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Projecto de Lei n.º 144/XI-1ª
Fiscalização interna nas empresas de capitais públicos e sociedades cotadas em bolsa
Sexta, 29 Janeiro 2010

euros.jpgA transparência e o rigor da gestão das sociedades deve ser um imperativo da vida económica e empresarial, assumindo especial importância em sectores estratégicos da economia nacional e desde logo quando está em causa a gestão de dinheiros públicos - e de recursos públicos em geral. A exigência de uma gestão regular, rigorosa e transparente tem sido colocada na ordem do dia, e a verdade incontornável é que os trabalhadores assumiram nas empresas, nas situações concretas, muitas e muitas vezes um inegável papel de defesa desses princípios.

 

 

 

 

Reforça a fiscalização interna nas empresas de capitais públicos e sociedades cotadas em bolsa

Para pesquisar a situação: clique aqui

 

Exposição de motivos

 

A transparência e o rigor da gestão das sociedades deve ser um imperativo da vida económica e empresarial, assumindo especial importância em sectores estratégicos da economia nacional e desde logo quando está em causa a gestão de dinheiros públicos - e de recursos públicos em geral. A exigência de uma gestão regular, rigorosa e transparente tem sido colocada na ordem do dia, e a verdade incontornável é que os trabalhadores assumiram nas empresas, nas situações concretas, muitas e muitas vezes um inegável papel de defesa desses princípios.

O Grupo Parlamentar do PCP recentemente (17-12-2009) tomou a iniciativa de promover no Plenário da Assembleia da República uma Interpelação ao Governo, a primeira desta Legislatura, centrada na questão da transparência das políticas públicas.

Nesse debate tivemos ocasião de dar nota de um ofício que havia sido enviado pela Comissão de Trabalhadores ao Conselho de Gerência da CP, manifestando a perplexidade dos trabalhadores das Oficinas de Ovar pelo facto de a empresa ter vendido a uma firma de sucatas 50 toneladas de ferro, a 17 escudos o quilo, provenientes de um stock adquirido pela CP a 150 escudos o quilo. O ofício, que refere expressamente a empresa "Comércio e Sucata Godinho, Lda., de Esmoriz", foi enviado pela Comissão de Trabalhadores a 16 de Fevereiro de 1993.

Dezasseis anos depois, o país discute um negócio que foi explicitamente denunciado pela Comissão de Trabalhadores da CP ao Conselho de Gerência, e que no entanto se manteve durante as governações PSD de Cavaco Silva, PS de Guterres, PSD/CDS de Durão e Santana e Portas, PS de José Sócrates. Se os trabalhadores da CP, e nomeadamente a sua Comissão de Trabalhadores, tivessem tido a devida atenção e resposta por parte dos gestores da empresa - e inclusivamente outro espaço de intervenção no acompanhamento e fiscalização interna - a evolução de todo este processo teria seguramente sido outra.

Na sequência do processo Face Oculta, o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações deu orientações às empresas sob a sua tutela, no sentido da elaboração de "Códigos de Boas Condutas". Por outro lado, ordenou a constituição, dentro de cada entidade, de comissões específicas de fiscalização, as quais deverão elaborar relatórios anuais que identifiquem eventuais infracções penais ou disciplinares e que apontem os respectivos procedimentos punitivos a adoptar para o infractor.

No entanto, esta aparente preocupação da governação PS com a fiscalização e o acompanhamento contrasta de forma evidente com uma prática constante de afastar dos órgãos fiscalizadores os trabalhadores e os seus representantes. Aliás, dir-se-ia que a actuação do Governo reflecte uma concepção segundo a qual quanto menos os trabalhadores souberem melhor.

Veja-se a esse propósito a situação que se tem verificado no Metropolitano de Lisboa: a 10 de Março de 1998, a Comissão de Trabalhadores da empresa procedeu à indicação do seu representante na Comissão de Fiscalização do Metropolitano de Lisboa. Essa nomeação tornar-se-ia efectiva por despacho governamental de 26 de Outubro de 1998.

A 26 de Novembro de 2001 a Comissão de Trabalhadores do Metropolitano de Lisboa indicou um novo representante para a Comissão de Fiscalização. A partir deste momento, o Governo passa a ostensivamente violar a lei, pura e simplesmente ignorando as suas obrigações legais e éticas, e reconduzindo em sucessivos mandatos o representante proposto pela CT em 1998 e não os que expressamente apontou em 2001, 2002, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009.

A razão para este comportamento do Governo é simples e conhecida de todos os trabalhadores da empresa: o governo assim agiu para manter neste cargo de fiscalização duma empresa um homem da sua confiança política.

Em resposta a um requerimento do Grupo Parlamentar do PCP, o Governo expôs toda a hipocrisia da sua fundamentação, quando afirmou que a partir de 2004 deixara de competir à CT indicar o representante passando a competir-lhe apenas promover a eleição do mesmo, "razão" pela qual o Governo, na ausência de uma eleição, em 2007 optou por indicar novamente o representante apontado em 1998 e não o apontando em 2001 e anos sequentes.

A 20 de Maio de 2009, a Comissão de Trabalhadores do Metropolitano de Lisboa promove a eleição para o representante dos Trabalhadores no Conselho de Fiscalização. Nesta eleição participam 8 candidatos e votam 670 trabalhadores, dos quais 352 no candidato vencedor. O Governo pura e simplesmente ignorou todas as comunicações oficiais sobre esta matéria.

Na verdade, e ao contrário do que o Governo (tal como os anteriores) parece considerar, a participação activa dos trabalhadores no acompanhamento e fiscalização interna das empresas é uma opção não apenas justa mas útil para a defesa dessas mesmas empresas, das correctas práticas de gestão, da sua transparência e rigor.

Ao contrário do que alguns procuram insidiosamente afirmar ou insinuar, a verdade é que os trabalhadores são os primeiros interessados pela defesa e pelo futuro das empresas - e demonstram isso mesmo na prática e na acção concreta. Apesar das falsificações e mistificações que procuram associar a "defesa" das empresas ao ataque e à negação dos direitos dos trabalhadores, a verdade é que, quando a integridade das empresas é ameaçada, a origem dessa ameaça não está nos trabalhadores, mas sim muitas vezes em opções ruinosas de gestão - perante o alerta e a denúncia das organizações dos trabalhadores.

É nesse sentido que o PCP apresenta este projecto-lei, reforçando os meios de acompanhamento e fiscalização interna nas empresas de capitais públicos e participadas pelo Estado, nas empresas concessionárias do Estado e nas sociedades cotadas em bolsa, garantindo o funcionamento de comissões de fiscalização e a representação dos trabalhadores nas mesmas.

Com esta iniciativa, propomos designadamente:

•·        A existência e funcionamento, com carácter obrigatório, de uma Comissão de Fiscalização, em todas as seguintes empresas:

a) empresas com participação directa ou indirecta do Estado no seu capital;

b) empresas concessionárias de contratos de concessão ou subconcessão de serviço público, cujo concedente seja o Estado ou uma empresa de capitais públicos;

c) sociedades cotadas em bolsa;

•·        A garantia de que um dos membros seja designado pelos trabalhadores da empresa, mediante processo conduzido pela respectiva Comissão de Trabalhadores;

•·        A definição de um quadro de competências para as Comissões de Fiscalização que salvaguarde a sua efectiva capacidade de intervenção e que proporcione as condições para o devido acompanhamento e fiscalização interna à gestão das respectivas empresas;

•·        O reconhecimento da possibilidade das Comissões de Fiscalização, ou de qualquer um dos seus elementos, de:

•a)     Solicitar aos outros órgãos e aos vários departamentos da empresa as informações, esclarecimentos ou elementos que considere necessários;

b) Solicitar ao Conselho de Administração reuniões conjuntas dos dois órgãos para apreciação de questões compreendidas no âmbito das suas competências.

Este é um contributo para responder a um problema sério, que só poderá ser efectivamente resolvido com vontade política e coragem política - sem prejuízo da consideração que o PCP mantém e reafirma, de que o factor decisivo para a resposta verdadeiramente necessária nesta matéria é uma ruptura, digna desse nome, com as opções políticas que têm vindo a ser seguidas ao longo de mais de 30 anos.

Assim, ao abrigo do disposto no Artigo 156.º da Constituição da República e do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei reforça os meios de acompanhamento e fiscalização interna nas empresas de capitais públicos, concessionárias do Estado e cotadas em bolsa, e garante a possibilidade de representação dos trabalhadores nas comissões de fiscalização.

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

1 - A presente lei aplica-se:

•a)   Às empresas com participação directa ou indirecta do Estado no seu capital;

•b)   Às empresas concessionárias de contratos de concessão ou subconcessão de serviço público, cujo concedente seja o Estado ou uma empresa de capitais públicos;

•c)   Às sociedades cotadas em bolsa.

2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a presente lei aplica-se, com as devidas adaptações, aos organismos de acompanhamento e fiscalização interna, se os houver.

Artigo 3.º

Comissões de Fiscalização de empresa

1 - Em todas as empresas referidas no artigo anterior é obrigatória a existência e funcionamento de uma Comissão de Fiscalização, adiante designada por Comissão.

2 - A Comissão é composta por um mínimo de três membros, cujo mandato tem a duração de três anos, renovável.

•a)     Um dos membros é obrigatoriamente designado pelos trabalhadores da empresa, em sede de processo que deverá ser conduzido pela respectiva Comissão de Trabalhadores.

b) Um dos membros será obrigatoriamente um revisor oficial de contas.

3 -Tratando-se de empresa de capitais públicos, a Comissão é nomeada por Despacho do Ministro responsável pela tutela da respectiva empresa.

4 - Tratando-se de sociedade cotada em bolsa, a Comissão é nomeada por deliberação da Assembleia Geral de Accionistas da empresa.

Artigo 4.º

Reforço das competências das Comissões de Fiscalização

1 - Sem prejuízo de outras competências especificamente definidas em diploma próprio para a respectiva empresa, compete à Comissão:

a) Zelar pelo cumprimento das normas reguladoras da actividade da empresa;

b) Fiscalizar a gestão da empresa;

c) Acompanhar a execução dos planos de actividade e financeiros plurianuais, dos programas anuais de actividade e dos orçamentos anuais;

d) Examinar a contabilidade da empresa;

e) Verificar as existências de quaisquer espécies de valores pertencentes à empresa ou por ela recebidos em garantia, depósito ou outro título;

f) Verificar a correcta avaliação do património da empresa;

g) Verificar a exactidão do balanço, da demonstração dos resultados, da conta de exploração e dos restantes elementos a apresentar anualmente pelo Conselho de Administração e emitir parecer sobre os mesmos, bem como sobre o relatório anual do referido conselho;

h) Dar conhecimento aos órgãos competentes das irregularidades que apurar na gestão da empresa;

i) Pronunciar-se sobre a regularidade e conveniência dos actos do Conselho de Administração nos casos em que a Lei os Estatutos da empresa exigirem a sua aprovação ou concordância;

j) Pronunciar-se sobre qualquer assunto de interesse para a empresa que seja submetido à sua apreciação pelo Conselho de Administração ou Conselho Geral;

2 - A Comissão poderá fazer-se assistir, sob sua responsabilidade, por auditores internos da empresa, se os houver, e por auditores externos contratados.

3 - Os membros da Comissão deverão assistir, individual ou conjuntamente, às reuniões do Conselho de Administração, sempre que o Presidente deste o entenda conveniente.

4 - Para o adequado desempenho das suas funções, a Comissão ou qualquer um dos seus elementos tem a faculdade de:

a) Solicitar aos outros órgãos e aos vários departamentos da empresa as informações, esclarecimentos ou elementos que considere necessários;

b) Solicitar ao Conselho de Administração reuniões conjuntas dos dois órgãos para apreciação de questões compreendidas no âmbito das suas competências.

Artigo 5.º

Funcionamento das Comissões de Fiscalização

1 - A Comissão elege entre si o respectivo presidente, a quem compete convocar as reuniões.

2 - A Comissão reúne ordinariamente uma vez em cada trimestre, e extraordinariamente sempre que convocada pelo presidente, por iniciativa própria ou a requerimento de qualquer dos membros.

3 - As deliberações da Comissão são válidas apenas quando se encontre presente a maioria dos seus membros em exercício de funções, tendo o presidente ou quem o substitua voto de qualidade e sendo proibido o voto por correspondência ou procuração.

4 - As actas serão lavradas em registo próprio e assinadas pelos membros da Comissão, devendo ser dado conhecimento das mesmas, juntamente com qualquer declaração de voto produzida, ao Ministro responsável pela tutela da respectiva empresa, ao Tribunal de Contas e, tratando-se de sociedade cotada em bolsa, à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

Artigo 6.º

Constituição das comissões de fiscalização

1 - As comissões de fiscalização previstas na presente lei devem ser constituídas no prazo de 90 dias após a sua publicação.

2 - As empresas onde já existam organismos de acompanhamento e fiscalização interna devem proceder às adaptações necessárias para o cumprimento do disposto na presente lei no prazo de 90 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 29 de Janeiro de 2010