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O desenvolvimento e os direitos - Odete Santos, Comité Central
Domingo, 25 Novembro 2007
Odete Santos

Camaradas e amigos
Muitos anos antes do momento em que começou a implementação da chamada Agenda Social da ONU, já a nossa Constituição numa antevisão notável de um novo programa mundial, estabelecia - artigo 2.º e artigo 9.º- a interligação, a indivisibilidade, a interdependência entre o desenvolvimento e os direitos humanos, e nestes, a interligação e a indivisibilidade entre direitos económicos, sociais e culturais e as liberdades políticas. O nosso texto fundamental estabelece o direito do Povo ao desenvolvimento e consagra a democracia política, económica, social, cultural e ambiental, considerando indissociável o direito ao desenvolvimento de todos os outros direitos.
Não se poder falar de direitos económicos, sociais e culturais por contraposição aos direitos políticos, sendo indissociável a democracia política, da democracia económica social e cultural.
Isto decorre de alguns textos aprovados pela ONU, entre os quais se destaca a declaração de Viena de 1993.
Lê-se nesta declaração:
Democracia, desenvolvimento e respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais são interdependentes e reforçam-se mutuamente.
E proclama-se ainda na plataforma de acção de Viena:
Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes.
A realização do desenvolvimento traz no seu bojo o aperfeiçoamento de direitos de participação política, tão importantes na construção de um quadro de direitos económicos e sociais.
Pelo contrário, sempre que o desenvolvimento entra em crise, sempre que o povo convive com elevados índices de pobreza, de desemprego, os direitos de participação política empobrecem, são alvo de ataques por parte dos poderes públicos que entendem necessário sufocar a liberdade de crítica em relação a políticas que provocam a pobreza e o desemprego.
Os poderes públicos tremem quando a liberdade de expressão zurze com eficácia as suas políticas anti-sociais e preferem a frase de Atila:
Por onde passa o meu carro a erva já não cresce.
Não podemos admirar-nos que, numa situação como a que se vive hoje em Portugal de profunda degradação dos direitos económicos e sociais, encontremos vivendo a par e passo com essa degradação, a profunda degradação da democracia política.
Assim, no que toca à liberdade de expressão:
Intromissão dos poderes públicos nesse direito, por forma insuportável.
Neste caso, para além dos entorses no Estatuto dos Jornalistas, conhecem os Jovens, sobretudo, as consequências da lei da rolha.
Envia-se a PSP e a GNR para desmobilizar manifestações de Estudantes, como aconteceu em Vila Nova de Gaia e em Valongo; envia-se a PSP à sede de um Sindicato para vigiar o protesto que se sabe poder eclodir contra a política do 1º Ministro. Envia-se a PSP para identificar pessoas que se encontram numa vigília de protesto perante a Assembleia da República.
Quer-se criar o convencimento (errado) de que uma manifestação tem de ser autorizada. Uma manifestação daquelas que o Senhor 1º Ministro considera más, marginais, por ser uma manifestação de protesto.
Recorre-se mesmo aos Tribunais para, através do medo, fazer diminuir o volume dos protestos.
Recorre-se à PSP para impedir a pintura de murais. Apreendendo tintas, identificando jovens, impedindo a criatividade através de uma forma de arte utilizada mesmo por pintores célebres como Portinari.
Envia-se a PSP para identificar pessoas, de preferência dirigentes sindicais, como aconteceu em Braga, que se juntaram para protestar contra as políticas anti-sociais.
Envia-se a PSP ou a GNR, para a Valorsul, para interferir com o direito de greve, que já não chegam sequer os entorses sofridos por esse direito no Código do Trabalho.
Envia-se a PSP ou a GNR para impedir a realização de plenários sindicais, ou a divulgação de documentos sindicais, sempre com a ameaça da tentativa de identificação dos famigerados e perigosos agitadores. Para este Governo, o inimigo n.º1 da segurança interna situa-se na área das pessoas que contra leis injustas se manifestam. Surge também a peregrina ideia de poder efectuar escutas telefónicas sem processo nem mandato judicial! O país inteiro é suspeito de agir contra a lei. Logo, é preciso que os ouvidos do imperador oiçam o que o Povo diz.
Com tanta desconfiança no Povo, apetece dizer com Bertold Brecht: Não seria melhor para o Governo dissolver o Povo e eleger outro?
Preparam-se medidas subversivas (subversivas no mau sentido) para alterar o estatuto dos magistrados. Para colocar o Poder Judicial à mercê do Poder Político. É isso que quer dizer a inconstitucional medida de funcionalizar os Magistrados, sujeitando-os aos vínculos e carreiras ao sistema da função pública.
A independência do poder judicial, a autonomia do Ministério Público, ambos garantes dos nossos direitos, liberdades e garantias, começam a ficar para a história, em papel pergaminho amarelado e enrugado tantas vezes quantas as rugas do nosso descontentamento.
Neste caminho de ataques às liberdades, o Governo Português, o senhor 1º Ministro não está sozinho. Está acompanhado por outros governos da União Europeia, que fazem do chamado 3.º pilar - o pilar da cidadania e das liberdades - uma trave carunchosa, a ruir de podre com o ruir das liberdades.
De facto, com a decadência do outrora chamado modelo social europeu, com a flexigurança, com a perda dos direitos sociais e económicos, reforçam-se pela União Europeia políticas musculadas de segurança interna.
Tais medidas são bem a medida das armas para calar o descontentamento.
Para o neoliberalismo, não há quaisquer direitos individuais, sempre que estiver em causa os direitos do Deus mercado. Sendo contra o desenvolvimento dos povos, é contra os direitos económicos e sociais, contra as liberdades políticas fundamentais, nas quais se inclui o direito de resistência contra ordens e leis injustas.
E desta tribuna, impõe-se que se diga ao Poder Político que com o medo quer calar protestos de um Povo em luta pelo progresso.
Venho dizer-vos que não temos medo.
Porque, e ainda com Brecht, nos situamos entre aqueles que são os imprescindíveis. Os que lutam toda a vida.
Não nos situamos entre os bons. Os que lutam 1 dia.
Não nos situamos entre os melhores. Os que lutam 1 ano.
Não estamos entre os muito bons. Os que lutam muitos anos.
Nós lutamos toda a vida. Somos imprescindíveis nesta luta constante da humanidade pelo progresso, pelo desenvolvimento, pelas liberdades.
“Porque é em frente que vamos, não é verdade? É em frente que vamos”