Partido Comunista Portugu�s
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Intervenção de Agostinho Lopes na AR
Produção de leite nacional
Quinta, 04 Junho 2009
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Em Declaração Politica na AR, Agostinho Lopes denunciou o risco de liquidação em que se encontram as explorações agrícolas leiteiras do País e anunciou a entrega de um Proj. de Resolução "para o apoio imediato à produção do leite nacional (...) com três direcções fundamentais: travar a degradação dos rendimentos dos produtores, sanear a fileira do leite e lacticínios e repor em níveis razoáveis o equilíbrio económico-financeiro das explorações".

 

Declaração política contra a política do Ministério da Agricultura e dando conta da apresentação de um projecto de resolução para apoio imediato à produção leiteira nacional e salvaguarda das explorações leiteiras do País

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Uma interrogação.

Como é possível que 1 l de leite seja mais barato do que 1 l de água? Pior. Como é possível que 1 l de leite UHT meio gordo, importado da Alemanha, seja vendido em Portugal a 39 cêntimos? Estão em risco de liquidação as explorações agrícolas leiteiras do País!

Os Srs. Deputados sabem que a situação é insustentável. A conjugação da baixa do preço do leite pago aos produtores com a subida dos custos de produção põe em causa a sua sobrevivência. O que determinará uma nova reestruturação «forçada» do sector produtivo, depois da «expulsão», traduzida pela passagem, em 12 anos, de 80 000 explorações leiteiras a cerca de 11 000.

As medidas tomadas, recente e tardiamente, pelo Governo (e pela União Europeia) estão longe de responder à gravidade da situação. Antes parece querer aproveitar a crise para eliminar mais uns milhares de produtores e acabar, em definitivo, com a produção de leite em algumas regiões do País, como o planalto mirandês e a Guarda.

Srs. Deputados, não há nenhum mistério na situação dramática vivida pelos produtores de leite. A baixa do preço do leite está particularmente ligada à importação de leite de países da União Europeia a preços de saldo! O Governo PS, através do Ministro da Agricultura, nega o problema para justificar a sua inactividade e, fundamentalmente, para esconder as suas responsabilidades na aprovação de uma política comunitária suicidária para a produção de leite nacional.

Quando as lojas de um grande grupo de distribuição começam a vender o pacote de leite, importado da Alemanha, a 39 cêntimos, tudo fica claro. Porque de duas, uma: ou o leite é vendido abaixo do seu custo final, com prejuízo para o comerciante, o que é proibido pelas regras da concorrência, ou é comprado nesse país abaixo dos custos locais de produção, provavelmente com apoios estatais, e estamos perante um processo de dumping, proibido na União Europeia.

Como é possível que leite vindo da Alemanha possa ser vendido em Portugal, ao consumidor, a preços que são insuficientes para compensar a produção nacional, que reclama um mínimo de 40 cêntimos por litro?! Mesmo tendo em conta os preços que a Sr.ª Merkel diz estarem a ser pagos aos produtores alemães - 18/20 cêntimos -, os preços de venda ao público nunca poderiam ser inferiores a cerca de 50/60 cêntimos, com contas por baixo!

Perante este atentado à produção nacional, Srs. Deputados, o que faz o Governo PS/Sócrates e o Ministro da Agricultura? Zero! O que faz a Autoridade da Concorrência? Zero!

É criminoso que um País com um défice externo acima dos 10% e um endividamento externo que ronda os 100% do PIB continue a importar milhões (250 milhões, talvez) de litros de leite da Alemanha, França, Polónia, Espanha, enquanto existem em stock milhões de litros de produção nacional!

Há poucos meses, eram 60 milhões em stock!

Srs. Deputados, esta situação tem causas concatenadas e identificadas: a liquidação das quotas leiteiras, a liberalização do mercado mundial dos lacticínios na Organização Mundial do Comércio, o poder monopolista dos grandes grupos de distribuição.

Sob o impulso da Dinamarca, Holanda, Irlanda, Reino Unido e outros, avançou a revisão da Organização Comum do Mercado (OCM) do Leite com a liquidação do sistema das quotas leiteiras, objectivo a que nenhum governo português se opôs radical e frontalmente.

Este caminho foi iniciado em 1999, no âmbito da reforma da PAC/Agenda 2000, apoiado pelo Governo PS/Guterres e o Ministro Capoulas Santos, onde se lavrou o fim das quotas para 2008, que foi alterado em 2003, adiando a sentença de morte para 2015.

Este caminho foi reiniciado em 2008 (Conselho de Ministros da Agricultura de 17 de Março), igualmente com o acordo do actual Governo e do Ministro da Agricultura, aceitando um aumento de 2% geral e igual para todos os Estados-membros, o que significou produzir mais 2,8 milhões de litros de leite na Europa na campanha em curso. Isto teve o conhecido epílogo no Conselho de Ministros da Agricultura de 20 de Novembro, com a aceitação da liquidação das quotas a prestações, através de um aumento anual de 1% para todos os países, «a fim de preparar o seu desaparecimento, previsto para 2015». Foi uma forma de acabar com as quotas, assegurando uma dita «aterragem suave».

O que sucedeu foi que as últimas medidas de aumentos de quotas «legalizaram» os excedentes que alguns desses países estavam a produzir para lá das quotas e que agora aparecem no mercado europeu a preços de saldo. Sem se referir, aqui e agora, as decisões nunca explicadas do Governo de baixar a taxa de IVA para alguns lacticínios importados e sucedâneos de soja, a conjuntura vivida no sector resulta, depois, no essencial do poder dominante que os grandes grupos de distribuição adquiriram na Europa e em Portugal, e dos processos de completa liberalização dos mercados agro-alimentares.

Por outro lado, as imposições e exigências da grande distribuição nas suas relações com a indústria de lacticínios estreitam, ou eliminam mesmo, as margens do fabricante, que, depois, faz repercutir tal facto no primeiro elo da cadeia de valor: o produtor!

Srs. Deputados, o problema da insuportável baixa de rendimento da actividade das explorações leiteiras e de outras produções agropecuárias resulta também da subida brutal dos custos dos principais factores de produção.

Quando o Governo releva os preços pagos à produção em Portugal relativamente ao estrangeiro, esquece sempre esta outra face da moeda: os preços generalizadamente mais baixos a que os agricultores desses países pagam os factores de produção.

Esquece também o Governo o efeito de algumas das suas decisões: a eliminação da electricidade verde, a liquidação de medidas agro-ambientais, a ausência de medidas, como a retirada de vitelos excedentários e vacas de refugo, o incrível processo de licenciamento das explorações pecuárias ou os crescentes custos das operações de sanidade animal.

A situação não pode, igualmente, ser desligada do desastroso quadro das restantes actividades agropecuárias, e particularmente do mercado de carne bovina (e outras, como de ovinos e caprinos), com preços degradados, sob a pressão das importações da Europa e América Latina. Srs. Deputados, a solução para a fileira do leite e lacticínios não passará por forçar a saída de mais uns milhares de produtores.

Para o PCP, a questão central é criar condições para que os actuais produtores se mantenham em actividade e a estratégia para a agricultura nacional só pode ter como objectivo assegurar, num quadro de sustentabilidade e diversidade produtiva, o máximo de produção agro-alimentar em todo o território nacional, visando a segurança e soberanias alimentares.

É nesse sentido que o Grupo Parlamentar do PCP entrega, hoje, um projecto de resolução para o apoio imediato à produção do leite nacional e salvaguarda das explorações leiteiras do País, o qual aponta em três direcções fundamentais: travar a degradação dos rendimentos dos produtores, sanear a fileira do leite e lacticínios e repor, em níveis razoáveis, o equilíbrio económico-financeiro das explorações.

(...)

Sr. Presidente,

Agradeço ao Deputado Miguel Ginestal as questões colocadas.

Certamente o que esta Assembleia e, particularmente, os produtores de leite portugueses e as organizações de agricultores portugueses gostariam de ouvir de um Deputado da maioria era que explicasse por que razões o Governo ou a Autoridade da Concorrência não intervieram relativamente a leite que foi colocado no mercado de consumo no nosso País a 39 cêntimos o litro, o que é uma manifesta violação de leis de concorrência ou dumping a nível europeu.

Sobre o projecto de resolução do Grupo Parlamentar do PS, podemos dizer que é «chover no molhado», porque o Governo português não precisa de nada para intervir nessa matéria, para monitorizar e acompanhar, como devia estar a fazer, e não está, intervindo e acompanhando as importações de leite de outros países da União Europeia.

Sr. Deputado Miguel Ginestal, relativamente ao fim das quotas, penso que é de valorizar o seu esforço, mas é bom que a história se volte a contar, e já há bocado a referi.

A história é esta: em 1999, no debate de reforma da Política Agrícola Comum (PAC), preparando a chamada «Agenda 2000», um governo do Partido Socialista, neste caso, o governo do Eng.º António Guterres, tendo como Ministro Capoulas Santos e, até, como assessor do Ministro Capoulas Santos o Dr. Jaime Silva, hoje Ministro da Agricultura, decidiu o fim das quotas leiteiras em 2008, Sr. Deputado Miguel Ginestal!

Em 2003, o governo não foi suficientemente firme e pôs termo ao fim das quotas mas adiou esse termo para 2015. Pior do que isso foi vocês, em Março de 2008, terem aceite e votado favoravelmente, no Conselho de Ministros da Agricultura da Europa, o fim das quotas leiteiras em 2015 e o aumento das quotas leiteiras, em 2%, na campanha actual, principal responsável pela situação que os produtores de leite portugueses estão a viver.

Esta é que é esta, Sr. Deputado, e relativamente a esta vocês não respondem!

Nesse Conselho de Ministros, a Alemanha e a Áustria, por exemplo, votaram contra e a França absteve-se, mas o Governo português votou a favor dessa decisão da União Europeia.

E, em Novembro do ano passado, quando podiam ter emendado a mão, mais uma vez, consolidaram a profunda liquidação das quotas leiteiras ao aceitarem o aumento de 1%, a chamada «aterragem suave» das quotas leiteiras para 2015.

Os principais responsáveis pelo fim das quotas leiteiras no nosso País são governos do PS e o Partido Socialista!

Relativamente ao PRODER, já não disponho de tempo, Sr. Deputado, mas quero dizer-lhe o seguinte: o Governo corrigiu algo que as organizações de agricultores e os partidos da oposição neste Parlamento reivindicavam há, pelo menos, dois anos.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Ricardo Martins,

Antes de mais, agradeço as suas questões.

A actuação do Sr. Ministro no sector agrícola, em geral, é um desastre nacional e, em matéria de leite, diria que é arrepiante.

Não me posso esquecer que, no ano passado, em Maio de 2008, o Sr. Ministro atreveu-se a dizer, nos órgãos de comunicação social, que os produtos agrícolas não estavam a baixar, quando os produtores de leite estavam a receber, em casa, cartas no sentido de que o seu leite, no fim do mês, iria baixar.

Desde então, Sr. Ministro foi incapaz de tomar qualquer medida, quer no que diz respeito às importações, no plano institucional, junto dos órgãos da União Europeia, quer no que se refere aos factores de produção.

Não nos podemos esquecer, por exemplo, de algo que já aqui referi, que foi o fim da electricidade verde, um factor de produção importantíssimo para a generalidade das explorações pecuárias de leite. Não nos podemos esquecer do preço dos combustíveis, dos adubos, da sanidade animal, enfim, de todo um conjunto de questões relativamente às quais o Governo foi incapaz de tomar uma única medida.

Mais: foi necessário os agricultores, os produtores de leite começarem a manifestar-se por todo o País, e continuam, para que o Ministro se lembrasse de que, afinal, a fileira do leite também era um sector estratégico na agricultura nacional e, como tal, deveria ser incluída no PRODER. Porém, mesmo assim, continua sem tomar medidas como, por exemplo, a de reivindicar, no quadro da Lei da Concorrência, a utilização das chamadas «medidas cautelares» pela Autoridade da Concorrência.

Existe um artigo que permite que a Autoridade da Concorrência tome medidas cautelares e, perante o facto conhecido de, manifestamente, estar a ser vendido leite, neste País, em condições de dumping e violando as leis da concorrência, o Governo deveria ter pressionado a Autoridade da Concorrência, como fez em algumas outras situações, para intervir e apreender, imediatamente, todo esse leite, o que até hoje nunca fez.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Mota Soares,

Agradeço a questão que me colocou.

Julgo que aquilo que o Ministro vem fazendo, em torno desta questão, quando não assume a sua posição de liquidação das quotas leiteiras, com as suas opiniões em sucessivos conselhos europeus, é um exercício de hipocrisia política.

Há, no Governo português, e o Ministro da Agricultura não está sozinho, a ideia de que, nos conselhos europeus, não se vota, mas, neste caso, há uma situação evidente, que foi o Conselho de Ministros da Agricultura de Março de 2008, onde foi decidido - insisto - um aumento de quotas leiteiras, geral e igual para todos os países, de 2%, o qual significou, na Europa, produzir, na actual campanha leiteira, mais 2,8 milhões de litros de leite.

É isto que está na origem dos principais problemas do mercado do leite e dos lacticínios, neste momento, na Europa.

Em relação a esta decisão, a França absteve-se, a Alemanha e a Áustria votaram contra e havia condições, inclusive, para a criação de uma minoria de bloqueio, mas o Governo português não fez qualquer esforço nessa direcção.

O Ministro não foi capaz de tomar uma iniciativa tão simples, que seria, aparentemente, inevitável, como a de juntar as organizações do comércio, as organizações da indústria e as organizações da produção relativamente à situação que se está a viver.

Ainda nada disto foi feito! O Governo foi incapaz de pedir uma reunião das autoridades da concorrência na Europa, porque o problema que nos está a afectar afecta também outros países da Europa! Nada disso foi avançado! Como nada foi avançado no sentido do desencadeamento de medidas de fiscalização sobre o leite importado - e não era preciso aprovarmos aqui nenhum projecto de resolução do Grupo Parlamentar do PS -, relativamente ao qual ainda hoje não se sabe, exactamente, se é leite em natureza, se é leite derivado da recomposição de leite em pó.

O Governo, insisto, numa situação aflitiva como a que estamos a viver, nem sequer pressionou a Autoridade da Concorrência a desencadear medidas cautelares com as quais poderíamos ter avançado, para lá de todo um conjunto de outras medidas à sua inteira disponibilidade, sem nenhuma regra comunitária que o proibisse, como, por exemplo, a intervenção no domínio da retirada de vacas de refugo ou de vitelos recém-nascidos, o que permitiria, certamente, aliviar muitas explorações.

Nada disso foi feito, porque o Governo considera bom que o leite seja vendido a 39 cêntimos o litro, mesmo que isso signifique a ruína da produção leiteira nacional.