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Interrupção voluntária da gravidez - Intervenção de Bernardino Soares na AR
Quarta, 05 Julho 2006

Declaração política, responsabilizando os partidos da direita por estarem contra a alteração da lei sobre a interrupção voluntária da gravidez e fazendo  um desafio para que o início da próxima sessão legislativa seja marcado pela  alteração dessa lei

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Não passou nem uma semana sobre mais um aniversário do referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) e já regressa a dura realidade da aplicação da lei que trata as mulheres como criminosas.

Já vai longe o ano de 1982, em que, pela primeira vez, um projecto de lei, apresentado pelo PCP, propunha a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Vários projectos e alguns debates se seguiram, em que diversas maiorias impuseram, no fundamental, a manutenção da situação de criminalização das mulheres que, por circunstâncias da sua saúde ou da sua vida, tenham de recorrer à interrupção voluntária da gravidez. Mantém-se o grave problema de saúde pública a que corresponde o aborto clandestino.

Desde o referendo imposto ao País e à Assembleia da República pelo acordo de bastidores dos líderes, de então, do PS e do PSD, depois, lembre-se, de uma iniciativa legislativa de despenalização ter sido aprovada no Parlamento, repetiram-se os julgamentos de mulheres por aborto, com várias condenações e invariavelmente com a humilhação e a devassa da vida das mulheres.

Sempre ouvimos, nessas alturas, unânimes declarações de compreensão pela situação dessas mulheres que, até hoje, não tiveram, contudo, qualquer efeito na lei penal, que é a verdadeira causa dos julgamentos que têm vindo a verificar-se.


Essas declarações repetiram-se no tempo do bloqueio monolítico da direita, em que, muitas vezes, o PSD e o CDS-PP, que rejeitaram sistematicamente na Assembleia da República qualquer iniciativa nesta matéria, declararam uma hipócrita compreensão para com as mulheres atingidas, ao mesmo tempo que tratavam de manter a lei que as trata como criminosas.

É a triste história da direita portuguesa, com honrosas excepções, em relação ao flagelo do aborto clandestino e à injusta lei penal que temos.

Também ontem ouvimos declarações que assinalavam a indignidade da sujeição das mulheres a este processo, aos exames ginecológicos forçados que nele se incluíram e às condenações ontem anunciadas.

Mas não podemos ficar por aí.

É preciso dizer, com clareza, que a sentença ontem conhecida podia ter sido evitada.
O problema está na lei.

Tivesse a lei já sido alterada e a simples aplicação do princípio do tratamento mais favorável levaria à absolvição destas mulheres, acusadas de aborto.

Decorreu praticamente um ano desde que a Assembleia da República passou a ter uma ampla maioria política com posição favorável à despenalização da IVG. É esta a maioria com que contamos (a dos partidos que afirmaram perante os eleitores que estão de acordo com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez), e é certamente incompreensível para todos os que anseiam por esta justa alteração que, até agora, esta ampla maioria não tenha resolvido o problema!

Esta inércia resulta da opção do PS e do Bloco de Esquerda pela via do referendo, que até agora se gorou, que não depende em exclusivo da Assembleia da República e que, a realizar-se, permitirá, mais uma vez, o lançamento da demagogia, da mentira e da mistificação que há muito os sectores mais retrógrados da nossa sociedade estão preparados para fazer, de forma, aliás, altamente organizada.

Por nós, também não esquecemos que os referendos não estão nunca imunes; antes, incorporam a conjuntura política em que se desenrolam, como experiências anteriores bem o comprovam.

Dissemos, na altura, que esta opção equivaleria a trocar o certo pelo incerto, o que foi criticado pelos defensores do referendo. Infelizmente, a vida veio provar que tínhamos razão. Com a opção adoptada pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, a ampla maioria favorável à despenalização esfumou-se numa sucessão de episódios que se traduziu, afinal, na manutenção de uma lei que já há mais de um ano podia estar revogada.

Há, pois, uma responsabilidade que é política, meramente política, por continuarem a ser possíveis, no nosso país, os julgamentos e as condenações como as de ontem. Esta responsabilidade é, sem dúvida, dos partidos da direita sempre contra a alteração da lei e usando todos os meios para a evitar, mas é também hoje dos partidos que, afirmando-se pela despenalização, adoptaram a via do referendo, negando a despenalização imediata pelo Parlamento.

Não tememos nenhum combate político (e, tal como em 1998, havendo referendo, lá estaremos no combate pelo «sim»!), mas não consideramos — como outros — que a rejeição do referendo e a decisão legítima de despenalização pela Assembleia da República seja uma posição «fraca e temerosa». É, sim, uma posição legítima e aquela que mais claramente corresponde ao sentimento dos portugueses que confiaram nas forças políticas que defendem a despenalização.

Não pactuamos com a posição dúbia e, no mínimo, hesitante do PS, que, tendo prometido,
é certo, o referendo, mas sobretudo a despenalização, se agarra ao que é instrumental para não cumprir o que é fundamental.

Não pactuamos com as eternas e permanentes tentativas de consensos à direita do PS, com as suas mais do que evidentes preocupações de conciliação ou não afrontamento das forças políticas e sociais que estão e estarão sempre contra a despenalização da IVG.

É tempo de dar a resposta de que o País e as mulheres portuguesas precisam. Não falta legitimidade política nem jurídica à Assembleia da República para resolver a questão. Há muito que, mesmo que o referendo de 1998 tivesse sido vinculativo — e não foi —, teriam sido ultrapassadas as limitações jurídico- constitucionais para a intervenção do Parlamento. Nem aceitamos que só um novo referendo possa caucionar politicamente a alteração da lei.

Não receamos, também, as tentativas de regressão posterior após a alteração da lei pela Assembleia da República, mesmo que a direita as levasse por diante — aliás, elas poderiam existir mesmo com referendo—, mas julgamos que a evidente justiça e urgência da despenalização do aborto dificilmente regrediria após a legítima decisão legislativa.

Lançamos, por isso, um desafio aos restantes partidos, em especial aos que defendem a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, um desafio para que o início da próxima sessão legislativa seja marcado pela alteração da lei. Por nós, reapresentaremos, logo no início da sessão, o nosso projecto de lei e tudo faremos para que esta questão seja finalmente resolvida e para que não tenhamos mais julgamentos, mais investigações e condenações, como a que ontem foi publicamente conhecida.

 

 

 

 

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