta do Sector Empresarial
do Estado, do sector da água e dos portos e no alargamento
da sua actividade aos «negócios» da
saúde, do ensino, da segurança social e dos
serviços de registo e notariado, no quadro da
liberalização e
privatização desses sectores.
Estes grupos assumem, em muitos sectores e subsectores de actividade,
uma clara natureza monopolista que, dentro da lógica
capitalista, procuram reforçar, quer pela
destruição e absorção de
concorrentes nacionais, quer por associações em
que cruzam participações e/ou
repartição de mercados e
concertação de preços quer pela
aliança privilegiada com poderosas transnacionais. A
presença do capital estrangeiro nos principais grupos
económicos dos sectores da Banca, da Energia e
Telecomunicações, do Comércio e
Serviços e da Indústria em muitos casos
é já superior a 50% da estrutura accionista
destes grupos e faz com que a saída de capitais sobre a
forma de lucros e os juros atinja já em 2006 cerca de 10% do
PIB e se preveja uma subida em flecha nos próximos anos.
6.2. Dimensão e
poder económico dos grupos capitalistas e monopolistas
A extraordinária dimensão e poder
económico actual destes grupos capitalistas e monopolistas
concretiza-se e desenvolve-se em permanente
articulação, cumplicidade e promiscuidade com o
poder político e os partidos que o exercem desde 1976. A
estrutura accionista dos principais grupos económicos
retrata a presença dominante das velhas e novas
famílias capitalistas na composição
dos Conselhos de Administração, Gerais, de
Fiscalização e de Supervisão, nas
Comissões Executivas, de Vencimentos e nas
Assembleias-Gerais. Representantes dessas famílias cruzam-se
aí com representantes do PS, PSD e CDS, o que espelha bem a
promiscuidade hoje existente entre o poder político e o
poder económico e o carácter cada vez mais
dominante do poder económico. O poder económico
remunera-se através dos lucros e salários
fabulosos dos seus representantes, o poder político
através dos salários elevadíssimos da
sua clientela e dos negócios que a sua presença
na administração desses grupos conjugada com o
poder político que detêm lhes vão
proporcionando.
É a influência crescente deste tipo de poder
económico (nacional e transnacional) que explica a ampla
produção legislativa e regulamentadora da
Assembleia da República e dos governos destinada a consagrar
opções e medidas favoráveis a esses
interesses de classe, designadamente através do
desequilíbrio, a favor do grande patronato, das
relações laborais e níveis salariais,
da condução das políticas
orçamental e fiscal, do favorecimento dos mecanismos de
transferência de rendimento e mercados dos micro, pequenos e
médios empresários para esses grupos, e da
apropriação de património e mercados
públicos, com as privatizações e
liberalizações feitas à medida das
capacidades de encaixe desses grupos.
Este ilegítimo poder ostentado e exercido pelos grandes
grupos económicos e financeiros assumindo, além
da dimensão económica, efectivas
dimensões política, social e
ideológica, constitui uma total subversão do
princípio constitucional de
subordinação do poder económico ao
poder político, põe em causa a
concretização dos objectivos
económicos, sociais, culturais e ambientais consagrados na
Constituição da República, e fere
valores e princípios essenciais do regime
democrático.
A política de direita sempre procurou apresentar a
reconstituição dos Grupos Económicos
Privados como um instrumento central para «a
modernização, aumento da eficiência e
competitividade» da economia portuguesa.
Foi essa a justificação substantiva para a
política de privatizações e o seu
papel nuclear na reconstituição dos grupos. Mas o
que a reconstituição e
recomposição dos grandes grupos
económicos serviu foi, fundamentalmente, a
devolução aos grandes capitalistas nacionais do
poder económico perdido com o 25 de Abril.
6.3. Os grupos monopolistas e
os media
A concentração que tem vindo a verificar-se no
sector dos media levou a que, nos
últimos anos, se constituíssem alguns grandes
grupos económicos – Cofina, Impresa,
Controlinvest, Media Capital, Sonae Com, Lusomundo, Impala –
que absorveram mais de uma centena dos principais
órgãos de comunicação
social, com influência decisiva na
formação e condicionamento da opinião,
dos gostos, dos hábitos e dos comportamentos dos
portugueses. Na estrutura accionista destes grupos
económicos é cada vez mais visível a
presença não só de grandes grupos de
económicos de comunicação social
estrangeiros (Prisa espanhol e Bertelsman alemão), como de
grupos financeiros nacionais (BPI, BCP, CGD).
6.4. Grupos
económicos monopolistas nacionais e o capital transnacional
Um dos traços actuais mais fortes dos principais grupos
económicos monopolistas nacionais
é sem dúvida a sua estreita relação
com o capital transnacional. A análise da
estrutura accionista desses grupos económicos permite
verificar, por exemplo, que: na EDP, 48% da sua estrutura accionista
está nas mãos de estrangeiros, sendo a Iberdrola,
com 9,5%, segundo accionista mais importante, logo atrás do
Estado Português; na Portugal Telecom, 64% da estrutura
accionista está nas mãos de estrangeiros, sendo a
Telefónica, com 9,96%, o maior accionista; na Galp Energia,
perto de 50% da sua estrutura accionista estará em
mãos estrangeiras (a italiana ENI dispõe de 1/3
do capital social e a Iberdrola espanhola, 4%); na CIMPOR, pelo menos
30% do seu capital é estrangeiro; na SEMAPA pelo menos 20%
do capital é estrangeiro; no BCP cerca de 36% da sua
estrutura accionista é detida por capitais estrangeiros. O
mesmo se passa na Brisa, no BES, no BPI, na Somague e em muitos outros
grandes grupos económicos onde o peso do capital
não nacional é crescente.
Tudo isto se repercute no volume de rendimentos de capitais que
anualmente sai do nosso País, o qual não cessa de
crescer e atinge já cerca de 10% do nosso PIB, bem como na
crescente dependência da nossa economia em
relação ao exterior.
6.5. A
financeirização da economia
A financeirização da economia desenvolveu-se em
intensa articulação com a
reconstituição dos grupos monopolistas. O peso
directo do sector financeiro no PIB (4,9% em 1985, 6,6% em 2004), mas
também a crescente dependência das empresas
não financeiras e das famílias do sector
financeiro, e a dependência do próprio sector
financeiro nacional do exterior, constituem razões de grande
preocupação.
Cada vez mais o sector financeiro e o mercado bolsista apresentam
resultados e um volume de negócios que não
têm qualquer correspondência com a esfera da
economia real. O sistema financeiro funciona hoje de forma a que uma
aplicação inicial de capital se reproduz
através de vários derivados financeiros e sem
qualquer suporte económico real.
Enquanto em 1973 o rácio diário entre o valor das
trocas monetárias e o valor do comércio mundial
de bens e serviços era de 2:1, em 1995 esse mesmo
rácio passou para 70:1. Os valores actuais desses
rácios não são conhecidos, mas
terão certamente crescido em flecha dado os desenvolvimentos
registados no sistema financeiro. A percentagem dos fluxos
monetários gerados pelos pagamentos de bens e
serviços são cada vez menores, enquanto os
negócios baseados na especulação
monetária crescem exponencialmente.
A situação que hoje se vive no mercado
imobiliário e no chamado crédito de alto risco
são um bom exemplo do risco elevado que correm as economias
mundiais a partir do momento em que a crise financeira se alastra aos
restantes sectores económicos.
7. O Estado hoje
7.1.
Instrumento de classe e conquistas dos trabalhadores
O Estado, pela sua natureza de classe, integra e assegura o
funcionamento do modo de produção capitalista, e
a sua manutenção. Em resultado de processos
económicos, políticos e sociais complexos (lutas
dos trabalhadores e dos povos, crises do capitalismo,
criação da URSS e do sistema socialista mundial)
e fundamentalmente das lutas de classes no século XX, o
Estado passou também a integrar estruturas e
políticas viradas para a prestação de
serviços sociais relevantes (saúde,
educação, segurança social) e empresas
para o fornecimento de bens essenciais (energia, correios,
telecomunicações, transportes e outros). Em
Portugal esta presença do Estado foi fundamentalmente
constituída e configurada com a
Revolução do 25 de Abril, com o impulso aos
sistemas públicos de educação, de
saúde e segurança social e as
nacionalizações.
A ofensiva neoliberal para reconfigurar o Estado aos seus objectivos
conheceu novos e graves desenvolvimentos no plano mundial, com a
destruição da URSS e do sistema socialista e com
o processo contra-revolucionário em Portugal.
7.2. A tese neoliberal do
Estado mínimo
A ofensiva neoliberal em curso visa a
«expulsão» ou a
redução a expressões residuais das
funções e missões do Estado nas
áreas sociais e empresariais. O «menos
Estado» tem esse significado preciso.
Simultaneamente, reforçam-se as
orientações e as políticas que
favoreçam a acumulação capitalista e o
desenvolvimento monopolista, consolidam-se os sistemas
políticos e mediáticos que assegurem o
domínio político e ideológico de
classe do capital. Preocupados com baixas taxas de rentabilidade, em
particular em sectores tradicionais (crises,
produção não escoada) e a volatilidade
dos mercados financeiros, o capital procura novos espaços
económicos sólidos para a
realização e apropriação de
mais valias.
O capital não só se apropria das empresas do
Sector Empresarial do Estado privatizadas e dos mercados
públicos liberalizados, como se expande e absorve
áreas crescentes de serviços públicos
(saúde, educação, segurança
social, correios), e mesmo de serviços típicos da
Administração Central (notariado,
segurança, consultoria, etc.) transformados em importante
fonte de lucros.
7.3. A
instrumentalização do Estado pelo capital
Esta penetração do grande capital / capital
monopolista faz-se por via directa – o investimento na
criação de novas empresas de serviços,
como sucede com novos hospitais privados – e
através de fórmulas sofisticadas e
diversificadas, como acontece com as
«concessões» (rede de auto-estradas),
com as «parcerias público-privados»
(rede de novos hospitais construídos com dinheiros
públicos) ou «protocolos de
contratação de serviços»
(área da saúde, …). Uma
«centralização» do capital
que exige e encontra no nosso País um Estado dedicado
à reconstrução monopolista.
7.4. Um Estado dedicado
à restauração monopolista
No sentido tradicional do «mais Estado»
está o desenvolvimento do papel instrumental do Estado,
através da reforçada
ligação entre o poder político e o
poder económico, ao serviço do favorecimento e
financiamento públicos da acumulação,
concentração e
centralização acelerada do capital privado, com a
recomposição dos grandes grupos
económicos privados.
Adoptando e adaptando o Estado às teses neoliberais do
grande capital – o «menos Estado», a
«maior eficiência da gestão
privada», o Estado regulador e não produtor
– a política de direita, apoiada nas
orientações comunitárias, concretiza
as privatizações, liberaliza o mercado de
trabalho, promove a transferência de fundos
comunitários para o grande capital e permite o papel
predador do sector financeiro junto das micro, pequenas e
médias empresas, do sector produtivo e da generalidade dos
cidadãos, proporcionando lucros obscenos e o crescimento
exponencial dos patrimónios mobiliário e
imobiliário.
7.5. As entidades
«reguladoras»
Na reorganização e
redefinição das funções do
Estado destaca-se, na actualidade, como conceito nuclear, o das
chamadas «entidades reguladoras».
A «teorização» das
«entidades reguladoras» pressupõe que se
aceitem quatro mistificações: a da
existência, no mais elevado patamar do poder
político de decisões
«técnicas», neutras do ponto de vista de
classe; a de que, igualmente, existem cidadãos, com mais ou
menos competência técnica e científica,
e seriedade ética e profissional, capazes de conciliar
interesses contraditórios, à margem das
ideologias económicas dominantes; a de que é
preciso, para defender os utentes/consumidores e o
equilíbrio entre interesse público e privado,
garantir a regulação por uma entidade
«independente»; a de que a existência
destas entidades corresponde a uma
«indispensável»
separação entre as funções
de prestação dos serviços e as de
regulação e fiscalização.
Constituídas por grupos de peritos /
«personalidades técnicas», nomeados pelo
governo (com ou sem participação da Assembleia da
República), pretensamente independentes (parte deles
ex-governantes, outros ex-altos funcionários dos grupos
capitalistas), dispõem de poderes para arbitrar e harmonizar
interesses contraditórios entre consumidores e produtores,
entre utentes e prestadores de serviços, e no quadro da
«regulação» de mercados de
áreas e sectores de bens e serviços de relevante
interesse público.
O afastamento do Estado da função de
regulação visa, invocando uma
equidistância entre os interesses e os sectores
público e privado, reduzir a prestação
de serviços essenciais e a intervenção
em sectores chave da economia ao mero jogo do mercado. A realidade tem
demonstrado que as entidades reguladoras actuam, em geral, segundo uma
lógica de liberalização dos sectores
em que intervêm, escudando-se numa autonomia que deriva da
ausência de controlo democrático do seu
desempenho, para impor decisões em geral
favoráveis ao capital, mas prejudiciais para as
populações.
A teoria da separação das
funções de prestação das de
regulação continua a ser um instrumento para
justificar a progressiva retirada dos serviços
públicos da prestação de
serviços e intervenção em
áreas essenciais, complementada com a entrega da
regulação a entidades administrativas especiais
– as entidades reguladoras – alheias aos
serviços públicos. Nada impede que o Estado
preste serviços e, ao mesmo tempo, fiscalize a sua
qualidade, criando as estruturas necessárias para ambas as
funções. Esta política significa o
afastamento do Estado da direcção e
regulação económica dessas mesmas
funções, possibilita que sejam os privados
monopolistas a determinar as regras e atinge gravemente a maioria da
população e os agentes económicos mais
frágeis.
Presentemente existem em Portugal quinze entidades reguladoras ou de
supervisão, das quais se destaca o Banco de Portugal,
actualmente integrado no Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), com
um estatuto de independência face ao poder
político, a Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM), com o importante papel na
regulação e supervisão dos mercados de
capitais, e a Autoridade da Concorrência (AdC), para
assegurar o respeito pelas regras de concorrência na
economia.
É de referir, como exemplo paradigmático da
«independência», o caso da entidade
reguladora da concorrência «Autoridade da
Concorrência» (AdC) que, tendo por
missão velar pela não
violação das regras da concorrência, as
suas decisões permitem constatar não
só a inoperância face a significativas
violações das regras da
«leal» concorrência, como o seu acordo
com a efectiva monopolização do mercado, ou o
facto de ser o próprio poder político, por
razões de avaliação diferente, violar
as louvadas «independência» e
«autonomia» das entidades reguladoras.
Num quadro em que se pretende a
«regulação» dos mercados
monopolizados pelos grupos económicos, o Estado vem
sistematicamente abdicando da intervenção de
«regularização» e
«orientação» da actividade
económica pelo abandono dos princípios e
instrumentos da planificação económica
inscritos na Constituição.
7.6. A
Administração Pública e o Estado
A Constituição da República Portuguesa
consagrou uma Administração Pública
autonomizada, com obrigações sociais, agentes e
funcionários com um regime específico com
obrigações na prestação do
serviço público
Ao definir uma Administração Pública
com determinadas funções e papel o texto
constitucional faz uma opção clara a favor de um
Estado prestador de serviços públicos e de
funções sociais, assegurando assim a
persecução do interesse público, no
respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos e pelos da igualdade, da proporcionalidade da
justiça e da boa fé.
A realidade portuguesa confirma a importância da natureza do
Estado explica, em larga medida, não só a
contradição como as tentativas e mesmo
avanços na destruição da
concepção de Estado e
Administração Pública consagrados na
Constituição.
A Administração Pública organizou-se
em certa medida a seguir ao 25 de Abril para responder à
prestação de importantes serviços
públicos e funções sociais que se
revelaram incompatíveis com os objectivos de uma
política de regresso ao passado que implicam uma nova
concepção de Estado, imposta pelas
forças do grande capital.
Na realidade o que os sucessivos governos têm vindo gradual e
sistematicamente a fazer, é destruir o modelo de Estado e de
Administração Pública que saiu da
Revolução de Abril, tentando reduzir as suas
funções sociais e acentuar as suas
características autoritárias e repressivas.
É neste quadro que se insere o processo em curso de
desmantelamento da Administração
Pública promovido pelo PS visando a
adaptação da administração
do Estado ao novo estádio de desenvolvimento do capitalismo
monopolista e assim facilitar a acumulação
capitalista no País.
Peça fundamental e estratégica nesse processo o
«Plano de Reestruturação da
Administração Central do Estado»
– PRACE – contemplando uma
opção de classe sobre o papel e as
funções do Estado,
«desorganiza» a sua estrutura com
extinções e fusões de
serviços, degrada em simultâneo, determinadas
funções específicas do Estado,
facilita a aceitação por parte dos
cidadãos do processo de
«externalização e
contratualização de
serviços» – ou seja, a
privatização dos lucros e a
socialização dos custos – e visa
destruir o vínculo público de emprego inerente
às funções que estão
atribuídas constitucionalmente aos funcionários e
agentes do Estado para o cumprimento dos serviços e
funções que lhe estão cometidas pela
Constituição.
A «adequação» da natureza do
vínculo público na
Administração Pública e a sua
transformação em contrato individual de trabalho
e as alterações ao sistema de carreiras e
remuneratório não são
separáveis do processo de privatização
de serviços e de reconfiguração do
Estado.
A intensa campanha de sucessivos governos para fazer crer que o Estado
tem tido um papel excessivo na vida social e económica,
escondendo a natureza de classe do Estado e apresentando-o como mau
administrador dos recursos económicos e dos
serviços e funções do Estado, visa
justificar a transferência para as mãos do grande
capital de importantes funções
económicas e sociais do Estado.
7.7. Os processos de
reconfiguração do Estado
O Estado continua a ocupar um papel central no sistema
sócio-económico capitalista e monopolista
português, em íntima
articulação com as
instituições da União Europeia e de
outros organismos internacionais ao serviço do capital
(OCDE).
Como instrumento ao serviço dos interesses de classe do
grande capital nacional e transnacional tem reforçado (e
não reduzido, como defendem os advogados do «menos
Estado») a sua intervenção
económica, em particular na
reconstituição dos grandes grupos
económicos privados e no favorecimento do capital
estrangeiro.
O processo de
«reconfiguração» e
«recomposição» do
«Estado nacional» em curso, adaptado aos interesses
do capital, será sempre a resultante de um conjunto complexo
de movimentos: transferência de funções
e competências para o «Estado
supranacional» (a União Europeia e outras
entidades, como o BCE); abandono e «venda» de
áreas sociais e actividades empresariais ao capital privado;
alterações nas formas e conteúdos da
Administração Pública;
regulação e arbitragem dos diversos interesses
capitalistas em presença e confronto; reforço do
seu papel de legislador e colector de mais valias (impostos, fundos
comunitários) para favorecer a
acumulação privada.
Tudo para procurar alcançar o objectivo de um
«Estado mínimo», reduzido às
funções de segurança, de soberania, de
representação externa e colector de impostos!
7.8. O combate ao
défice orçamental como instrumento da
reconfiguração neoliberal do Estado
A «obsessão pelo défice»
é uma fórmula sintética para
caracterizar uma política económico-financeira
favorável aos grandes interesses e negócios dos
fundos financeiros e especulativos. São esses interesses que
reclamam uma consolidação orçamental,
formatada num rácio do défice/PIB abaixo dos 3%
(a tender para zero) e num rácio da dívida
pública/PIB inferior a 60%. Os limites destes
rácios estão inscritos no Pacto de Estabilidade
(PEC), aprovado no Tratado de Amesterdão e herdado dos
critérios de convergência nominal da
União Económica e Monetária (UEM).
A chamada «obsessão» pelo
défice constitui um objectivo político ao
serviço dos interesses explicitados nos cadernos
reivindicativos do grande capital português e europeu, como o
demonstram as reclamações das
confederações patronais europeias (UNICE e ERT).
Com o pretexto de criar um ambiente macroeconómico
estável – baixa taxa de
inflação, uma moeda (euro) forte,
contenção salarial favorável aos
negócios do capital – a gestão
orçamental, no estrito e dogmático quadro do
cumprimento dos critérios do PEC, tem vindo a revelar-se um
instrumento fundamental na reconfiguração
neoliberal do Estado.
A pressão «neoliberal» sobre o Estado,
com o objectivo de reduzir o défice orçamental e
limitar o crescimento da dívida pública,
impulsiona a redução do peso do Estado na
economia, através das
«privatizações» e de um
conjunto de fórmulas em que o Estado
«concessiona», «contrata» ou
estabelece parcerias com o capital privado para o funcionamento e
gestão de serviços públicos. As
privatizações são ainda o meio
privilegiado de obtenção de receitas conjunturais
de capital para iludir o crescimento estrutural da dívida
pública, privatizações estas que
reduzem a receita pública (pela perda de dividendos e
impostos).
Outra expressão desta pressão é a
trajectória descendente do investimento público.
O insuficiente investimento público, para além
das consequências desastrosas que comporta –
atrasos na construção de infra-estruturas de
transportes e comunicações, de investimento no
desenvolvimento dos sectores públicos de ensino, de
I&D, da saúde, das forças de
segurança pública e da
protecção civil (defesa da floresta contra
incêndios) – mergulhou o País num
prolongado ciclo de estagnação e
recessão, prolongando e agravando a
desaceleração do investimento privado e a anemia
do mercado interno.
A pressão sobre a despesa pública tem
impulsionado ainda o corte das despesas sociais –
educação, saúde, segurança
social – nomeadamente com a transferência de muitas
dessas funções sociais para o sector privado, a
redução das transferências financeiras
do Orçamento do Estado para o poder local, limitando a
autonomia financeira das autarquias e a brutal ofensiva contra os
serviços e os trabalhadores da
Administração Pública.
É fácil concluir que o resultado final da
política de combate ao défice
orçamental determinado pelo PEC é uma abertura de
espaço e dos mercados públicos ao capital
privado, a transferência da propriedade social e
pública para os interesses privados e uma mudança
qualitativa na capacidade de o Estado intervir, regular e planificar o
desenvolvimento económico, a juntar às
drásticas restrições impostas ao uso
do instrumento «gestão
orçamental» / Orçamento do Estado na
condução das políticas
económicas.
7.9. A dependência
estrutural externa da economia portuguesa
7.9.1. A dependência estrutural
da economia nacional e do País ultrapassa em muito o grave
desequilíbrio dos fluxos económicos e financeiros
com os Estados membros da UE e o resto do mundo, traduzido no
agravamento do défice da balança corrente e de
capital e na dimensão da dívida externa, que tem
vindo a crescer a ritmos preocupantes.
O elevado e crescente défice da
balança corrente (mercadorias,
serviços e rendimentos) e de capital com o exterior (cerca
de 8% do PIB em 2006, em contraponto com os 2,3% do PIB em 1996), tem
conduzido ao aumento do endividamento externo e/ou à
alienação de activos nacionais a não
residentes, aumentando a dependência externa do
País, impondo uma forte restrição ao
normal desenvolvimento da nossa economia que põe em causa a
independência nacional.
O endividamento externo espelhado na dívida externa
líquida passou de cerca de 8% em 1996 para cerca de 80% do
PIB no final em 2006, o que é expressão em si da
estagnação do aparelho produtivo nacional e do
consequente recurso crescente a importações de
bens e de capitais para satisfazer as necessidades do País.
O endividamento externo espelha-se também nos
níveis de endividamento das famílias, das
sociedades não financeiras (empresas) e das sociedades
financeiras (Bancos). Estas últimas têm apostado
fundamentalmente no recurso ao financiamento externo
bancário em detrimento da poupança interna, para
fazer face às necessidades de financiamento das
famílias e das empresas, seduzidas pelas baixas taxas de
juro praticadas na zona euro. A continuada subida das taxas de juro,
desde o final de 2005, determinada pelo Banco Central Europeu (BCE),
traz riscos acrescidos às famílias, às
empresas e à própria Banca, ameaçando
com a subida dos níveis de incumprimento de uns e outros.
O referido desequilíbrio assume ainda uma gravidade maior no
contexto do afunilamento em matéria de
exportações e de outras
relações económicas com um reduzido
número de países (Espanha, Alemanha, Reino Unido,
Países Baixos, Bélgica/Luxemburgo).
7.9.2. A dependência estrutural
externa está também espelhada na enorme
expressão da subcontratação
das empresas portuguesas pelo capital transnacional,
quer em sectores tradicionais (têxtil) quer em sectores de
desenvolvimento recente, como o sector automóvel, ou ainda
da presença, muitas vezes dominante, desse mesmo capital em
empresas e sectores estratégicos para o País
(energia, indústria extractiva, banca, seguros).
A crescente vulnerabilidade da economia portuguesa de centros de
decisão estrangeiros (capital transnacional ou outros
estados), bem visível nos crescentes problemas decorrentes
das deslocalizações, fragiliza a
intervenção do Estado português na
condução da economia nacional. Esta
dependência assume particular gravidade no quadro de uma
integração comunitárias que foi
retirando ao Estado a livre utilização de
instrumentos de gestão económica (moeda, taxas de
juro, Orçamentos do Estado) e subordina políticas
sectoriais estratégicas (agricultura, pescas,
indústria, comércio externo) a
políticas ou orientações comuns,
conformes aos interesses das grandes potências da
União Europeia. A que deve acrescentar-se a elevada
incerteza que paira sobre o futuro de importantes fluxos financeiros,
como as remessas de emigrantes e os fundos estruturais
comunitários que, somados à crescente drenagem
para o exterior da riqueza produzida no País, taxas de
lucros e juros devidas a entidades externas que cedem
créditos ou fazem investimentos em território
nacional, fazem aumentar a dependência do País dos
mercados financeiros externos para as suas necessidades de
financiamento da economia.
8. As respostas
programáticas e ideológicas do capital
8.1.Crises e
estrangulamentos
Face às crises e estrangulamentos,
fracturas e disfunções económicas e
sociais, culturais e políticas que atravessam a sociedade
portuguesa em consequência de 30 anos de políticas
de direita, confrontados com situações de
desigualdades sociais e regionais, de persistentes défices
estruturais e problemas económicos, o capital e as suas
expressões políticas e sociais, respondem com o
reforço dos dogmas do capitalismo e dos mecanismos
ideológicos de justificação e
diversão.
8.2. «Mais
capitalismo»
Desde logo por uma persistente e continuada
afirmação de linha programática para e
em todas as instâncias de poder, de que a
solução passa por «mais
capitalismo», mais mercado, mais concorrência e
menos Estado, justificação para a
privatização e
liberalização crescentes em espaços e
áreas públicas e sociais e invasão da
lógica capitalista em todas as esferas da vida humana e
social. Passa pelo individualismo e pela
responsabilização pessoal pelas dificuldades
sociais que atravessamos. Passa pela
identificação da luta organizada com
descontentamentos pessoais e desordem. O aprofundamento da
exploração capitalista na
relação capital/trabalho e a
acentuação da natureza monopolista e imperialista
do capital – com a renovação e
reformulação de laços
neocolonialistas, os processos de «livre
comércio» no âmbito da
Organização Mundial do Comércio (OMC),
as regulações e imposições
do Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI)
– são expressão desta mesma
concepção.
No quadro de «mais capitalismo» pesam como resposta
as soluções da integração
capitalista em grandes espaços regionais, de que a
União Europeia é um significativo exemplo.
Integração económica e
política, assimétrica, comandada pelo capital
transnacional e as potências dominantes (acompanhadas pelas
suas organizações de classe e os seus partidos)
orientada para o aprofundamento do seu carácter federal e
neoliberal e para a afirmação da União
Europeia como potência política e militar.
8.3. Mecanismos
ideológicos de justificação e
diversão
As consequências das políticas de direita obrigam
a um porfiado esforço
«teórico» de
justificação e ocultação
dos problemas ao serviço do capital, recuperando mitos e
mistificações sempre presentes nas sociedades
capitalistas, reduzindo os problemas e a sua
superação a regras de conduta individuais e
colectivas apoiadas em sistemas morais e ideológicos,
procurando atenuar contradições e antagonismos, e
sobretudo na tentativa de conter, dividir e desmobilizar as classes e
camadas sociais mais exploradas, e as suas
organizações de classe.
No desenvolvimento dessas «teorias» de embuste
ideológico assume significativa importância o
desenvolvimento de dois mecanismos: a segmentação
da esfera social da esfera económica, e em particular das
suas relações causa/efeito; e a
proliferação de um conjunto de
«respostas» aos mais visíveis problemas
das sociedades capitalistas, que visam salvaguardar a lógica
e modo de produção capitalistas.
A segmentação da esfera social da esfera
económica visa a autonomização
metodológica e neutralização
políticas dos «processos
económicos», apresentando-os como o resultado
«natural» do funcionamento dos mercados, da
concorrência, da circulação capitalista
de mercadorias (bens e serviços), capital financeiro e
«capital humano» na época da
globalização capitalista. A
«economia» (capitalista) e os seus mecanismos e
leis são apresentados como factos com os quais o Estado e os
cidadãos se confrontam, não podendo mais que
procurar regulá-la e ocorrer aos «estragos
sociais» e «disfuncionamentos», que as
«imperfeições» e as
«falhas» do mercado e as
reestruturações decorrentes do movimento do
capital produzem.
Os Estados são impotentes
face à economia e a «economia» sai fora
da intervenção política. A economia
deixa de ser o resultado das opções
políticas dos governos. Assim se justifica hoje que as
políticas económicas de direita coincidam
inteiramente, quer sejam protagonizadas pela social-democracia ou pelos
partidos reconhecidamente de direita. Assim se absolve a
social-democracia em geral, como acontece com o PS em Portugal, se
desenvolve e consolida um «pensamento
único» nas sociedades e governos dos diferentes
Estados nacionais.
As «respostas» aos problemas das sociedades
capitalistas, provocadas pelo capitalismo neoliberal, assumem hoje uma
notória e mediática visibilidade e uma
extraordinária dimensão
«teórica»,
«filosófica»,
«universitária»,
«técnica». Multiplicam-se as teses de
especialistas e ensaístas, nas universidades e nas empresas,
que encontram prolongamento nos departamentos do Estado, na
acção e discurso governativos, com o objectivo de
elaborar programas, planos de acção das
«respostas» e «medidas» que,
partindo do capital, não ponham em causa os objectivos,
lógicas e, sobretudo, os «lucros», a
reprodução do capital e a
reprodução do poder das classes dominantes.
Com uma grande diversidade de origens, conteúdos, formas e
níveis de expansão e
concretização, podem sintetizar-se em alguns
eixos, fundamentalmente centrados em alterações
de comportamento individual, decorrentes de
acções de divulgação,
formação, apelo ou aconselhamento, ou como
resultado do proselitismo religioso ou filosófico.
As mais conhecidas partem de opções dos
empresários e empresas, assumindo comportamentos ou
políticas de «responsabilidade social»,
«éticos»,
«verdes/ambientais» que, em alguns casos,
dão direito a uma
«certificação social».
Fala-se de «fundos de investimento
éticos» e da
«regulação ética do
mercado», e mesmo do conceito de «lucro
ético» como legitimação
(moral) do lucro.
Renascem reformuladas as práticas do mecenato,
apresentando-se como economias de comunhão ou
«capitalismo de partilha» – centradas no
apoio e enquadramento da actividade artística, de que
são exemplo a presença dos principais grupos
económicos nas estruturas de gestão da Casa da
Música, Fundação de Serralves e Centro
Cultural de Belém – e da filantropia, como
são o caso de projectos para combater a pobreza, o insucesso
escolar (...).
Em contraste com a realidade da limitação da
actividade sindical, da fragilização da
acção das estruturas representativas dos
trabalhadores e da desvalorização da
acção organizada dos cidadãos,
estimula-se o aproveitamento de uma «militância
social» em torno de causas e objectivos
«humanitários» (a maioria dos quais
resultante de uma intervenção generosa de muitos
cidadãos) ou do estabelecimento de cadeias de comportamentos
adequados a determinados objectivos, como o
«comércio justo», o «micro
crédito» ou o «Banco
Alimentar».
Outras «respostas», ainda, têm por centro
«a ilusão tecnológica»
há muito utilizada, mas cujo conteúdo vai sendo
alterado face à impetuosa dinâmica da
revolução científica e
técnica, e muito também pelos
«falhanços» e
«frustrações» de
soluções técnicas anteriores que foram
ensaiadas.
Difunde-se a «crença» de que graves
problemas da humanidade, como a «fome», a
«subnutrição» ou a
«poluição», podem ser
resolvidos, sem pôr em causa o sistema capitalista, pela
ciência e a tecnologia. Estão no ordem do dia os
Organismos Geneticamente Modificados (OGM) (depois de falhada
revolução verde dos anos 60/70) para a fome em
África e na Ásia, ou os
«biocombustíveis» para as
carências energéticas e a
redução das emissões de CO2. Ao mesmo
tempo, procura afirmar-se a ideia de que parte destes problemas
é resolúvel através de comportamentos
individuais (cuidados primários de saúde, consumo
de bens supostamente «amigos do ambiente», etc.).
Encaixam-se nesta resposta a «nova economia»
suportada pelas «tecnologias de
informação e comunicação
(TIC)», que constituíram um vector
político e ideológico de programas de governo
PS/Sócrates, agora reconvertidas no chamado Plano
Tecnológico.
Todas estas «respostas» e
«medidas» são enquadradas e apoiadas por
políticas públicas (incentivos,
benefícios fiscais, grossas prebendas públicas,
materiais e simbólicas, formação,
etc.), em alguns casos assumidas directamente pelo Estado, como
acontece com o fomento do «empreendedorismo», isto
é, a educação e
formação de cidadãos para o
«risco empresarial», para a
assunção da profissão de
«capitalista», que está a ser integrada
nos currículos escolares.
8.4. Os media e a ideologia
dominante
Na transmissão, reprodução e
consolidação destes conceitos e
teses da ideologia dominante, os media assumem um papel
relevante. São eles próprios
órgãos de criação e
produção ideológica que assegura que
não há alternativa ao capitalismo e ao pensamento
único neoliberal. Mesmo conteúdos culturais e de
entretenimento que se pretendem «ligeiros»
revelam-se, pela influência que têm nos
comportamentos, valores, interesses e atitudes, profundamente
ideológicos.
O domínio dos principais grupos de media internacionais e
nacionais pelo capital monopolista e transnacional não tem
apenas o objectivo do lucro. Ele é a garantia de um
comportamento adequado à reprodução do
sistema.
IV
Outro Rumo. Nova Política
1. A
situação económica e social de Portugal
A difícil situação
económica e social de Portugal é hoje
indissociável da acelerada
concentração e
centralização de capitais nas mãos do
grande capital nacional económico e financeiro, articulado
com o capital estrangeiro, e do seu domínio sobre a vida
nacional. Processo que, a par da perversão do regime
democrático e da promoção de valores
obscurantistas e retrógrados, visou a
restauração das estruturas
sócio-económicas do capitalismo monopolista de
Estado, o agravamento da exploração dos
trabalhadores, a limitação de direitos sociais
dos portugueses, uma crescente dominação do
capital estrangeiro sobre a economia nacional e a
aceitação de limitações
à soberania e independência nacionais.
Esta política conduziu o País à
situação de profundas desigualdades sociais e
assimetrias regionais, a graves défices estruturais, ao
desordenamento do território e a persistentes problemas
ambientais, a fortes dependências externas, à
divergência económica e social face ao conjunto de
países que partilham com Portugal a
integração comunitária europeia.
A persistência da grave situação
económica e social, que tem nos últimos 15 anos
duas recessões económicas e nos primeiros anos do
século uma inquietante evolução,
tornou incontornável e inadiável o questionamento
das grandes orientações políticas e
acções governativas do PS e PSD, mas
essencialmente a necessidade e real possibilidade de
concretização de um caminho alternativo, capaz de
garantir um País mais justo e mais desenvolvido.
2. A
Conferência Nacional e as suas propostas para uma
política alternativa integram-se e enquadram-se no Programa
do PCP «Uma Democracia Avançada no limiar do
século XXI».
A democracia avançada – com as suas quatro
vertentes inseparáveis da democracia política,
económica, social e cultural, no ideal e projecto dos
comunistas – integra cinco objectivos onde, a par de um
regime de liberdade, com Estado democrático, representativo,
participativo e moderno, de uma política de
democratização cultural e uma pátria
independente e soberana, se preconiza um desenvolvimento
económico assente numa economia mista, moderna e
dinâmica e uma política social que garanta a
melhoria das condições de vida do povo.
A estratégia de desenvolvimento da democracia
avançada propõe como principais vectores: o
aproveitamento, a mobilização das potencialidades
e a gestão adequada dos recursos naturais; o aproveitamento
e valorização dos recursos humanos; a
ciência e a tecnologia; a modernização
da economia e o aumento da produtividade; a
criação de um núcleo de
indústrias de bens de equipamento; o planeamento
descentralizado e participado que, numa base prospectiva e integrada,
estabeleça, tendo em conta o mercado, as grandes linhas
objectivos e metas; e a cooperação
económica internacional.
A política social da Democracia Avançada
propõe que sejam assegurados, como direitos sociais
fundamentais: o direito ao trabalho; o direito à
segurança social; o direito à
educação e ao ensino, à cultura e ao
desporto; o direito à saúde e à
habitação; o direito a um ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado; o direito à tranquilidade e
segurança das populações; o direito
das mulheres à igualdade; o direito dos jovens à
realização pessoal e profissional; o direito das
crianças ao desenvolvimento harmonioso; o direito dos
idosos, reformados e pensionistas a uma vida digna; o direito dos
deficientes a uma vida integrada na sociedade; o direito dos emigrantes
à protecção dos seus interesses; o
direito dos imigrantes e das etnias à
protecção dos seus interesses. A
efectivação e aplicação
universais destes direitos sociais fundamentais são um
imperativo para garantir condições dignas de
existência a todos os cidadãos e se
alcançar uma sociedade mais justa.
3. A
Constituição da República Portuguesa,
apesar das revisões que a desfiguraram, contém
ainda hoje valores e princípios adequados a uma efectiva
alternativa económica e social. A difícil
situação económica e social que o
País atravessa e a generalidade dos portugueses vive,
resulta de políticas que sistemática e
flagrantemente a afrontaram e afrontam.
A Constituição da República Portuguesa
estabelece como princípios fundamentais da
organização económico-social, e como
«incumbências prioritárias do Estado
para sua concretização, a
subordinação do poder económico ao
poder político democrático, a
coexistência dos sectores público, privado,
cooperativo e social da propriedade dos meios de
produção e a liberdade de iniciativa e de
organização empresarial no âmbito de
uma economia mista, o planeamento democrático do
desenvolvimento económico e social. Especifica
desenvolvidamente o conteúdo das políticas
agrícola, comercial e industrial, e a
organização, conteúdo e objectivos do
sistema financeiro e fiscal. Estabelece uma
organização económica e social visando
garantir e responder a importantes direitos económicos e
sociais dos trabalhadores e do povo, consagrados constitucionalmente: a
segurança no emprego e o direito ao trabalho, à
segurança social, à
protecção na saúde, a uma
habitação adequada, a um ambiente de vida humano,
sadio e ecologicamente equilibrado, à
educação e à cultura.
4. A
política alternativa que Portugal precisa
A política alternativa é indispensável
para devolver o País a uma dinâmica de
desenvolvimento económico e social, vencer o sentido de
definhamento da economia nacional e inverter o progressivo agravamento
dos problemas sociais, exige:
4.1. A ruptura
com os eixos centrais das orientações
políticas, económicas e sociais de
direita, base da identidade substancial das políticas dos
diferentes governos do PS e PSD.
4.2. A clara
explicitação dos objectivos de desenvolvimento
económico e social que uma
política alternativa deve visar, a
definição dos vectores essenciais e a
identificação das políticas
necessárias para a sua concretização.
4.3. A
afirmação e concretização
de uma política económica e social
que, centradas no interesse nacional e na
elevação das condições de
vida dos trabalhadores e do povo, projecte a
resolução dos principais problemas
económicos e sociais.
5. A ruptura com as
políticas de direita
5.1. Ruptura com
o domínio do capital monopolista, com os
grupos económicos monopolistas transformados em
células estratégicas da estrutura e funcionamento
do tecido económico.
5.2. Ruptura com
a reconfiguração (papel, funcionamento,
organizações) do Estado, ao
serviço do financiamento e favorecimento públicos
da acumulação acelerada do capital privado.
5.3. Ruptura com
a «obsessão» pelo défice
orçamental, instrumento central da
reconfiguração neoliberal do Estado,
responsável por uma queda radical do investimento
público, travagem do crescimento, drástica
redução da despesa social e de uma
política de rendimentos – em primeiro lugar
salarial – favorável ao grande capital.
5.4. Ruptura com
a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores,
reduzidos a mero factor de produção (capital
variável), desintegrados da sua dimensão humana e
social, e que deveriam ser centro e primeira prioridade de toda a
actividade económica.
5.5. Ruptura com
a mutilação e subversão das
políticas sociais – ensino, saúde e
segurança social – transformadas em
espaços de acumulação e
expansão do capital.
5.6. Ruptura com
a atribuição ao capital estrangeiro de um lugar
estratégico e promovendo esse capital como
principal (quando não exclusivo) factor de
modernização do País.
5.7. Ruptura com
o crescimento económico centrado fundamentalmente na
dinâmica das exportações
e da desvalorização e
desprotecção do mercado interno.
5.8. Ruptura com
o rumo comunitário assente na assimetria entre Estados
e perda de importantes instrumentos de soberania e
limitações da independência nacional.
5.9. Ruptura com
a subordinação do território e do mar
sob soberania nacional a lógicas alheias ao interesse do
País, favoráveis ao grande capital
e potências estrangeiras.
5.10. Ruptura
com a subversão da Constituição da
República Portuguesa, as revisões
desfiguradoras ou a violação
sistemática, por omissão e
acção, dos princípios constitucionais
em matéria económica e social.
6. Os objectivos
centrais de uma alternativa económica e social
6.1. A
redução das desigualdades sociais,
o que significa uma justa repartição da riqueza
nacional já hoje produzida, com a
revalorização salarial e políticas
fiscal e de segurança social adequadas.
6.2. O pleno
emprego, como objectivo primeiro das
políticas económicas, e a melhoria da sua
qualidade, com a promoção de emprego
estável e com direitos, reduzindo a precariedade e
insegurança, nomeadamente o desemprego estrutural e de longa
duração.
6.3. O
crescimento económico, sustentado e acima da
média da União Europeia, com o combate
à estagnação da economia nacional,
pelo crescimento significativo do investimento público,
ampliação do mercado interno,
acréscimo das exportações, aumento da
competitividade e produtividade das empresas portuguesas.
6.4. O aumento
geral do bem-estar social e económico e da qualidade de vida
das populações, em particular das
mais desfavorecidas, através da melhoria dos seus
rendimentos e da qualidade dos serviços públicos
(saúde, ensino, segurança social, etc.) e dos
serviços fornecedores de bens essenciais (água,
energia, telecomunicações, transportes),
acessíveis em todo o território nacional.
6.5. A
coesão económica e social de todo o
território nacional, orientando o
desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os
sectores e regiões, eliminando as assimetrias regionais, o
desordenamento do território, a
desertificação do mundo rural e as
agressões ambientais.
6.6. Um sistema
de ensino e uma política cultural virados para a
formação integral dos portugueses,
a promoção e defesa do património
cultural, da língua portuguesa e o desenvolvimento do
País.
6.7. A defesa e
afirmação do aparelho produtivo nacional
como motor do crescimento económico, como dinamizador da
procura interna e como alimentador de um sector exportador mais
diversificado sectorial e geograficamente.
7. Vectores
estratégicos de uma política económica
e social
7.1. A
recuperação do comando político e
democrático do processo de desenvolvimento,
com:
7.1.1. A afirmação da soberania
nacional, questão decisiva para a
afirmação de uma política alternativa
no contexto da globalização capitalista e
integração comunitária.
7.1.2. A subordinação do poder
económico ao poder político democrático,
o que exige o combate a uma estrutura económica monopolista,
o exercício e assunção pelo Estado das
missões e funções constitucionais na
organização e funcionamento da economia e vida
social.
7.1.3. O planeamento democrático do
desenvolvimento, rompendo com as políticas do
desenvolvimento desigual e anárquico inerentes ao
capitalismo, visando o desenvolvimento humano e integrado de sectores e
regiões, a justa repartição individual
e regional do produto nacional e a coordenação da
política económica com as políticas
social, educativa e cultural.
7.2. A
afirmação de uma economia mista,
não dominada pelos monopólios, com a
coexistência dos três sectores constitucionais
– público, privado, cooperativo e social
– com uma presença maioritária do
sector público nos sectores estratégicos, o que
significa:
7.2.1. A afirmação da propriedade
social e do papel do Estado em sectores
estratégicos, suspendendo o processo de
privatizações em curso e revertendo ao sector
público por nacionalização e/ou
negociação adequada a empresas e sectores
privatizados, afirmando um Sector Empresarial do Estado forte e
dinâmico.
7.2.2. O apoio ao sector cooperativo e social,
através do estímulo à
criação, desenvolvimento e
discriminação positiva no apoio
público da actividade cooperativa da actividade cooperativa
e a fórmulas empresariais de autogestão.
7.2.3. A promoção de um apoio
prioritário e preferencial a micro, pequenas e
médias empresas, no quadro de um sector
privado constituído por empresas de variada
dimensão.
7.3. A
valorização do trabalho e dos trabalhadores,
questão nuclear de uma política alternativa,
através de:
7.3.1. Uma significativa melhoria dos salários
e vencimentos como contributo e
condição indispensáveis para o
desenvolvimento económico e uma melhor
repartição do rendimento entre o trabalho e o
capital.
7.3.2. Uma estratégia económica e
social de pleno emprego, qualidade do trabalho e
protecção do emprego, combatendo a precariedade e
instabilidade laborais.
7.4. O desenvolvimento dos
sectores produtivos e o combate à
financeirização da economia,
recusando, no quadro da divisão internacional ou europeia do
trabalho, uma persistente redução da actividade
económica produtiva, o que exige:
7.4.1. A defesa dos sectores produtivos
através da valorização e
desenvolvimento da produção nacional e da
promoção da sua complexidade
tecnológica e valor acrescentado.
7.4.2. Medidas que dinamizem o crescimento da sua
produtividade e competitividade (investimento,
qualificação dos recursos humanos, factores de
produção aos preços da
concorrência).
7.4.3. O reforço da sua presença no
mercado interno, a par de sustentadas e diversificadas
políticas de exportação, com
valorização das marcas nacionais em todos os
mercados internacionais.
7.5. O combate decidido
à dependência estrutural da economia portuguesa,
através de:
7.5.1. Dinamização do papel do
Estado no investimento produtivo, apostando no
desenvolvimento dos sectores em que a nossa dependência
estratégica é maior;
7.5.2. Apoio ao desenvolvimento das micro, pequenas e
médias empresas no abastecimento do mercado
interno e da sua crescente internacionalização;
7.5.3. Orientar o investimento directo estrangeiro
para o sector produtivo com significativo valor acrescentado nacional,
em condições de impactos favoráveis e
estabilidade no médio e longo prazos.
7.6. A
superação progressiva de défices
estruturais, através de políticas
adequadas de investimento, ensino e formação
profissional, I&D, no quadro da actividade de um forte e
dinâmico sector público, designadamente ao
nível de: produção de bens materiais,
e em particular de bens alimentares; produtividade e competitividade;
energia; ciência e tecnologia; transportes e
logística.
7.7. A
dinamização do mercado interno e desenvolvimento
de relações económicas externas
vantajosas e diversificadas, no quadro da
cooperação com todos os povos do mundo,
através de:
7.7.1. Uma melhor distribuição do
rendimento nacional e do desenvolvimento da despesa pública
com investimentos em infra-estruturas e bens materiais e
políticas sociais.
7.7.2. Reforço da capacidade financeira das
Regiões Autónomas e do Poder Local.
7.7.3. Um forte apoio à actividade das micro,
pequenas e médias empresas.
7.8. A
afirmação do primado dos serviços
públicos na área das políticas sociais,
pela:
7.8.1. Afirmação de uma
presença do Estado, não de forma
supletiva ou residual, mas como estrutura determinante e referencial.
7.8.2. Garantia da acessibilidade em todo o
território nacional a serviços com
o mais elevado padrão de qualidade.
7.9. A
educação, a cultura e a ciência como
factores nucleares do desenvolvimento económico e social e
missões essenciais do Estado democrático,
através de:
7.9.1. Assunção pelo Estado das
suas responsabilidades de desenvolvimento na
consideração da estreita
relação e interdependência dos factores
económicos e sociais, sendo que a
dimensão social é hoje factor determinante do
próprio crescimento económico.
7.9.2. Uma política que assegure o papel do
Estado no desempenho de importantes responsabilidades
constitucionais no âmbito das suas
funções sociais, indispensáveis ao
desenvolvimento do País, à
satisfação dos direitos dos trabalhadores e das
populações e à defesa do interesse
público.
7.10. Um desenvolvimento em
harmonia com a natureza, numa perspectiva transformadora
da sociedade:
7.10.1. A utilização dos recursos
naturais endógenos assente numa
alteração radical de paradigma, ao
serviço do País e do povo, na
preservação da natureza.
7.10.2. Democratização da
gestão e usufruto dos recursos naturais, numa
perspectiva que contrarie a mercantilização e
privatização da natureza.
8. As
políticas económicas e sociais
necessárias
8.1. Outro caminho para
Portugal na Europa e no Mundo
Outro rumo e uma nova política ao serviço do povo
e do País exige, face ao enquadramento internacional e
ás suas consequências, o desenvolvimento de
relações económicas internacionais
mais equitativas e mais justas contra as
imposições do imperialismo e as ruinosas
decisões dos seus organismos exige a defesa da soberania
nacional como questão central e estratégica e a
reconsideração do enquadramento
comunitário da economia portuguesa na luta pela
construção de uma Europa de
cooperação entre Estados soberanos e iguais em
direitos. Uma Europa que não resultará nunca dos
que defendem uma integração neoliberal,
federalistas e militarista, do mero funcionamento dos
órgãos da União Europeia afastados dos
cidadãos e determinados pelo grande capital, mas da
conjugação da luta de massas e
acção institucional, explorando as
contradições e obstáculos da actual
integração.
São linhas de
intervenção para a exigência de uma
mudança de rumo das políticas
comunitárias:
8.1.1. O estabelecimento de uma Estratégia
para a Solidariedade e o Desenvolvimento dotada de um
novo conjunto de políticas económicas, sociais e
ambientais, visando o pleno emprego, o emprego com direitos e
salários revalorizados, a coesão
económica e social e a protecção
social para todos
8.1.2. Uma política orçamental
virada para o crescimento e o investimento baseada:
i) Na revogação do Pacto de Estabilidade e
Crescimento, substituindo-o por um Programa para o Emprego e
Crescimento, que estimule o crescimento público e
estabeleça critérios específicos de
ordem económica, social e ambiental;
ii) Na inversão da política monetária
por parte do BCE e na respectiva reforma institucional, assente na
responsabilidade democrática, no controlo
político e em preocupações
económicas e sociais;
iii) Na criação de um programa de investimento da
União Europeia para o desenvolvimento e o emprego.
8.1.3. A adopção de novas
políticas sociais que:
i) Promovam a igualdade de direitos e de oportunidades para todos e
previna e elimine os diversos factores de
discriminação e desigualdade;
ii) Realizem a necessária repartição
da riqueza criada, com salários e pensões
revalorizados, o desenvolvimento dos sistemas públicos e
universais de segurança social, o acesso a
serviços públicos de qualidade, nomeadamente nos
domínios da saúde, educação
e habitação.
8.1.4. Uma profunda reforma das políticas
comuns
i) Uma reforma da Política Agrícola Comum (PAC)
que assegure a soberania e a segurança alimentares tendo em
conta as especificidades da produção
agrícola e das regiões;
ii) Uma reforma da Política Comum das Pescas que promova a
modernização e desenvolvimento
socio-económico do sector, garanta o futuro da actividade
piscatória, no quadro do controlo nacional da Zona
Económica Exclusiva;
iii) O apoio ao desenvolvimento e salvaguarda da actividade industrial;
iv) Uma nova orientação para as
relações comerciais externas da União
Europeia, nomeadamente na OMC, e nas negociações
bilaterais, recusando processos de liberalização,
consolidando políticas de cooperação e
apoio ao desenvolvimento dos países menos desenvolvidos;
v) Uma nova estratégia para a
regulação dos mercados de capitais face aos
riscos acrescidos de crises financeiras, combatendo as
deslocalizações de empresas, penalizando-as,
tributando as transacções financeiras e pondo fim
aos paraísos fiscais (offshores).
8.2. Um
crescimento económico vigoroso, sustentado e equilibrado do
País
O que torna necessária e decisiva
intervenção do Estado na efectiva
regulação da actividade económica e
como agente económico que tenha em conta o papel real do
mercado no quadro de uma economia mista, não dominada pelos
monopólios, com sectores de propriedade diversificada e com
as suas dinâmicas próprias e complementares,
respeitadas e apoiadas; na efectiva concretização
de políticas que prossigam opções
estratégicas nacionais, para garantir o pleno aproveitamento
das capacidades e recursos nacionais; para harmonizar as
actuações dos sectores público,
privado e social face aos desafios externos e a um objectivo claro de
desenvolvimento económico e de progresso social.
São eixos, objectivos e políticas
para um crescimento económico, vigoroso, sustentado e
equilibrado:
8.2.1. O desenvolvimento e a
modernização das actividades produtivas,
pela:
i) Defesa da produção e do mercado nacional, com
a dinamização dos investimentos
público e privado, do mercado interno, das
acções de investigação
associadas à produção, particularmente
em sectores de forte conteúdo tecnológico e/ou
geradores de emprego e de serviços prestados às
empresas;
ii) Alteração do actual perfil de
especialização da economia e uma economia
competitiva, não baseada na
desvalorização da força de trabalho
mas na inovação,
investigação e desenvolvimento
tecnológico, na qualidade dos produtos, na
organização empresarial, na
formação e qualificação dos
trabalhadores;
iii) Existência de infra-estruturas materiais e sociais
básicas.
8.2.2. Uma consolidação das
finanças públicas, identificada
como a sustentabilidade da dívida pública no
médio e longo prazos e articulação da
gestão orçamental com o crescimento
económico e o desenvolvimento social, nomeadamente promotora
de um elevado investimento público em infra-estruturas
físicas, em educação e
formação profissional e em áreas
sociais como a saúde e a protecção
social. A sustentabilidade do processo impõe quatro
exigências centrais:
i) A revogação do Pacto de Estabilidade;
ii) Um crescimento económico sustentado a ritmos elevados
que promova o desenvolvimento, o emprego e potencie as receitas
fiscais;
iii) Um permanente rigor e disciplina na
avaliação das despesas públicas com o
combate ao desperdício e um aumento de eficiência
das administrações públicas;
iv) O aumento das receitas e eficiência do sistema fiscal,
através do alargamento da base e do aumento da
fiscalização tributárias, com a
significativa redução dos benefícios
fiscais, designadamente no sector financeiro,
diminuição do IVA, combate à
evasão e fraude fiscais e imposição
fiscal sobre o património mobiliário e ganhos
bolsistas.
8.2.3. A dinamização do investimento,
nomeadamente do investimento público e a melhoria da
eficácia e eficiência na
utilização dos fundos comunitários. A
reorientação de todo o investimento, quer
público quer privado, com base em critérios
adequados às necessidades de desenvolvimento do
País, significa:
i) Promover políticas de crédito e
orçamentais que favoreçam o investimento
produtivo e a produção de bens
transaccionáveis, dirigindo os recursos (nacionais e
comunitários) disponíveis para incentivar o
investimento para o aumento da produtividade e da competitividade dos
sectores tradicionais e para o apoio a novos sectores onde o
País tem potencialidades.
ii) Favorecer uma localização territorial do
investimento correctora das assimetrias regionais.
iii) Criar condições para que a
atracção do investimento estrangeiro salvaguarde
a sua sustentabilidade e efeitos positivos no tecido
económico nacional e combata o investimento predador e
«beduíno».
8.2.4. O alargamento do mercado interno
enquanto condição básica de
sustentabilidade e estabilidade de qualquer estratégica de
desenvolvimento económico, através:
i) Do crescimento do rendimento disponível das
famílias, nomeadamente pelo crescimento dos
salários e pensões, travando e corrigindo a
actual trajectória de um consumo desequilibradamente
centrado no crédito bancário;
ii) Do desenvolvimento regular do investimento público da
Administração Central, das regiões
Autónomas e das autarquias;
iii) Das políticas de dinamização da
actividade das micro, pequenas e médias empresas.
8.2.5. Um sector público forte e
dinâmico, ao serviço da democracia
e do desenvolvimento independente do País, é
condição chave para a
manutenção em mãos nacionais de
alavancas económicas decisivas e para concretizar a
propriedade social dos sectores básicos e
estratégicos, instrumento essencial para garantir o
desenvolvimento integrado e o ordenamento do território,
para reafirmar um Estado com um papel produtivo e não
meramente regulador, para promover uma política de emprego e
melhoria das condições laborais e de vida.
Assegurar um sector público com uma dimensão e
peso determinantes nos sectores básicos e
estratégicos da economia nacional, nomeadamente: a banca e
os seguros; a energia; a água, saneamento e tratamento de
resíduos sólidos; as
comunicações e
telecomunicações; os transportes e vias da
comunicação; a indústria; bem como
outros sectores considerados estratégicos, designadamente
áreas da comunicação, da
investigação e desenvolvimento
tecnológicos, partindo das posições
que o sector público já hoje aí
detém.
8.2.6. Um sector energético
orientado para as energias renováveis, com as seguintes
linhas de actuação:
i) A definição de uma estratégia que,
no contexto do esgotamento dos combustíveis
fósseis (o Estado português deve subscrever o
Protocolo de Esgotamento), reduza os consumos energéticos,
com programas consistentes de utilização racional
de energia e diversifique as fontes de energia;
ii) O reassumir pelo Estado do seu papel de Autoridade no
aprovisionamento, produção, transporte e
comercialização das diferentes formas de energia,
inclusive na retoma urgente do planeamento energético;
iii) A reorganização empresarial das fileiras
energéticas do sector público, que deve recompor
a cadeia de valor das empresas de electricidade e de gás
natural, desagregada pelas reestruturações
levadas a cabo pelos governos PS e PSD;
iv) A inventariação e
utilização integrada e coerente de todas as
potencialidades nacionais em energias renováveis –
hidroeléctrica, solar térmica, eólica,
biomassa, geotérmica e as ligadas ao mar – e uma
consideração crítica do recurso aos
agrocombustíveis de produções
dedicadas ou à intensificação do uso
do gás natural em centrais térmicas;
v) Uma política de transportes que privilegie o transporte
público e colectivo de passageiros, particularmente o modo
por carril accionado electricamente, e incentive o transporte de
mercadorias por ferrovia e ainda pelo modo fluvial e
marítimo; em particular, deve ser generalizado o uso do
gás natural nas frotas urbanas e intensificada a sua
utilização nos veículos ligeiros e
pesados.
8.2.7. Adequada política de ambiente,
água e recursos naturais, que considere de
forma integrada um vasto conjunto de políticas sectoriais e
se insira nos seguintes princípios:
i) Um desenvolvimento que potencie as riquezas naturais do
País, numa gestão democrática,
planificada e racional dos recursos;
ii) Uma política orientada para a
promoção e elevação da
qualidade de vida das populações, garantindo a
democratização do acesso à Natureza e
do seu usufruto;
iii) Uma política de recursos hídricos que
garanta o acesso à sua utilização como
direito inalienável das populações, e
que preserve e aprofunde a sua gestão pública e
que impeça a sua mercantilização;
iv) Uma política de preservação da
Natureza que não consista no abandono, mas antes na
aproximação das populações
à sua gestão e que garanta a
independência dessa gestão perante os interesses
do capital que orbitam em seu torno;
v) Uma política de investimento na
investigação científica e no
desenvolvimento da tecnologia visando a evolução
dos meios de produção e uma indústria
cada vez menos poluente.
8.2.8. Ordenamento do território e efectivas
políticas de desenvolvimento regional,
assumido enquanto vector essencial de estratégias de
desenvolvimento do País e de combate à
desertificação, o que exige:
i) O desenvolvimento de políticas para as cidades e
metrópoles que privilegiem a
reabilitação e a renovação
urbanas invertam processos de degradação
ambiental e contrariem e corrijam o carácter monofuncional
nas relações centro-periferia;
ii) A promoção de políticas de defesa
e valorização do mundo rural e das
regiões do interior e insulares, em particular com
políticas de investimento (Orçamentos do Estado e
QREN) adequadas, o cumprimento de obrigações de
serviço público (transportes,
comunicações,
telecomunicações, energia, etc.) e a
correcção do desenvolvimento desigual das actuais
políticas económicas capitalistas.
8.3. A perspectiva social do
desenvolvimento
O desenvolvimento do País passa pelo trabalho qualificado e
remunerado de acordo com uma melhor distribuição
da riqueza e do rendimento disponível, eixos centrais de uma
estratégia que considere o ser humano e os seus
conhecimentos e não o capital como principal factor de
crescimento económico e por um investimento significativo na
educação, na cultura, na ciência e
tecnologia, na saúde, na segurança social e no
ambiente, tendo presente que o efeito cumulativo dos diferentes
factores sociais e económicos são decisivos para
aumentar as possibilidades de desenvolvimento económico e
social, fundamental para a melhoria do nível de vida dos
portugueses.
Na prossecução deste objectivo o PCP
propõe, entre outras, as seguintes medidas no plano social:
8.3.1. Uma política educativa
que considera a educação e o ensino como um
direito de todos e de cada um ao conhecimento e à
criatividade, ao pleno e harmonioso desenvolvimento das suas
potencialidades, vocações e consciência
cívica. Direito que deve ser assegurado por uma Escola
Pública de Qualidade e Gratuita para todos e por uma
política que igualmente assuma a
educação, a ciência e a cultura como
vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do
nosso País; que atenda à multiplicidade dos
processos educativos e formativos contemporâneos e
às dimensões que estes necessitam de dar
resposta, desde a competência profissional e a
qualificação, à cultura humanista e
científico-técnica, à
inovação e à
criação.
8.3.2. A valorização do papel da
Ciência e Tecnologia (C&T) e das Actividades
Científicas e Técnicas (AC&T)
como instrumento indispensáveis à
concretização de uma política
alternativa que efectivamente conduza à melhoria das
condições de vida do povo português
tendo presente que o ritmo de criação de riqueza
depende do volume de recursos humanos, materiais e financeiros
afectados a essas actividades. Objectivo que passa pelo crescimento
gradual do investimento em I&D que deverá atingir o
montante anual correspondente a 1% do PIB, em termos reais,
até 2010; por uma política de
criação de emprego visando o reforço
dos efectivos de pessoal das unidades públicas que
desenvolvem actividades de I&D e outras AC&T; pela
radical simplificação dos processos de
gestão administrativa e financeira das unidades
públicas de SCT nacional, acompanhada pelo desenvolvimento
de uma rede de institutos e laboratórios nacionais,
alargando os domínios da especialidade actualmente cobertos,
pela criação, a promover pelo Estado, de um fundo
de I&D para o qual as empresas interessadas contribuiriam
anualmente, numa percentagem a definir do respectivo VAB anual; e o
apoio público à criação de
núcleos de I&D em empresas para a
execução de actividades próprias de
I&D e inovação, através de
incentivos financeiros, incluindo incentivos fiscais.
8.3.3. Uma política de efectiva
democratização da cultura, factor
essencial de emancipação individual e colectiva.
Esta política significa o acesso generalizado das
populações à
fruição dos bens e das actividades culturais; o
apoio à criação,
produção e difusão culturais; a
descentralização da cultura; a defesa, o estudo e
a divulgação do património cultural
nacional, regional e local, erudito e popular, tradicional ou actual; o
intercâmbio com os outros povos da Europa e do mundo; a
abertura aos grandes valores da cultura da humanidade e a sua
apropriação crítica e criadora; o
combate à colonização cultural; a
promoção internacional da cultura e da
língua portuguesas.
8.3.4. A existência de um Serviço
Nacional de Saúde, sua
concretização e desenvolvimento como
Serviço Público, universal, gratuito, eficiente e
eficaz, mantendo-se o Estado como prestador geral e universal de
cuidados de saúde, com a completa
separação entre o sector público e
privado, indispensável ao aumento da eficiência
dos recursos públicos, da sua qualidade e à sua
acessibilidade.
8.3.5. A defesa do sistema público de
Segurança Social – consolidando o
seu carácter universal e solidário –
como um pilar insubstituível de novas políticas
sociais que visem uma justa repartição do
rendimento nacional, o combate às injustiças e as
desigualdades sociais. Tal objectivo implica romper com as
opções de direita – que remetem o
Sistema Público de Segurança Social para um papel
residual e de carácter assistencialista –
assumindo novas medidas que façam cumprir o direito dos
trabalhadores face às diversas eventualidades,
situações de risco e dos que se encontram numa
situação de pobreza e exclusão social
assegurando uma continuada elevação dos
níveis de protecção social. Para a
concretização destes objectivos
impõe-se consolidar a sustentabilidade financeira do sistema
público, no presente e para o futuro, através do
combate à evasão e dívida, de uma
justa e adequada diversificação das suas fontes
de financiamento, que responsabilize e comprometa o Estado, os
trabalhadores, os sectores produtivos e as empresas de capital
intensivo.
8.4. A
valorização do trabalho e uma melhor
distribuição da riqueza
A valorização do trabalho e dos trabalhadores,
enquanto condição determinante para o
desenvolvimento, exige o pleno emprego, a
distribuição justa do rendimento e da riqueza, o
aumento dos salários, condições de
trabalho dignas e qualidade de emprego, a
formação profissional, o investimento num perfil
económico assente em mão-de-obra qualificada,
direitos individuais e colectivos desenvolvidos e efectivos.
São medidas urgentes e necessárias:
8.4.1. Assegurar e reforçar os direitos
individuais e colectivos, incluindo os direitos
sindicais, de contratação colectiva e de greve, o
que exige a revogação das normas gravosas do
Código de Trabalho, em particular o termo da caducidade das
convenções colectivas e o respeito pelo
princípio do tratamento mais favorável ao
trabalhador.
8.4.2. Melhorar os salários, em
particular o salário mínimo nacional, com vista a
melhorar as condições de vida e a assegurar um
significativo progresso na distribuição do
rendimento nacional.
8.4.3. Aplicar os princípios da igualdade de
tratamento no emprego e na profissão e
combate a todas as formas de discriminação.
8.4.4. Desenvolver e tornar efectivos os direitos de
informação, de consulta e de
participação dos trabalhadores e das suas
organizações (sindicatos e comissões
de trabalhadores), a todos os níveis.
8.4.5. Reforçar a
fiscalização e o combate ao uso abusivo e ilegal
de contratos a termo, do trabalho temporário
e regularização da situação
dos trabalhadores com falsa prestação de
serviços.
8.4.6. Investir na mão-de-obra,
sendo prioritário a concretização do
direito à formação contínua
enquanto instrumento fundamental para a
valorização do trabalho e o aumento da
qualificação.
8.4.7. Criar medidas que, no quadro de
processos de reestruturação de empresas ou em
actividades ou sectores deprimidos, permitam o
desenvolvimento da formação profissional,
na perspectiva da qualificação e
requalificação dos trabalhadores e a igualdade de
oportunidades.
8.4.8. Responder aos problemas postos pela
utilização massiva das novas tecnologias,
defendendo os direitos dos trabalhadores.
8.4.9. Melhorar as condições de
trabalho, sendo urgente reduzir os elevados
níveis de sinistralidade através de uma
política de prevenção e ter em conta
os novos riscos no trabalho.
8.4.10. Criar condições para a
elevação da taxa de emprego de
pessoas com maiores dificuldades de inserção no
mercado de trabalho, particularmente de pessoas portadoras de
deficiência.
8.4.11. Aumentar o grau de
efectivação das normas de trabalho,
através do reforço de
intervenção e da acção
coordenada dos vários serviços inspectivos, e de
uma justiça de trabalho mais célere e mais
acessível.
8.5. Um Estado
democrático, representativo, moderno e eficiente, ao
serviço do povo e do País
O Estado e as suas características, os critérios
de designação dos seus
órgãos, a medida e o sentido do
exercício das suas funções, a
inclusão no processo de decisão
política e administrativa da
participação e intervenção
popular, representam simultaneamente um objectivo
programático autónomo e uma
condição de realização de
outros objectivo programáticos.
Como a situação do País o comprova o
Estado tem constituído pela sua
intervenção, ou deliberada omissão, um
instrumento dos objectivos do capital quer no processo de
reconstituição do capital monopolista, quer no
processo de centralização e
concentração em curso.
O desenvolvimento económico e social do País
exige um Estado democrático, representativo, baseado na
participação popular, moderno e eficiente, ao
serviço do povo e do País do qual são
componentes essenciais: a organização do poder
político baseado no sufrágio universal e directo;
a participação popular permanente no
exercício do poder; uma justiça independente,
democratizada célere e acessível; uma
Administração Pública descentralizada,
desconcentrada, desburocratizada e aberta; serviços
públicos essenciais garantidos pelo Estado;
Forças Armadas ao serviço da
independência e soberania nacionais e da integridade do
território; segurança e ordem públicas
baseadas no primado da prevenção e no respeito e
garantia efectiva dos direitos e liberdades individuais e dos
trabalhadores.
São ainda condições para o
desenvolvimento do País o reforço da autonomia
administrativa e financeira do poder local; a
criação das Regiões Administrativas; o
respeito pela autonomia político-administrativa das
Regiões Autónomas, no quadro da unidade e
soberania nacionais.
*
* *
Identificada com as preocupações e expectativas
de largas camadas sociais sujeitas às
consequências de uma política determinada pelos
interesses do grande capital, a política alternativa que o
PCP defende corresponde a uma ampla aspiração de
afirmação da soberania nacional e de ruptura com
a subordinação das
orientações da União Europeia e do
processo de integração, dá resposta
às sentidas dificuldades e aspirações
que a generalidade da população, e em particular
os trabalhadores, enfrentam.
Inseparável do processo de construção
de uma alternativa política, a política
alternativa que o PCP apresenta é tão mais
realizável quanto mais expressiva for a sua
influência, mais forte for o desenvolvimento da luta de
massas e mais largamente se afirmar uma vasta frente social de
oposição à política de
direita com projecção e reflexos no plano
político e institucional.
Assumindo, com a realização da
Conferência Nacional sobre Questões
Económicas e Sociais, as suas responsabilidades perante o
país, o PCP dá expressão às
expectativas, confiança e esperança que os
trabalhadores e o povo nele depositam. Partido
insubstituível na luta de resistência
às políticas de direita e à ofensiva
contra direitos e conquistas alicerçadas com Abril, o PCP
afirma-se como uma força de proposta e de projecto, portador
de uma política alternativa indispensável
à construção de um Portugal com
futuro.
A política alternativa que o PCP aponta como perspectiva, a
concretizar enquanto exigência necessária para dar
resposta aos problemas do País, integra-se e é
enquadrada pelo Programa do PCP. Programa este que, assumido para
actual etapa histórica, afirma uma Democracia
Avançada que – no desenvolvimento dos seus
elementos fundamentais (políticos, económicos,
sociais e culturais) – tem no horizonte a
construção da sociedade socialista.
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