Partido Comunista Portugu�s
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O preço da alimentação
Quarta, 07 Maio 2008
produtos-alimentares.jpgEm intervenção na AR, Agostinho Lopes denunciou a “subida desenfreada dos preços dos produtos alimentares básicos” como resultado de “opções e escolhas políticas feitas por interesses económicos, países, organizações internacionais, partidos e responsáveis políticos”. Agostinho Lopes declarou ainda que estes efeitos também se fazem sentir no nosso país, num contexto de “2 milhões de cidadãos no limiar da pobreza, profundas desigualdades sociais, baixos salários e baixas pensões " o que representa um “motivo para grande alarme social e a tomada de sérias medidas de emergência”.

 

 

 

Declaração política, acerca da carência de alimentos no mundo

Intervenção de Agostinho Lopes na AR

 

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

Assiste o mundo e o País, entre o pânico e o espanto, à subida desenfreada dos preços dos produtos alimentares básicos.

O pânico, perante as consequências dramáticas para centenas de milhões de cidadãos no mundo, que são conhecidas: fome, sub e malnutrição, atingindo, neste abraço de miséria e morte, milhões de crianças. Só os números assustam. É, assim, posta em causa a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que enuncia, como um direito imprescritível, o de cada ser humano ter acesso a uma alimentação sã e suficiente.

O espanto porque lhes tinham dito, nos tinham dito, que o problema da produção de alimentos estava resolvido. Houve até quem dissesse que a agronomia tinha morrido. Os factos a que assistimos são um desmentido brutal.

O problema estratégico da soberania alimentar, a que alguns chamarão segurança alimentar, de cada país, de cada povo e do planeta globalmente considerado, ressurge com a violência de um tsunami nas ideias feitas do pensamento único, neoliberal, com que se pretendeu esconder, ocultar, disfarçar os interesses do grande capital transnacional do comércio e indústria agro-alimentares e agroquímicos, os interesses do latifúndio e da grande exploração agropecuária de algumas potências agrícolas e os objectivos do imperialismo norte-americano

de fazer da alimentação dos povos «a arma mais poderosa de que nós dispomos no curso dos

próximos 20 anos», no dizer de John Block, antigo Secretário de Estado da Agricultura de Reagan.

As causas do problema decorrerão, certamente, de um complexo conjunto de factores onde estarão presentes, seguramente, as questões climáticas, responsáveis por más colheitas, as alterações climáticas e os seus efeitos na desertificação de territórios e na escassez de água, o aumento do preço do petróleo e consequente subida do custo dos transportes, a melhoria, em quantidade e qualidade, da dieta alimentar em alguns países, como a China e a Índia, o agravamento da situação de ocupação de solos com culturas industriais (que já as havia), com a criminosa política dos agrocombustíveis de produção dedicada (que agências da ONU não hesitam em classificar como «crime contra a humanidade»).

Mas, no cruzamento das causas estruturais com a presente conjuntura, destacam-se (e não temos dúvidas em considerá-las as principais responsáveis), primeiro, as políticas de liberalização do comércio mundial no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), com a alimentação transformada em banal mercadoria, sujeitando o volume e o preço da produção agrícola aos resultados de um mercado dominado pelas transnacionais do sector e dependente da flutuação especulativa da Bolsa de Chicago; segundo, as políticas de «ajustamento estrutural», impostas aos países do Sul pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), cumprindo ordens das grandes potências, com a liquidação das suas agriculturas de subsistência e autoconsumo; terceiro, a «conjuntura» da crise financeira internacional, desencadeada pela crise do subprime, num quadro em que meia dúzia de oligopólios/monopólios dominam o comércio mundial agropecuário, com a capacidade de controlarem os fluxos dos produtos, armazená-los ou escoá-los, e a capacidade para manipular os respectivos preços spot e «futuros».

Isto, no contexto de uma crise em que produtos agro-alimentares estratégicos básicos, como o trigo, o arroz, o milho, a soja (aliás, como o petróleo), se transformam em refúgio seguro de acções, obrigações e outro papel bolsista, mais ou menos especulativo.

A crise estava há muito anunciada e há muito que a FAO (pesem as suas contradições) e outras entidades internacionais a vinham anunciando.

A especulação em curso é apenas o rebentamento da bolha, mais uma, que a crise financeira detonou.

O problema resulta, assim, claramente, de opções e escolhas políticas feitas por interesses económicos, países, organizações internacionais, partidos e responsáveis políticos.

Também no nosso país o problema causa preocupações e tem suscitado um numeroso conjunto de alertas e denúncias.

O Grupo Parlamentar do PCP assinala a gravidade da situação de subida brutal dos preços, no contexto de um país de 2 milhões de cidadãos no limiar da pobreza, de profundas desigualdades sociais, de baixos salários e baixas pensões (algumas das quais o Governo ainda quer reduzir mais um pouco), motivo para grande alarme social e para a tomada de sérias medidas de emergência. Um país que, em consequência das políticas de direita prosseguidas, viu agravar-se drasticamente a sua vulnerabilidade e a dependência agroalimentar.

Srs. Deputados, mas talvez o mais esclarecedor é o comportamento político de responsáveis e exresponsáveis por esta área da governação.

Não é que o mentor e responsável pela reforma da PAC de 1992, a primeira grande machadada na agricultura portuguesa, vem agora queixar-se das políticas que vieram depois dele e defender até que «é fundamental haver alguns mecanismos de protecção na fronteira»?! Extraordinário!

E não querem ver que o responsável pelo desligamento das ajudas à produção agrícola é o PCP?!

O actual Ministro, mesmo depois de aprovar em Bruxelas o desligamento no caso dos hortofrutícolas e de ter decidido desligá-los a 50%, em Portugal, com possíveis consequências particularmente gravosas para a produção de tomate industrial, mesmo depois de ter dado sequência aos desligamentos decididos pelos governos PSD/CDS-PP, está contra o desligamento das ajudas!

O que significa isto em política? Ministro e Governo PS/Sócrates dão inteira continuidade às decisões do ex-ministro Capoulas Santos, do governo PS/Guterres, que, em Março de 1999, considerava um êxito os resultados finais das negociações da segunda reforma da PAC, para Portugal, onde defendeu entusiasticamente o desligamento das ajudas - extraordinário!

Mas será que o Governo PS/Sócrates e o seu Ministro perceberam ou tiraram qualquer conclusão da situação que o País e o mundo vivem? Zero!

O Governo prossegue alegremente uma política agrícola e um ProDeR (Programa de Desenvolvimento Rural) onde, sob o imperativo da «competitividade», se liquidam, de facto, compensações e complementos do chamado segundo pilar da PAC para a agricultura dita não competitiva e liquidam-se também as produções e explorações ditas competitivas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PCP considera que o Estado Português deve, na União Europeia e noutras instâncias internacionais, impulsionar e apoiar as medidas que a FAO vem reclamando.

O PCP considera que o Governo deve desencadear um programa de emergência às carências alimentares que atingem já milhares de famílias.

O PCP considera que se deve promover uma profunda avaliação da situação agrícola do País que sustente outra PAC e outra política agrícola para o País. Uma política agrícola que garanta a soberania alimentar, a segurança alimentar, os rendimentos dos agricultores e os salários dos trabalhadores agrícolas, a coesão económica e social.

E há uma questão crucial que o País e a União Europeia devem colocar: a saída da agricultura da Organização Mundial do Comércio (OMC).

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Jorge Almeida,

Sobre esta matéria, era interessante que o Governo e os Deputados do Partido Socialista fizessem, pelo menos, aquilo que, embora hipocritamente, o Banco Mundial vai fazendo, que é «bater com a mão no peito» e dizer que há 20 anos que se engana nas políticas agrícolas que desenvolve.

Relativamente às causas da situação, vou dar-lhe uma informação que não referi na minha intervenção: o investimento total em fundos, indexados na bolsa de Chicago, em milho, soja, trigo, gado bovino e suíno aumentou para mais 47 000 milhões acima dos cerca de 10 000 milhões em 2006, de acordo com a imprensa de pesquisa agrícola.

A Comissão do Comércio de Futuros de Mercadorias promoveu, na semana passada, uma audição, em Washington, para examinar o papel que os fundos indexados a outros especuladores estão a desempenhar na elevação dos preços dos cereais. E não lhe vou falar - porque não tenho tempo - dos lucros brutais do conjunto das empresas transnacionais deste sector...

Sr. Deputado Jorge Almeida, a União Europeia deixou esgotar o stock público de cereais?!... De quem é a responsabilidade? É do PCP? É dos anteriores governos do PS, dos Srs. Ministros da Agricultura e também dos governos do PSD/CDS-PP!!

O Governo prossegue políticas para a pequena agricultura relativamente à liquidação, por exemplo, dos chamados apoios do segundo pilar para a agricultura familiar, como sabe, obrigatoriamente transformada e obediente às leis da competitividade, liquidando as medidas agro-ambientais que existiam, eliminando os apoios a explorações abaixo de 1 ha!!

Sr. Deputado Jorge Almeida, sabe que o Banco Mundial diz que é preciso apoiar a pequeníssima agricultura?!

Mas os senhores não ficam apenas pela agricultura familiar de subsistência que existe no nosso país: estão mesmo a liquidar a agricultura que dizem ser competitiva. Basta olharmos para o que aconteceu com a reforma da OCM do vinho e para aquilo que acaba de acontecer com a OCM do leite, em que este Governo aceita já a liquidação das quotas leiteiras, admitindo, inclusive, o aumento uniforme das quotas para todos os países da União Europeia - o que é inadmissível -, quando ele devia ser claramente discriminado para países como Portugal, que têm uma capitação de quota claramente inferior à da média europeia.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Miguel Gonçalves,

Julgo que é uma evidência que o País e o Governo deveriam suspender imediatamente o programa que têm em matéria de agrocombustíveis, procedendo a uma revisão de fundo e tratando, inclusive, este problema no âmbito da União Europeia em função dos dados da Agência Europeia para a Energia, que levantou dúvidas relativamente ao desenvolvimento deste projecto.

Devemos começar por criticar este Governo porque não só enfileirou, sem qualquer reflexão, nesta matéria, relativamente à situação das características agricultura portuguesa, como resolveu logo ir, com a farronca conhecida, mais à frente, propondo uma meta superior àquela que a União Europeia determinava, sendo sempre «mais papista do que o Papa» nestas questões.

Devemos dizer que esta questão dos agrocombustíveis levanta ainda um outro problema energético central na resolução dos problemas de energia: é porque estamos a avançar com a criação de combustíveis para acrescentar à fileira petrolífera, rumo que não se desliga do grande problema da dependência do petróleo e da energia na base do sector petrolífero.

Uma vez que o Deputado José Miguel Gonçalves falou deste problema, gostaria de referir a redução de produção de alimentos no País, com as consequências a que hoje estamos a assistir. Pelos vistos, é um «problema europeu» para o Deputado Jorge Almeida..., mas, de facto, é um problema também relativo às políticas nacionais!!

Gostaria de recordar o problema do desligamento das ajudas à produção, cujas consequências não se prenderam com a ignorância dos governos. Quer o anterior governo do PS, quer o do PSD/CDS-PP, quer o actual governo do PS têm um estudo no Ministério da Agricultura, que foi distribuído, que previa como consequências para o desligamento das ajudas o seguinte: nas culturas arvenses de sequeiro - cereais, oleaginosas e proteaginosas -, a paragem da produção poderia atingir 61% do número de explorações e 59% da área; nas culturas arvenses de regadio e arroz 11% das explorações, 33% de área; na carne de vaca, 33% das explorações, 57% dos efectivos; nos bovinos 22% das explorações e 7% do efectivo; e nos pequenos ruminantes 17% de explorações e 21% do efectivo.

Não foi um problema de ignorância, mas de opções políticas, de seguidismo relativamente à União Europeia, com gravíssimos problemas e riscos para a agricultura portuguesa!!

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Francisco Louçã,

Começo por dizer que é uma evidência a necessidade de o Governo actualizar, rapidamente, a taxa de inflação e outros índices da economia portuguesa - e actualizá-la corrigindo-a na base da sua estrutura de cálculo, em função do índice de preços ao consumidor e do Inquérito aos Orçamentos Familiares, recentemente publicado pelo INE -, pois, só isso, traduzirá um diferencial significativo para muitos milhares de famílias portuguesas e deverá ter como consequência lógica e imediata a revalorização adequada dos salários e das pensões mais degradadas.

O Sr. Deputado falou ainda do quadro em que se perspectiva a actual reforma da PAC. De facto, podemos dizer que o que aí vem não é para termos grandes esperanças, a não ser que haja um outro movimento de fundo por parte de cada país ou de um conjunto de países ao nível das negociações agrícolas na União Europeia.

É porque esse quadro que a Comissária vem impulsionando é o quadro de negociações que acontece neste momento ao nível da Ronda de Doha da Organização Mundial do Comércio, ronda esta na qual o Presidente da OCDE, importante organismo que tem uma influência decisiva nesta matéria, defende, exacta e espantosamente, uma rápida e maior liberalização do comércio mundial, isto é, propõe como solução «deitar gasolina no fogo», propõe como solução uma medida que é a principal responsável pela situação em que os países e o mundo hoje se encontram em matéria de alimentação.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Abel Baptista,

Gostaria de começar por dizer que, não desvalorizando iniciativas como a do Banco Alimentar e outras, julgo ser necessário uma intervenção de emergência do Estado português no sentido de assegurar a todos os cidadãos, com a salvaguarda da sua dignidade e não os considerando apenas como receptores de esmolas, um mínimo para que as suas famílias sobrevivam, do ponto de vista alimentar.

Uma segunda questão tem a ver com o seguinte: o problema, Sr. Deputado, é que o Governo não diz apenas que está tudo bem; o Governo prossegue a política que levou o País a esta situação!

O Sr. Ministro, na entrevista já aqui hoje referida, diz que hoje o País produz 20% dos cereais que consome. Ora, em 1991, produzia 50%! Em 15 anos, as políticas agrícolas de direita, neste país, pelas quais os senhores também são responsáveis, eliminaram uma taxa de suficiência do País nesta matéria em 30 pontos percentuais!!

E, do nosso ponto de vista, não basta apresentar desculpas com a política agrícola europeia relativamente à política agrícola nacional, nem com política agrícola nacional relativamente à política agrícola europeia.

Julgamos que, na União Europeia, é necessário defender outra PAC, que garanta a segurança alimentar e a soberania alimentar, distinguindo aqui entre a segurança alimentar, na base das condições higienosanitárias, e a soberania alimentar como aquele mínimo de que um país necessita de ter para garantir a sua independência, como conceito estratégico - e, infelizmente, as políticas de direita eliminaram este conceito de soberania alimentar do conceito estratégico de defesa nacional no nosso país.

Portanto, não basta lutar na União Europeia por uma outra PAC - e devemos fazê-lo! -, mas temos de inverter completamente as políticas agrícolas no nosso país, no sentido de valorizar tudo aquilo que este país pode produzir - e pode produzir muito! Basta lembrarmo-nos do crescimento brutal de terra agrícola a monte, por este país fora, de norte a sul, para lá de toda aquela que está claramente ocupada com culturas, não diria inúteis mas que não respondem a este problema da soberania alimentar, produções estratégicas, ou mesmo outro tipo de usos. Como sabemos, está em curso a ocupação de grandes áreas deste território, com boas terras agrícolas, quer por planos de urbanização, quer por plataformas logísticas, quer por projectos turísticos de alto luxo.