A apreciação dos Decretos-Leis n.os 31/2009 e 34/2009 justifica uma breve reflexão sobre as questões do mercado (ou «dos mercados») e o papel do governo no seu condicionamento.
No quadro da ordem jurídica definida pela Constituição da República Portuguesa e da Lei da Concorrência (Lei n.º 18/2003) o funcionamento do mercado deve assegurar o interesse público, nomeadamente o bom uso dos dinheiros do Estado, quando este for parte, a igualdade dos agentes económicos e a transparência das transacções.
Apreciação parlamentar n.º 105/X e apreciação parlamentar n.º 108/X do Decreto-Lei n.º 31/2009, de 4 de Fevereiro, que "Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 48/2008, de 13 de Março, e prorroga, até 31 de Dezembro de 2009, a vigência do regime excepcional criado para a contratação de empreitadas de obras públicas e a aquisição ou locação de bens e serviços destinados à instalação das Unidades de Saúde Familiar, à instalação ou requalificação dos serviços de saúde da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e dos serviços de urgência, bem como de bens e serviços destinados ao reforço dos meios de socorro pré-hospitalar".
Apreciação parlamentar n.º 106/X e apreciação parlamentar n.º 109/X do Decreto-Lei n.º 34/2009, de 6 de Fevereiro, que "Estabelece medidas excepcionais de contratação pública, a vigorar em 2009 e 2010, destinadas à rápida execução dos projectos de investimento público considerados prioritários".
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
A apreciação dos Decretos-Leis n.os 31/2009 e 34/2009 justifica uma breve reflexão sobre as questões do mercado (ou «dos mercados») e o papel do Governo PS no seu condicionamento. No quadro da ordem jurídica constitucional e da Lei da Concorrência o funcionamento do mercado deve assegurar o interesse público, nomeadamente o bom uso dos dinheiros do Estado, quando este for parte, a igualdade dos agentes económicos e a transparência das transacções.
Ora, o «mercado» português encontra-se, em primeiro lugar, estruturalmente condicionado pelas posições monopolistas - oligopolistas, se quiserem - de grupos económicos privados com posições dominantes em sectores estratégicos ou cruciais. Quadro que se agrava com uma Autoridade da Concorrência passiva, incapaz e impotente para acompanhar e intervir, para fazer respeitar a lei (apesar das suas insuficiências) e prevenir e punir práticas que «impeçam, falseiem ou restrinjam» a concorrência, nomeadamente abusos de posição dominante e dependência económica, «no todo ou em parte do mercado nacional».
A situação fica negra com um Governo que transformou administrativamente o «mercado público» de obras ou aquisição de serviços num instrumento político de propaganda governamental, subordinando-o à sua estratégia de manutenção de poder e resposta aos interesses dos grupos do grande capital.
O que sucede igualmente com a sua intervenção no mercado, através da distribuição das ajudas do Estado (nacionais ou comunitárias) por mecanismos que claramente distorcem ou, melhor, anulam a concorrência, ou da concessão a capitais privados de «monopólios naturais»!
Nestes processos, o Governo privilegia alguns grupos económicos ou empresas «amigas», atribui-lhes um papel chave em transacções económicas, discriminando todos os restantes, eliminando objectivamente a igualdade no mercado entre agentes económicos, processos que apresentam um potencial e elevado risco de corrupção!
O caso dos painéis solares é exemplar. O Governo decidiu e o Primeiro-Ministro anunciou a decisão à Assembleia da República. No dia seguinte, o Ministro das Finanças e o Ministro da Economia entregaram, por protocolo, o «mercado» a quatro bancos, que ninguém sabe como foram seleccionados. Depois, o Ministro da Economia estabelece critérios para os «fornecedores» que restringem o mercado dos fabricantes, fornecedores e instaladores de painéis a duas empresas, marginalizando 4000.
Contrariamente ao que ontem foi dito pelo Grupo Parlamentar do PS, o problema não está resolvido.
Talvez os Srs. Membros do Governo sejam capazes de esclarecer o problema.
Os dois Decretos-Leis em apreciação são mais uma significativa amostra dessa vontade do Governo de condicionar politicamente o mercado de obras públicas e aquisição de serviços, através da criação de um tempo de «não mercado» pelas excepções introduzidas no quadro legal da contratação pública.
É um «gato enorme escondido com o rabo de fora»! Eleições à porta, é tempo de mostrar obra ou, pelo menos, a assinatura de contratos.
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