Partido Comunista Portugu�s
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"A reforma da PAC e o regresso das vitórias morais"
Lino de Carvalho no "Público"
Sábado, 05 Julho 2003

O Ministro da Agricultura, Sevinate Pinto, escreveu há dias, neste mesmo jornal, que "os resultados globais desta negociação [da reforma da PAC] são excelentes para Portugal". Só, então, não se compreende que assim sendo o ministro tenha votado contra. Justifica-se afirmando que o fez por causa da quota de leite dos Açores mas logo a seguir escreve que, mesmo nesta matéria, o resultado conseguido foi melhor do que a situação que existia. Uma trapalhada senhor ministro.

A verdade é que o Governo tinha partido para estas negociações com um conjunto de propostas que receberam até o apoio inédito de todas as estruturas representativas dos agricultores portugueses. Eu próprio as encarei com simpatia e expectativa positiva. Em resumo, elas partiam da constatação inatacável de que Portugal produz pouco e com fracas produtividades (daí a exigência de mais quotas e direitos de produção com margem para aumentarmos os nossos rendimentos/ha ou por unidade de efectivo pecuário); de que o nosso país é o mais prejudicado com a PAC e o que menos ajudas recebe por agricultor; que "o desligamento das ajudas directas relativamente à produção e as respectivas modalidades, quer quanto ao seu cálculo quer quanto à forma da sua atribuição seriam desastrosos para Portugal pela conjugação dos seguintes três aspectos principais: abandono da actividade agrícola numa proporção muito significativa sempre que os custos sejam superiores à valorização dos produtos pelo mercado, o que se verifica com muita frequência em Portugal; congelamento e irreversibilidade da penalização relativa de Portugal face à PAC (devido ao cálculo da futura ajuda única com base nas fracas produtividades históricas do país); distorção inaceitável da concorrência entre agricultores, regiões e Estados-membros"; necessidade de revisão das Organizações Comuns de Mercado sectoriais de forma a não se acentuarem as dificuldades produtivas e proteger e favorecer as culturas mediterrâneas.

Qual foi então o resultado das negociações ?

1.º Portugal não conseguiu nenhum aumento de quota em nenhuma produção. Mesmo o aumento de direitos conseguidos para prémios aos bovinos de carne na reconversão das culturas arvenses de sequeiro para além de, no essencial, beneficiarem quase somente os sistemas extensivos do Sul, tem de ser analisada no contexto de um país como Portugal que ainda não conseguiu sequer aproveitar integralmente os direitos obtidos na reforma de 1992;

2.º Não se manteve a possibilidade dos produtores de leite açorianos manterem a capacidade, que têm hoje, de produzirem mais 73.000 toneladas de leite, sem penalização. Este valor vai diminuir para 50.000 toneladas a partir de 2005/6, embora sob a forma de quota enquanto a Grécia obteve um aumento de 120.000 toneladas;

3.º Foi aprovado e consolidado o futuro modelo de ajudas desligadas da produção, embora atenuado com a possibilidade de 25 por cento dos prémios por hectare poderem continuar ligados, o que não altera o essencial. E o essencial é que no futuro para que um agricultor receba as ajudas directas ao rendimento basta que mantenha as suas terras em boas condições para a agricultura e ambientais, sem necessidade de produzir o que, além do mais, o penaliza socialmente. Fomenta a concorrência desleal entre produções com e sem direito a ajudas.

4.º As poupanças orçamentais resultantes da modulação, isto é, da imposição de um limite máximo para as ajudas, reverte em 80 por cento (que nalguns casos pode ir até 90 por cento) para os países de origem, o que em pouco ou nada vai contribuir para uma redistribuição mais equitativa dos apoios entre as diferentes agriculturas dos Estados-membros;

5.º O pilar do desenvolvimento rural que vai ser reforçado com os restantes 20 por cento (cerca de 240 milhões de euros) serão para distribuir não por quinze mas pelos futuros 25 países e como é co-financiado pelos Orçamentos dos Estados-membros os agricultores de países economicamente mais frágeis como Portugal verão os respectivos apoios serem sempre inferiores aos países mais fortes;

6.º As chamadas culturas mediterrâneas (azeite, vinho, hortícolas, algodão, tabaco, etc.) particularmente relevantes para Portugal não obtiveram qualquer alteração no modelo de apoios continuando a ser discriminadas em relação às culturas arvenses e com o quadro financeiro existente também não o serão no futuro;

7.º Voltam a ser impostas reduções administrativas de preços ao produtor (manteiga, arroz, arvenses) sem, além do mais, quaisquer efeitos no consumidor o que constitui uma situação inédita em relação a qualquer outro sector de actividade económica e daí a razão das ajudas compensatórias ao rendimento dos agricultores.

Estes são os resultados concretos das negociações da PAC. Que avançaram sobretudo num modelo de uma agricultura mais produtivista e liberal com vista às futuras negociações da Organização Mundial do Comércio; que nada decidiram sobre a tão falada especificidade da agricultura portuguesa; que mantém a mesma desigualdade de apoios entre países e agricultores; que vai continuar a promover o abandono da agricultura e do mundo rural, que não vai ajudar à reconversão da agricultura portuguesa.

E se assim é não se vislumbra qualquer razão para o Governo e o Ministro da Agricultura cantarem alegremente vitória. A menos que tenhamos voltado ao tempo das vitórias morais !