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Supervisão dos sistemas bancário
Terça, 22 Julho 2008
assembleia.jpg" O PCP entregou na AR, através do Deputado Honório Novo, uma proposta alternativa ao relatório final que vai ser discutido amanhã na reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e de Mercado de Capitais"

 

 

 

Comissão parlamentar de inquérito ao exercicio da supervisão dos sistemas bancário, segurador e de mercado de capitais
Proposta de conclusões apresentada por Honório Novo
 

I. Da constituição da Comissão de Inquérito e seus antecedentes

  A. Com data de 28 de Fevereiro de 2008, o Grupo Parlamentar do PSD, usando um direito potestativo, apresentou a proposta de constituição da Comissão Eventual de Inquérito ao exercício da supervisão dos sistemas bancário, segurador e de mercado de capitais. Em consequência, a Assembleia da República deliberou através da Resolução nº 6/2008, publicada no Diário da República nº 51, 1ª Série, de 12 de Março de 2008, constituir a referida Comissão de Inquérito com os seguintes objectivos:

" 1. Determinar o rigor com que foram cumpridos os deveres de supervisão do Banco de Portugal na prevenção e averiguação de infracções especialmente graves, previstas no artigo 211.º [1]e noutros artigos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em relação à generalidade das entidades sob sua supervisão e, em particular, o Banco Millenium/BCP, adiante BCP, designadamente no período de Janeiro de 1999 a Dezembro de 2005.

       2. Apurar se a supervisão funcionou adequadamente em operações de aumento de capital social, predominantemente financiados pela concessão de crédito do oferente aos subscritores, e designadamente nos casos dos aumentos do capital social do BCP, realizados em 2000 e 2001.

       3. Apurar em que condições objectivas o Banco de Portugal considera verificada a existência de realizações fraudulentas de capital social.

4. Verificar qual foi a análise feita e quais foram as conclusões extraídas e os fundamentos legais da supervisão bancária relativamente a múltiplas queixas, designadamente de pequenos accionistas que se consideraram lesados, por tais práticas eventualmente irregulares de oferentes e averiguar se as mesmas tiveram seguimento

       5. Determinar o rigor com que foram cumpridos os deveres de supervisão do Banco de Portugal na prevenção e averiguação de operações conduzidas por entidades sob sua supervisão e relativas à utilização desses veículos financeiros em jurisdições offshore não sujeitas aos deveres de transparência e de cooperação internacional recomendados pela União Europeia e pela OCDE, cuja constituição e actividade indiciasse a prática de infracções graves ou especialmente graves previstos na lei.

       6. Apurar o cumprimento destes deveres em instituições supervisionadas, nomeadamente nos anos de 2000 a 2004.

       7. Apurar se a supervisão bancária utilizou adequadamente os meios ao seu alcance, para identificar as sociedades veículo domiciliadas em jurisdições offshore, se exigiu às instituições supervisionadas, e em particular ao BCP, e se actuou adequadamente para prevenir e impedir no futuro a ocorrência de novos casos semelhantes aos que investigou durante o período de 2002 a 2004.

       8. Apurar se a supervisão bancária exigiu, sobretudo no período em análise, às instituições supervisionadas toda a informação que devia requerer aos respectivos órgãos sociais sobre o modo como decidiram a constituição de tais veículos offshore.

       9. Apurar se a intervenção do Sr. Governador do Banco de Portugal, ao convocar para uma reunião, um subgrupo de accionistas de referência do BCP, a 21 de Dezembro, para abordar questões relacionadas com a Assembleia Geral deste Banco convocada para 15 de Janeiro, constituiu um precedente, se é prática a seguir e em que situações ou se, pelo contrário, é incompaginável com os deveres de isenção e independência que os reguladores devem ter face às instituições supervisionadas e aos seus stakeholders[2], nomeadamente accionistas.

       10. Apurar se esta actuação do Sr. Governador fere ou não o direito à igualdade de informação relevante sobre sociedades cotadas que todos os accionistas actuais ou potenciais das instituições têm, nos termos do Código de Valores Mobiliários.

       11. Apurar em todas as situações acima identificadas, no que for aplicável, a actuação da CMVM e do Conselho Nacional dos Supervisores Financeiros.

       12. Apurar porque alegadamente a CMVM não terá agido atempadamente para assegurar, nos termos do Código de Valores Mobiliários, a defesa dos interesses dos pequenos accionistas, alegadamente tratados de forma diferente em relação a alguns grandes accionistas, nos casos dos aumentos de capital realizados pelo BCP em 2000 e 2001, que originaram prejuízos decorrentes da execução do penhor das acções do Banco dadas em garantia de créditos do mesmo para compra das suas acções.

       13. Apurar porque alegadamente a CMVM, em especial no período de 1999 a 2005, não terá averiguado suficientemente, com os meios ao seu alcance, as operações de aumentos de capital social conduzidas através desses veículos offshore, no que respeita a eventuais infracções graves previstas no Código de Valores Mobiliários.

       14. Apurar o rigor da actuação do Instituto de Seguros de Portugal na detecção e averiguação de eventuais ilícitos graves que, nos termos da lei, possam ter sido cometidos por instituições financeiras, no relativo à gestão da carteira dos respectivos fundos de pensões, nomeadamente em conexão com actividades ilícitas conduzidas por esses veículos offshore.

15. Detectar e propor iniciativas legislativas que no futuro reforcem a eficácia e os resultados exigíveis às autoridades de supervisão, que estabeleçam regras de governança corporativa (corporate governance) em linha com os padrões internacionais de referência, que clarifiquem a natureza dos ilícitos bancários e financeiros graves e muito graves, e que reforcem as coimas previstas nos respectivos regimes contra-ordenacionais para que as mesmas passem a ser eficazes dissuasores desses ilícitos."

B. Pouco tempo antes, em 15 de Fevereiro de 2008, a Assembleia da República tinha contudo rejeitado, com os votos favoráveis do PCP, do BE e do PEV, os votos contrários do PS e a abstenção do PSD, uma proposta do CDS-PP para a constituição de uma "Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à actuação da supervisão do sistema bancário e financeiro" com objectivos em tudo semelhantes aos daquela que, poucos dias depois, foi criada por determinação do Grupo Parlamentar do PSD, através de já aludida proposta de 28 de Fevereiro, que, para fazer impor a sua natureza potestativa, teve que obrigatoriamente ser subscrita por um mínimo de quarenta e seis dos deputados deste Grupo Parlamentar.

C. Importa ainda sublinhar que os factos que suscitaram estas duas iniciativas relacionadas com a sucessão de acontecimentos no BCP e com o desempenho das entidades de supervisão, foram precedidas de quatro audições realizadas na Comissão de Orçamento e Finanças (COF), respectivamente com o Governador do Banco de Portugal (BdP), Dr. Victor Constâncio, com o Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Dr. Carlos Tavares, com o Ministro de Estado e das Finanças e ex-Presidente da CMVM, Prof. Teixeira dos Santos, e com o Presidente do Conselho de Administração do BCP até ao início de 2008, Dr. Filipe Pinhal. As actas destas audições fazem aliás parte do espólio documental desta Comissão de Inquérito.

Importa também recordar e enfatizar que, para conhecimento de todos os factos e eventual determinação de responsabilidades relacionadas com o designado "caso BCP", surgiram nessa Comissão Parlamentar outras propostas para audições nos meses de Janeiro e Fevereiro, malogradas por não terem colhido apoio maioritário.

Foi o caso da proposta para ouvir na COF o accionista do BCP, Joe Berardo, rejeitada em 30 de Janeiro pelos votos do PS, não obstante os votos favoráveis do PSD, do PCP, do CDS-PP e do BE, autor da iniciativa. Outro tanto sucedeu com a proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP para ouvir em audição os antigos Presidentes do Conselho de Administração do BCP, Eng. Jardim Gonçalves e Dr. Paulo Teixeira Pinto, que, apesar da abstenção do PS e dos votos favoráveis do PCP e do CDS-PP, foi rejeitada em 20 de Fevereiro pelos votos do PSD, (precisamente oito dias antes da apresentação da sua proposta para a constituição da presente Comissão de Inquérito e sete dias depois de ter apresentado na COF a proposta de audição do Dr. Filipe Pinhal, viabilizada por todos os restantes partidos).     

D. É assim legítimo concluir - até pela forma como no essencial decorreram as audições durante a Comissão de Inquérito - que as posições então assumidas por alguns dos partidos (do PS, no caso do Senhor Joe Berardo, do PSD, nos casos dos Senhores Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto) inviabilizaram a possibilidade de se avançar de forma mais célere no conhecimento e eventual esclarecimento das diversas incidências relacionadas com o BCP e com a forma como terá sido ou não eficaz o desempenho das diversas supervisões ao longo dos anos. Mais: pode mesmo concluir-se que, tendo em conta a forma como se desenrolaram os trabalhos da Comissão de Inquérito, aquelas opções impediram mesmo que a Assembleia da República ouvisse o Senhor Joe Berardo, tido publicamente por uma das pessoas que, pretensamente, terá estado na origem de denúncias que deram origem às investigações desencadeadas a partir de 2007 pelos supervisores, bancário e do mercado de capitais.

II. Das audições, do funcionamento da Comissão de Inquérito e suas limitações

A. As audições realizadas foram insuficientes para permitir atingir os objectivos expressos na Resolução n.º 6/2008, de 12 de Março, que criou a Comissão de Inquérito.

Tendo rejeitado, com os votos do PS e do PSD (1), a proposta apresentada pelo PCP para ouvir os Drs Artur Santos Silva e Fernando Ulrich, presidentes em tempos sucessivos do Conselho de Administração do BPI, do Dr. Ricardo Espírito Santo Salgado, Presidente da Comissão Executiva do Banco Espírito Santo, do Dr. António Horta Osório, Presidente da Comissão Executiva do Santander Totta e do Dr. João Salgueiro, Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, a Comissão, sabia que estava a comprometer a possibilidade de (objectivo 1) "determinar o rigor com que foram cumpridos os deveres de supervisão do Banco de Portugal na prevenção e averiguação de infracções especialmente graves ... em relação à generalidade das entidades sob sua supervisão ...". Também sabia - ou deveria imaginar - que inviabilizando aquelas audições comprometia a qualidade e pluralidade da informação passível de ser obtida para "apurar o cumprimento destes deveres em instituições supervisionadas, nomeadamente nos anos de 2000 a 2004" (objectivo 6), ou para "apurar se a supervisão bancária exigiu, sobretudo no período em análise, às instituições supervisionadas toda a informação que devia requerer aos respectivos órgãos sociais sobre o modo como decidiram a constituição de tais veículos off-shore" (objectivo 8).

B. A impossibilidade de atingir os objectivos pré-determinados diz respeito tanto à supervisão bancária como à supervisão do mercado de capitais (objectivo 11), em resultado directo da rejeição daquelas audições.

C. Tendo também rejeitado, com os votos do PS e do PSD, a proposta do PCP para promover uma audição com o Dr. Fernando Dias Nogueira, Presidente do Instituto de Seguros de Portugal, não se entende como é que a Comissão Parlamentar pretendia afinal apurar parte relevante da sua própria designação (... "de inquérito ao exercício de supervisão dos sistemas bancário, segurador e de mercado de capitais").

D. Ao ter impedido - por votação novamente conjugada do PS e do PSD - a proposta de audição do BPI e, pelo menos, de Joe Berardo, que assumida e publicamente estiveram na base de denúncias que deram origem a diversas investigações do Banco de Portugal e da CMVM, algumas delas ainda em curso, a Comissão impediu a recolha de uma visão importante - quiçá determinante - para as questões cujo esclarecimento se propunha.   

E. Tendo igualmente rejeitado, com a mesma votação, a proposta do PCP e do BE para ouvir o Dr Carlos Santos Ferreira - actual Presidente do Conselho de Administração do BCP, não se entende nem se descortina se a Comissão teria mesmo real empenho em "apurar se a intervenção do Governador do Banco de Portugal, ao convocar para uma reunião, um sub-grupo de accionistas de referência do BCP, a 21 de Dezembro, ... é incompaginável com os deveres de isenção e independência que os reguladores devem ter face às instituições supervisionadas ..." (objectivo 9).    

F. Ao ter rejeitado a proposta para ouvir o Presidente da DECO e da Associação de Consumidores e Utilizadores de Produtos e Serviços Financeiros - também propostas pelo PCP - a Comissão de Inquérito impediu a possibilidade de ouvir opiniões avalizadas e certamente com visões próprias e pertinentes sobre o apuramento das razões por que "... alegadamente a CMVM não terá agido atempadamente para assegurar, nos termos do Código de Valores Mobiliários, a defesa dos interesses dos pequenos accionistas, alegadamente tratados de forma diferente em relação a alguns grandes accionistas ..." (objectivo 12).

G. Com evidente e manifesto prejuízo para o esclarecimento das questões e para o eventual apuramento de insuficiências e ineficiências das entidades supervisores, a Comissão de Inquérito só aceitou as audições que resultassem da invocação dos direitos de agendamento potestativo atribuído aos deferentes partidos. E nem sequer esgotou as possibilidades conferidas dessa forma pelo n.º 3 do artigo 16.º do regime jurídico dos inquéritos parlamentares.

O PS que tinha direito a promover a audição de oito depoimentos não requereu nenhum. Outro tanto fez o CDS-PP que tinha direito a agendar de forma potestativa duas audições. O PSD nem esgotou as respectivas possibilidades de agendamento, tendo requerido apenas seis depoimentos, três dos quais com as mesmas personalidades que já tinham sido ouvidas sobre o tema na Comissão de Orçamento e Finanças (Victor Constâncio, Carlos Tavares e Teixeira dos Santos). Só o PCP e o BE utilizaram todas as possibilidades de agendar potestativamente audições. Foram nesta âmbito ouvidos Jardim Gonçalves e SiKander Sattar (KPMG, auditor externo do BCP), em audições requeridas pelo PCP, e Paulo Teixeira Pinto e Goes Ferreira, depoimentos requeridos pelo BE.

H. Apesar do desenvolvimento dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito determinar e aconselhar inevitavelmente outras audições - fora do exercício dos direitos potestativos, como é, aliás, habitual e normal em qualquer comissão parlamentar - a posição do PS e do PSD manteve-se sem alteração durante os quatro meses de duração da Comissão, inviabilizando em conjunto todas as propostas de audições que foram feitas durante o decurso dos trabalhos, fora do uso do direito potestativo. Foi o caso das propostas de audição com o Dr. António Rodrigues, (pessoa referenciada num dos depoimentos prestados como responsável "permanente" pelas relações entre o BCP e a supervisão bancária), e do Dr. Goes Ferreira, (pessoa multiplamente referenciada como titular de alguns dos off-shores sob investigação), apresentadas para aprovação em Comissão, (portanto, sem o exercício de direitos potestativos), que foram por rejeitadas pelos votos conjugados de PS e PSD. O Dr. Goes Ferreira, como ficou já dito, só foi ouvido por ter sido depois objecto de um requerimento potestativo. Caso contrário, também neste caso a Comissão, maioritariamente, teria rejeitado a possibilidade de ouvir o seu depoimento.

I. Por tudo isto é legítimo concluir que a Comissão não aproveitou, antes declinou de forma clara e inequívoca, as possibilidades de ouvir personalidades e intervenientes qualificados e privilegiados dos acontecimentos e da matéria em análise na Comissão de Inquérito.

J. Perante sucessivas recusas de respostas a quesitos e perguntas que iam sendo formuladas durante os depoimentos, e perante a recusa frequente de diversas personalidades e instituições em facultar à Comissão de Inquérito elementos documentais e diversos dossiês solicitados por esta para consulta e análise, a Comissão demitiu-se de exercer os seus poderes constitucionais de requerer o levantamento do sigilo profissional e bancário, que podia e deveria ter exercido. Concretamente:

- O Banco de Portugal recusou enviar à Comissão de Inquérito - nem sequer permitiu a consulta em instalações próprias, face à insistência da Comissão, invocando o seu estatuto e funcionamento especiais - nem a correspondência pertinente trocada entre o BCP e o BdP, nem o dossiê de denúncia entregue ao Banco de Portugal pelo Dr. Fernando Ulrich, nem tão pouco o relatório da inspecção realizada ao BCP pelo Banco de Portugal em 2003 sobre o crédito concedido a grandes clientes;

- O Presidente do BCP recusou facultar a cópia das exposições, respostas ou simples cartas dirigidas pelo BCP ao Banco de Portugal e por este ao BCP - durante o período de 2000 a 2005 - em torno da questão da constituição de sociedades em jurisdição off-shore, da concessão de empréstimos a estas entidades, do tipo de garantias constituídas por essas sociedades e/ou pelos seus accionistas e da consolidação contabilística do BCP;

- O presidente ao tempo do Conselho de Administração do BPI recusou também remeter à Comissão de Inquérito a documentação pertinente relativa ao dossiê de denúncia entregue ao Banco de Portugal;

- A CMVM numa primeira fase recusou também remeter para a Comissão de Inquérito correspondência pertinente trocada entre o BCP e a CMVM, ou entre esta e o BCP, e demais documentação relevante, mesmo a que não estivesse abrangida pelo segredo de justiça decorrente do desenvolvimento de investigações internas em curso. Porém, face à insistência da Comissão - feita nos mesmos termos em que já o havia feito, sem sucesso, junto ao Banco de Portugal - a CMVM decidiu remeter a esta Comissão todos os processos de averiguação do BCP que haviam sido encerrados administrativamente pela CMVM e disponibilizar a consulta, em instalações próprias da CMVM, de toda a correspondência e demais documentação pertinente que não estivesse ainda sob alçada de processos de investigação em curso. Esta possibilidade foi aproveitada e, como adiante se verá, permitiu retirar algumas conclusões relevantes.  

- O Dr. António Marta, na audição de 6 de Maio de 2008, o Eng. Jardim Gonçalves, na audição de 13 de Maio, entre outros exemplos, e mais tarde os Drs. Sikander Sattar e Goes Ferreira invocaram também o segredo profissional para não responderem a questões que lhes haviam sido colocadas durante os respectivos depoimentos.

K. Apesar destas recusas injustificadas e claramente concorrentes para dificultar o apuramento de responsabilidades políticas e não obstante contradições notórias, evidenciadas durante alguns depoimentos, a Comissão demitiu-se de exercer os respectivos poderes, apesar de estarem amplamente verificadas as condições que toda a jurisprudência existente, nomeadamente os Pareceres da Procuradoria-Geral da República 56/1994, 38/1995 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2/2008 - que aliás foi consultada e previamente debatida na Comissão de Inquérito - descreve como justificando a prevalência do interesse preponderante face aos interesses ponderosos em jogo.

L. Com os votos do PS e do PSD, a Comissão rejeitou assim a possibilidade de sanar as contradições entre depoimentos - por exemplo a que, na audição de 18 de Janeiro de 2008, levou o Governador do Banco de Portugal a declarar na COF que o BCP não tinha remetido, apesar de instado para tal, a listagem integral dos off-shores, próprios ou em nome de terceiros, a quem tinham sido concedidos créditos para aquisição de acções próprias e a que, na audição de 13 de Maio havia levado o Eng.º Jardim Gonçalves a afirmar de forma peremptória, que toda a informação tinha sido remetida ao Banco de Portugal.

M. A Comissão, como resultado da votação concorrente do PS e do PSD, rejeitou assim a possibilidade do interesse público poder prevalecer para permitir o apuramento de responsabilidades políticas por actos praticados, as quais constituíam, incontornavelmente, objecto da Comissão de Inquérito, recusando requerer ao Tribunal da Relação de Lisboa, o levantamento do sigilo profissional, como propuseram, sucessivamente o PCP e o BE.

N. E não podem aceitar-se os argumentos - melhor dizendo, os pretextos - usados por quem impediu o prosseguimento da investigação através do levantamento do sigilo profissional. É que, conforme aliás o Presidente da Comissão bem disse na reunião de 25 de Junho, se a Comissão "fizesse um ofício ao Tribunal da Relação a pedir o levantamento do sigilo profissional, obviamente, que temos de estipular o prazo normal para a resposta, como o fazemos para qualquer outra entidade, e neste caso é uma entidade judicial, que são dez dias, prazo esse que tem de ser cumprido". Cai portanto por terra, o argumento/pretexto da morosidade.

O. De igual forma não se compreende que a Comissão - através da concorrência dos votos do PSD e do PS - tenha recusado dar seguimento ao pedido de levantamento do sigilo profissional dirigido ao tribunal da Relação de Lisboa com o argumento/pretexto de que desta forma não se "atingiria tanto o objecto que se pretende com a Comissão de Inquérito, mas sim factos ou instituições e pessoas exteriores ao próprio processo de supervisão".

P. A verdade é que não possibilitando - através do levantamento do sigilo profissional - a consulta de documentação relevante nem eliminando contradições - como as que atrás ficam enunciadas em II.L - permite-se que tudo e todos fiquem sempre com a possibilidade de terem sido responsáveis por situações inaceitáveis, mesmo aqueles que o apuramento da verdade poderia (e deveria) eventualmente poder ilibar de responsabilidades funcionais e/ou políticas. Desta forma, a Comissão prestou um péssimo serviço a todos os envolvidos, mantendo sob legítima suspeita a eficácia, a eficiência e os comportamentos potencialmente pouco diligentes das entidades de supervisão.

Q. Sendo certo que os trabalhos da Comissão tinham alguns constrangimentos, eles não seriam mais que os que poderiam decorrer de investigações em curso, quer do foro administrativo quer do foro criminal. Recusar possibilidades e vias de trabalho que estão à disposição da Comissão - seja as de ouvir entidades e personalidades que ficaram por ouvir, seja as de pedir o levantamento do sigilo profissional - constitui uma passiva aceitação de auto-condicionamento artificial da Comissão que só serviu para limitar o apuramento cabal e completo de responsabilidades e que não dignifica o papel que a Comissão de Inquérito poderia e deveria ter assumido.

R. A verdade é que se a Comissão estivesse verdadeiramente empenhada em apurar plenamente eventuais responsabilidades no exercício das supervisões, poderia também ter tomado outras decisões, nomeadamente a de propor o prolongamento dos seus trabalhos por mais trinta dias, suspendendo o respectivo funcionamento no decurso das férias parlamentares. O anúncio feito há ainda poucos dias pelo Banco de Portugal de que o processo principal de investigação em curso estaria muito provavelmente terminado até ao final do mês de Julho - e na pior das hipóteses durante o Verão - constitui razão bastante para a Comissão não ter rejeitado a proposta feita nesse sentido e que, mais uma vez os votos concorrentes do PS e do PSD inviabilizaram.

S. Também neste aspecto, é legítimo concluir que a Comissão não parece ter ficado muito interessada com a possibilidade de alguma mais documentação e a possível consulta deste "processo-mãe", entretanto terminado, poder ficar disponível e, dessa forma permitir de forma mais rigorosa o apuramento das responsabilidades objecto dos trabalhos da Comissão. 

III. Do exercício de supervisão pelo Banco de Portugal

A. A Comissão demitiu-se - ao não ouvir outros depoimentos, ao não requerer o levantamento do sigilo profissional e também ao ter recusado prolongar os seus trabalhos e aguardar pelo anunciado próximo encerramento do processo de averiguação em curso no âmbito da supervisão bancária - de cumprir com o objecto central para que foi criada.

B. Não é contudo possível deixar de concluir que estamos prestes a conhecer - segundo aliás apontam todas as declarações e depoimentos do Governador do Banco de Portugal, seja perante a COF seja perante esta Comissão de Inquérito - uma bem urdida trama de manipulação de mercado, de aumentos fraudulentos de capital e de apropriação indevida de fundos do BCP em benefício próprio, aparentemente organizada e montada ao longo de muitos anos por alguns dos mais altos responsáveis do BCP, eventualmente por alguns dos seus gestores e grandes accionistas, sem que o Banco de Portugal tenha detectado, e investigado alguma coisa.

C. A Comissão não pode então deixar de concluir o que se torna evidente e óbvio, que a supervisão do sistema bancário falhou nos seus deveres e obrigações de defesa dos depositantes, não investigando nem mandando investigar o que só foi conhecido anos depois, após denúncia de terceiros.

D. A Comissão e a opinião pública dificilmente podem compreender e aceitar que uma trama baseada em entidades off-shores, aparentemente anónimas e nunca reportadas por ninguém - sejam órgãos internos de fiscalização sejam auditores externos -, possam ter determinado perdas de valor do BCP, ainda não totalmente avaliadas, mas que não serão certamente inferiores a muitas centenas de milhões de euros.

E. A Comissão não compreende nem aceita que esta trama tenha operado sem qualquer perturbação ou incómodo da parte da supervisão e que, ao fim destes longos anos, se tenha prejudicado o valor do Banco e os interesses dos pequenos accionistas que viram os seus títulos baixar de forma drástica.

F. Embora também responsabilize pela criação e desenvolvimento desta situação tão continuada de incumprimento das normas e da legalidade quer os órgãos internos de fiscalização, quer os auditores externos, a Comissão entende não ser aceitável que o Banco de Portugal invoque reiteradamente a ineficiência ou incumprimento de deveres destes agentes e responsáveis para se resguardar e esconder as suas próprias responsabilidades, ineficiências e omissões.  

IV. Da articulação entre o Banco de Portugal e a CMVM

A. A Comissão foi informada, através de depoimentos relevantes, da existência de um reforço da cooperação entre as autoridades de supervisão, nomeadamente com a publicação de um protocolo, subscrito pela CMVM e pelo Banco de Portugal e divulgado em 26 de Fevereiro de 2008, com tais objectivos. A Comissão está mesmo em condições de confirmar que a partir do momento em que foram abertos diversos processos de averiguação ao BCP no decurso do ano de 2007, a articulação e coordenação efectiva de acções, sem prejuízo das esferas de competências próprias, têm sido reais e traduziram-se mesmo na emissão coordenada de avisos ou comunicados públicos, quer de uma quer de outra das duas entidades de supervisão.

B. Mas é também possível concluir que esta articulação, no passado, ou não existiu de facto, ou, então existia apenas formalmente e sem conteúdo prático. Durante o processo de averiguação do Banco de Portugal ao BCP que decorreu nos anos de 2002 e 2003, motivado designadamente pelas condições de crédito concedido a grandes clientes titulares de entidades off-shores, pelos riscos de créditos concedidos por falta de garantias reais, e pela possibilidade da quantidade de acções próprias - ou similares - na posse de certos accionistas poder ultrapassar o limite legal, nunca o Banco de Portugal tomou qualquer iniciativa de informação junto da CMVM, facto que é confirmado por esta entidade.

C. A Comissão tem legitimidade para concluir que, tendo esta investigação durado bem mais de um ano, ela poderia e deveria ter sido objecto de informação - quiçá até de articulação - entre as duas entidades, até porque as matérias respeitantes à detenção de acções próprias reportam directamente a atribuições da CMVM. E mesmo que os resultados finais do processo de averiguação tenham concluído pela não ilegalidade das acções detidas por certos titulares, não é menos verdade que esta é uma conclusão retirada no final de mais de um ano de investigações, durante o qual não havia certezas sobre esse facto, o que deveria ter motivado uma informação à CMVM.

D. Idêntica conclusão pode a Comissão retirar pelo facto de uma das recomendações finais do Banco de Portugal neste processo de averiguação ter na prática determinado uma consolidação contabilística com a imposição de abatimento de 54 milhões de euros em fundos próprios, facto que se considera relevante e que não foi alvo de comunicação à CMVM.

E. Não pode esta Comissão aceitar o argumento formal de que quem deveria reportar à CMVM este facto deveria ter sido o próprio BCP, assinalando-o nas contas e resultados anuais. Esta obrigação permanente não deveria, contudo, ter dispensado nem eximido o Banco de Portugal de comunicar também o facto à CMVM.

V. Da actuação da CMVM perante padrões anómalos de negociação no BCP   

A. A Comissão tem legitimidade para concluir que o padrão anómalo de negociação no BCP verificado de forma recorrente em várias sessões, entre Dezembro de 2001 e final de Janeiro de 2002, não foi averiguado de forma inteiramente diligente por parte da CMVM. Esta conclusão é legitimada pelas declarações e depoimentos prestados na Comissão, e pela consulta da documentação facultada pela CMVM, conforme referido na conclusão IIJ.

B. Não obstante se ter concluído que o BCP não terá cumprido as recomendações da CMVM que determinam a inibição de aquisição em momentos sensíveis ou em momentos de perturbação do mercado, a verdade é que essas aquisições ocorreram de forma reiterada, tendo provocado influência nos preços de fecho e na sua valorização em períodos de desvalorização consistente e acentuada do título BCP, não tendo estas constatações determinado qualquer processo complementar de averiguação, facto que dificilmente se pode compreender e aceitar.     

C. A Comissão de Inquérito foi informada que, parte dos referidos movimentos anómalos de aquisição foram efectuados por intermédio da carteira BCP - títulos de negociação envolvendo grandes accionistas, empresas do grupo BCP e alguns membros do Conselho de Administração - facto que segundo uma regulamentação da CMVM que entrou em vigor a 1 de Fevereiro do mesmo ano - poucos dias depois - teria obrigado a comunicação obrigatória ao mercado em cinco dias úteis.

D. A Comissão foi também informada que a outra parte dos citados movimentos foi efectuada a partir de uma conta BC Português Cayman, sem que essas aquisições, tenham seguido padrões de transparência por ausência de comunicação ao mercado. Este facto reforça a convicção da Comissão de que, não obstante a resposta dada em Março de 2002 pelo BCP a instâncias da CMVM, informando ter essa conta "dezenas de clientes", a supervisora podia e devia ter procedido de forma mais prudente e diligente, accionando mecanismos próprios de averiguação.

E. A consulta da documentação facultada pela CMVM permite ainda concluir que a possibilidade de averiguar a eventual aplicação do nº2 do Artigo 379º do Código de Valores Mobiliários, relativo a manipulação de mercados ("consideram-se idóneos para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado, nomeadamente, os actos que sejam susceptíveis de modificar as condições de formação dos preços, as condições normais de oferta ou da procura de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou as condições normais de lançamento e de aceitação de uma oferta pública") foi mesmo sugerida, mas não teve seguimento. 

F. A decisão de não avançar nesta altura com qualquer processo de averiguação não foi, aparentemente, tomada pelo Conselho Directivo da CMVM o que não exime a instituição de falta de diligência. Parafraseando um depoimento de uma responsável da CMVM, a verdade é que a CMVM "esteve quase a verificar que havia algo que não estava bem". Só que tinha, como fica dito, todos os indícios e até sugestões para avançar mas não quis. A Comissão não pode, portanto, deixar de constatar o erro.

VI. Da actuação face aos pequenos accionistas

A. A Comissão tomou conhecimento do encerramento do processo de averiguação instaurado pela CMVM sobre créditos concedidos a pequenos accionistas e da multa aplicada ao BCP de 3 milhões de euros. No entanto, parece questionável que haja a possibilidade de baixar este valor para apenas meio milhões de euros, aparentemente condicionada à resolução dos problemas pendentes com os pequenos accionistas aliciados no início da década pelo eldorado do "capitalismo popular".

B. É convicção da Comissão que os privilégios que o BCP na altura - e imediatamente após as operações realizadas para aumento de capital - determinou a muitos dos grandes accionistas que beneficiaram de créditos especiais para comprar acções do BCP possam ser também aplicáveis de forma adequada aos pequenos accionistas. A Comissão não entende a razão pela qual a criação de soluções "imaginativas" para limpar os créditos contraídos por alguns grandes accionistas, no valor de muitos milhões de euros, não pode também ser utilizada, de forma adequada, em situações de pequenos accionistas aliciados pela campanha de venda de acções a "risco zero" lançada pelos responsáveis do BCP.

C. O que não parece muito legítimo é condicionar o valor de uma multa aplicada por causa de uma campanha de aliciamento de accionistas sem regras nem princípios à concretização de soluções para a resolução dos problemas provocados a pequenos accionistas que há muito deveria ter sido já implementada pelo BCP.

D. Finalmente, a Comissão entende que os prospectos que o BCP lançou na altura dos aumentos de capital - e que ocasionaram esta "corrida à compra de acções" - deveria ter sido rigorosamente verificada pelas supervisões (em especial pela CMVM) em todas as suas componentes - em especial no que respeita à informação parcial e deficiente, mormente quanto à quase integral desvalorização dos riscos existentes. Por isso, e mais uma vez, a Comissão entende que a supervisão falhou nas suas obrigações.          

VII. Da actuação dos auditores externos

A. A Comissão constatou, através de diversos depoimentos, através de informações públicas do próprio BCP, designadamente pela divulgação dos resultados e por informações ao mercado, que as contas e resultados do Banco Comercial Português não reflectiam a totalidade da situação do BCP desde o início da década de 2000.

B. A Comissão foi também informada que no final do ano de 2007 - não obstante a situação que já então se vivia no BCP e as investigações já então espoletadas pelo Banco de Portugal e pela CMVM - a declaração pública do banco de que as contas respeitantes a Setembro de 2007 reflectiam inteiramente a situação financeira do BCP se revelou mais uma vez incompleta e insuficiente.

C. Tendo ao longo desta década o BCP mantido sempre como auditor externo a mesma empresa, verifica-se então que entre 2000 a 2007, inclusive, nenhum dos relatórios anuais de balanço e apresentação de resultados informa de forma completa o mercado quanto à situação do BCP, muito embora a empresa auditora nunca tenha colocado a mínima reserva ou chamado a atenção para factos eventualmente relevantes, a que está por lei obrigada a fazer.

D. Ao mesmo tempo que estranha esta total e completa omissão da parte da auditora, as audições permitem à Comissão concluir que deve passar a existir um quadro legal que impeça a coincidência das funções de auditoria e de consultoria na mesma empresa prestadora de serviços a uma mesma empresa cotada, tal como deve ser imposta a rotação periódica obrigatória de auditoras.

VIII. De alterações do quadro legal

A. A Comissão conclui pela necessidade de agravar substancialmente o valor das coimas das infracções previstas no RGICSF e no CVM para que estas possam ter um efeito dissuasor efectivo da prática das respectivas infracções.

B. A Comissão entende também que deve ser revista a moldura penal aplicável a crimes do tipo económico, designadamente aos crimes de manipulação do mercado, por forma a que possam ser agravadas as penas e considerados como crimes graves não remíveis por multa, a qual, por mais elevada que seja fica bem abaixo dos proveitos normalmente obtidos por intermédio deste tipo de crimes.

C. A Comissão conclui pela necessidade de impedir legalmente a coincidência do desempenho das funções de auditoria e consultoria na mesma empresa. A Comissão conclui igualmente pela necessidade de rapidamente por em prática a determinação de rotação obrigatória de auditores.

D. A Comissão entende ser necessário reforçar as regras de governação das sociedades cotadas, tornando obrigatórias muitas das actuais recomendações da CMVM, alargando assim o grau de transparência pública e de fiscalização interna dessas sociedades.

E. A Comissão entende ser adequado ponderar a criação de um período de impedimento de três anos na transferência de altos cargos dirigentes de natureza executiva entre instituições bancárias ou financeiras concorrentes.

___________________________________________

Declaração de voto
Intervenção de Honório Novo
(O PCP votou contra o Relatório elaborado pela Deputada Teresa Venda, tendo este sido aprovado apenas com os votos favoráveis dos representantes do PS na Comissão. Os representantes dos restantes Grupos Parlamentares, PSD, CDS-PP e BE, votaram igualmente contra o relatório)

O PCP considera que a Comissão Parlamentar de Inquérito ao Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e de Mercado de Capitais não cumpriu com os 15 objectivos constantes da Resolução nº 6/2008, de 12 de Março de 2008.

O PCP manifesta nesta Declaração de Voto, desenvolvida em sete área distintas, as razões que motivaram o seu voto contrário ao relatório "oficial" da Comissão de Inquérito, que justificam as críticas feitas à forma como a Comissão de Inquérito não apurou, (nem quis apurar), com rigor as responsabilidades funcionais e políticas atinentes aos objectivos da Comissão de Inquérito, e que sustentam as críticas justificadas que faz ao exercício da supervisão bancária e financeira relativamente aos factos ocorridos no BCP.

Assim:

I. Das audições, do funcionamento da Comissão de Inquérito e suas limitações

A. As audições realizadas foram insuficientes para permitir atingir os objectivos expressos na Resolução n.º 6/2008, de 12 de Março, que criou a Comissão de Inquérito.

Tendo rejeitado, com os votos do PS e do PSD, a proposta apresentada pelo PCP para ouvir os Drs Artur Santos Silva e Fernando Ulrich, presidentes em tempos sucessivos do Conselho de Administração do BPI, do Dr. Ricardo Espírito Santo Salgado, Presidente da Comissão Executiva do Banco Espírito Santo, do Dr. António Horta Osório, Presidente da Comissão Executiva do Santander Totta e do Dr. João Salgueiro, Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, a Comissão, sabia que estava a comprometer a possibilidade de (objectivo 1) "determinar o rigor com que foram cumpridos os deveres de supervisão do Banco de Portugal na prevenção e averiguação de infracções especialmente graves ... em relação à generalidade das entidades sob sua supervisão ...". Também sabia - ou deveria imaginar - que inviabilizando aquelas audições comprometia a qualidade e pluralidade da informação passível de ser obtida para "apurar o cumprimento destes deveres em instituições supervisionadas, nomeadamente nos anos de 2000 a 2004" (objectivo 6), ou para "apurar se a supervisão bancária exigiu, sobretudo no período em análise, às instituições supervisionadas toda a informação que devia requerer aos respectivos órgãos sociais sobre o modo como decidiram a constituição de tais veículos off-shore" (objectivo 8). (Anexo 1)

B. A impossibilidade de atingir os objectivos pré-determinados atinge tanto a supervisão bancária como a supervisão do mercado de capitais (objectivo 11), em resultado directo da rejeição daquelas audições.

C. Tendo também rejeitado, com os votos do PS e do PSD, a proposta do PCP para promover uma audição com o Dr. Fernando Dias Nogueira, Presidente do Instituto de Seguros de Portugal, não se entende como é que a Comissão Parlamentar pretendia afinal apurar parte relevante da sua própria designação (... "de inquérito ao exercício de supervisão dos sistemas bancário, segurador e de mercado de capitais"). (Anexo 1)

D. Ao ter impedido - por votação novamente conjugada do PS e do PSD - a proposta de audição do BPI e, pelo menos, de Joe Berardo, que assumida e publicamente estiveram na base de denúncias que deram origem a diversas investigações do Banco de Portugal e da CMVM, algumas delas ainda em curso, a Comissão impediu a recolha de uma visão importante - quiçá determinante - para as questões cujo esclarecimento se propunha. (Anexo 1)

E. Tendo igualmente rejeitado, com a mesma votação, a proposta do PCP e do BE para ouvir o Dr Carlos Santos Ferreira - actual Presidente do Conselho de Administração do BCP, não se entende nem se descortina se a Comissão teria mesmo real empenho em "apurar se a intervenção do Governador do Banco de Portugal, ao convocar para uma reunião, um sub-grupo de accionistas de referência do BCP, a 21 de Dezembro, ... é incompaginável com os deveres de isenção e independência que os reguladores devem ter face às instituições supervisionadas ..." (objectivo 9). (Anexo 1)

F. Ao ter rejeitado a proposta para ouvir o Presidente da DECO e da Associação de Consumidores e Utilizadores de Produtos e Serviços Financeiros - também propostas pelo PCP - a Comissão de Inquérito impediu a possibilidade de ouvir opiniões avalizadas e certamente com visões próprias e pertinentes sobre o apuramento das razões por que "... alegadamente a CMVM não terá agido atempadamente para assegurar, nos termos do Código de Valores Mobiliários, a defesa dos interesses dos pequenos accionistas, alegadamente tratados de forma diferente em relação a alguns grandes accionistas ..." (objectivo 12). (Anexo 1)

G. Com evidente e manifesto prejuízo para o esclarecimento das questões e para o eventual apuramento de insuficiências e ineficiências das entidades supervisores, a Comissão de Inquérito só aceitou as audições que resultassem da invocação dos direitos de agendamento potestativo atribuído aos deferentes partidos. E nem sequer esgotou as possibilidades conferidas dessa forma pelo n.º 3 do artigo 16.º do regime jurídico dos inquéritos parlamentares.

O PS que tinha direito a promover a audição de oito depoimentos não requereu nenhum. Outro tanto fez o CDS-PP que tinha direito a agendar de forma potestativa duas audições. O PSD nem esgotou as respectivas possibilidades de agendamento, tendo requerido apenas seis depoimentos, três dos quais com as mesmas personalidades que já tinham sido ouvidas sobre o tema na Comissão de Orçamento e Finanças (Victor Constâncio, Carlos Tavares e Teixeira dos Santos). Só o PCP e o BE utilizaram todas as possibilidades de agendar potestativamente audições. Foram nesta âmbito ouvidos Jardim Gonçalves e SiKander Sattar (KPMG, auditor externo do BCP), em audições requeridas pelo PCP, e Paulo Teixeira Pinto e Goes Ferreira, depoimentos requeridos pelo BE.

H. Apesar do desenvolvimento dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito determinar e aconselhar inevitavelmente outras audições - fora do exercício dos direitos potestativos, como é, aliás, habitual e normal em qualquer comissão parlamentar - a posição do PS e do PSD manteve-se sem alteração durante os quatro meses de duração da Comissão, inviabilizando em conjunto todas as propostas de audições que foram feitas durante o decurso dos trabalhos, fora do uso do direito potestativo. Foi o caso das propostas de audição com o Dr. António Rodrigues, (pessoa referenciada num dos depoimentos prestados como responsável "permanente" pelas relações entre o BCP e a supervisão bancária), e do Dr. Goes Ferreira, (pessoa multiplamente referenciada como titular de alguns dos off-shores sob investigação), apresentadas para aprovação em Comissão, (portanto, sem o exercício de direitos potestativos), que foram por rejeitadas pelos votos conjugados de PS e PSD. O Dr. Goes Ferreira, como ficou já dito, só foi ouvido por ter sido depois objecto de um requerimento potestativo. Caso contrário, também a Comissão, teria rejeitado a possibilidade de ouvir o seu depoimento. (Anexo 2)

I. Por tudo isto é legítimo concluir que a Comissão não aproveitou, antes declinou de forma clara e inequívoca, as possibilidades de ouvir personalidades e intervenientes qualificados e privilegiados dos acontecimentos e da matéria em análise na Comissão de Inquérito.

J. Perante sucessivas recusas de respostas a quesitos e perguntas que iam sendo formuladas durante os depoimentos, e perante a recusa frequente de diversas personalidades e instituições em facultar à Comissão de Inquérito elementos documentais e diversos dossiês solicitados por esta para consulta e análise, a Comissão demitiu-se de exercer os seus poderes constitucionais de requerer o levantamento do sigilo profissional e bancário, que podia e deveria ter exercido. Concretamente:

- O Banco de Portugal recusou enviar à Comissão de Inquérito - nem sequer permitiu a consulta em instalações próprias, face à insistência da Comissão, invocando o seu estatuto e funcionamento especiais - nem a correspondência pertinente trocada entre o BCP e o BdP, nem o dossiê de denúncia entregue ao Banco de Portugal pelo Dr. Fernando Ulrich, nem tão pouco o relatório da inspecção realizada ao BCP pelo Banco de Portugal em 2003 sobre o crédito concedido a grandes clientes; (Anexos 3, 4 e 5)

- O Presidente do BCP recusou facultar a cópia das exposições, respostas ou simples cartas dirigidas pelo BCP ao Banco de Portugal e por este ao BCP - durante o período de 2000 a 2005 - em torno da questão da constituição de sociedades em jurisdição off-shore, da concessão de empréstimos a estas entidades, do tipo de garantias constituídas por essas sociedades e/ou pelos seus accionistas e da consolidação contabilística do BCP; (Anexo 6)

- O presidente ao tempo do Conselho de Administração do BPI recusou também remeter à Comissão de Inquérito a documentação pertinente relativa ao dossiê de denúncia entregue ao Banco de Portugal; (Anexo 7)

- A CMVM numa primeira fase recusou também remeter para a Comissão de Inquérito correspondência pertinente trocada entre o BCP e a CMVM, ou entre esta e o BCP, e demais documentação relevante, mesmo a que não estivesse abrangida pelo segredo de justiça decorrente do desenvolvimento de investigações internas em curso. Porém, face à insistência da Comissão - feita nos mesmos termos em que já o havia feito, sem sucesso, junto ao Banco de Portugal - a CMVM decidiu remeter a esta Comissão todos os processos de averiguação do BCP que haviam sido encerrados administrativamente pela CMVM e disponibilizar a consulta, em instalações próprias da CMVM, de toda a correspondência e demais documentação pertinente que não estivesse ainda sob alçada de processos de investigação em curso. Esta possibilidade foi aproveitada e, como adiante se verá, permitiu retirar algumas conclusões relevantes. (Anexo 8)

- O Dr. António Marta, na audição de 6 de Maio de 2008, o Eng. Jardim Gonçalves, na audição de 13 de Maio, entre outros exemplos, e mais tarde os Drs. Sikander Sattar e Goes Ferreira invocaram também o segredo profissional para não responderem a questões que lhes haviam sido colocadas durante os respectivos depoimentos.

K. Apesar destas recusas injustificadas e claramente concorrentes para dificultar o apuramento de responsabilidades políticas e não obstante contradições notórias, evidenciadas durante alguns depoimentos, a Comissão demitiu-se de exercer os respectivos poderes, apesar de estarem amplamente verificadas as condições que toda a jurisprudência existente, nomeadamente os Pareceres da Procuradoria-Geral da República 56/1994, 38/1995 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2/2008 - que aliás foi consultada e previamente debatida na Comissão de Inquérito - descreve como justificando a prevalência do interesse preponderante face aos interesses ponderosos em jogo. (Anexo 9)

L. Com os votos do PS e do PSD, a Comissão rejeitou assim a possibilidade de sanar as contradições entre depoimentos - por exemplo a que, na audição de 18 de Janeiro de 2008, levou o Governador do Banco de Portugal a declarar na COF que o BCP não tinha remetido, apesar de instado para tal, a listagem integral dos off-shores, próprios ou em nome de terceiros, a quem tinham sido concedidos créditos para aquisição de acções próprias e a que, na audição de 13 de Maio havia levado o Eng.º Jardim Gonçalves a afirmar de forma peremptória, que toda a informação tinha sido remetida ao Banco de Portugal. (Anexo 9)

M. A Comissão, como resultado da votação concorrente do PS e do PSD, rejeitou assim a possibilidade do interesse público poder prevalecer para permitir o apuramento de responsabilidades políticas por actos praticados, as quais constituíam, incontornavelmente, objecto da Comissão de Inquérito, recusando requerer ao Tribunal da Relação de Lisboa, o levantamento do sigilo profissional, como propuseram, sucessivamente o PCP e o BE. (Anexo 9)

N. E não podem aceitar-se os argumentos - melhor dizendo, os pretextos - usados por quem impediu o prosseguimento da investigação através do levantamento do sigilo profissional. É que, conforme aliás o Presidente da Comissão bem disse na reunião de 25 de Junho, se a Comissão "fizesse um ofício ao Tribunal da Relação a pedir o levantamento do sigilo profissional, obviamente, que temos de estipular o prazo normal para a resposta, como o fazemos para qualquer outra entidade, e neste caso é uma entidade judicial, que são dez dias, prazo esse que tem de ser cumprido". Cai portanto por terra, o argumento/pretexto da morosidade.

O. De igual forma não se compreende que a Comissão - através da concorrência dos votos do PSD e do PS - tenha recusado dar seguimento ao pedido de levantamento do sigilo profissional dirigido ao tribunal da Relação de Lisboa com o argumento/pretexto de que desta forma não se "atingiria tanto o objecto que se pretende com a Comissão de Inquérito, mas sim factos ou instituições e pessoas exteriores ao próprio processo de supervisão".

P. A verdade é que não possibilitando - através do levantamento do sigilo profissional - a consulta de documentação relevante nem eliminando contradições - como as que atrás ficam enunciadas em II.L - permite-se que tudo e todos fiquem sempre com a possibilidade de terem sido responsáveis por situações inaceitáveis, mesmo aqueles que o apuramento da verdade poderia (e deveria) eventualmente poder ilibar de responsabilidades funcionais e/ou políticas. Desta forma, a Comissão prestou um péssimo serviço a todos os envolvidos, mantendo sob legítima suspeita a eficácia, a eficiência e os comportamentos potencialmente pouco diligentes das entidades de supervisão.

Q. Sendo certo que os trabalhos da Comissão tinham alguns constrangimentos, eles não seriam mais que os que poderiam decorrer de investigações em curso, quer do foro administrativo quer do foro criminal. Recusar possibilidades e vias de trabalho que estão à disposição da Comissão - seja as de ouvir entidades e personalidades que ficaram por ouvir, seja as de pedir o levantamento do sigilo profissional - constitui uma passiva aceitação de auto-condicionamento artificial da Comissão que só serviu para limitar o apuramento cabal e completo de responsabilidades e que não dignifica o papel que a Comissão de Inquérito poderia e deveria ter assumido.

R. A verdade é que se a Comissão estivesse verdadeiramente empenhada em apurar plenamente eventuais responsabilidades no exercício das supervisões, poderia também ter tomado outras decisões, nomeadamente a de propor o prolongamento dos seus trabalhos por mais trinta dias, suspendendo o respectivo funcionamento no decurso das férias parlamentares. O anúncio feito há ainda poucos dias pelo Banco de Portugal de que o processo principal de investigação em curso estaria muito provavelmente terminado até ao final do mês de Julho - e na pior das hipóteses durante o Verão - constitui razão bastante para a Comissão não ter rejeitado a proposta feita nesse sentido e que, mais uma vez os votos concorrentes do PS e do PSD inviabilizaram. (Anexo 10)

S. Também neste aspecto, é legítimo concluir que a Comissão não parece ter ficado muito interessada com a possibilidade de alguma mais documentação e a possível consulta deste "processo-mãe", entretanto terminado, poder ficar disponível e, dessa forma permitir de forma mais rigorosa o apuramento das responsabilidades objecto dos trabalhos da Comissão.

II. Do exercício de supervisão pelo Banco de Portugal

A. A Comissão demitiu-se - ao não ouvir outros depoimentos, ao não requerer o levantamento do sigilo profissional e também ao ter recusado prolongar os seus trabalhos e aguardar pelo anunciado próximo encerramento do processo de averiguação em curso no âmbito da supervisão bancária - de cumprir com o objecto central para que foi criada.

B. Não é contudo possível deixar de concluir que estamos prestes a conhecer - segundo aliás apontam todas as declarações e depoimentos do Governador do Banco de Portugal, seja perante a COF seja perante esta Comissão de Inquérito - uma bem urdida trama de manipulação de mercado, de aumentos fraudulentos de capital e de apropriação indevida de fundos do BCP em benefício próprio, aparentemente organizada e montada ao longo de muitos anos por alguns dos mais altos responsáveis do BCP, eventualmente por alguns dos seus gestores e grandes accionistas, sem que o Banco de Portugal tenha detectado, e investigado alguma coisa.

C. A Comissão não poderia então deixar de concluir o que se torna evidente e óbvio, que a supervisão do sistema bancário falhou nos seus deveres e obrigações de defesa dos depositantes, não investigando nem mandando investigar o que só foi conhecido anos depois, após denúncia de terceiros.

D. A Comissão e a opinião pública dificilmente podem compreender e aceitar que uma trama baseada em entidades off-shores, aparentemente anónimas e nunca reportadas por ninguém - sejam órgãos internos de fiscalização sejam auditores externos -, possam ter determinado perdas de valor do BCP, ainda não totalmente avaliadas, mas que não serão certamente inferiores a muitas centenas de milhões de euros.

E. A Comissão não poderia ter aceitado que esta trama tenha operado sem qualquer perturbação ou incómodo da parte da supervisão e que, ao fim destes longos anos, se tenha prejudicado o valor do Banco e os interesses dos pequenos accionistas que viram os seus títulos baixar de forma drástica.

F. Embora também responsabilize pela criação e desenvolvimento desta situação tão continuada de incumprimento das normas e da legalidade quer os órgãos internos de fiscalização, quer os auditores externos, a Comissão não deveria ter aceitado que o Banco de Portugal invoque reiteradamente a ineficiência ou incumprimento de deveres destes agentes e responsáveis para se resguardar e esconder as suas próprias responsabilidades, ineficiências e omissões.

III. Da articulação entre o Banco de Portugal e a CMVM

A. A Comissão foi informada, através de depoimentos relevantes, da existência de um reforço da cooperação entre as autoridades de supervisão, nomeadamente com a publicação de um protocolo, subscrito pela CMVM e pelo Banco de Portugal e divulgado em 26 de Fevereiro de 2008, com tais objectivos. A Comissão teve condições de confirmar que a partir do momento em que foram abertos diversos processos de averiguação ao BCP no decurso do ano de 2007, a articulação e coordenação efectiva de acções, sem prejuízo das esferas de competências próprias, têm sido reais e traduziram-se mesmo na emissão coordenada de avisos ou comunicados públicos, quer de uma quer de outra das duas entidades de supervisão.

B. Mas é também possível concluir que esta articulação, no passado, ou não existiu de facto, ou, então existia apenas formalmente e sem conteúdo prático. Durante o processo de averiguação do Banco de Portugal ao BCP que decorreu nos anos de 2002 e 2003, motivado designadamente pelas condições de crédito concedido a grandes clientes titulares de entidades off-shores, pelos riscos de créditos concedidos por falta de garantias reais, e pela possibilidade da quantidade de acções próprias - ou similares - na posse de certos accionistas poder ultrapassar o limite legal, nunca o Banco de Portugal tomou qualquer iniciativa de informação junto da CMVM, facto que é confirmado por esta entidade.

C. A Comissão deveria ter concluído que, tendo esta investigação durado bem mais de um ano, ela poderia e deveria ter sido objecto de informação - quiçá até de articulação - entre as duas entidades, até porque as matérias respeitantes à detenção de acções próprias reportam directamente a atribuições da CMVM. E mesmo que os resultados finais do processo de averiguação tenham concluído pela não ilegalidade das acções detidas por certos titulares, não é menos verdade que esta é uma conclusão retirada no final de mais de um ano de investigações, durante o qual não havia certezas sobre esse facto, o que deveria ter motivado uma informação à CMVM.

D. Idêntica conclusão devia a Comissão retirar pelo facto de uma das recomendações finais do Banco de Portugal neste processo de averiguação ter na prática determinado uma consolidação contabilística com a imposição de abatimento de 54 milhões de euros em fundos próprios, facto que se considera relevante e que não foi alvo de comunicação à CMVM.

E. Não devia esta Comissão ter aceitado o argumento formal de que quem deveria reportar à CMVM este facto deveria ter sido o próprio BCP, assinalando-o nas contas e resultados anuais. Esta obrigação permanente não deveria ter dispensado nem eximido o Banco de Portugal de comunicar o facto à CMVM.

IV. Da actuação da CMVM perante padrões anómalos de negociação no BCP

A. A Comissão tinha legitimidade para concluir que o padrão anómalo de negociação no BCP verificado de forma recorrente em várias sessões, entre Dezembro de 2001 e final de Janeiro de 2002, não foi averiguado de forma inteiramente diligente por parte da CMVM. Esta conclusão era legitimada pelas declarações e depoimentos prestados na Comissão, e pela consulta da documentação facultada pela CMVM, conforme referido na conclusão II.

B. Não obstante se ter concluído que o BCP não terá cumprido as recomendações da CMVM que determinam a inibição de aquisição em momentos sensíveis ou em momentos de perturbação do mercado, a verdade é que essas aquisições ocorreram de forma reiterada, tendo provocado influência nos preços de fecho e na sua valorização em períodos de desvalorização consistente e acentuada do título BCP, não tendo estas constatações determinado qualquer processo complementar de averiguação, facto que dificilmente se pode compreender e aceitar.    

C. A Comissão de Inquérito foi informada que, parte dos referidos movimentos anómalos de aquisição foram efectuados por intermédio da carteira BCP - títulos de negociação envolvendo grandes accionistas, empresas do grupo BCP e alguns membros do Conselho de Administração - facto que segundo uma regulamentação da CMVM que entrou em vigor a 1 de Fevereiro do mesmo ano - poucos dias depois - teria obrigado a comunicação obrigatória ao mercado em cinco dias úteis.

D. A Comissão foi também informada que a outra parte dos citados movimentos foi efectuada a partir de uma conta BC Português Cayman, sem que essas aquisições, tenham seguido padrões de transparência por ausência de comunicação ao mercado. Este facto reforça a convicção da Comissão de que, não obstante a resposta dada em Março de 2002 pelo BCP a instâncias da CMVM, informando ter essa conta "dezenas de clientes", a supervisora podia e devia ter procedido de forma mais prudente e diligente, accionando mecanismos próprios de averiguação.

E. A consulta da documentação facultada pela CMVM permite ainda concluir que a possibilidade de averiguar a eventual aplicação do nº2 do Artigo 379º do Código de Valores Mobiliários, relativo a manipulação de mercados ("consideram-se idóneos para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado, nomeadamente, os actos que sejam susceptíveis de modificar as condições de formação dos preços, as condições normais de oferta ou da procura de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou as condições normais de lançamento e de aceitação de uma oferta pública") foi mesmo sugerida, mas não teve seguimento. 

F. A decisão de não avançar nesta altura com qualquer processo de averiguação não foi, aparentemente, tomada pelo Conselho Directivo da CMVM o que não exime a instituição de falta de diligência. Parafraseando um depoimento de uma responsável da CMVM, a verdade é que a CMVM "esteve quase a verificar que havia algo que não estava bem". Só que tinha, como fica dito, todos os indícios e até sugestões para avançar mas não quis. A Comissão não poderia, portanto, deixar de constatar o erro.

V. Da actuação face aos pequenos accionistas

A. A Comissão tomou conhecimento do encerramento do processo de averiguação instaurado pela CMVM sobre créditos concedidos a pequenos accionistas e da multa aplicada ao BCP de 3 milhões de euros. No entanto, parece questionável que haja a possibilidade de baixar este valor para apenas meio milhões de euros, aparentemente condicionada à resolução dos problemas pendentes com os pequenos accionistas aliciados no início da década pelo eldorado do "capitalismo popular".

B. Deveria ter sido convicção da Comissão que os privilégios que o BCP - na altura e imediatamente após as operações realizadas para aumento de capital - facilitou a muitos dos grandes accionistas que beneficiaram de créditos especiais para comprar acções do BCP deviam ser também aplicáveis de forma adequada aos pequenos accionistas. As soluções "imaginativas" para limpar os créditos contraídos por alguns grandes accionistas, no valor de muitos milhões de euros, deveriam também ser utilizadas, de forma adequada, em situações dos pequenos accionistas aliciados pela campanha de venda de acções a "risco zero" lançada pelos responsáveis do BCP, sem a necessidade de promover o perdão parcial de multas.

C. O que não parece muito legítimo é condicionar o valor de uma multa aplicada por causa de uma campanha de aliciamento de accionistas sem regras nem princípios à concretização de soluções para a resolução dos problemas provocados a pequenos accionistas que há muito deveria ter sido já implementada pelo BCP.

D. Finalmente, a Comissão deveria ter concluído que os prospectos que o BCP lançou na altura dos aumentos de capital - e que ocasionaram esta "corrida à compra de acções" - deveriam ter sido rigorosamente verificados pelas supervisões (em especial pela CMVM) em todas as suas componentes - em especial no que respeita à informação parcial e deficiente, mormente quanto à quase integral desvalorização dos riscos existentes. Por isso, e mais uma vez, a Comissão deveria ter concluído que a supervisão falhou nas suas obrigações.

VI. Da actuação dos auditores externos

A. A Comissão constatou, através de diversos depoimentos, através de informações públicas do próprio BCP, designadamente pela divulgação dos resultados e por informações ao mercado, que as contas e resultados do Banco Comercial Português não reflectiram a totalidade da situação do BCP desde o início da década de 2000.

B. A Comissão foi também informada que no final do ano de 2007 - não obstante a situação que já então se vivia no BCP e as investigações já então despoletadas pelo Banco de Portugal e pela CMVM - a declaração pública do banco de que as contas respeitantes a Setembro de 2007 reflectiam inteiramente a situação financeira do BCP se revelou mais uma vez incompleta e insuficiente.

C. Tendo ao longo desta década o BCP mantido sempre como auditor externo a mesma empresa, verifica-se então que entre 2000 a 2007, inclusive, nenhum dos relatórios anuais de balanço e apresentação de resultados informa de forma completa o mercado quanto à situação do BCP, não obstante a empresa auditora nunca tenha colocado a mínima reserva ou chamado a atenção para factos eventualmente relevantes, a que está por lei obrigada a fazer.

D. Ao mesmo tempo que estranha esta total e completa omissão da parte da auditora, as audições deveriam ter permitido à Comissão concluir que deve passar a existir um quadro legal que impeça a coincidência das funções de auditoria e de consultoria na mesma entidade prestadora de serviços a uma mesma empresa cotada, tal como deve ser imposta a rotação periódica obrigatória de auditoras.

VII. De alterações do quadro legal

A. A Comissão conclui pela necessidade de agravar substancialmente o valor das coimas das infracções previstas no RGICSF e no CVM para que estas possam ter um efeito dissuasor efectivo da prática das respectivas infracções.

B. A Comissão deveria ter também concluído que deve ser revista a moldura penal aplicável a crimes do tipo económico, designadamente aos crimes de manipulação do mercado, por forma a que possam ser agravadas as penas e considerados como crimes graves não remíveis por multa, a qual, por mais elevada que seja fica bem abaixo dos proveitos normalmente obtidos por intermédio deste tipo de crimes.

C. A Comissão deveria ter concluído pela necessidade de impedir legalmente a coincidência do desempenho das funções de auditoria e consultoria na mesma empresa. A Comissão deveria ter igualmente concluído pela necessidade de rapidamente por em prática a determinação de rotação obrigatória de auditores.

D. A Comissão deveria ter concluído ser necessário reforçar as regras de governação das sociedades cotadas, tornando obrigatórias muitas das actuais recomendações da CMVM, alargando assim o grau de transparência pública e de fiscalização interna dessas sociedades.

E. A Comissão deveria ter concluído adequado ponderar a criação de um período de impedimento de três anos na transferência de altos cargos dirigentes de natureza executiva entre instituições bancárias ou financeiras concorrentes.

Palácio de S. Bento, em 24 de Julho de 2008

                                                                                       

                                                                         


 

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