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Estado - Jorge Cordeiro,Secretariado e Comissão Política do PCP
Sábado, 24 Novembro 2007

Jorge Cordeiro

A incapacidade para construir um Estado democrático não obstante as profundas transformações democráticas e revolucionárias alcançadas, constituiu (como se afirma no relatório ao 8º Congresso apresentado por Álvaro Cunhal) a falha maior da Revolução portuguesa.
As transformações socioeconómicas conseguidas com a Revolução de Abril, não obstante o seu significado e alcance, não encontraram na natureza do Estado as alterações que a sua própria consolidação e defesa exigiam.
A revolução portuguesa testemunha a actualidade da questão do Estado enquanto questão central da revolução.


A compreensão do processo contra-revolucionário, do seu avanço dinâmicas e meios para a concretizar é inseparável deste facto.
Foi com recurso ao Estado e ao seu poder coercivo, assente num sistema de justiça ao seu serviço, apoiados na produção de leis e no uso da força para as concretizar, que o poder impôs a reversão das mais importantes transformações socioeconómicas saídas da revolução de Abril e sustentou o processo de restauração do capital monopolista.
E tem sido com recurso ao Estado e aos seus meios que a ofensiva mais geral contra os direitos tem prosseguido e acentuado.
Com Abril conquistaram-se e consagraram-se novos direitos. O Estado viu alargada as suas funções sociais. A Administração Pública conheceu um importante impulso na sua organização e efectivos com a institucionalização do serviço nacional de saúde, a construção de um sistema de ensino público, com a construção de um verdadeiro regime de segurança social. O poder local emergiu com as suas características marcadamente democráticas e populares e afirmou-se como um importante factor na melhoria das condições de vida, de combate ao isolamento e de desenvolvimento local.
A ofensiva em curso contra as principais conquistas e direitos sociais tem expressão directa no ataque à administração pública e à suas funções e trabalhadores, nas limitações à autonomia do poder local, na não criação das regiões administrativas.


As campanhas contra a administração pública e a sua dimensão tentam ignorar deliberadamente que a sua configuração está directamente associada aos direitos conquistados e que o número de trabalhadores ao seu serviço e a extensão da sua desconcentrarão territorial é expressão da profunda transformação democrática resultante das conquistas sociais e económicas.
Em torno do Estado, do seu papel e objectivos desenvolve-se uma intensa campanha ideológica destinada a iludir a questão essencial: a da sua natureza de classe. A recorrente teoria sobre «menos Estado, melhor Estado» constitui um logro maior e uma peça estratégica nos objectivos da política ao serviço do capital monopolista.
O que se pretende com o recurso à ideia de «menos Estado» é eliminar direitos e alienar as responsabilidades e funções sociais que lhe devem caber. Com o ataque ao Estado caricaturado de «Providencia» o que se pretende é reduzir ou eliminar o direito á protecção no desemprego, na doença e na velhice.
É em nome do «menos Estado» que se transforma o Estado em promotor activo da alienação de funções socais e da privatização de serviços públicos essenciais.
É em nome do «menos Estado» que o Estado com o ataque à segurança social favorece a canalização para o capital financeiro dos regimes de protecção à reforma. É ainda em seu nome que o Estado entrega ao capital privado áreas decisivas na prestação de cuidados da saúde e que privatiza a educação e a formação.


A tese do «menos Estado» é, no linguajar da opinião dominante, sinónimo de menos direitos. E sobretudo cobertura para «mais Estado» ao serviço do favorecimento e financiamento públicos da acumulação, concentração e centralização acelerada do capital.
Os defensores da tese do «menos Estado» iludem a questão essencial – a de que inversamente ao que afirmam o que há, pelas sua mãos, é mais, e cada vez mais Estado, enquanto meio para impor ao serviço da classes dominantes a apropriação e a acumulação dos lucros.
Mais Estado para impor as privatizações, para liberalizar o mercado de trabalho, promover a transferência de recursos públicos para o grande capital, favorecer o papel predador do sector financeiro.


É pelas mãos do Estado que se assegurou a apropriação pelo capital das principais empresas do sector empresarial público. E é pelas sua activa intervenção que o capital absorve áreas crescentes de serviços públicos e que alarga a sua intervenção a funções da administração pública transformadas em fonte de lucros.


Àqueles que repetem a tese sobre o Estado regulador, alegadamente vagueando acima das coisas e bens, sempre atento e zeloso para cuidar dos menos bafejados pela sorte há que os confrontar com a crua e objectiva verdade: o papel do Estado enquanto instrumento capaz de impor, no quadro do capitalismo, a manutenção e aprofundamento das relações de produção baseadas na exploração.
Àqueles que, por detrás da densa névoa de alusões ao “interesse público e nacional” e “bem-estar geral” que o Estado em abstracto estaria mandatado para realizar, há que os confrontar com a real natureza, função e objectivos do Estado enquanto arma de dominação de classe usado para perpetuar um sistema assente numa injusta e desigual repartição da riqueza criada e na sua forçada apropriação pelo capital.
Àqueles que pretendem vender a ideia de um Estado e de um poder acima da vida económica e sem vocação económica, supostamente confinado a um papel de mediador de conflitos nos casos em que o mercado se revelasse incapaz de assegurar a harmonia das relações económicas, há que os confrontar com a mais indesmentível realidade: a da natureza de um poder político aos inteiro serviço dos objectivos do poder económico, num processo de absoluta fusão de interesses e de uma perigosa subordinação do poder político ao económico.


É por detrás deste jogo de ilusões que se suportam as questões mais fundas do papel que o Estado joga na sociedade, e que hábil mas de facto coercivamente, se assegura a injusta repartição do rendimento nacional, que se constróem as leis que protegem os mais fortes, que se garante a ordem estabelecida do poder dominante, que a balança da justiça tem sempre mais peso do lado da propriedade, que os que detêm o poder dele se aproveitam para a gestão de benefícios de conjuntura sejam eles políticos, eleitorais, partidários ou particulares.


A defesa e concretização dos direitos políticos, económicos, sociais e culturais é inseparável de uma alteração em sentido democrático do Estado e das suas funções . Uma alteração que assegure a assunção pelo Estado das funções sociais que lhe cabem, que modernize e desburocratize a administração pública, que combata o tráfico de influências e o comando pelo poder económico das políticas nacionais, que reforce a autonomia do poder local e concretize a regionalização, que efective os direitos de participação dos trabalhadores e das populações.


A construção de um Estado democrático constitui simultaneamente um objectivo programático autónomo e uma condição de realização de outros objectivos. A concretização da nova política alternativa que assegure o desenvolvimento económico e social do país exige um Estado democrático, representativo, baseado na participação popular, moderno e eficiente ao serviço do povo e do país. A sua concretização é inseparável da luta por uma alternativa política e da construção da democracia avançada que o PCP defende.