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Referendo sobre as grandes escolhas do Tratado que institui uma Constituição para a Europa
Intervenção de Bernardino Soares
Quarta, 03 Dezembro 2003

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

O que está proposto com o projecto de novo tratado para a União Europeia é mais um passo de enorme gravidade para a soberania dos Estados e de Portugal em particular. Bem podem os federalistas, mais ou menos assumidos, de esquerda ou de direita, tradicionais ou de auto proclamado novo tipo, caricaturar de serôdias, ultrapassadas ou de cariz nacionalista, as razões e os argumentos dos que questionam o progressivo processo de alienação de importantes aspectos das soberanias nacionais, em prejuízo do aprofundamento da desejável cooperação em pé de igualdade entre estados, com vista ao progresso comum. São os mesmos que tentam confundir a oposição a este percurso com uma política de isolacionismo europeu ou que tentam confundir a rejeição deste novo e insensato reforço do caminho federalista com uma proposta de saída do país da União Europeia.

Esta proposta de tratado constitui um enorme e decisivo passo em frente na consagração da natureza federalista da União Europeia e da materialização de um “modelo” neo-liberal, designadamente através da consagração de uma super estrutura acima dos Estados nacionais, com a tentativa de se impor inclusive às constituições nacionais, a consagração de um directório de grandes potências no comando das decisões, e um cada vez maior afastamento de povos europeus e dos parlamentos nacionais que os representam, de opções decisivas para o seu futuro.

Esta proposta de tratado consagra a possibilidade de uma minoria de grandes estados passar a poder bloquear as decisões, dando cobertura legal aos cada vez mais frequentes entendimentos entre os grandes países à margem dos órgãos da União, que depois se impõem na prática aos restantes. E avança ainda mais na restrição da possibilidade de veto de decisões que prejudiquem os interesses nacionais, sempre justificada com argumentos de governabilidade. O que se passou recentemente sobre o Pacto de Estabilidade é disso um exemplo.

Tudo isto tem consequências reais para o nosso país nas decisões que prejudicam por exemplo a nossa economia e o nosso tecido produtivo.

Esta proposta de tratado visa “constitucionalizar” o modelo neo-liberal em vigor na União Europeia, limitando cada vez mais as decisões nacionais e o controle democrático, e adoptando as políticas económicas e sociais tão do interesse do grande capital europeu, aliás bem demonstrado pelo apoio ao texto das organizações do patronato europeu.

Esta proposta de tratado visa consagrar a militarização da União Europeia e consagrá-la como um bloco político-militar com uma política de defesa comum articulada com a NATO. A escalada militarista proposta não servirá certamente, como até alguns bons espíritos desejariam, para uma política autónoma ou para enfrentar a política imperial dos Estados Unidos da América e para promover a paz, como os exemplos da intervenção no Kosovo ou a aceitação (a priori ou a posteriori) da intervenção no Iraque o comprovam.

A gravidade do conteúdo do que está proposto à conferência intergovernamental, e que o primeiro-ministro qualifica como uma boa base de trabalho, não se desliga do carácter profundamente antidemocrático do processo que levou até este texto. A Convenção foi criada de forma a produzir um texto que satisfizesse os interesses das grandes potências, daí a sua composição pouco plural (lembre-se que desta Assembleia só estiveram representadas duas forças políticas), exorbitou o seu mandato, imiscuiu-se nas competências dos governos dos Estados-membros, transformou um texto de proposta de novo tratado num projecto de “constituição” sem constituintes, funcionou de forma centralizada, obscura e à margem dos povos europeus.

Por tudo isto é indispensável um debate alargado sobre as opções que o país está à beira de tomar, que deve ir muito para além da questão do referendo, mas que não dispensa a realização deste.

O PCP tem nesta matéria uma inabalável coerência. Ao reafirmar a importância e a indispensabilidade da realização de um referendo antes da ratificação de um novo tratado, repetimos a exigência democrática feita a propósito de outros importantes tratados, em que por acção conjugada de PS e PSD, sistematicamente o povo português se viu impedido de se pronunciar democraticamente sobre o seu conteúdo. Os mesmos partidos que introduziram em 1997 uma norma constitucional visando dificultar a formulação de perguntas que pudessem resultar directamente na não ratificação de um qualquer tratado europeu por Portugal, limitação que aliás, no agora iniciado processo de revisão constitucional, apenas os projectos do PCP e dos Verdes se propõem eliminar.

Por isso é legítimo, a quem sempre quis e propôs a consulta democrática ao povo português em matéria de tratados europeus, suspeitar da sinceridade das intenções daqueles que, nunca verdadeiramente quiseram os referendos. E já se vislumbra da parte desses partidos a estratégia de passa culpas se o referendo não se realizar.

Pela nossa parte não aceitamos um qualquer referendo; opomo-nos à proposta da maioria de coincidência do referendo com as eleições europeias, inventada a meio de uma crise governamental que era preciso abafar, e que está desde logo inviabilizada, e bem, por uma norma constitucional aprovada por unanimidade. A recusa da maioria em aceitar qualquer outra data, sabendo que é inaceitável a amálgama de um referendo em simultâneo com as eleições europeias, denuncia bem a falta de verdadeira vontade de fazer o referendo.

Defendemos um referendo em que os portugueses se possam pronunciar de forma esclarecida sobre o comprometimento do país com o rumo proposto pelo novo tratado europeu a sair da CIG e em que fiquem absolutamente claras as consequências da vitória do sim mas também da vitória do não; de ambos os resultados tem de haver consequências.

Quanto à proposta hoje apresentada pelo Bloco de Esquerda, ela merece sérios reparos. Não quanto à justeza do objectivo anunciado, que partilhamos sem reservas, de realização de um referendo sobre o novo tratado da União Europeia. Mas sobretudo quanto às perguntas uma delas claramente inconstitucional, à ideia de que o momento indicado para o realizar seria antes do encerramento da CIG, quando na verdade é o processo de ratificação pela Assembleia da República o momento decisivo na vinculação do Estado português ao novo Tratado. É isso que tem acontecido em relação aos tratados anteriores noutros países europeus. Aliás em relação a este tratado as ratificações e eventuais referendos sobre a matéria decorrerão no prazo de ano e meio após a assinatura dos governos.

A realização de um referendo antes da conclusão da CIG (que aliás não se sabe quando ocorrerá), traria consigo a sua inevitável integração na dinâmica das eleições europeias, o que não deve ser o objectivo dos que, como é o nosso caso, verdadeiramente pretendem contribuir para um amplo movimento que defenda para os portugueses a possibilidade de se pronunciarem em referendo, com consequências reais em relação à vinculação do Estado português a este novo tratado, independentemente da realização das eleições. E nem se diga que isso sujeitaria o debate à demagógica argumentação da direita de que, estando o tratado já assinado, o “não” seria uma catástrofe para o país no plano europeu. A direita usará sempre esse argumento, seja qual for o momento de realizar o referendo. Não é aceitável o argumento de que pelo simples facto de se realizar após a assinatura dos governos o referendo ficaria irremediavelmente sujeito “à lógica plebiscitária da confirmação da assinatura do Tratado pelo governo”.

Quanto às perguntas propostas:

A primeira pergunta deixa a nossa Constituição em muito maus lençóis é clamorosamente inconstitucional. A concretizar-se estaríamos, pela via do referendo a caucionar a validade da nossa Constituição. Porque também aqui os proponentes devem responsavelmente esclarecer qual será o resultado concreto das respostas possíveis num referendo e neste caso qual será o resultado de uma resposta maioritária de concordância com a primazia da chamada “constituição” europeia em relação à constituição portuguesa, e em que situação tal maioria deixa o nosso texto fundamental e a nossa soberania.

Quanto às outras perguntas, relativas à criação do cargo de presidente do Conselho europeu em detrimento das presidências rotativas e à progressiva militarização da União Europeia, cabe pelo menos interrogar, mesmo admitindo que em relação a estas duas matérias uma resposta negativa criaria dificuldades em relação aos pontos a que se referem, se isso será suficiente para impedir a vinculação de Portugal ao caminho global presente no projecto de tratado.

Por nós, não queremos que se exclua a hipótese de o povo português se pronunciar de forma a que a consequência seja que Portugal não possa vincular-se ao novo tratado e ao seu caminho de federalismo, de desigualdade entre estados, militarização mas também de consagração do neo-liberalismo.

Não aceitamos a lógica errada do “é agora ou nunca”, nem concordamos com a postura de reduzir o referendo à possibilidade de influenciar a posição de Durão Barroso na CIG, quando o que verdadeiramente é decisivo é o processo de ratificação pela Assembleia da República. A assinatura de Durão Barroso vincula certamente o Governo português, mas é na Assembleia da República que reside a competência de vinculação de Portugal, o que não pode, nem deve ser desvalorizado.

O PCP rejeita sem hesitações o caminho federalista proposto no projecto de novo tratado. Não temos ilusões de que as consequências da perda de soberania e da concentração de poderes em núcleos dirigentes comprometidos com o modelo neo-liberal vigente e com os interesses do grande capital europeu serão em todo o caso, como prova a história recente, negativas para os interesses de Portugal e dos portugueses. Ao contrário do que afirma o BE, a questão é pois também o federalismo e a aceitação de uma super estrutura europeia plasmada numa constituição acima da soberania dos Estados. Por isso é muito mais do que uma questão bizantina a não aceitação da auto atribuída designação de constituição europeia, que não é inocente nem inócua. Por isso também é indispensável questionar de forma global o caminho traçado pelos directórios europeus que não pode nem deve ser aceite como inevitável.

Por nós não aceitamos essa inevitabilidade

Por isso desafiamos todos os cidadãos e forças políticas e sociais a que não desistiram da difícil batalha do esclarecimento e do alerta sobre a gravidade das opções em presença para o futuro do país. Esse caminho passa certamente pelo desenvolvimento de um vasto movimento de opinião que condicione e impeça a vinculação do Governo às graves opções propostas à CIG, mas que não abdique de conquistar o referendo à vinculação do país ao tratado que dela vier a sair, antes do momento decisivo que é a ratificação na Assembleia da República.

Para que finalmente os portugueses se possam pronunciar num referendo não apenas aparentemente útil mas verdadeiramente decisivo.

 

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