Partido Comunista Portugu�s
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Moção de censura ao Governo
Intervenção do Deputado Bernardino Soares
Quarta, 26 Março 2003

Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro Senhoras e Senhores Deputados,

Durante este debate o Governo e a maioria procuraram sem sucesso encontrar justificações para a sua conduta na questão da guerra e da paz. É uma tarefa manifestamente impossível.

Por isso o Governo fugiu sistematicamente de falar da guerra recorrendo aos argumentos da baixa política e de populismo barato como na intervenção do Ministro de Estado e da Defesa.

Não serve o argumento de que ou se está com Bush ou se apoia Saddam, ou noutras palavras, quem não está comigo está contra mim. A opção não se faz entre Bush e Saddam mas entre a paz e a guerra; o Governo está do lado da guerra. Lembre-se aliás que as indignações anti-Saddam e as preocupações com a sua sanguinária ditadura nem sempre estiveram presentes nos discursos das administrações norte americanas e dos que as apoiam. Não é de mais lembrar que não há memória de que o uso de gases tóxicos e armas químicas pelo Iraque contra os curdos, ou na guerra com o Irão (em que de resto tinham o apoio dos EUA), tenha provocado indignação semelhante à que agora invocam os apoiantes da guerra.

Combatemos a ditadura de Saddam Hussein mas não defendemos a invasão do Iraque, como combatemos a ditadura de Salazar mas nunca aceitámos uma invasão para a derrubar.

Não serve o argumento de que o objectivo é desarmar o Iraque. Foram os próprios inspectores das Nações Unidas que assinalaram a necessidade de continuar a sua acção que de resto estava a conseguir alguns resultados.

Não serve o argumento de que a invasão do Iraque se destina a implantar a democracia _ não consta que as democracias se construam à bomba, nem que os vários bombardeamentos norte americanos nos últimos 50 anos tenham resultado em democracias.

Não serve o argumento do anti-americanismo a não ser que também sejam anti-americanos, por exemplo Jimmy Cárter ou Edward Kennedy.

Não serve o argumento de que temos de estar com os nossos aliados (mas na verdade só estamos com alguns) porque o que prestigia Portugal na cena internacional não é o seguidismo acrítico do expansionismo de Bush, mas sim uma posição própria e independente, que defenda o concerto pacífico dos países no quadro das Nações Unidas e a legalidade internacional. Essa foi durante anos a nossa mais-valia na questão de Timor-Leste.

Para o Primeiro Ministro o exercício dos direitos de oposição é matéria de oportunismo político. Mas a moção de censura que apresentamos não reflecte mais do que os nossos princípios e a genuína vontade do povo português.

Diz o Primeiro Ministro que as moções de censura são uma competição entre os radicalismos da oposição. Mas não há mais infeliz competição do que aquela que assistimos entre Durão Barroso e Aznar pelo lugar de acólito favorito do guerreiro Bush, em que o primeiro se vangloria de ter trazido para Portugal a cimeira da guerra.

O Governo atira a pedra e esconde a mão. Soprou as velas da nau guerreira de Bush, apoiou a guerra, mas agora não quer ser responsabilizado pela censura, invocando a necessidade de estabilidade devido ao conflito que ele próprio ajudou a lançar.

Diz o Primeiro Ministro que abomina a guerra. Mas envolveu Portugal na suprema hipocrisia dos que declaram a guerra em nome da paz.

Para o Primeiro Ministro é vantajoso colocar o País no centro da decisão política.

Mas entre o centro de decisão da guerra e a periferia da defesa da paz, preferimos, sem hesitações, a paz.

Senhor Presidente,

Apesar de todos os debates e de todas as intervenções há vários pontos que o Governo não esclarece.

O Governo deve esclarecer que a sua posição significa que aceita a menorização das Nações Unidas e do Direito Internacional e que concorda com a possibilidade de intervenção unilateral dos EUA.

O Governo deve esclarecer que sabe que a posição que defende merece o repúdio do povo português, o que significa que os portugueses não se sentem representados na posição internacional do seu país

O Governo deve esclarecer que a sua solidariedade belicista faz vista grossa ao facto de a principal vítima desta guerra ser, como em 1991 e nos anos que se seguiram, o povo iraquiano, e que a responsabilidade pela situação humana, que se vive no Iraque e pelas medidas para a resolver, é, nas palavras do Secretário Geral da ONU, da potencia ocupante.

O Governo deve esclarecer como se compatibiliza a sua actuação com os princípios constitucionais da resolução pacífica dos conflitos internacionais e da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados

A censura ao Governo é incontornável. Está nas ruas. Aqui se expressou na apresentação inédita de quatro moções de censura. E mesmo sabendo que a maioria exercerá daqui a pouco a sua função, como dela se espera, é absolutamente claro que não foram as moções de censura que entraram já derrotadas neste debate, mas sim a política do Governo.

Na verdade a censura ao Governo é geral, e manifesta-se nas mais diversas formas e expressões. E tem um enorme significado que tantos portugueses, das mais diversas origens, com entendimentos diversos da política internacional, com afinidades políticas e ideológicas bem diferenciadas, com interesses diversos, tenham entendido que o momento que vivemos no país e no mundo é grave e que isso justifica e exige a intervenção comum em defesa da paz e contra a guerra. Não estamos de acordo com todos os considerandos de todas as moções mas nelas não temos qualquer hesitação em apoiar o seu denominador comum, que é o mesmo do povo português: rejeitar esta guerra intolerável.

Pela nossa parte não aceitamos uma alegada convergência na posição das instituições através da subordinação de uma à escalada arrogante de outra aceitamos qualquer “unidade nacional” assente no seguidismo do nosso país em relação ao belicismo dos EUA.

Trata-se afinal de saber que mundo queremos: se um mundo em que o mais forte decide e impõe e em que as nações e os povos não têm direitos iguais na ordem internacional; se um mundo que se oriente pelos valores da paz e da resolução dos conflitos, razão fundadora das Nações Unidas após a 2ª Guerra Mundial.

Não sabemos o que nos reserva o futuro, nem o que dirá a História dos momentos que agora vivemos. Mas se nela houver um qualquer modesto lugar para lembrar este Governo aí se registará que o seu papel foi o de comprometer o país, contra a vontade do seu povo, com uma guerra injusta, ilegítima, e de consequências imprevisíveis.